A TAPA & O INFARTO – Imagem: arte do escultor, desenhista, caricaturista,
mímico, designer, cenógrafo, escritor, fotógrafo, ator e artista plástico Juarez Machado. - Manhã de sol,
quentura escorrendo pelos poros naquela sexta. Ali, no estabelecimento
comercial, era maior o calor, enquanto recolhia a assinatura dos sócios. Eis
que entra um distinto sujeito, muito bem apessoado, uma finura no trato, foi
logo atendido por um dos irmãos do empreendimento, identificando-se como
vendedor de uma empresa multinacional, na oferta de produtos do interesse
empresarial. A conversa corria nos conformes e, a certa altura, o sócio largou
uma piada que, apesar de picante e pejorativa, havia sido bem digerida pelo
profissional de vendas que continuou demonstrando por meio de cartazes e
folders os inúmeros recursos e avanços tecnológicos de seus produtos. O sócio
insatisfeito repetiu a dose com nova pilheria pesada, não conseguindo, mesmo
assim, transtornar ou causar nenhum desconforto ao visitante a se manter sóbrio
e indiferente às indiretas alfinetadas. Insistente, o sócio ironizava
procurando desconcertá-lo, desviando o assunto para desconcentrar o expositor, utilizando
de todas as formas possíveis para derrubar-lhe a sobriedade. Até então, tudo
ainda mantido socialmente, quando o recalcitrante inquiriu em pé de guerra: Ué,
você tem sangue de barata, rapaz? Não entendi, senhor. Estou aqui o tempo todo
espinafrando você e suas engenhocas e você não desce dos tamancos, qual que é,
você não tem amor-próprio? Ah, meu senhor, sou um profissional de vendas e
tenho apreciado suas brincadeiras, o senhor tem muito bom humor. Bom humor, uma
porra! Você é covarde ou incapaz de encarar uma briga boa? Ah, meu senhor, sou
de paz e estou aqui apenas para satisfazer suas necessidades, apresentando-lhe
produtos da mais revolucionária tecnologia. Ah, acho que você é mesmo um
cagalhão, um filho da puta qualquer! O senhor realmente tem uma dose alta de
bom humor! Não é bom humor não, seu porra! É que estou cheio da sua cara! Pronto.
Nessa hora, o sócio partiu para cima com uma tapa bem dada na face do vendedor.
Ao estapear, afastou-se e ficou esperando a reação da vítima. Simplesmente,
face serena, tranquilo, do mesmo jeito como desde que chegara, expôs a outra
face e disse: Dê outra aqui. O sócio enfureceu-se e não só deu uma tapa na
outra face como o esmurrou, depois se afastou e se preparou para o revide. Não foi
dessa vez. Tranquilo, sereno, sem alterar a voz nem a fisionomia, simplesmente
o vendedor arrumou a papelada, reuniu tudo e colocou dentro da sua valise,
dirigindo-se ao algoz como se nada tivesse acontecido: Muito obrigado, passe
bem. E estendeu a mão para ser apertada, recebendo a negativa e xingamentos:
Ora, vá tomar no cu, fresco! Despediu-se dos demais desejando um bom dia para
todos e saiu. O ambiente estava tenso e como meu trabalho havia sido concluído
ali, finalmente, acompanhei toda a cena e me despedi, saindo logo em seguida. O
clima estava tenso entre os familiares. Ainda ouvi quando um dos irmãos
censurou o outro por atitude tão descabida: O que foi que ele fez? Nada, ora. E
por que agiu daquele jeito? Ah, queria esquentar a mão no maluvido dele, só!
Isso não se faz. Por que não? Porque ele não fez nada. Ah, não preciso de nada
para fazer alguma, faço porque me deu vontade, está feito e fim de papo. Isso
não é certo! Ah, ele não revidou, não quis revidar, saiu apanhado e pronto, fiz
e faço, ele não é rei nem melhor que ninguém! Você ainda vai se dá mal com esse
seu pavio curto! Destá! Ainda deu pra ouvir os desentendimentos entre os
irmãos, mas não quis tomar conhecimento de mais nada. Apenas soube que o
ofensor, no dia seguinte, estava acamado com dores por todo corpo. E, horas
depois, dera entrada na emergência hospitalar. Já era tarde da noite quando
soube do seu falecimento, acometido de infarto agudo do miocárdio. Que coisa! Ainda
ontem vi o vendedor saudável e feliz saudando a todos, apresentando seus
produtos com a cordialidade e profissionalismo de sempre. É a vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
A ARTE DE JUAREZ
MACHADO
A arte do escultor, desenhista, caricaturista,
mímico, designer, cenógrafo, escritor, fotógrafo, ator e artista plástico Juarez Machado. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e guitarrista de jazz Hélio Delmiro: Emotiva, Compassos & Repertório Popular; a
compositora, pianista e percussionista portuguesa Constança Capdeville (1937-1992): Libera-me, Momento & Renaissance
Portuguese; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos
35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O
papel do artista é justamente embaralhar as categorias habituais, deslocá-las,
e, desse modo,. Restituir à visão e ao espírito sua ingenuidade, seu frescor.
[...]. Pensamento do pintor e escultor francês Jean Dubuffet (1901-1985). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: [...] um
mundo não é a simples reunião das coisas existentes, contáveis ou incontáveis,
conhecidas ou desconhecidas [...] Mundo nunca é um objeto, que está ante nós e
que pode ser intuído. O mundo é o sempre inobjectal a que estamos submetidos
enquanto os caminhos do nascimento e da morte, da benção e da maldição nos
mantiverem lançados no Ser. [...]. Trecho extraído da obra Ser e tempo (Vozes, 1998), do filósofo
alemão Martin Heidegger (1889-1976).
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
O TRABALHO & OS TEMPOS ATUAIS - [...] A humanidade espera com volúpia novas
descobertas: substâncias para debelar definitivamente a dor, sistemas para
acabar com o lixo radioativo transformado em matéiras inócias, para eliminar o
barulho e a fome e reabsorver a população. Paralelamente, nunca tivemos tantas
ferramentas para eliminar as quatro escravidões da escassez, da tradição, do
autoritarismo e do cansaço físico. [...] Para nós, homens pós-industriais, há uma terceira alternativa. Sísifo
vai construir um mecanismo eletrônico ao qual delegará a canseira do transporte
inútil e banal e se sentará no alto do morro para contemplar o seu robô em
função, saboreando enfim a felicidade do ócio prazeroso. [...]. Trecho extraído
de Em busca do ócio, do sociólogo italiano
Domenico de Masi, autor da obra O
Ócio Criativo (Sexante, 2000), na qual defende o conceito de viver
do ócio através da interseção entre três elementos, vendas, faculdade e
raciocínio lógico: Aquele que é mestre na
arte de viver faz pouca distinção entre o seu trabalho e o tempo livre […] Distingue uma coisa da outra com
dificuldade. Almeja, simplesmente, a excelência em qualquer coisa que faça,
deixando aos demais a tarefa de decidir se está trabalhando ou se divertindo.
[...]. Veja mais aqui.
OS CAROLINOS – [...] Longe,
nunca casa que fica à esquina da rua do Padre, em Estocolmo, uma velha senhora
solitária segurava o seu livro de sermões; ela esperava e escutava,
aguardando que lhe enfiassem uma carta
por baixo da porta, ou se um invalido não subia a escada, trazendo-lhe alguma
mensagem dos desertos; perguntava a si mesma se eu não retornaria mais, se eu
não estaria morto, meu cadáver entregue à corrupção. Todas as noites eu rezava
por ela. Pensara nela no meio do tumulto da guerra, entre as padiolas e os
gemidos. Mas, naquele instante, dela não me lembrei. Só via e escutava
Feodosova. E contudo torcia-me e lutava contra algo pesado, que me esmagava o
coração e que a princípio não pude afastar; mas, pouco a pouco, tive forças
para compreender. Inclinei-me para Feodosova, a fim de lhe beijar a mão; ela,
porém, murmurou: - S mão do czar; a mão do czar! – Não quero trair minha fé,
nem o meu real senhor – disse0lhe com brandura. A face do czar novamente se
enrugou e os anões, aterrorizados, puxaram a zaporoga do canto onde ele estava,
para que o seu aspecto ridículo fizesse rir o czar. [...] Todos, inclusive os bêbedos, começaram a
tremer e a escapulir para as portas. Assustadíssimo, um dos boiardos gritou: -
Tragam a mulher! Tragam-na perto! Logo que ele vê a cara bonita e o corpo de
uma mulher, acalma-se. Agarraram Feodosova, rasgaram-lhe o corpete desbrindo o
seio e, gemendo baixinho, ela foi empurrado passo a passo até o czar. Tudo se
escureceu ante mim e, recuando, saí da sala. Parei na rua, sob as estrelas;
ouvi que o barulho cessava e que os anões recomeçavam a cantar. Apertei as mãos
e lembrei-me da promessa que fizera no campo de batalha [...]. Trechos
extraídos da obra Os carolinos: crônica
de Carlos XII (Delta, 1963), do escritor sueco Verner von Heidenstam (1859-1940), Prêmio Nobel de Literatura de
1916.
POEMA XXII – Vaidade
das vaidades (Sísifo / escuta o pregador) tudo é vaidade / que proveito de todo
o seu trabalho / tem o homem debaixo deste sol? / (a eterna mesmice) a geração
/ vai e vem mas a terra permanece / levanta-se o sol e põe-se o sol / e volta ao
seu lugar de onde nasceu / o vento vai ao sul e faz seuy giro / para o norte e
retorna aos seus circuitos / todos os rios correm para o mar / e o mar nunca se
enche com os rios / todas as coisas são canseiras tais / que o homem não as
explica com palavras. Poema extraído da obra Sísifo (Quíron/MEC, 1876), do poeta Marcus Accioly
(1943-2017). Veja mais aqui e aqui.
AUGUSTO BOAL
[...] Sonhar
é humano e não realizar o sonho não é um problema em si. Sonhar é humano.
Árvores não sonham. Pedras também não sonham. E mortos já sonharam [...].Que
cada um diga o que fez, a que veio e por que ficou. E que cada um tenha a
coragem de, não sabendo por que permanece, retirar-se [...].
Homenagem ao dramaturgo, ensaísta e escritor brasileiro Augusto
Boal (1931-2009). Veja mais aqui, aqui e aqui.
&
O que esperar do amanhã,
a literatura de José
Joaquim da Silva, a música de Montserrat
Figueras, a fotografia de Araki Nobuyoshi, a poesia de Angel Popovitz, a
arte de Rajkumar Sthabathy & Gerda
Wegener aqui.
&
Na calçada da tarde,
a poesia de Antonio Botto, a escultura de Rosa Bonheu, a música de Yara Bernette, As narrativas memorialísticas de
Patricia de Cassia Porto, a arte de Maria
Lynch & William-Adolphe Bouguereau aqui.
&
O mergulho das manhãs e noites nas águas
profundas do amor,
a música de Constança
Capdeville, o cinema de Luchino Visconti, a Escola Estadual Joaquim Fernando
Paes de Barros Neto, a arte de Aubrey Beardsley & Luciah Lopez aqui.