SOMOS TODOS LOUCOS, MABEL... - Estamos deslocados no meio dessa desprezível normose, atolados na
lama da sobrevivência, carregados desconfortavelmente pela desgraça das horas. Que
seja doidona a pular num pé só diante pelas adversidades, que seja lunática
porque o que resta é sair pela noite e encher as ruas de pernas e à primeira
porta aberta, o consolo do copo às tragadas, os drinques e o barato ao canto em
busca de emoção bêbada. Ninguém nos dá as horas, relógios egoístas fogem
assustados de quem só tem os filhos e nada mais. O que é o trabalho senão o
castigo de sobreviver, o que é dentro de casa quando ser feliz é uma coisa
muito estranha, apesar das tentativas insistentes, não conseguimos ser felizes
e isso torna a nossa vida uma bagunça. Na noite perdida a tropa chega sem aviso
pendurados pela irônica ópera. A casa com suas repartições angulares exultam
fantasmaas líricos nas vozes trágicas e todos se envolvem La Boheme, como se
estivéssemos na mansarda em pleno natal parisiense, a posteridade não valendo a
pena salvar obras ao frio. Quem não penhorou os livros e o aluguel atrasado na
cobrança, com uma jovem pálida e bela, a chave e a vela apagada às mãos,
desmaiando na poltrona. É a poesia e o verdadeiro amor que morre nos braços do
poeta e todos se engraçam na cena, aos aplausos. Aída e o desconforto do
reprimível desagradável, os desencontros à mesa, os convidados, situações
desagradáveis. A gente quer contar a nossa história na rua, ninguém se
interessa, não há interlocução. Todo médico é um vampiro e a morte do cisne no
quintal. Ao redor da mesa todos olham pra nós. A gente não se encaixa na
conversa normal. A piada ofende, ninguém sabe mais brincar. Resta falar sozinha
com seus tiques nervosos assustando e o colapso a deteriora ao pânico. É a calmaria
e a tempestade, ninguém sabe como, imprevisível e desregrada, e se guarda
descompensada com toda frustração, sandices, encurralada até o limite. A mãe
não durará para sempre, quem não sabe. Melhor brincar de dançar o Lago dos
Cisnes e as fantasias se esvaindo com a família até que a morte os separe no
meio da conspiração entre o que seria amor, amizade, conforto... cinco e nada,
apenas os dedos e o reencontro é difícil, nunca se sabe o que fazer com as
saudades, ninguém apoiará, ninguém saberá o que queremos. Não saberíamos jamais, ao
certo, do que seríamos capazes na nossa solidão claustrofóbica. O sorriso
disfarça o ódio e a fala é a raiz do desentendimento, o que há de normal na
nossa estranheza. O amor não tem explicação: ninguém nem nós mesmos nos
entendemos, somos exíguos na nossa distância e nos perdemos com aproximação. E
que seja você mesma, somos todos loucos. Veja mais abaixo, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Morrer em uma Terra agonizante – eu viveria, nem que fosse para
chorar. A arte minoritária, a arte vernácula, é arte marginal. Somente nas
margens ocorre o crescimento. Pensamento da escritora e ativista
estadunidense Joanna Russ (1937-2011). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Tornei-me insano, com
longos intervalos de uma horrível sanidade. Pensamento do escritor estadunidense Edgar Allan Poe
(1809-1840). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGINAÇÃO POÉTICA & INSANIDADE – [...] Há uma estrutura da vida psíquica que é tão
claramente reconhecível como aquela do corpo físico. A vida sempre consiste na interação
de um corpo vivo com um mundo exterior que constitui o seu meio. Sensações,
percepções e pensamentos têm origem no jogo constante de estímulos externos.
Procedem também mudanças no estado afetivo à base de um sentimento geral. Os sentimentos
evocam volições e conflitos de desejo e vontade. Volições resultam em ações
externas da vontade, entre elas as mais poderosas são aquelas que são contidas
em estados corporais- tais como o impulso da autoconservação, a necessidade de
alimento, o impulso da reprodução e o amor à prole. Quase tão poderosos são a
necessidade de estima e os instintos sociais, que estão contidos na vontade.
Outras volições produzem mudanças internas na consciência. A hierarquia do
reino animal está baseada nessa estrutura. [...].
Trechos da aula Imaginação poética e insanidade (1886), do filósofo
alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911), autor de obras como A poética (1887),
A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910) e Os tipos de concepções
do mundo a sua formação nos sistemas metafísicos (1911). Veja mais aqui.
FAMILIA – [...] Dos pouco menos de um milhão de elegíveis que circulam
por aí, 5% não conhecem o seu sinal e nem sequer se importam. Outros
5% estão ligados às suas mães por uma fixação alimentar. Isso
deixa apenas 20% que estão à procura de uma garota que pegue suas roupas,
prepare seus banhos, queime os dedos descascando seus ovos de três minutos,
faça suas tarefas, dê à luz um filho todos os anos, pareça uma modelo, cuide as
suas necessidades quando estão doentes e mantêm um emprego a tempo inteiro fora
de casa para pagar o seu barco. [...]. Trecho extraído da obra
Family - The Ties That Bind...And Gag! (Fawcett,
1988), da escritora e humorista estadunidense Erma Bombeck (1927-1996),
que também expressa: Quando
eu estiver diante de Deus no final da minha vida, espero não ter mais nenhum
talento sobrando e poder dizer: Usei tudo o que você me deu. Veja mais aqui.
DOIS POEMAS - QUEIMANDO - pela manhã eu te desejo \ mas os convidados
ainda não chegaram \ você tem que aspirar lavar o chão \ eu me ajoelho o
esfregão na mão \ você viria atrás \ Eu preparo a massa para o pão na mesa da
cozinha \ você veio aqui também antes de dispersar a farinha \ você e o seu
sempre em mente. CENTENAS - e se todos os meus homens estavam se reunindo \ ao meu redor
ao mesmo tempo, \ os mortos também, jovem pela manhã, à noite, \ assim como
eles são ou seria se eles vivessem \ o que eles diriam ou fariam? \ o que eu
faria? \ quem iria me querer? \ quem eu faria? \ e os que eu dormi na minha
solidão ou meu tesão? \ aqueles que eu realmente amei? \ as sementes dos
sentimentos, \ dos homens nublado cem vezes misturado cem vezes, \ cem que
deixaram cair seus chifres. Poema da escritora finlandesa
Inger-Mari Aikio.
UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA – O filme A
Woman Under the Influence (Uma Mulher sob Influência, 1974), escrito e dirigido pelo
cineasta e ator estadunidense John Cassavetes (1929-1989), estrelado por Gena Rowlands e Peter Falk, conta a história de um
casal composto por uma dona-de-casa de classe média baixa estadunidense,
mãe de três filhos e casada com um trabalhador braçal. Ela apresenta-se fragilizada
mental e emocionalmente, demonstrando sinais de descontrole, o que a levará a
ser internada num hospício pelo marido. Este casal se configura com o comportamento de um lunático
pacífico que se torna histérico e violento, e uma mulher depressiva, ansiosa,
bipolar e com diversos tiques nervosos. Veja mais aqui e aqui.
OUTRAS DIC’ARTES MAIS