Ao som de Vista,
para orquestra (2019) e Semafor, para grupo instrumental (2020), da compositora
finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023). Veja mais aqui.
Reca de bichos & cabeças de prego... – O
que Zeca Biu colecionava de bichos, tinha de furúnculos. Tudo começou ainda
menino juntando minhocas: era gogo por todo canto do quintal, pois ensaiava
pescador no brejo limítrofe. Depois foram as lagartixas, teiús e calangos; uma
compilação de formigas e saúvas, acumulação de aranhas e até uma caranguejeira
sinistra. Dali pra agrupamentos de cobras, preás, gafanhotos, cururus, lesmas,
morcegos, ah, foi um salto. Chegou ao ponto de ter uma banda de grilos
amestrados, um balé de borboletas e vagalumes, um aquário de cundundas, um
viveiro cantante de passarinhos e não só: coligiu tudo num tomo taxonômico improvisado,
no qual reuniu uma variedade de cassacos e ruminantes; um guenzo rouco
fedorento que se inquietava com as estripulias dum tatu-bola de estimação; um
ganso zarolho assombrando o marreco que dava voltas ao redor da cacimba; uma
arara tagarela negociando frutas; uma cigarra com recados das nuvens; um quati
mentiroso denunciando catitas foragidas; um leitãozinho fuçando segredos do
chão; uma coruja doida rodando a cabeça sem parar; um cabrito gago mangando dum
cágado enamorado por uma filhote de jacaré; uma rã esnobe acocorada no lombo
dum marreco desajeitado; um burrico anão soltando lorotas com as baratas tontas
avexadas; um perdigueiro cheleléu que só abanava o rabo; um bezerro molenga
abestalhado com um peru gozador que grugulejava ao final de cada piada caçoando
do pavão enrustido; um galo carijó propondo noivado pra uma guiné vitalina; um
presepeiro sagui-do-nordeste que vivia enfiando o dedo no cu dos outros; um
carcará atrepado na viga arremedando um papagaio pornográfico; um gato maracajá
enfezado que namorava uma jaguatirica; um tamanduá amancebado com uma lontra;
uma perereca-verde fofoqueira e comadre de uma preguiça enredeira; uma capivara
que desfilava com a amiga paca; e um gambá pra enxotar desafetos, tudo
embelezando o ambiente fétido das onomatopeias cagadas e mijadas da bicharada.
Como era um menino solitário – tudo fez pra se enturmar, sempre desprezado.
Crescia e se desapontou com a primeira paixão depois da professora. Daí procurou
fazer amizades: foi onanista coletivo com os coleguinhas de classe, trocou
cavalo-mago, agradava um e outro, mas era sempre preterido nas escolhas dos
pariceiros. Dedicou-se, então, a uma obsessiva paixão pelos animais e os queria
a todos, como uma Arca de Noé só sua, parecida com aquela do colecionador do Fowles. Na adolescência ele já se via ufano proprietário de vasto zoológico
particular. Todo dia 18 de novembro era ele na maior farra de comemoração e,
como tinha do muito, vendia e trocava, envolvendo-se com traficantes, o que deu
a maior bronca. Evidente, o seu colecionismo saiu do saudável e começou a dar
problemas pra ele e a vizinhança. Uma cascavel picou a filha do vizinho, o
papagaio ofendeu a esposa de outro, o sagui dava dedada no furico de todos os
passantes, até que um abaixo-assinado rolou no bairro esfregado às suas fuças, num
estrondoso escândalo. Não era só a atitude de salvar os bichos das queimadas,
ataques ou abandono, o seu colecionismo compulsivo habilitava o sujeito a uma
futura profissão, pra ele, alvissareira: alentava o sonho de se tornar
bicheiro, já que não levava jeito para veterinário, nem entomólogo ou
ictiólogo, muito menos taxidermista ou zootecnista, vez que só era um Animall
Collector - acumulador de animais vivos! Isso é um vitupério! Reclamações
viraram escarcéu e estouraram a boca do balão. Claro que sua negligência foi
coibida por malcriadas acusações de tráfico e de cativeiro clandestino, além de
graves problemas com a legislação ambiental, até ser submetido a tratamentos
psiquiátricos para dar cabo de sua patologia. Tô ferrado, meu! Pura perda de
tempo, mas isso é outro assunto. Pois, desbaratado o seu zoo particular e antes
de vê-lo trilhar os passos do Barão de Drummond, durante todo o período, ele
foi acometido por excruciantes cabeças de prego. Caramba! A primeira apareceu
logo no quadril esquerdo: não aguentava ceroula, cueca ou calças, andava nu
pelo meio da casa, balançando os cachos pra cima e pra baixo. Pode? Puxa! Isso é
um atentado à moral! Botaram compressa de água benta quente, banha de galinha,
folhas de mato, rezas e benzedeiras, tudo para que o dodói dele estourasse logo
para acabar com aquela pouca vergonha. Dói, meu! Que é que posso fazer? Teve
que sajar. Sofreu dolorosamente com o apertão, de estourar e sair fora o
carnegão, melando tudo. Um sofrimento. Eita, esse foi um abscesso macho! Tanto
pus num negocinho de nada! Foi o primeiro. Não demorou muito e logo apareceu
outro no sovaco direito: vivia sem camisa e de braço estirado. Vai pra onde,
traste? Pensavam dele descarado caroneiro pedindo parada para qualquer
transporte. Oh! Um atrapalho de vida. Lá se foram 17 dias insuportáveis de ais
e uis, desaparecendo sem mais nem menos. Eita, tô bom! Sumiu. Logo deu lugar a
outro, no antro nasal, não podia nem espirrar! Dormia de papo pro ar porque
tudo que roçasse as ventas magoava. Lá se ia ele com o focinho inchado, 10 dias
de deus-me-acode! Danou-se! Quase morre sufocado, só respirando pela boca. Mal
melhorou e um terçol gigantesco tapou-lhe as vistas. Temia cegar de vez. Dum
olho passou pro outro, pronto! É karma! Só sendo. Quase enxergando achou que
estava tudo em ordem e veio o mais doloroso de todos os furúnculos - no ânus e
duplo: de um lado e outro entre as pregas do boga. Ih! Peidinho de nada e ele
via estrelas em pleno meio dia. Um sufoco! De manhã ficava ciscando dentro de
casa esperando o aperto da cagada matinal! Valei-me! Era aos berros no trono,
demorava pra se aliviar. E pra sentar? Só de bandinha sem poupar desconforto:
Tá acendendo a fluorescente, nego? Já era zambeta e andava de pernas abertas:
Isso é uma rotônica desgracenta! Foi ao proctologista e, naquela posição
vergonhosa de bunda pra lua, ouviu desolado: É embutido! Como assim? Tapou
tudo. Aí tomou todo tipo de cachete, cada um maior que o outro, de ter trabalho
pra engolir e, às vezes, enganchando na garganta. Tome copos d’água!
Engasgou-se não se sabe quantas vezes. Foram 21 dias de tormento. Quando menos
esperava, no meio da maior multidão, só sentiu o ploft! Deu um carreirão com a
catinga atrás, desvestiu-se às pressas melando tudo e se atolou numa privada,
assoprando que só locomotiva. Mais de hora depois, o alívio. Afora o trabalhão
pra lavar tudo empestado com a inhaca desgraçada. Depois saiu-se com a cara
mais lisa: Hem, hem... Acabou-se o zoológico, tive tudo isso e nem morri! Ainda
vou ser bicheiro! S’assunte, meu! Ah. Até mais ver.
Rumiko Takahashi: O puro tornou-se impuro. O impuro agora se tornou puro. O bem agora se tornou mau. O mal tornou-se maligno. Viver é morrer, morrer é viver... Eu sou o vento. Um dia voarei livre... Veja mais aqui.
Jody Williams:
Para mim, a diferença entre uma pessoa “comum” e “extraordinária” não é o
título que essa pessoa pode ter, mas o que eles fazem para tornar o mundo um
lugar melhor para todos nós... Veja mais aqui, aqui & aqui.
Nicole Maines: Espero que minha história possa inspirar as
pessoas e tudo mais, mas o mais importante para mim é que as pessoas vejam
minha história como ela realmente é: nunca tive problemas com minha identidade
como pessoa trans, mas tenho problemas com a forma como outras pessoas me
percebem desde que eu era criança... Veja mais aqui.
NÚMERO UM
Imagem: Acervo ArtLAM.
E é por isso \ que nosso planeta \ é reservável. \
A lua consta nos registros de propriedade. \ O sol consta em uma escritura
autenticada em cartório. \ Cidades numeradas. Ruas hipotecadas. \ Destino
multidigital. \ Novas guerras \ garantidas \ pela propriedade do Decálogo. \ Quantias
exorbitantes de esperança em leilões públicos. \ E então, \ quando o amor \ é
um galho levado pelo vento, \ ele é sempre o Número Um \ e se inclina em nossa
direção.
Poema da poeta polonesa Ewa Lipska,
integrante da geração da "Nova Onda". Veja mais aqui & aqui.
O TRANSE DOS REBELDES - [...]
O acesso à solidão e aos livros foram as
conquistas inestimáveis daquela época.
Eles lançaram as bases para o
que mais tarde chamaria de meu primeiro exílio:
o conhecimento [...]. Trecho extraído da obra La transe des insoumis (Grasset, 2003), da
escritora argelina Malika Mokeddem, que, nascida em uma família nômade
lutou ao longo da sua adolescência pelo acesso à educação, conseguindo, com
isso, estudar medicina em Orã e depois no exílio em Paris, quando teve que
evitar um casamento arranjado entre famílias. Para ela: O conhecimento é o
primeiro dos exílios. Minha vida é meu primeiro trabalho. E a escrita, seu
sopro constantemente entregue. Veja mais aqui & aqui.
SINTA-SE LIVRE – [...]
Sou tomada por dois
sentimentos contraditórios: há tanta beleza no mundo que é incrível que sejamos
infelizes por um momento; há tanta merda no mundo que é incrível que sejamos
felizes por um momento.
[...] As bibliotecas não estão falhando "porque são bibliotecas".
Bibliotecas negligenciadas são negligenciadas, e esse ciclo, com o tempo,
fornece a desculpa para fechá-las. Bibliotecas bem administradas estão lotadas
porque o que uma boa biblioteca oferece não se encontra facilmente em outro
lugar: um espaço público interno onde você não precisa comprar nada para
permanecer. [...] A escrita existe (para mim) na intersecção de três
elementos precários e incertos: a linguagem, o mundo, o eu. O primeiro nunca é
inteiramente meu; o segundo, só posso conhecer em um sentido parcial; o
terceiro é uma resposta maleável e improvisada aos dois anteriores. [...]
Entre a propriedade e a
alegria, escolha a alegria.
[...] Se o objetivo é ser apreciado por mais e mais pessoas, tudo o que é
incomum em uma pessoa é eliminado. [...] o progresso nunca é permanente,
sempre será ameaçado, deve ser redobrado, reafirmado e reimaginado se quiser
sobreviver. [...] Se há algo que os romancistas sabem é que os cidadãos
são internamente plurais: eles carregam consigo toda a gama de possibilidades
comportamentais. São como partituras musicais complexas das quais certas
melodias podem ser extraídas e outras ignoradas ou suprimidas, dependendo, pelo
menos em parte, de quem as rege. [...]. Trechos extraídos da obra Feel Free: Essays ( Penguin Press, 2018), da
escritora inglesa Zadie Smith,
autora de obra tais como: Changing My Mind: Occasional Essays (2009), On
Beauty (2005), The Autograph Man (2002) e White Teeth (2000).
ARTE NA ESCOLA
&
POEMAS & PROSAS DE TONY ANTUNES
Veja mais aquí, aqui, aqui, aqui & aqui.
&
SUBLIME SEMBLANTE DE TCHELLO D’BARROS
O curta Sublime Semblante, do poeta e artista
visual Tchello d’Barros, apresenta um poema narrado que se mescla com
olhares sugestivos, semblantes fotografados, miradas subjetivas em uma
atmosfera onírica que nos remete ao mundo dos sonhos, aquele lugar onde tudo
pode ser intenso, surreal e sublime. O curta com direção do próprio Tchello,
edição de Jozefo Roza, a modelo & autorretratos da amazônida Lua Miranda, a
voz da atriz e dubladora Telma da Costa & música autoral de Delayne Brasil.
Veja mais aqui, aqui & aqui.
ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:
Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte
& Amigos da Biblioteca aqui.