O OUTRO SOU EM MIM - Imagem: Hora, do pintor Iberê Camargo
(1914-1994). - Primeiro a sombra, desconfiava. Até achar um meio de sê-la, era.
Levou-me ao espelho, era recorrente. Ali não era eu, outros. E me falavam, não conseguia
ouvir, qual idioma, não sabia o negrume. Era como se dialogasse com meus muitos
eus sem fala nem língua – o que vive a aurora boreal na minha atávica sensação
escandinava, o que é herança telúrica caeté, o da viagem de Verne à terra de
mim mesmo, o que renasceu do poema de Maiakovsky, o que amanheceu de Boehme, o
que ouviu Rimbaud quando ele em mim, o que se enganou com Sartre ao achar que
era o inferno, o que fui da busca do atalho para salvação e porto de chegada de
Clarice, o que é a dúvida e o não saber sentido do múltiplo panteísta Pessoa, o
que anônimos e irreconhecíveis de mim era eu mesmo, outras invenções de mim entre
ruínas, fogo intenso, ventania. E me perdi no vento, longe do que sou, muito
distante do que devia ser. E me deu vontade de chorar e chorei entre cemitérios
devastados com meus restos insepultos, extraviados, decompostos. Confuso, o que
aprendi desde a infância, tudo inútil, só serviam para me moldar ao mundo da
hipocrisia, do egoísmo, do medo, os temores herdados que impediam de ser-me, a
me esconder dos outros com as máscaras que ocultavam a mim num reino de
mentiras e subterfúgios, escondiam minhas fraquezas, amoralidades, tudo insuportável,
faziam do que sou inatingível a oscilar entre o verme e o anjo, luz e treva, e
chorava, tinha eu cá os meus motivos: equilibrando passos na lâmina afiada da
vida, fogueira de vaidades, desejos em polvorosa. Precisava encontrar-me,
estava perdido de vez. Onde me escondia, eu não sabia, procurava-me e me sentia
tudo, menos a mim mesmo. Entre cinzas evaporadas eu me recompunha e quantas vezes
o fruto do quintal, o regato calmo, o vulcão eruptivo, estrela no céu, o cão a
ladrar, a ave no voo, a solidão firme da montanha, o campo aberto, a rota
sideral, a chuva torrencial, a coruja aos piados, a escuridão da mata, a queda
das águas, a mão pedinte, tudo era de mim os restos, menos eu esquartejado sem
saber onde. Voltei à sombra, dela ao espelho, não havia ninguém refletido, eu
havia fugido de mim, quem lá apareceu não era eu, nem precisava mais
compreender, apenas sentir, até perceber o infinito: sou todo, como um rio que
flui, como tudo flui a me restituir, e me encontrei: apenas o outro sou eu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial
com a música do pianista, compositor, ator e mestre do jazz estadunidense Herbie
Hancock: Live at the Munich Philarmonie, Future 2 Future Live & World of
Rhythm; da clarinetista clássica alemã Sabine Meyer: Klarinette Mozart, Romance for
Clarinet and Orchestra Richard Strauss & Clarinet Concert Stamitz; & muito mais nos mais de 2 milhões de
acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só
ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando
temos 25 anos, pensamos que podemos controlar o mundo, que nossas ideias e
opiniões são perfeitas... Nosso corpo é o de um jovem deus e nossa alma é
imaculada. Muito mais tarde, compreendemos como tudo na vida é realmente
complicado. Com a idade, percebemos que tudo é muito mais cruel do que
pensávamos. Já na minha idade, passamos a conhecer melhor nossa identidade e a
ter tempo para ser mais generosos. Envelhecer nem sempre é agradável, mas é a
partir do envelhecimento que começamos a apreciar melhor a vida. [...].
Pensamento extraído de A arte de exorcizar demônios, entrevista concedida pelo dramaturgo
e cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), extraída da obra
Conversações (Cultura, 2008), de João Lins de Albuquerque. Veja mais aqui.
A ANGÚSTIA– [...] Considero
que a angústia surge da operação da pulsão de morte dentro do organismo, é
sentida como medo de aniquilamento (morte) e toma a forma de medo de
perseguição. O medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um
objeto, ou melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto dominador.
[...]. Trecho extraído da obra Inveja e gratidão & outros trabalhos
(1946-1963 – Imago, 2006), psicoterapeuta austríaca Melanie Klein
(1882-1960), autora da célebre frase: “Aqueles
que comem do fruto do conhecimento são expulsos de algum paraíso”. Veja
mais aqui.
O VIDEOTA – [...] jamais
havia ultrapassado os limites da casa e do jardim [...] Mudando de canal, podia mudar-se a si mesmo.
Ele podia passar por fases, como passavam as plantas pelas estações do ano, mas
era-lhe possível se transformar tão rápido quanto desejasse, girando o botão da
TV para um lado ou para outro. Em certas ocasiões, ele podia se manifestar
diante da tela exatamente como se manifestavam as personagens da televisão.
Manobrando o botão, Chance podia fazer com que os outros viessem ter sob suas
pálpebras. Dessa forma, chegava a acreditar que sua existência era devida apenas
a ele mesmo, Chance, e a ninguém mais. [...]. Trechos extraídos da obra O videota (Being there – Artenova,
1971), do escritor e ator judeu polonês Jerzy Kosiński (1933-1991), adaptado para o cinema como uma
comédia dramática sob o título Muito além
do jardim (Being there, 1979), dirigido pelo diretor de cinema
estadunidense Hal Ashbt (1929-1988) e roteiro do próprio autor, contando a
história de um adotado por um senhor idoso após a morte de sua mãe, que nunca
aprendeu a ler ou escrever, passando os dias cuidando dos jardins e vendo
televisão, sua única ligação com o resto do mundo. Quando o idoso faleceu, ele
teve de sair de casa, sem documentos nem ter para onde ir, é atropelado pela
limusine de uma rica senhora que o ampara em tratamento, reduzindo-se sua vida
à jardinagem e à televisão. Passa a ser admirado por todos por uma pretensa
genialidade e ganhar a paixão da milionária. É também autor da obra O pássaro pintado (The painted Bird –
Nova Fronteira, 1965), e que depois de ter sido acusado de plágio, em 1982,
cometeu o suicídio em 1991, quando percebeu que nada poderia fazer para
levantar-se novamente.
VERSOS DO PRISIONEIRO – Não
me quero fugitivo. / Fugidio me basta. / Dentro do pássaro há uma grade, / um
eterno confinar de gaiola. / Da liberdade das aves, / outros poetas falaram. /
Eu falo da tristeza do voo: / A asa é maior que o inteiro firmamento. / Quando
abrirem as portas / Eu serei, enfim, / o meu único carcereiro. Poema
extraído da obra Idades Cidades
Divindades (Caminho, 2008), do premiado escritor e biólogo moçambicano Mia
Couto. Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE IBERÊ CAMARGO
A arte
do pintor Iberê Camargo (1914-1994). Veja mais aqui.
O 30º Encontro da APECV & 3º
Congresso Iberto Americano de Educação Artística & muito mais na Agenda
aqui.
&
Saúde na paz, a literatura de Ernesto Sábato, a música de Hamilton de Holanda, a escultura de Carol
Peace, a pintura de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, a arte de Maxfield Parrish
& Lídia Lima aqui.
&
A noite Freya, o dia Iaravi,
a música de Sabine Meyer, o
cinema de François Truffaut & Fanny Ardant, a arte de Patrícia Gaspar, Cida
Lisboa & Luciah Lopez aqui.