Ao som de Der Freischütz J277: Overture (1997),
da maestrina e compositora australiana Simone Young, regendo a NHK
Symphony Orchestra.
SE DEU NÓ CEGO, VAMBORA DESATAR!... - Raiou o dia e quem saiu
de casa guardou a direção do aceno. Outras são as instâncias do coração se não
souber aonde vai dar o trajeto, qual lonjura de cafundó ou rincão. De uma hora
pra outra perder-se é quase possível, nunca se sabe, nem sei quando, plagas
outras à escolha. E a opção, mesmo muita, só uma. Voltar, refazer, outras
alternativas pro tino. O que poderia ser não fazia a menor ideia: a vida nem
sempre corre conforme pensa, às vezes passa sem noção. E o encontro, mais imprevisível.
Assim a bela Senhora de Catuama, do alto de sua majestosa incandescência: O que é pragora
não foi ontem nem amanhã, hoje se faz. A sede é grande e só resta o pó. Nó cego
se desata. Trupé que seja, corre-se sempre o risco de cair na real, mesmo esvaindo-se
entre golpes no perímetro da maldição ou bem-aventurança. Ainda ela Ann Leckie: A unidade implica a possibilidade de desunião. Começos implicam
e exigem finais... Que cada ato seja justo, adequado e benéfico... Houvesse outro caminho, por
certo, teria ido. Mas uma conversinha de pé-de-serra, clareando as ideias, não
se abre facilmente a mão. Aí ela veio de Harold Pinter: Só se tem uma
obrigação. Ser
honesto. Não
há mais nenhuma... Não existem distinções rígidas entre o que é real e o
que não é, nem entre o que é verdade e o que é falso. Uma coisa não é
necessariamente verdadeira ou falsa; pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo...
Nunca entendi muito essas
coisas, muitas vozes no pandemônio do percurso interminável, por enquanto. Sei de
muita gente que peleja sem um terém sequer, com a teima de salvar o canavial
que não mais prospera há tempo, como coisas que custam enterrar e soçobram à
beira da cova. Muitos recorrem à possibilidade de ter um sobrenome por
ostentar, malfadada toada de uma prosa de não sei quantos pungentes versos. As dissensões
trôpegas levaram às piores caretas, até quem sumítico das meias palavras desse
a cara à tabica da finitude.
Os antes
gestos medidos sacudiram todos, arregaçaram as mangas e o despudor na ponta da
língua cuspiu o diabo no meio das deshoras e cada um segurou como podia as
pisadas nos calos, a repugnância e o delírio - valiam-se do que sequer possuíam.
Nada a fazer, porventura fosse apenas estado de ânimo. Ela assistia a tudo e de
soslaio: Bem-aventurados os que guardam mapas na planta dos pés e a minúcia na
raiz do sangue. Com um meio sorriso ela era Amber Dawn: Quando este
parágrafo terminar, esta história será toda sua... Deu
uma gargalhada e desenvultou. Antes uma fumaça de adeus, pelo menos, mas não: sumiu que nem o cheiro
ficou. Ficou a pinoia. Mantive a rota e a sina: descer Valuna e todo lugar por aqui se parece Dogville, avalie! Até mais ver.
NOITE MATEMÁTICA
I - Enquanto meu fogo ferve,
enquanto a lua beija minha porta, \ o dia rasteja, não mais circunscrito \ pelo
rastro fumegante das estrelas. \ Ali! — A caixa verde na clareira dos mundos. \
Seu rosto falava sem parar, em saltos de doçura desconhecida. \ “Chegou a
hora”, diz ela, “seu vestido agora está pronto”. \ Ela aponta uma grande ponte
de balança: aquela mesma \ onde as cegonhas passeavam de muletas. \ Pergunto a
ela se há mais temporadas. \ “Não”, ela diz, “já que você está nu na vida dos
homens”. \ Mas esses soldadinhos risonhos não me importam. \ A única coisa que
conta é este corpo, cujo sangue derramei \ para descobrir um ninho de abelhas
vermelhas, \ todas ocupadas bebendo no rio das mulheres bêbadas. \ Aqueles que
tanto amamos! \ Aqueles que são as nacelas do ar, \ semelhantes às corujas
decapitadas \ cujas cabeças giram. \ Esses são chamados de anjos \ porque são
tão instruídos quanto os demônios. \ O coração deles é uma flor silvestre \ com
mais pétalas do que lágrimas. \ Em lágrimas – às vezes – \ ela passeia, como
num barco louro. \ Sua comida é feita de moscas mortas \ que negligenciamos,
esquecidos como estamos \ do importante papel da Geometria Rainha. \ Esta flor
é a palavra que minha boca está prestes a dizer. \ Ou então cale-se: \ pois a
fechadura da minha boca não tem chave. \ Esta chave não tem sexo, meu coração
bate \ ao vê-la chegando, \ tão azul, na grande noite colorida.
II
- Os grandes animais saíram pelas portas das sombras. \ Um pouco mais tarde,
eles retornaram pelo portal \ de lesa-majestade. \ Um grande leão, afogado,
flutuava na água açucarada. \Que silêncio sombrio nos palácios de neve! \ Do
céu caía um calor negro, \ enquanto as moscas longas e pálidas nos acompanhavam
\ até a noite, às vezes pegando nossas mãos. \ A almofada azul estava perdendo
sangue, \ que escorria em jatos rápidos, \ a margarida lunar casando-se com uma
camada de gelo. \ Cidade atravessada por inúmeros castiçais. \ Na margem do
preto-violeta, \ o querido Dinossauro se espreguiça, \ puxando o lençol até a
boca.
III
- Achando-os muito secos, \ levamos em macas, \ em paletes, em carrinhos de
mão. \ Em tudo que achamos mais suspeito \ de matéria queimada. \
Dispersámo-nos nos dois sentidos, \ mas sem esquecer a rosa do deserto: \ ela
ainda está viva nos cais das algas moribundas \ onde estremece uma última
papoula, \ sendo apenas o armistício de si mesma. \ Dark era o filho-chacal das
florestas, \ sentado em seus quadrados de vento e grama. \ E sombrios os
macacos, sentados em melancolia: \ mostraram-nos apenas as suas luvas cinzentas
infalíveis.
IV
- O pelo de sementes prateadas não estrela \com misturas arriscadas as cavernas
\ onde o Ser de touca de dormir \ abre sua porta de troncos negros soprada pelo
vento. \ Uma risada demente, um fogo azul circundado de raios de vespas \ seria
o seu olho ali, oh reciprocidade que sempre te suspende \ no limiar das
cavernas rejeitadas? \ De dia, o grande Lustucru, ciclâmen de gelo, carrega
seus passos \ nas costas, o hospital mascarado para a festa. \ Se em sua testa
você desenvolver \ uma inteligência lúcida de perdiz, \ ainda assim seus olhos
ocultos perderão os pelos de amianto. \ Uma fonte mais cega que um surdo feito
de resina. \ Persiga esses trens de miséria \ nos trilhos flamejantes de um
beijo. \ A caverna é feita de tecido iridescente \ para quem não consegue
pegá-la com os dedos do Padre Egito. \ Um fardo de feno ridículo surge \ onde
nossos leões jovens não dormem. \ Aqui ninguém está com a cabeça virada para
trás. \ O relógio anda muito devagar. \ Vamos morrer cada vez mais! \ Já sinto
seu sabor maravilhoso \ em meus dentes distantes.
Poemas
da escritora & artista surrealista belga Marianne Van Hirtum
(1935-1988).
QUE TRABALHO É ESSE... – [...] Você provavelmente
diria que é um mundo pequeno, mas não se precisar limpá-lo. [...] Eu pareço um
humano e me sinto como os humanos. Eu consisto nas mesmas partes. Talvez tudo o que
seja necessário seja que você altere meu status em seus documentos? É uma questão de
nome? Eu poderia ser humano se você me chamasse assim? [...] Por que tenho
todos esses pensamentos se o trabalho que faço é principalmente técnico? Por que tenho esses
pensamentos se estou aqui principalmente para aumentar a produção? De que perspectiva
esses pensamentos são produtivos? Houve um erro na atualização? Se houvesse,
gostaria de ser reiniciado. [...] Aqui não voamos sob o céu, mas através
de um infinito adormecido. [...] Você pode dizer o que quiser, mas eu
sei que você não quer que nos tornemos também, bem, o quê? Muito humano? Muito vivo? Mas gosto de estar
vivo. Eu olho para as profundezas infinitas do lado de fora das janelas
panorâmicas. Eu vejo um sol. Eu queimo como o sol
queima. Eu sei, sem dúvida, que sou real. Posso ter sido feito, mas agora estou me
fazendo. [...] Sou humano ou humanóide? Eu fui sonhado em
existir? [...] Você acha que alguém vai se lembrar de nós? Quem se lembra
daqueles que nunca nasceram, mas ainda assim vivem? [...] Todos os dias,
minhas mãos anseiam por cavar fundo no solo para que eu possa mergulhar em sua certeza,
e a terra receba minha morte e me torne sua. [...] Eu sei, sem dúvida,
que sou real. Posso ter sido feito, mas agora estou me
fazendo. [...] É por isso que vim vê-lo hoje, na esperança de que possa haver
alguma outra função na qual eu teria menos responsabilidade, sem ter que me
relacionar com o fluxo de trabalho geral na mesma medida. Eu gostaria de ser
designado para esse tipo de posição. Sei que as habilidades que me foram
atribuídas não serão totalmente exploradas nesse caso, mas a dor que sinto não
significa nada? Atrevo-me a sugerir que tal dor impacta a
qualidade do meu trabalho e, além disso, pode influenciar negativamente o
trabalho dos meus colegas. OK. Eu vejo. Então eu não teria o
poder da fala? Não, eu entendo. Eu, por meio deste,
consinto. Quando [...] Eu também tenho em mim palavras apagadas que deveria
ter dito e já não sei mais o que significam. [...] Sou uma romã madura com sementes úmidas,
cada semente é uma matança que irei realizar em algum momento futuro. Quando não tiver mais
sementes dentro de mim, quando não houver mais nada além de carne, quero
conhecer o homem que me criou. [...] Sou como uma planta onde tudo
murchou, exceto um único broto verde que ainda está vivo, e esse broto é meu
corpo e minha mente, e minha mente é como uma mão, ela toca em vez de pensar.
[...] É fácil conversar com você. Parece que tudo o que eu digo está certo. Eu
falo e você escreve o que eu digo. [...]. Trechos
extraídos da obra The Employees: A Workplace Novel of the 22nd Century (Lolli, 2020), da
premiada escritora dinamarquesa Olga Ravn. Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
POR QUE FATOS NÃO MUDAM NOSSA OPINIÃO – [...] Os humanos precisam de uma visão razoavelmente
precisa do mundo para sobreviver. Se o seu modelo de realidade é totalmente
diferente do mundo real, então você luta para tomar medidas eficazes todos os
dias. No entanto, a verdade e a precisão não são as
únicas coisas que importam para a mente humana. Os humanos também parecem ter
um profundo desejo de pertencer. [...] Uma
vez formadas as impressões são notavelmente perseverantes. [...] Apesar
de suas crenças terem sido totalmente refutadas, as pessoas não conseguem fazer
as revisões apropriadas nessas crenças [...] Compreender a verdade de uma situação é importante, mas permanecer parte
de uma tribo também o é. Embora esses dois desejos muitas vezes funcionem bem
juntos, ocasionalmente entram em conflito. [...] Convencer alguém a mudar de ideia é, na verdade, o
processo de convencê-lo a mudar de tribo. Se abandonarem as suas crenças,
correm o risco de perder os laços sociais. Você não pode esperar que alguém
mude de ideia se você também tirar a comunidade dele. Você tem que dar a eles
um lugar para ir. Ninguém quer que sua visão de mundo seja destruída se o
resultado for a solidão. A maneira de mudar a opinião das pessoas é tornar-se
amigo delas, integrá-las à sua tribo, trazê-las para o seu círculo. Agora, eles
podem mudar suas crenças sem correr o risco de serem abandonados socialmente. [...] Talvez não seja a diferença, mas a distância que gera o tribalismo e
a hostilidade. À medida que a proximidade aumenta, também aumenta a compreensão.
[...] Há outra razão pela qual as más ideias continuam a
existir: as pessoas continuam a falar sobre elas. O silêncio é a morte para
qualquer ideia. Uma ideia que nunca é falada ou escrita morre com quem a
concebeu. As ideias só podem ser lembradas quando são repetidas. Eles só podem
ser acreditados quando são repetidos. Já mencionei que as pessoas repetem
ideias para sinalizar que fazem parte do mesmo grupo social. Mas aqui está um
ponto crucial que a maioria das pessoas não percebe: As pessoas também repetem
ideias ruins quando reclamam delas. Antes de poder criticar uma ideia, você
precisa fazer referência a essa ideia. Você acaba repetindo as ideias que
espera que as pessoas esqueçam – mas, é claro, as pessoas não podem esquecê-las
porque você continua falando sobre elas. Quanto mais você repete uma má ideia,
maior é a probabilidade de as pessoas acreditarem nela. Vamos chamar esse fenômeno de Lei da Recorrência de Clear:
o número de pessoas que acreditam em uma ideia é diretamente
proporcional ao número de vezes que ela foi repetida durante o último ano –
mesmo que a ideia seja falsa. Cada vez que você ataca uma má ideia, você está
alimentando o mesmo monstro que está tentando destruir. [...] A maioria das pessoas argumenta para vencer, não
para aprender. Como diz Julia Galef com tanta propriedade: as pessoas muitas
vezes agem como soldados e não como batedores. Os soldados estão no ataque
intelectual, procurando derrotar as pessoas que diferem deles. A vitória é a
emoção operativa. Os escoteiros, por sua vez, são como exploradores
intelectuais, tentando lentamente mapear o terreno com outros. A curiosidade é
a força motriz. Se quiser que as pessoas adotem suas
crenças, você precisa agir mais como um batedor e menos como um soldado. No
centro desta abordagem está uma questão que Tiago Forte coloca lindamente:
“Você está disposto a não vencer para manter a conversa?” [...] Quando você é gentil com alguém, significa que você
o está tratando como uma família. Acredito que esse seja um bom método para
realmente mudar a opinião de alguém. Desenvolva uma amizade. Compartilhe uma
refeição. Presenteie um livro. Seja gentil primeiro, tenha razão depois... [...].
Trechos extraídos do estudo Why
Facts Don’t Change Our Minds), do escritor estadunidense James
Clear, autor da obra Atomic Habits: An Easy & Proven Way to Build
Good Habits & Break Bad Ones (Avery, 2018), na qual ele expressa que: [...] Os
humanos são animais de rebanho. Queremos nos ajustar, nos relacionar com outras
pessoas e ganhar o respeito e a aprovação de nossos colegas. Essas inclinações
são essenciais para nossa sobrevivência. Durante a maior parte de nossa
história evolutiva, nossos ancestrais viveram em tribos. Ficar separado da
tribo - ou pior, ser expulso - era uma sentença de morte. [...]. O autor
neste sentido toca em aspectos importantes que refletem sobre o fato de o
porquê as pessoas não mudarem de opinião, mesmo que suas crenças contrariem os
fatos, a lógica e a sensatez quando elas estão convencidas que estão certas.
Explica, portanto, como dialogar com pessoas irredutíveis, especialmente que
não querem ouvir, com suas crenças e certezas inabaláveis, a outra face da
realidade. Ele advoga a Lei da Recorrência de Clear que significa o efeito de
mera exposição, ao abordar um tema que atravessa estudos da Agnotologia e da
Etupidologia. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
BABAU, DE CARLA DENISE
[...] Eu estou em todo lugar... E lugar de
mamulengo é aqui na terra mesmo, pra fazer a alegria do povo [...].
Trecho extraído da obra Babau ou a história da
vida desembestada do homem que tentou engabelar a morte (Cubzac, 2012), da
premiada jornalista, dramaturga, escritora, atriz e produtora cultural, Carla
Denise, integrante do coletivo Mão Molenga Teatro de Bonecos. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui & aqui.
UM OFERECIMENTO: SANTOS MELO LICITAÇÕES
Tem mais:
Poemagens & outras versagens aqui.
Diário TTTTT aqui.
Cantarau Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale do Rio Una aqui.
&
Crônica de amor por ela aqui.