SOBRE MIM MESMO, ACHO - Imagem:
arte da escultora estadunidense Judith
Scott (1943-2005). - Ao espelho, a estrada largestreita que sou de mim,
palavras, pensamentos, ações. Nada. De mim mesmo sou, de um lado, o glamouroso
mundo das vitrines com o estardalhaço dos quereres na sedução das sereias; de
outro, a pútrida aquosidade da miséria que me disfarço em desespero e desolação.
Sou assaltado de um lado a outro e a minha face, de um lado desfigurada pelos
pesadelos que saem dos sonhos para vingarem nas ruas do invisível compulsório,
arrancando máscaras e engodos para serem poeira e lamaçal; na outra, as marcas
da grosseria que estarrece e assombra, como se vítima de bala perdida, ou
metralhada na esquina do meio dia em nome da lei da covardia. Aos meus olhos,
sou de um lado atento, atônito, tudo é efêmero nas luzes da festa; no outro, os
desapontamentos ao flagrante das desproporções, do grotesco, das deformações
que a lágrima lava ao sentimento de se perder. Às minhas narinas os aromas das
flores e os olores higiênicos que não conseguem encobrir a repugnante catinga
dos deserdados sobre frascos vazios de perfumes granfinos. Ao paladar os
cardápios das mesas suntuosas com o feitiço dos seus condimentos que não conseguem
disfarçar o gosto de sangue na saliva, os vômitos e os excrementos das avenidas,
corredores, palácios. Os meus ombros, de um lado para todos os lamentos das
cabeças que não tenham onde se escostar; o outro, o peso das dores de todos os arrasados
à espera da tardia justiça dos humanos. Os meus braços, o dieito como uma mãe
que segura o filho a oferecer abraço solidário a quem chegar; o esquerdo, tímido
em empunhar a bandeira de quem perdeu a guerra e se esconde do momento
indesejável. As minhas mãos, uma à oferta do que sou mendigando afeto como quem
esmola pelo amor de deus; a outra decepada em nome da sanção do não ter. As minhas
pernas, uma claudica como quem não tem para onde ir; a outra, vergada pela impenitência
das torturas. Os pés andejos crucificados no centro das encruzilhadas, solados
no chão quente. Sou o que me resta e meu corpo arrastado no asfalto sob a engrenagem
do automóvel em alta velocidade que me nega o socorro e me larga roto desfalecido
e a minha carne desfiada enovela-se em gente que me rejeita e decepa meus fios
e me faz enredar nas pedras, restos, folhas, insetos, santinhos, grãos, lodo, orações,
esterco, capsulanas, areia, ossos, filigranas, abotoaduras, lama, pus, anéis,
farelos, tampas, fiapos, seixos, galhos, graxas, retalhos, larvas, detritos,
charcos, escarros e cusparadas, condenados e cadáveres, o meu ininterrupto
processo na infinita estranha beleza de ser-me apenas embrulho tão inútil
quanto o cúmulo da inutilidade. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico, compositor, escritor e
jornalista Edson Natale: Dharana, Pequena canção para uma mulher nua &
Viajante; da flautista israelente Sharon Bezaly: Hungarian Fantasy Doppler, Flute Sonata Schulhoff &
Flute Sonata Prokofiev; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Numa
colméia ou num formigueiro, cada regra é imposta pela natureza, é necessária;
ao passo que na sociedade humana só uma coisa é natural: a necessidade de uma
regra. [...]
Pensamento extraído da Introdução geral à filosofia (Agir, 1970), do
filosofo francês Jacques Maritain (1882-1972). Veja mais aqui e aqui.
DE AMOR
& PAIXÕES, SERÁ? - [...] Quando,
por uma razão qualquer, a relação amorosa se desfaz, o que se desfaz de fato é
só a relação amorosa e não as vidas e a integridade de cada um. E o que se tem
observado é que, por mais denso que tenha sido o amor, quando ele se desfaz nas
relações sadias (suplementares), surgem logo novos encontros, novos namoros e
seduções; o amor pode se refazer. É outro, original, porém com intensidade e
qualidade semelhante ao anterior [...]. Trecho extraído da obra Utopia e paixão (Rocco, 1988), de
Roberto Freire e Fausto Brito. Veja mais aqui, aqui e aqui.
POR FALAR EM AMOR - [...] namoram
muito e não namoram nada. Namoram muito porque têm sempre um namorado/a em
campo, alguém em quem estão interessados, alguém que estão “azarando”. Mas ao
mesmo tempo não namoram nada, porque essas relações são muito inconsistentes. O
casal se junta e se separa com a mesma facilidade. Não há amor, não há
envolvimento. Há desejo, epidérmico. Na verdade não são bem namoros, são
casualidades. [...] Naquele tempo
faltava uma coisa, hoje falta outra. Eu não podia me dar ao sexo. Eles não
conseguem se dar o amor. [...] A
tendência imediata é achar que não param em nenhum/a porque podem ter todos/as.
Mas por outro lado, existe a facilidade maior de parar em um parceiro, agora
que ele pode ser completo, reunindo sexo e sentimento. [...] Acontece também que são filhos diretos da
baixa do amor, do descrédito da relação, e da ênfase nas emoções tonitruantes.
Enquanto deixam o amor de lado, procuram terremotos emocionais no “som”, no
“brilho”, nos riscos. Mas uma ideia me ocorre que me parece mais acertada. A de
que os jovens estejam, de forma inconsciente, fugindo do amor justamente porque
podem ter o sexo. Explico melhor: o amor é uma emoção importante, o sexo
também; mas só o amor somado ao sexo constitui a emoção fundamental do ser
humano. Ora, nem todos os jovens têm um mesmo grau de amadurecimento. E nem
todos eles se sentem prontos para chegar ao topo do seu universo emocional.
Antes todos podiam ter amor, e só os mais maduros – ou os mais inconscientes –
se lançavam na completude amor/sexo. Agora acontece exatamente o oposto: tendo
o sexo, evitam somá-lo ao amor, adiando a sobrecarga emocional que não se
sentem capazes de enfrentar. [...] Trechos extraídos da obra E por falar em amor (Salamandra, 1984), da
escritora e jornalista ítalo-brasileira Marina Colasanti. Veja mais
aqui.
DOIS POEMAS – RETORNANDO A ÍTACA - A nave singra os sonhos nus do mármore,
/ Cruzando a solidão e sempre célere. / Carrega cuidadosa o nauta célebre,/ E
aquele transformado em pétrea árvore. / Um lutou, desdobrou a rota bárbara / Dos
dias que da vida exigem têmpera; / O outro, tecendo de ondas sua têmpora, / Transmudou-se
de mundos, sempre máscara. / O primeiro se fez, de acasos, íntegro; / O segundo
buscou, em rumos trôpegos, / Desvendar o inefável do seu íntimo. / Mas, ambos
se perderam: mar adúltero./ Hoje, mudo, acompanho, olhos sôfregos, / Ulisses
retornando ao mátrio útero. PENÉLOPE - Retornando do mar que me emoldura, / Ancoro
em teus segredos, cidadelas. / De desvelos me nutres, me aquartelas / Desnudado
do nauta e de procura. / Eternamente desejada e pura, / Em ti repouso rotas,
amaino velas. / Dos perigos dos mares me encastelas / Em tuas celas de amor e
de ternura. / Maravilhas que, meiga, me compensas / Depois de navegar,
aventureiro, / Ocasos aleatórios, vagas densas, / Retorno sempre ao cais do
amor primeiro, / Para recomeçar, feridas pensas, / Outras navegações, sempre
janeiro. Poemas extraídos da obra O verbo
sitiado (Bagaço, 1986), poeta, ensaísta e crítico alagoano Cicero
Melo, selecionados pelo poeta e
jornalista Iremar Marinho. Veja mais aqui, aqui e aqui.
ARTE DE JUDITH SCOTT
A arte
da renomada escultora estadunidense Judith
Scott (1943-2005), documentada no curta-metragem Outsider: The Art and Life of Judith Scott (2006), dirigido por
Betsy Bayha.
&
O
certo & o errado no reino das ideologias, a poesia de Hélio Pellegrino, a música de Nobuo Uematsu, a
arte de Mat Collishaw & Raoul Dufy, Danicleci Matias Souza & Park kids Locadora aqui.
&
Versos
à flor da pele na prosa de um poema, o cinema de
Jean-Luc Godard, a música de
Sharon Corr, a
escultura de Bertel Thorvaldsen, a poesia de Elke Lubitz & a arte de Luciah
Lopez aqui.