domingo, setembro 07, 2025

YŌKO TAWADA, BRENÉ BROWN, ALEYDA QUEVEDO ROJAS & JESSICA MARTINS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da obra multimovimento Sarojini (2022), da compositora, etnomusicóloga e vocalista estadunidense Shruthi Rajasekar, com o Hertfordshire Chorus, maestro David Temple.

 

O avestruz & a ema: ratitas do harém 5x9... - Avelino se autoproclamava poeteiro: um bloco de notas à mão, uma caneta presa numa orelha, um verso pronto na ponta da língua. Poeta ou punheteiro? E com seu ar afetado e voz empostada, respondia: - O maior de todos! -, assumia um e outro montado na sua bufonaria, com aquele fraque bufento de sempre, ornado por uma aparatosa gravata borboleta, realce de seu ar pueril. Na verdade, ele almejava era ser o protagonista da crônica de Mário Prata, imitando as palavras daquele gris do António Botto: Sim; eu sofro sem dizer nada... E alentava a esperança de ser considerado o único macho preto, com as pontas das penas brancas, do tipo lírico do Couto Viana: ... a absurda fantasia \ de me esconder na poesia, \ por crer que ninguém a lê. Exibia-se cerrando as sobrancelhas negras, os olhos grandes arregalados, os coices poderosos cheios de pantins e a coreografia das asas atrofiadas no gingado de penas – de um só golpe matava um leão e aprontava suas asas para o acasalamento: a pata de dois dedos chutando o ar. Era a sua performance e glória em cada esquina, diante de uma claque incrédula de estrutios - struthios avis. Ali cometia suas récitas, seus trágicos monólogos com heroicos atos de seus antepassados; seus solilóquios melodramáticos, suas narrativas de voos de quem nunca sequer pinotou do chão, travessias desérticas e estelares improváveis, amocegamentos siderais de loucuras, tudo isso por épicos, éclogas, odes, elegias, até sátiras esborravam de seu ar risível - as epopeias das suas jactâncias inventadas: ninguém engolia suas loas, deveras. Teatralmente deitava a cabeça sobre a grama alta para, disfarçando-se e, ao mesmo tempo, pro alerta da aproximação de passos inimigos. Vivia no teimoso encalço de uma Aepyornis de Madagáscar – a ave-elefante, diziam extinta para nunca mais, coitado. Era a sua fantasia de consumo – chega inchava enfatuado. O bom mesmo pra ele era que ali a força patriarcal do sultanato era melhor que Maceió: 5 fêmeas prum macho só. U-hu! Ele sorria e versejava: Está na natureza! E timbungava sério, batia no peito e se arvorava: Sou o mais resistente, há 8 dias de sede e nem morri! Cantarolando moda feito o Pau de Arara do Lyra/Vinicius: que seca danada no meu Ceará... Só comia ferro e vidro, pode? E caía na caçada. Tanto é que depois de muito pelejado foi que ele, com o peso da lábia e sonetos tidos por líricos, ganhou no papo a hipnotizada Xantipa: Entendo nada do que você diz, mas soa bonito aos meus ouvidos. E assim finalmente quebrou o cabresto e perdeu a donzelice. Não era, diga-se, o devaneio desejado, todavia era real e dava pro gasto: fê-la dominante esponsal, uma ratita-do-pescoço vermelho, usada e abusada todo dia e o dia todo. Com o passar do tempo, a incompatibilidade de gênios e a monotonia ranzinza dela, fê-lo cair nas graças de Claudinavilta. Outra? Mas, tá! O ocorrido se deu no intervalo entre uma e outra: na fleumática sesta viu passar aquele pedaço de mau caminho. Danou-se! Avexou-se todo, realinhou-se dos pés à cabeça, testou o gogó, tudo nos trinques e partiu pra cima: deu pra ela um buquê de flores, dois poemas e um anel de zis quilates. Eita! Ela lá, reluzente decote no jeito mamãe-nunca-fui-casta, prontinha para ser esquartejada pelo priápico açougueiro. Aí, arrastou as asas chameguentas no capricho dumas redondilhas rimadas na sapecada duma trova de última hora: E lavou a égua! Melhor, a avestruz. Tornou-se o papa-tudo, lá-e-loa, noitedia. Depois plantou as mutucas pras bandas de uma ratita masai toda frochosa reboladeira: Marianetilma. De novo castigou nos versos, acochou na pose e afinou o gogó misturando as penas: só arrocho no meio dos risinhos, amassos de beijoqueiros, o sarro e mão de uma e outra pelas pernas e achegados, espremidos espalhafatosos, ais, uis e bis, lá estava ela completando o trio. Uma, duas, três. Contava e recontava. E ele no festejo: Entra pra dentro, Chiquinha! Xantipa recriminou: Será o seu Quequé? Foi uma barra gerenciá-las embaixo do mesmo teto. Saltava duma pra outra, pronto pra fazer o maior plantel. Descansava assobiando para delimitar o espaço territorial de seu habitat polígamo. O buraco ajeitado quase já uma cratera: o chocado era de 3, agora. E ele lá. Não demorou muito e foi a vez de Lindalvitina, uma ratita do oriente-médio, aquela mesma da sombra na abóbada da Madona de Brera - a Sacra Conversazione, de Piero della Francesca. É mesmo? Se, era. Era uma cantora ratita do pescoço-negro, seios dadivosos vibráteis e toda empinada quartuda. No ajeitado, ela se abaixava toda, titela emborcada, cangote de fora, ele só nela vasculhando cioso. Lavou a jega e quem mais viesse. E recontava do 1 ao 4, tome. E tinha vaga pra mais uma: nada abufelado e logo encarou nova caprichada na retórica desmetrificada duns versos livres juntados ao léu e conquistou Gervazilda, uma ratita somali. Nessa pisada completou o quinteto. Basta, né? Ah, era tempo dos ventos frios de fins de agosto anunciando a vindoura primavera e eis que seu coração não se viu imune diante das tentações da cheirosa Zuleidenalva Nandu, uma prima ema com as pernas nuas arrepiadas, patas de 3 dedos. U-lalá! Estava morta de sede e se abanando com um estandarte do brasão holandês potiguar. Deu-lhe de beber e muito perguntou, dela prontamente dar dos seus muitos passeios pelo Palácio da Alvorada. Foi mesmo? Mas, teco! Estava apaixonado pela plumagem pardo-acinzentada dela. Ah, minha flor do bogari! Acertaram os ponteiros e ele entrou nela adentro, que nem se mexia, enfiou, mandou ver, e desembainhou, fechando a braguilha de sair todo folote a babar de ancho. Tome 6! Sou macho ou não? Quebrou a regra e bateu o recorde: um sexteto. Só não esperava tê-la chegando de mala e cuia e nada sozinha - dois eunucos, o Emu e o Casuar, e de quebra uma Kiwi – uma ratita prima dos extintos pássaros-elefante de Madagascar, já quase adulta e, vai ver, não será, por isso, que uma Aepyornis resolvesse dá as caras justo agora, hem? Onde cabe um, cabem 9, ora. Que porra é essa, mulher? Minha bagagem completa: ou tudo ou nada. Virou carnaval de suruba. E foram não sei quantas alvoradas aos impados, esfregados e alvoroço de penas. Reinava entre as fêmeas - e as quase – numa folia exclusiva, sem que fosse poupado invariavelmente dos inconvenientes caprichos e dos achaques delas, bem empregado. O melhor: as 6 chocavam seus ovos da prosperidade – da verdade e do renascimento – durante o dia; e ele, mais os 3 achegados, de noite. Dentro do possível, parece, que foram felizes para sempre. E contando estrelas, caçaroladas, ofensas e beliscões, ele dormia com seu último verso: Sou as águas ondulantes de Maat. Até mais ver.

 

Clarice Niskier: Nós vivemos no mundo real e o mundo real é o da comparação. Mas existem outros terrenos onde você não pode e nem deve se comparar. Nesse terreno, no qual eu acredito, todo mundo tem seu espaço e sua beleza... Veja mais aqui & aquí.

Nan Goldin: É fácil transformar a sua vida em histórias. Mas é mais difícil sustentar memórias reais... A diferença entre uma história e uma memória real é que a experiência real tem um cheiro, é suja e não se resume a finais simples. As memórias reais são o que me afeta agora. Coisas podem aparecer que você não quer ver, onde você não está seguro, e mesmo que você não libere as memórias, o efeito está lá. Está no seu corpo... Veja mais aqui.

Zoe Kazan: Se algum dia eu sentir que atuar é simplesmente sugar minha alma e não quiser mais fazer isso, posso parar... Veja mais aqui.

 

EU ARRANCO TODAS AS FLORES DO MEU CORPO

Imagem: Acervo ArtLAM.

(Arranco todas as flores do meu corpo) \para oferecê-las a ti, Senhor. \ Lá vou eu, muito mais nua \ sem as florezinhas do meu torso, \ mais despida do que nunca \ sem as dálias que cresciam nas minhas costas. \ Salto sobre as pedras preciosas do infortúnio \ e o vento me ajuda a alcançar a areia. \ Senhor das Dores, meu todo-poderoso, \ até me despojo da flor da paixão e da coroa de helicônias \ que adorna meus pelos pubianos. \ Profundamente nua, \ para me entregar a ti sem os lírios do pescoço \ ou os girassóis do bumbum, \ pura, talvez a ilha insondável dos mistérios. \ E sem mais rosas, nem margaridas, \ nem violetas ofuscadas em meus seios. \ Estou limpa, promessa devolvida. \ Brilhante e sozinha para me entregar a você \ sem as astromélias do sexo, \ sem a flor azul do coração.

Poema da poeta periodista, ensaísta e gestora cultural equatoriana Aleyda Quevedo Rojas, autora de obra como Cambio en los climas del corazón (1989), La actitud del fuego (1994), Algunas rosas verdes (1996), Espacio vacío (2001), Soy mi cuerpo (2006), Dos encendidos (2008), La otra, la misma de Dios (2011), Jardín de dagas (2014), entre outros.

 

ESPALHADOS POR TODA TERRA - [...] Você pode dizer que quer uma sociedade sem classes, mas depois de embarcar em um navio grande e seguro, é difícil ter coragem de mudar para um bote. [...] Pensando bem, como somos todos terráqueos, ninguém pode ser residente ilegal na Terra. Então, por que há cada vez mais imigrantes ilegais a cada ano? Se as coisas continuarem assim, um dia toda a raça humana será ilegal. [...] Você não fala. Você fica em silêncio. Decidiu não dizer nada? Não estou tentando te forçar. Também não quero te criticar. Se alguém me perguntasse: "Por que as pessoas precisam falar, afinal?", não sei bem como responderia. Mas se o seu silêncio continuar assim, você não acha que isso pode levar à morte? Imagine dezenas de milhares de pessoas que nunca falam, vivendo em uma ilha. Elas têm o suficiente para comer e roupas para vestir. Elas também têm jogos e pornografia. Mas sem linguagem, elas decaem e morrem. [...]. Trechos extraídos da obra Scattered All Over the Earth (Tantor, 2022), da escritora japonesa Yōko Tawada, autora de obras como Memoirs of a Polar Bear (2016), akzentfrei. Literarische Essays (2016), The Emissary (2014), The Last Children of Tokyo (2014) e Where Europe Begins (1991). Veja mais aqui & aqui.

 

ABRAÇANDO A VULNERABILIDADE - [...] Coragem é um valor muito importante para mim. Está no mesmo nível da honestidade e do respeito [...] Vou além dos limites e faço coisas que talvez não sejam consideradas "convencionais", mas também prezo muito por coisas como boas maneiras e seguir as regras (mesmo quando estou trabalhando para mudá-las). [...] Não quero nem preciso que as pessoas assinem minhas crenças — só quero uma conversa sobre a importância de aparecer e nos deixarmos ser vistos. Acho que um senso coletivo de valor poderia abalar o mundo [...]. Trechos da entrevista Embracing Vulnerability: An interview with bestselling author Brene Brown (Quiet Revolution, 2016), da pesquisadora, escritora e palestrante estadunidense Brené Brown (Casandra Brené Brown), autora de obras como Daring Greatly: How the Courage to Be Vulnerable Transforms the Way We Live, Love, Parent, and Lead (2012), The Gifts of Imperfection (2010) e I Thought It Was Just Me: Women Reclaiming Power and Courage in a Culture of Shame (2007).

 

A ARTE DE JESSICA MARTINS

A arte da pintora, desenhista e escultora Jéssica Martins (Jéssica Martins Alves da Costa), que já participou de inúmeras exposições em Galerias, Museus, Salões e Espaços Culturais de Pernambuco. Veja mais aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.


 


YŌKO TAWADA, BRENÉ BROWN, ALEYDA QUEVEDO ROJAS & JESSICA MARTINS

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som da obra multimovimento Sarojini (2022), da compositora, etnomusicóloga e vocalista estadunidense Shruth...