PASOLINI VIVE - O primeiro filme que
assisti do cineasta e poeta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) foi Teorema
(1968), que retrata uma família burguesa que recepciona um sujeito bastante
estranho que vai influenciar todos os familiares, representando cada membro
desta família uma instituição e segmento da sociedade, criticando a futilidade,
o comodismo e a alienação burguesa italiana, me impressionando muito a atuação
das atrizes Sulvana Mangano e Laura Betti. (Veja detalhes aqui). O
segundo filme foi Il Vangelo Secondo Matteo (1964), uma diferente visão de Jesus
que, ao invés do cordato pastor, apresenta-se como um lider enfurecido: que não veio trazer a paz, mas a espada. Sublime são os olhábios de Maria gravida,
interpretada pela lindíssima atriz Margherita Caruso, que se expõe no meio de
uma furiosa onda irracionalista que atravessa as quatro colinas despojadas e um
Sol ferozmente antigo. Já o terceiro filme, lembro-me bem: Medea (1969),
estrelado pela inesquecível Maria Callas, baseada na tragédia homônima de
Eurípedes e citada na Teogonia de Hesíodo, que no caso do filme é dividida em
duas partes: as histórias que culminam no dia de horror registrada por Eurípedes
e, na outra parte, 0s acontecimentos relatados na peça teatral, enfim: uma
mulher desterrada pela lei dos homens. (Veja detalhes de Medeia aqui,
Maria Callas aqui e Hesíodo aqui). Foi então a vez
de apreciar a comédia dramática Decameron (1971), contando 9 das histórias
escritas por Boccaccio: a de Andreuccio, a de Masseto, a de Ciappelletto, a de Peronelia,
a de Catarina, a de Elizabeth, de Gemmata, o episódio de Napolis e do discípulo
Giotto. Trata-se portanto do primeiro filme da Trilogia da Vida (Veja mais do
filme aqui e aqui, e a respeito da de Boccaccio aqui, aqui, aqui e aqui),
seguido pelo segundo I Raconti di Canterbury (1972), baseado nos contos
eróticos de Geoffrey Chaucer, com os episódios do mercador e sua lindíssima
May, interpretado pela atriz Josephine Chaplin; o do frade com o Diabo e o
Inquisidor tratando a respeito da homossexualidade; o do cozinheiro que vive em
fuga o tempo inteiro e finda preso; o do Moleiro com a linda Alison,
interpretado pela atriz Jenny Runacre; o da Mulher de Bath, com a célebre
atuação da atriz Laura Betti; o do Lenhador, em que o moleiro apronta pra cima
dos estudantes que se aproveitam durante seu sono para usarem sexualmente sua
esposa e filha; o do vendedor de indultos, envolvendo três jovens que resolvem
se vingar da morte de um amigo e acabam matando um ao outro entre si; e, por
fim, o do Inquisidor, com um frade ganancioso que ganha flatulências de um
afortunado moribundo e finda levado por um anjo para testemunhar outros frades
sendo defecados pelo ânus dos demônios (Veja mais aqui e aqui);
e o terceiro, Il Fiore delle mille e una notte (1974), baseado nas
histórias orientais das Mil e uma noites (Veja detalhes aqui e aqui), por
meio de aventuras amorosas com narrações simples e anedóticas com sentido
poético, registrando a alegria e a tragédia do amor. Por fim, o último que
assisti foi o perturbador Salò o le 120 giornate
di Sodoma (1975), coincidentemente seu
último filme, pois fora assassinado antes do lançamento. O filme é uma
adaptação livre da obra Os 120 Dias de Sodoma (1785) de Marquês
de Sade, é ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, contando sobre 4 libertinos
fascistas poderosos que sequestram 18 adolescentes para os submeterem a quatro
meses de extrema violência, sadismo e tortura sexual e psicológica. O filme é dividido em quatro segmentos, inspirados na Divina Comédia
de Dante, com sequencias de releituras de obras como Genealogia da moral de Nietzsche,
Os cantos de Pound e sequencias do Em busca do tempo perdido de Proust: o
Anti-inferno, o círculo das Manias, o de Excrementos e o de Sangue, expressando
bizarrices, coprofilias, tortura, degradação e desespero com a perversidade sem
precedentes, a ponto de tornar o filme bastante polêmico e proibido em diversos
países. (Veja detalhes do filme e das obras mencionadas aqui, aqui, aqui e aqui).
Também reúno aqui no blog algumas de suas importantes obras poéticas, As cinzas
de Gramsci (veja aqui), Significado do lamento (veja aqui), alguns dos seus
poemas (veja aqui) e um trecho de uma de suas entrevistas (veja aqui). Fica,
portanto, registrado o nosso tributo ao grande poeta e cineasta. Veja mais
abaixo.
DITOS & DESDITOS - É bastante provável que na história do
pensamento humano os descobrimentos mais fecundos ocorram, não raro, naqueles
pontos onde convergem duas linhas diversas de pensamento. Essas linhas talvez
possuam raízes em segmentos bastante distintos da cultura humana, em tempos
diversos, em diferentes ambientes culturais ou em tradições religiosas
distintas. Dessa forma, se realmente chegam a um ponto de encontro – isto é, se
chegam a se relacionar mutuamente de tal forma que se verifique uma interação
real -, podemos esperar novos e interessantes desenvolvimentos a partir dessa
convergência... Pensamento
do físico e Prêmio Nobel de 1932, Werner
Heisenberg (1901-1976). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Você vê o que são as coisas deste mundo? Palavras
e nada além de palavras...
Pensamento da premiada atriz espanhola Rafaela Aparício (Rafaela Díaz
Valiente – 1906-1996).
CÉREBRO DE MATRIOSCA – O cérebro de Matriosca é uma
megaestrutura hipotética proposta por Robert Bradbury, baseada na Esfera de
Dyson, um computador de capacidade imensa. O termo foi inventado por ele como uma alternativa ao
"Cérebro de Júpiter" — um conceito similar ao cérebro de matriosca,
mas otimizada para pequenas escalas planetárias e que tenha um mínimo atraso na
propagação da informação. Um cérebro de matriosca foi desenhado para utilizar o
máximo possível de energia extraída de sua fonte primária, uma estrela,
enquanto um cérebro de Júpiter é mais otimizado visando velocidade
computacional. Algumas possibilidades de uso de uma fonte de imensa capacidade
computacional têm sido propostas. Uma ideia sugerida por Charles Stross, na
novela Accelerando, poderia ser usada para simular perfeitamente mentes humanas
em realidade virtual, transferindo mentes humanas para o cérebro de matriosca.
Stross ainda sugere que um computador como este seria suficiente poderoso para
lançar um ataque e manipular as estruturas do universo em si (espaço e tempo,
por exemplo).
Em Godplayers (2005), Damien Broderick assume que um cérebro de
matriosca poderia simular diversos universos alternativos. O futurologista Anders
Sandberg escreve um ensaio especulando as implicações da computação em massiva
escala de máquinas como o cérebro de matriosca, publicado pelo Institute for Ethics
and Emerging Technologies.
INFORME DE BRODIE - [...] O idioma é complexo. Não se assemelha a nenhum outro dos que
eu tenha notícia. Não podemos falar de partes da oração, já que não há orações.
Cada palavra monossilábica corresponde a uma idéia geral, que se define pelo
contexto ou pelos gestos. A palavra nrz, por exemplo, sugere a dispersão ou as
manchas; pode significar o céu estrelado, um leopardo, um bando de aves, a
varíola, o salpicado, o ato de esparramar ou a fuga que se segue à derrota. Hrl,
ao contrário, indica o apertado ou o denso; pode significar a tribo, um tronco,
uma pedra, um monte de pedras, o fato de empilhá-las, a assembléia dos quatro
feiticeiros, a união carnal e um bosque. Pronunciada de outra maneira ou com
outros gestos, cada palavra pode ter sentido contrário. Não nos maravilhemos em
excesso; em nossa língua, o verbo to cleave significa fender e aderir.
Evidentemente, não há orações, nem mesmo frases truncadas. A virtude
intelectual de abstrair postulada por semelhante idioma sugere-me que os
Yahoos, apesar de sua barbárie, não são uma nação primitiva mas degenerada.
Confirmam essa conjetura as inscrições que descobri no cume da meseta e cujos
caracteres, que se assemelham às runas gravadas por nossos antepassados, já não
são decifrados pela tribo. É como se esta houvesse esquecido a linguagem
escrita e só lhe restasse a oral. As diversões das pessoas são as brigas de
gatos adestrados e as execuções. Alguém é acusado de atentar contra o pudor da
rainha ou de haver comido à vista de outro; não há depoimentos de testemunhas
nem confissão e o rei dita sua sentença condenatória. O sentenciado sofre
torturas de que tento não me lembrar e depois o apedrejam. A rainha tem o
direito de atirar a primeira pedra e a última, que costuma ser inútil. O gentio
elogia sua destreza e a formosura de suas partes, aclamando-a com frenesi,
lançando-lhe rosas e coisas fétidas. A rainha, sem uma palavra, sorri [...]. Trecho extraído da
obra O informe de
Brodie (Globo, 1976), do
escritor, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986). Veja mais aqui, aqui e aqui.
TRÊS POEMAS - SENTIMENTOS DE
PRIMAVERA – ENVIADO A ZI'AN - Íngrime a estrada; à montanha, crispam-se
escarpas \ Áspera a via; sem ti, mais árduo é o caminho, \ Vejo o degelo,
chega-me o som de tuas rimas, \ longe. À neve dos picos, tua imagem de jade \ Vinho
ordinário, pobres canções não te apresem \ Nem, com fúteis parceiros, pernoites
ao jogo \ Forjado em pinus, não pedra, dure este voto: \ aves, voaremos em par;
o encontro se apresse \ Mesmo se, ao pleno inverno, este dia atravesse, \ torno
à mais cheia lua, de novo me envolvas \ Parto, e tudo o que tenho a te dar são
despojos: \ este poema, lágrimas, luz de viés. IMPROVISO DO FINAL DA PRIMAVERA
- Bem poucos cruzam a aleia, vêm até a porta \ Há este homem, vejo-o apenas em
sonhos\ Chega um perfume em sedas, senta ao banquete;\ entram também canções,
ondulando ao vento\ Perto, à manhã, tambores assaltam o sono\ É primavera e as
aves cantam em abandono\ Como esperar no mundo um certo lugar\ sobre a
distância, atar o barco a algum cais? RESPOSTA A UM POEMA - A instável, viva
multidão, vermelho-púrpura \ e ao sol, serena solidão: o meu poema \ Nenhum
desejo — a breve fama, o amor urgente\ Da fortaleza nasce um canto, ao mais
profundo\ Agradecida, à simples, clara flor inclino-me\ Viver reclusa e só,
entregue a esta procura\ é todo encontro superar em amor mais puro \ como
elevar-se entre montanhas basta ao pinus. Poemas da poeta chinesa Yu
Xuanji (844-869), da Dinastia Tang, traduzidos por Ricardo Primo Portugal e
Tan Xiao.
Vou passarinho professando a minha fé
Vou bem cedinho pela estrada que se espalma
O Nordeste em minha alma
Nos catombos do trupé
Vou Severino percorrer légua tirana
Com toda aventura humana
No solado do meu pé.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
Vou com meu canto em cada canto lado a lado
Vou com cuidado afinando o meu gogó
Sem ter espanto, todo só de luz armado
Tino aceso e aprumado
Evitando um quiprocó.
Vou confiante, entre o céu e a terra, a ponte
No destino do horizonte
Vou bater até no sol.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
Digo bem alto e minha crença toma abrigo
Sem ter asilo na redoma do mundão
Sigo o sermão no rumo a rota do estradeiro
Assuntando o paradeiro
Na melhor entonação.
Passo nos peitos a ficar comendo orvalho
Se cantar é o meu trabalho
Deus me dê toda canção.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
CINEMA
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