TOADA DE PEITO –
Imagem: arte da artista plástica Cyane
Pacheco. - O que tenho de mim nem mesmo me basta, como se errasse de ontem
os designios extraviados e nem mais opção qual fuga restasse, antes certeza que
nem duvidou, quando ademais era o lacre na porta e o verão a espera no ermo. O
ouvido do mundo me fez só silêncio, quanto eu já não dei a mim do que perdi o
rio e a minha cidade comigo distante e sem aceno, não vivia de tão desfeita, porque
nada servia mesmo se assim não quisesse. Vinte coisas me disseram de outras
tantas nem mais disfarçadas, coisas à cata que nem sabe o que é, sobrei pelas
costas sem ter pra onde ir, a ilusão que sobrava de partir pra melhor. Sorria
amarelo o dia anoitecido, e se calavam desavindos nas encruzilhadas e precisava
saber das horas, só desdenhavam: amanhã será você. Pra mim era, e não era; era
como se quisessem que eu soubesse a letra A de quem vai ou já foi com os
melhores tempos do passado, eu atrás do futuro jogado pra trás por consoantes e
vogais que nem se diziam: tem lógica? Não, não tinha, nem poderia jamais, o que
seria pretexto pra toda desistência. Mais eu insistia refeito na marra e quase
tudo a se decompor aos desamparos e exortações, porquanto eu pudesse sobreviver
entre a vingança e o perdão, das quais sabia sequer as cinzas ao vento, trapos
e migalhas eram haveres e se esvaiam entre os dedos. Renascia e revidava
perempto e pombos saíam-me ao tronco ganhando a brisa como truques malogrados
pela vulgaridade com todos encobertos pros sustos inexplicáveis, e a remar sem
saber da maré escondida, meus braços quais hélices pras asas sonhadas, estranguladas
pelos chiados das corujas com as agruras movediças colhendo estrelas pra não
saber mais do céu, e a despencar na perplexidade dos embaraços como se dessem
as contas para nunca mais. Retornava à semente, teimoso do zero pro que desse,
apócrifo triunfo pros anos pesarem nos pés descalços, fincados no chão sem
vestígios. Eu me refazia teimando em ganhar e o Sol a dançar na ponta dos dedos
até o cansaço do crepúsculo, um brinde, cores e perfumes, meu salva-vida pelas fornalhas
da via crucis, a prosperar na treva como se nada mais existisse, porque
ninguém vê o escuro até o porvir. E assim a vida brinca de morte e vice-versa,
a todo instante, aprendo sem jeito e querer, vou adiante pra que tudo seja hoje,
amanhã e depois, mais uma vez. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá Todo dia é Dia da Mulher com especial da cantora Flora Purim: Speak no evil, Airto Moreira Live & Ohne Filter Live;
da cantora lírica e aclamada soprano neozelandesa Kiri Te Kanawa: The jazz álbum, Ária (Cantilena) Bachianas Brasileiras 5
de Villa-Lobos & Montreal Concerts; & muito mais nos mais de 2 milhões
de acessos ao blog & nos 35
Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Precisamos ainda encontrar um nome para os
que valorizam mais a esperança do que as expectativas. Precisamos de um nome para
os que amam mais as pessoas do que os produtos, os que acreditam que Ninguém é
desinteressante. Seu destino é semelhante à crônica dos planetas. Nada há nele
que não seja particular, cada planeta é diferente de outro. Precisamos
encontrar um nome para os que amam a Terra onde cada um possa encontrar o
outro. E se uma pessoa viver na obscuridade, fizer seus amigos nesta obscuridade,
a obscuridade não é desinteressante. [...] Trecho
da obra Sociedade sem escolas (Vozes,
1985), do pensador e polímata austríaco Ivan
Illich (1926-2002), tratando sobre a desinstalação da escola e sua
fenomenologia, a ritualização do progresso, os mitos dos
valores institucionalizados, da mensuração dos valores dos valores empacotados,
do progresso autoperpetuavel, o jogo ritual e a nova religião do mundo, o reino
que há de vir & a universalização das expectativas, a nova alienação, o
potencial revolucionário da desescolarização, o espectro institucional, os falsos
serviços públicos & as escolas como falsos serviços públicos, as concordâncias
irracionais, as teias de aprendizagem, serviço de consultas a objetos
educacionais, intercâmbio de habilidades, encontro de parceiros, educadores
profissionais, renascimento do homem Epimeteu, entre outros assuntos. No texto Aplea for research on
lay litteracy (Cambridge
University Press, 1991), o autor observa que: [...] Em uma sociedade oral, uma pessoa tem que manter sua palavra. Ele a
confirma fazendo um juramento, que é uma maldição condicional a ameaçá-lo caso
não seja fiel ao que prometeu. Enquanto jura, segura a barba ou os testículos,
oferecendo o próprio corpo como garantia. [...] No regime da escrita, o juramento perde
valor diante do manuscrito; não é mais a memória que conta, porém o registro.
[...].
LEITURA DO MUNDO – [...] Sempre
que perceber que me aventurei a fazer qualquer mínima conjetura sobre as causas
do que observei, peço-lhe que as considere apenas como questões duvidosas e
palpites incertos, não como conclusões inquestionáveis. [...] Procurei tanto quanto pude primeiramente
descobrir a aparência verdadeira e depois representá-la simplesmente. [...].
Trecho extraído da obra Micrographia
(Micrographia, or
some physiological descriptions of minute bodies made by magnifying glasses
with observations and inquiries thereupon - Dover, 1961), do filósofo
e cientista experimental inglês Robert
Hooke (1635-1703), obra esta que foi uma das primeiras
obras onde o microscópio foi aplicado ao estudo dos seres vivos, com descrições
detalhadas e minuciosos desenhos que se tornaram famosos, introduzindo com a
microscopia um novo modo de ver o mundo.
CANIÇOS AO VENTO - [...] Já
algumas mulheres tinham-se reunido ao redor da sanfona, dando-se as mãos, para
começar o baile. Os botões de seus corpetes brilhavam ao fogo, as sombras se
cruzavam no chão pardacento. Lentamente formaram uma fileira, com as mãos
trançadas, e levantaram os pés, experimentando os primeiros passos do baile;
ainda eram rígidas e incertas, e pareciam que se escorassem reciprocamente.
[...] Uma corrente de magia pareceu
atravessar as mulheres, provocando uma excitação, controlada, mas ardente. A
fila começou a ondular, dobrando as pontas até formar uma roda. A todo momento
uma mulher de fora chegavam separava duas mãos juntas, trançava-se com as suas
e acrescentava um elo à cadeia multicor, ao redor da qual se formava no chão
uma franja de sombras animadas. E os pés levantavam-se sempre mais rápidos,
batendo entre si, e batendo depois a terra, como para despertá-la da sua
imobilidade. [...]. O grito ecoava
como um relincho e as pernas das mulheres, desenhadas pelas saias escuras, e os
pés curtos, emergindo das ondulantes barras vermelhas, moviam-se quase
freneticamente, como esquentados pelo prazer do baile. [...]. Trechos
extraídos da obra Caniços ao vento
(Delta, 1964), da escritora sarda Grazia
Deledda (1871-1936), Prêmio Nobel de Literatura de 1926, narrando neste
livro as crises existenciais e fragilidades humana das suas personagens, bem
como descreve em detalhes e com um realismo claro os costumes e lendas da
sociedade agro-pastoril da sua amada ilha da Sardenha.
A DEVOÇÃO - Das
celestes regiões pouso da Divindade, / desço à mansão que hospeda a graça e a
virgindade; / paira a Inocência ai, minha irmã eternal, / que não tem som os
céus asilo mais real. / Aqui, longe do mundo e de seu ruído vão, / guio ao
dever mais santo um povo em formação: / nutro-lhe na alma pura o germe alvo e
fecundo / das virtudes que deve espalhar pelo mundo. / Um rei que me protege,
ilustre e vitorioso, / confiou a minhas mãos um cargo tão precioso. / E lhes
transpondo já fronteiras e defesas, / destrói ele os bastiões de suas
fortalezas. / Deste-lhe um filho atento em alçar-lhe o poder, / que cabe
comandar, lutar, obedecer; / e, que a seus pés, também, vendo sempre a vitória,
/ a merecer-lhe o amor limita a própria gloria; / sujeito com ternura ao cetro
paternal, / é de todo inimigo o infortúnio eternal/ aos raios similar, que
envia o céu possante / quando, seu rei diz: “Parte”, arroja-se exultante; / de
um vingador trovão abrasa a terra e os céus / e, tramquilo, a seus pés vem
depor seus troféus; / E, enquanto um grande rei me vinga das desfeitas, / vós,
que gozais aqui delicias tão perfeitas, / se ele olvidar uma horas as glorias
que constrói, / as diversões da fé chamai aquele herói: / retratai-lhe de
Ester, a imorredoira história, / e sobre a irreligião, da piedade a vitória. /
Mas, vós que preferis essas loucas paixões / que acendem na alma humana as
profanas ficções, / espectadores vãos de frívolos prazeres, / cujo ouvido
aborrece o som de meus dizeres, / fughi do meu prazer à santa austeridade: /
aqui tudo respira a Deus, paz e verdade. Prólogo da tragédia Esther (Irmãos Pongetti, 1949), do poeta
trágico, dramaturgo, matemático e historiador francês Jean Racine
(1639-1699). Trata-se de uma peça em três atos, escrita em 1689, dramatizada
para satisfação dos professores e alunos que declamaram
e cantaram com tanta graça e modéstia, que esse pequeno drama, destinado apenas
para o benefício dos jovens alunos, tornou-se a admiração do rei e do tribunal.
Veja mais aqui e aqui.
OS DESENHOS DE CYANE PACHECO
Dentre as
linguagens escolhidas, o desenho, desde sempre me pareceu a mais rematada forma
de expressar minha busca no universo das Artes Visuais. Desenho para esquadrinhar
perguntas, para constituir um vocabulário particular, para constituir o ambiente
que me circunda, para desempenhar um papel político através da Arte e em fazer compreender
pelo viés daquilo que não é palavra. Eu achava que o traço significava minha inaptidão
com a literatura, ou seja, desenho, esculpo, gravo, fotografo e produzo em
outras linguagens para desvelar um texto visual que me é necessário. Embora
goste de expandir as formas clássicas das linguagens artísticas (desenho,
pintura, gravura e escultura), guardo o cuidado que me antepare das ondas vãs e
do amontoado das ruínas precoces dos modismos que, não raro, propositadamente
esvaziam os discursos e são, em sua maioria, feitos para ingênuas diversões,
nesse sentido, das linguagens expandidas, agradam-me as intersecções e as estratificações
que contêm todo o tempo. Incorporo o discurso que alinhava as imagens, buscando
através dele, remontar às experiências e às surpresas do novo o enfrentamento
da criação, sabendo que “desprovido da experiência, o homem não deixa rastro”,
como bem assinala Walter Benjamin, recrio, portanto, minha existência, o que me
ocorreu e o que imagino, os vestígios da memória, os conteúdos inconscientes, absorvo
os saberes alheios, exponho o horror das potências inumanas, mesmo sabendo que
essa exposição não atingirá ou destruirá a barbárie, o horror. Durante o final
dos anos oitenta e início dos anos noventa do século XX, quando trabalhei no
Museu do Estado de Pernambuco e participei de uma equipe responsável pela restauração
de uns painéis votivos representando uma batalha havida no século XVII, percebi
que as figuras que compunham tais painéis, eram soldados, cães, famílias,
personagens circenses, numa procissão extravagante, representados através de
uma bidimensionalidade ingênua em suas posturas sobrepostas, subvertendo as
regras da perspectiva. Dispostos em um plano diverso das alegorias por nós
conhecidas, as figuras que compunham esse painel votivo, pareciam surgir com
imensa liberdade de gestos, relevando a primazia da mensagem, da ilustração despreendida
da rigidez acadêmica. Transpus essa lógica ou forma representativa do traço, para
o plano, o papel, o espaço dos suportes eleitos, esquecendo intencionalmente as
regras pré-estabelecidas, desobedecendo as leis da composição ensinadas nos
livros sobre o assunto. Dei conta no papel tão somente do texto que me
interessou naquele primeiro momento e continua me impelindo a resolver, com
fluidez e poucas regras ditadas ao acaso, o sentido dos traços e das figuras
que dele surgem. Imaginei que os personagens oriundos da imaginação despontavam
dessa clivagem na rigidez do gesto, da criatividade e da ilusão da liberdade,
há tanto guardada e, isso me faz pressentir, até hoje, que tais figuras sentem-se
expressamente alforriadas. No momento seguinte do meu percurso, quando julguei que
a madureza dos traços podia criar uma linguagem pessoal, íntima, um vocabulário
que dissesse não apenas o que penso, mas retratasse algo mais amplo, do campo
do mito, do sonho público, decidi que podia tirá-los da condição limitada e bidimensional,
modelando-os e alargando as suas expressões. Como seria soltá-los do plano achatado
do papel? Essa foi a atitude primeira para que eu empreendesse incursões nos territórios
mais extensos da arte. O desenho continua portanto, o ponto de partida para qualquer
texto que eu pretenda em Arte. O corpo é meu foco e meu objeto de investigação,
escolhido pelas possibilidades várias que vão desde a metáfora, a metonímia, as
camadas temporais, as alterações entre motivo e suporte à literalidade. Busco, além
do fazer artístico, respeitar o ínfimo espaço entre arte e vida, senão viver as
duas coisas como se fora uma só.
Texto extraído de Eutomia
- Revista de Literatura e Linguistica (Recife, 14 (1): v-xix, Dez.2014), da
artista plástica & visual Cyane Pacheco.
(Veja mais abaixo).
Veja mais:
Ana Lins, a Revolução Pernambucana de
1817 & Todo dia é dia da mulher aqui.
Festa no céu do amor, a música de Tom Jobim, a poesia
de Nauro
Machado, a fotografia de Elizabeth Zusev & a arte de Steve K. aqui.
História da mulher: da antiguidade ao
século XXI aqui.
Gabriel García
Marquez, Lev Vygotsky, Edmond
Rostand & Cyrano de Bergerac, Elizabeth Barrett Browning, Flora Purim,
Andrzej Wajda, Michelangelo & Anna Mucha aqui
Conversa de pé do ouvido, Margaret Mead,
Erasmo de Roterdam, Graciliano Ramos & Fernando Fiorese aqui
Tolinho & Bestinha: Quando Boca-de-frô
engrossou o caldo para formar a tríade amalucada aqui
Vygotsky, Freud, Lacan, Cícero & a
Arte de Envelhecer, Dawna Markova, Heniz Kohut, Teatro, Doro & Pernambuco aqui
Alan Watts & Todos os Brasis do
Brasil aqui
História do Cinema aqui.
ARTE DE CYANE PACHECO
A arte da artista plástica & visual Cyane Pacheco, que edita os blogs Cyane Pacheco & Arte Cyane Pacheco, mantendo seus trabalhos em um canal do
YouTube e perfil no Flickr. Veja mais aqui.