


HEIDEGGER E A PSICOLOGIA – O filósofo alemão Martin
Heidegger (1889-1976), foi aluno e discípulo do fundador da fenomenologia,
Edmundo Husserl, e do culturalista neokantiano Heinrich Ricket, é autor de
diversas obras de importância máxima, a exemplo do “Ser e Tempo” e “Introdução
à Metafísica”, entre outras. Em “Ser e Tempo” ele entende que o sentido da
pergunta pelo ser foi perdido e caiu no esquecimento após as indicações de
Platão e Aristóteles, formulando a sua Teoria do Ser que tem por propedêutica a
analítica da existência humana, introduzindo o método fenomenológico do Dasein, a essência humana que consiste em
sua existência na possibilidade de realização. Por conseguinte, para o filósofo
o ser e o estar no mundo é a determinação fundamental do Dasein: o mundo, o ser do existente e o ser em ou no mundo –
revelando as dimensões do tempo, o futuro, o presente e o passado. Para ele, o
mundo não é uma soma de objetos, mas uma totalidade implícita nas coisas que o
compõem. Apesar das criticas de quase incompreensibilidade de sua linguagem
filosófica, do artificialismo das suas etimologias, do seu anti-humanismo e das
decorrentes atividades políticas do pensador, Heidegger é considerado, por seu
inegável esforço profundo na análise ontológica da existência, influenciando
sobremodo muitos pensadores, a exemplo de Jean-Paul Sartre. O presente estudo
está voltado para identificar a sua contribuição à Psicologia, objetivando por
meio de uma revisão da literatura, observar de que forma o Dasein e todo o seu pensamento fenomenológico contribuiu para o
desenvolvimento da ciência psicológica. O EXISTENCIALISMO HEIDEGGERIANO - O
existencialismo heideggeriano, segundo Padovani e Castagnola (1978), é
concebido a partir da filosofia do finito, ao defender que não é a essência que
dá significado à existência, mas o contrário, uma vez que a existência é
possibilidade que adquire uma essência. Ele compõe sua filosofia a partir da
condição inicial do existente humano, o estar-no-mundo, o Dasein. E se firma na angústia que é a experiência radical do nada
de todas as coisas. A teoria ser no mundo, segundo Heidegger (1989), aparece
como ontologia fundamental na investigação fenomenológica, buscando as
essenciais determinações do ser dos entes: "o ser é sempre o ser de um
ente", ou dasein, o ser do
homem. Essas ideias foram importantes para a psiquiatria. Para Almeida (2014,
p. 19) Com Heidegger é que temos a criação da filosofia existencial em nosso
século e ainda sua junção com a psicologia e a psiquiatria. A ontologia
heideggeriana é de que o homem é um ser no mundo onde o homem tem sua
existência por ser–no-mundo e o mundo tem sua existência porque há um ser para
revelá-lo. O que nos leva a perceber a unicidade do ser e do mundo. Segundo
Barbosa (1998, p. 42), a “Grande parte da importância do pensamento de
Heidegger consiste em ter ele problematizado o ser-em da existência humana”. Assim,
Heidegger, conforme Chauí (1979) vai abordar o problema do ser empregando o
método fenomenológico de Husserl, levando-o a colocar como ponto de partida de
sua reflexão aquele ser que se dá a conhecer imediatamente: o próprio homem. Heidegger
(1989) abandona a intencionalidade e a consciência ao criticar Husserl e sua
fenomenologia transcendental, buscando essência da consciência, insatisfeito
com a metafísica husserliana: Dasein deve substituir 'sujeito' ou 'eu'.
O termo Dasein, nessa perspectiva, refere-se ao existir humano que se dá
como um acontecer (sein) que se realiza aí (Da), no mundo, sendo o próprio
existir que consitui o aí em que se dá a existência. Nesse sentido, tendo-se em
vista a "finitude" humana, a temporalidade e a historicidade serão
fundamentais na análise heideggeriana do Dasein. INFLUÊNCIAS E
CONTRIBUIÇÕES HEIDEGGERIANAS – Numa revisão efetuada a partir de Farias (1988),
Fédier (1989), Loparic (2003), Pessanha (2003), Safranski (2000) e Duarte
(2001), encontrou-se que Heidegger tornou-se, ao mesmo tempo, um ícone do
pensamento do século XX por sua filosofia complexa, além de centro de
escândalos por seu engajamento ao nazismo. Contudo, Queiroz (2005, p. 30)
destaca o Dasein do pensamento
heideggeriano, observando que: A Ontoterapia, com sua visão global do homem,
aberta aos domínios do corpo, da alma e da espiritualidade, funda-se,
principalmente, neste cuidado do ser. O cuidado reveste-se de dúplice forma.
Pode-se falar do auto-cuidado e do hetero-cuidado. É o próprio Heidegger, na
obra Ser e Tempo, que afirma que o Dasein ocupa-se essencialmente desse próprio
Dasein, ao mesmo tempo em que este é determinado como um ser – uns com os
outros original. Por isso o Dasein ocupa-se sempre também com os outros. Dá-se,
segundo o autor mencionado, que a ontoterapia faz uso do cuidado de duas
maneiras: cuidar de si e cuidar do outro, ou seja, preocupar-se consigo mesmo
e, da mesma forma, preocupar-se em cuidar do outro. É esse pensamento solidário
que vai possibilitar a identificação das inestimáveis contribuições de
Heidegger à Psicologia. Dessa forma, para a Psicologia, segundo Sebit (2012),
Heidegger exerceu importante influência por ter buscado nas suas ideias a nova
perspectiva para a colocação dos problemas humanos, da questão do conhecimento,
da ciência e da técnica, contribuindo, assim, não só com essa área do saber,
como também com a sociologia, teologia, ecologia e educação. A contribuição
inaugura – via fenomenologia do Dasein - a assim chamada fenomenologia
existencial, base de escolas e linhas de pensamento contemporâneas em
psicologia, psiquiatria, psicoterapia e psicopatologia, ainda que ele mesmo não
se definisse como existencialista, no sentido de não pertencer ao
Existencialismo enquanto movimento. Além disso, observa-se a aproximação da
analítica do Dasein de Heidegger com a clínica - psiquiátrica ou
psicológica - psicoterapêutica. A esse respeito, destaca Almeida (2014, p. 22)
que: [...] a psicologia existencial pode ser definida como uma ciência humana
que emprega o método da analise fenomenológica. Uma das principais
particularidades da psicologia existencial em relação aos outros sistemas
psicológicos se da pela oposição a aplicação do conceito de causalidade das
ciências naturais aplicado as ciências humanas e especificamente à psicologia.
Esse ser no mundo é o que vai marcar a operação de univocidade entre sujeito e
objeto restaurando a unidade entre o homem e o mundo, mundo este marcado por
três aspectos: as regiões fisiobiologicas, o ambiente humano e aquele no qual
se acha a pessoa e seu eu, incluindo o corporal. A psicologia existencial que
surgiu da filosofia e que desta guarda e mantém estreitas relações, teve grande
repercussão sobre a teoria e à pratica da psicologia como um todo, fazendo
surgir outras técnicas e pontos de vista tanto em campos do aconselhamento como
da psicoterapia. Marca uma função de seguir as coisas em si mesmas na
orientação de não se deixar perder no seu relacional, em seu contato com a
experiência e ao cotidiano. Sua contribuição, conforme Barbosa (1998), se deu
no campo da psicopatologia com o reconhecimento da enfermidade como um modo ou
estilo particular de ser no mundo, a partir da utilização do método
fenomenológico de reflexão com o objetivo de alcançar a essência da enfermidade
por meio de suas manifestações concertas. Havia, então, o entendimento de que a
enfermidade é uma distorção da estrutura do ser no mundo. Por isso, Barbosa
(1998) observa que o sintoma, enquanto estilo
de ser, encontra-se também no normal, ou no doente não apenas enquanto
doente, e essa constatação permite compreender melhor o sentido da doença. Por
consequência, a terapia é o ato de levar o doente a ver como está constituída a
estrutura total da existência humana (ou ser no mundo), trazendo-o de volta. Além
disso, registra Sebit (2012, p. 55) que: Diversos psicanalistas, psicólogos e
psiquiatras desenvolveram teorias a partir de Heidegger e dos pensadores
existencialistas. Entre estes, podemos destacar a obra de Viktor Frankl, Rollo
May, Maslow, Carl Rogers, Allport, Erich Fromm e Buhler. Além desses, Ludwig
Binswanger e Medard Boss foram daqueles que buscaram mais diretamente as
consequências do trabalho de Heidegger para a psicoterapia e procuraram
empregar na compreensão clínica os conceitos fundamentais elaborados por esse
filósofo, embora se afastando dele em alguns casos e aspectos. Em vista disso,
destaca Feijoo (2014) que é a dimensão da existência heideggeriana que vai
possibilitar o desenvolvimento da psicologia sob a perspectiva
fenomenológico-existencial. O percurso psicoterapêutico vai se dar de modo que
o psicoterapeuta possa assumir o lugar de mensageiro do discurso do cliente,
num processo mútuo de corresponder e desprender, tal como entendido por
Heidegger em sua perspectiva ontológica. Mattar e Sá (2014), por sua vez,
registra que Heidegger propôs aos psiquiatras e psicoterapeutas participantes a
suspensão do olhar científico-natural, em que foram formados, para que pudessem
ter acesso a uma atitude fenomenológica de atenção à realidade. A contribuição
de Heidegger, segundo Moreira (2010) e Feijoo (2014b), está na psicoterapia de
inspiração daseinsanalítica, pensando tanto no dualismo
subjetividade/objetividade como na intersubjetividade que envolve o dualismo
sujeito/sujeito. É que na perspectiva existencial a visualização do
comportamento como atitude geral, como movimentação total da existência em um
mundo. A esse respeito, assinala Feijoo (2014, p.11), que: [...] o
psicoterapeuta de inspiração daseinsanalítica: 1)Ajuda como aquele que trata do
modo de existir e não do funcionar do homem. 2)Liberta o homem do
aprisionamento por tomar-se como um ente cujo modo de ser é simplesmente dado,
esquecendo-se de sua condição de liberdade enquanto existente. 3)Facilita que
as experiências se tornem presentes, sem condicioná-las causalmente ao somático
ou ao psíquico, deixando ser o que a própria experiência revela; 4)Está atento
às indicações, suspende a verdade postulada pelo senso comum, pela ciência e
pela psicologia científica, permitindo que o fenômeno seja reconhecido como uma
simples relação com o mundo; 5)Busca conduzir o homem a si mesmo,
possibilitando a livre relação com aquilo que o encontra, apropriando-se destas
relações e deixando-se solicitar por elas. 6)Relaciona-se através do modo de
cuidado denominado por Heidegger como “antecipação libertadora”, que devolve o
outro a si mesmo, liberando-o para seus modos próprios e singulares de ser.
7)Sustenta sua atenção na serenidade, estranhamento, aceitação e compreensão. Mediante
o exposto, sintetiza Roeche (2012) que o trabalho de Heidegger assume
importância por sua utilização na Psicologia sob os nomes de psicologia
fenomenológica, psicologia existencial e, em menor escala, hermenêutica e
psicologia humanista. Sua importância é também destacada por Mattar e Sá (2014)
ao considerar que na época contemporânea, em que as demandas de sofrimento
existencial, endereçadas à clínica psicoterápica, cada vez estão mais
relacionadas ao nivelamento histórico do sentido ao que pode ser computado no
cálculo global de exploração e consumo, é imprescindível, para que a
psicoterapia possa se constituir em um espaço de reflexão crítica propiciador
de outros modos de existir, que ela própria não permaneça acriticamente
subordinada a esse mesmo horizonte histórico de redução de sentido. CONCLUSÃO –
Muitas controvérsias permeiam os mais diversos debates acerca do homem e do
pensamento de Heidegger. Distinguindo-se o homem da sua obra, ficou mais que
evidenciada a contribuição heideggeriana às práticas psicoterápicas, notadamente
a desenvolvida pela psicologia fenomenológica-existencial. Veja mais aqui e
aqui.
REFERÊNCIAS
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