A arte do pintor, escultor, litógrafo e educador
estadunidense Eric Fischl. Veja mais abaixo.
ELA ME ESPERA... – Ela me espera até de manhã como quem deixa a porta
aberta entre as coxas fartas, para que eu flagre impregnado pela luminescência
de sua calcinha robusta ao contágio de seus encantos maliciosos e sem que
preveja o alisado das mãos no meu sexo inchado, exposto às lambidas aveludadas na
boca de céu estrelado até a garganta. Assim me espera de tarde como quem foi pra
rua e perdeu a condução, quase louca, estouvada, na mínima roupa colada no
corpo só para ser cortejada tão astuciosa quanto preguiçosa, às pálpebras
arreadas como se escapulisse da minha pegação de fruir seu irresistível charme
e com sagacidade a lançar pro deleite olhar lascivo do convite preu me esbaldar
no redemoinho de sua vertiginosa vagina. E mais me espera de noite tão torrencial
quanto incendiada a voar solta no vento, como quem rodopia bastante exaltada na
ponta dos pés, sem se dar conta da saia na cabeça para revelá-la desnuda, batom
rubro no sexo por baixo do vestido de alças que depõem seus seios abundantes que
sem recato deslizo seus contornos e ela a esfregar sua pele sedosa com todos os
aromas dos jardins primaveris na minha e me acolhe na sua abissal e espantosa
arquitetura corporal dada pro meu usufruto. E assim se faz alta madrugada com
todas as divindades celestes, terrenas e subterrâneas, sem relutar palpitante pelas
vibrações no sagrado rito do coito
maia sobre a estela D de Copan, com seu balche que pra
mim é mais que capitoso hidromel, vestida apenas dos quatro sóis dos Lacandons
e destes para os cinco astecas, a me esconder pelas costas e a se arquear para
que eu esteja inteiro e seguro no esconderijo do ânus, a me fazer dono de todos
os seus confins e totalmente explorada para que eu possa tributar inteiro o meu
prêmio na sua carne alada. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Que
mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que
tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta,
bruxuleante e freqüentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas
e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo
que lhes foi legado na Terra... Olhos tão habituados às sombras, como os nossos,
dificilmente conseguirão dizer se sua luz era de uma vela ou a de um sol resplandecente. Pensamento
da filósofa política alemã de origem
judaica Hannah Arendt (1906-1975). Veja mais aqui e aqui.
MASSAS DO FASCISMO - [...] A classe operária alemã acaba de sofrer uma
grave derrota, e com ela, todas as forças progressistas, revolucionárias,
criadoras de cultura, que lutam pelos antigos objetivos de liberdade da humanidade
trabalhadora. O fascismo triunfou, e consolida as suas posições de hora em hora
por todos os meios de que dispõe [...] Mas
contra a ressurreição da Idade Média, contra a política imperialista, contra a
brutalidade, a mística e a escravização dos espíritos, pelos direitos naturais
dos trabalhadores e dos criadores, duramente tocados pela exploração econômica
de um punhado de magnatas financeiros, pela abolição dessa ordem social
criminosa: o combate continuará sem descanso [...] conduzido de fato a uma evolução de extrema direita na ideologia das
camadas proletarizadas e daquelas que tinham mergulhado numa miséria mais
profunda que nunca [...] O problema
que consiste em saber por que razão os homens suportam desde há séculos a
exploração e humilhação moral, em resumo, a escravidão, ficou sem resposta.
[...] Os interesses sexuais de todos
começam a entrar a serviço dos interesses econômicos de uma minoria; esse fato
fixou-se numa forma organizacional: o casamento monogâmico e a família
patriarcal. Com a restrição e a repressão da sexualidade o modo de sentir do
homem modifica-se, a religião negadora da sexualidade surge e a classe
dominante edifica pouco a pouco uma organização própria de política sexual: a
igreja com todos os seus precursores, que não tem outro fim que não seja
erradicar o prazer sexual e através dele um pouco de felicidade na terra. [...]
A inibição moral da sexualidade natural
cuja fase é constituída pelos graves danos feitos à sexualidade genital da
criança, torna-a ansiosa, tímida, receosa diante da autoridade, obediente no
sentido burguês: gentil e bem educada; sendo desde então qualquer movimento
agressivo carregado de uma forte angústia, a inibição paralisa no homem as
forças da revolta, pela proibição sexual de pensar e uma incapacidade de
críticas gerais [...] o estado
autoritário em miniatura que é a família [...] Hitler apoia-se, como todo movimento fascista, nas diferentes camadas
da pequena burguesia [...] O
primitivo satisfeito no plano genital é homem de honra, consciente de seu
dever, corajoso e senhor de si, sem dar muito que falar a respeito. Essas atitudes
estão inscritas na sua personalidade. Aquele que está genitalmente enfraquecido
deve exortar-se continuamente a dominar a sexualidade, a defender a honra
sexual, a ser corajoso em face da tentação, etc... [...] a intoxicação religiosa é a medida essencial
em psicologia de massa para preparar o terreno para a adoção da ideologia
fascista em tempo de crise [...]. Trechos extraídos da obra Psicologia de Massas do Fascismo (Martins Fontes, 1988), do
médico, psicanalista e cientista natural Wilhelm Reich (1897-1957). Veja
mais aqui e aqui.
SATURAÇÃO
- [...] Quando
se tem a lucidez e a humildade de observar, a longo prazo, as histórias
humanas, percebe-se que, sempre, o apogeu de um valor provoca seu declínio. São
numerosos os termos, eruditos ou familiares, que expressam esse fenômeno. Os
sociólogos irão falar de um processo de saturação, os historiadores de inversão
quiasmática, os psicólogos de compensação. Não importa o termo empregado.
Trata-se de uma inversão de polaridade, causa e efeito de uma profunda mutação
societal ou antropológica. [...] Pois nada é intangível. As metamorfoses
estão na ordem do dia. E de nada serve agarrar-se à Modernidade como uma ostra a
sua pedra. Portanto, é preciso saber expressar o espírito da época. [...] Eu já disse com frequência que, em tempo de
mudança, seria preciso encontrar palavras o menos falsas possível. Palavras
essenciais que possam tornar-se palavras fundadoras. Quer dizer, palavras que
descrevam aquilo que virá. Tanto isso é verdade que a fala verdadeira ou a nova
fala é, antes, um escutar. Escutar o advento do que está ali. É assim que Fernando
Pessoa define a “sociologia das profundezas” capaz de expressar, de dar forma,
àquilo que, vindo de muito longe, fala através de nós [...] É assim que será possível, em seu sentido
etimológico e em seu sentido pleno, compreender a metamorfose em curso. Ela que
nos faz passar de um progressismo (que foi vigoroso, que deu bons resultados,
mas que se torna um pouco doentio) para uma progressividade que reinveste em
“arcaísmos”: povo, território, natureza, sentimentos, humores... que pensávamos
ter deixado para trás. É isso a invaginação do sentido. O retorno à natureza essencial
das coisas [...]. Trechos extraídos da obra Saturação (Iluminuras, 2010), do sociólogo francês Michel Maffesoli.
Veja mais aqui e aqui.
OS CADERNOS DE RILKE - [...] Acho que eu deveria começar a fazer algo, a
trabalhar, agora que estou aprendendo a ver. Tenho vinte e oito anos, e
praticamente não aconteceu nada. Vamos recordar: escrevi um ensaio sobre
Carpaccio, que é ruim, um drama chamado O Casamento, que pretende provar algo
falso com meios ambíguos, e versos. Devia-se esperar, reunir sentido e doçura
numa vida inteira, se possível bem longa, e depois, bem no fim, talvez se
conseguissem dez versos bons. Pois versos não são, como as pessoas imaginam,
sentimentos (a esses, temos cedo demais) – são experiências. E por causa de um
verso é preciso ver muitas cidades, pessoas e coisas, é preciso conhecer
bichos, é preciso sentir como voam os pássaros, e saber com que gestos flores
diminutas se abrem ao amanhecer. É preciso poder recordar caminhos em que há
muito sentíamos chegar – dias da infância, ainda não explicados, os pais que
tínhamos de magoar quando nos davam alguma alegria e não a entendíamos (era uma
alegria para outra pessoa), doenças de criança que começavam de modo tão
singular, com tantas e tão profundas transformações, dias em quartos
silenciosos e isolados, e manhãs no mar, o mar sobretudo, mares, noites de
viagem rumorejando no alto e voando com todas as estrelas – e poder pensar em
tudo isso ainda não é suficiente. É preciso ter lembranças de muitas noites de
amor, nenhuma semelhante à outra, gritos de mulheres dando à luz, leves e alvas
parturientes adormecidas que se tornavam a fechar. E também é preciso ter
estado com moribundos, sentar-se junto aos mortos no quartinho com a janela
aberta, e aqueles ruídos intermitentes. E também não basta ter recordações. É
preciso saber esquecê-las, quando são muitas, e ter a grande paciência de
esperar que retornem por si. Pois as lembranças em si ainda não não o são. Só
quando se tornarem sangue em nós, olhar e gesto, sem nome, não mais
distinguíveis de nós mesmos, só então pode acontecer que numa hora muito rara
se erga do meio delas a primeira palavra de um poema. [...] Na infância, ler pareceu-me uma profissão
que um dia eu assumiria, mais tarde, quando viessem todas as profissões, uma
depois da outra. Na verdade eu não tinha uma idéia muito exata de quando isso
aconteceria. Confiava em que se notaria, quando a vida desse uma certa volta, e
viesse apenas de fora, assim nítido e óbvio, e nada se pudesse interpretar mal.
Nada simples, ao contrário bastante exigente, e complexo, e difícil, mas mesmo
assim visível. Esse ilimitado tão singular da infância, o desproporcionado, o
nunca-bem-prevísivel, isso estaria superado. Na verdade, não conseguia imaginar
por quê. No fundo tudo continuava crescendo, fechando-se de todos os lados, e
quanto mais eu olhava para fora mais as coisas se revolviam em meu interior.
Sabe Deus de onde provinham! Provavelmente, porém, estavam crescendo para
alguma forma externa, e depois cessariam, de um golpe só. Era fácil observar:
que os adultos se inquietavam um pouco com essas coisas; andavam por ali,
faziam julgamentos, agiam, e quando estavam em dificuldades era culpa das
circunstâncias externas. [...] Quem
poderá descrever o que então lhe acontecera? Que poeta tem persuasão suficiente
para comparar a extensão daqueles dias com a brevidade da vida? Que arte é
bastante ampla para evocar a um só tempo seu vulto magro e embuçado, e todo o
superabundante espaço das suas noites imensas? [...]. Trechos extraídos da obra Cadernos de Malte Laurids Brigge
(L&PM, 2009), do poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Veja
mais aqui e aqui.
MENINO DA ILHA - Às vezes, no calor mais forte, eu
pulava de noite a janela com os pés de gato e ia deitar-me junto ao mar.
Acomodava-me na areia como numa cama fofa e abria as pernas aos alísios e ao
luar; e em breve as frescas mãos da maré cheia vinham coçar meus pés com seus
dedos de água. Era indizivelmente bom. Com um simples olhar podia vigiar a
casa, cuja janela deixava apenas encostada; mas por menos escrúpulo. Ninguém
nos viria nunca fazer mal. Éramos gente querida na ilha, e a afeição daquela
comunidade pobre manifestava-se constantemente em peixe fresco, cestas de caju,
sacos de manga espada. E em breve perdia-me naquela doce confusão de ruídos...
o sussurro da maré montante, uma folha seca de amendoeira arrastada pelo vento,
o gorgulho de um peixe saltando, a clarineta de meu amigo Augusto, tuberculoso
e insone, solando valsas ofegantes na distância. A aragem entrava-me pelos
calções, inflava-me a camisa sobre o peito, fazia-me festas nas axilas, eu
deixava a areia correr de entre meus dedos sem saber ainda que aquilo era uma
forma de contar o tempo. Mas o tempo ainda não existia para mim; ou só existia
nisso que era sempre vivo, nunca morto ou inútil. Quando não havia luar era
mais lindo e misterioso ainda. Porque, com a continuidade da mirada, o céu
noturno ia desvendando pouco a pouco todas as suas estrelas, até as mais
recônditas, e a negra abóboda acabava por formigar de luzes, como se todos os
pirilampos do mundo estivessem luzindo na mais alta esfera. Depois, acontecia
que o céu se aproximava e eu chegava a distinguir o contorno das galáxias, e
estrelas cadentes precipitavam-se como loucas em direção a mim com as
cabeleiras soltas e acabavam por se apagar no enorme silencio do infinito. E
era uma tal multidão de astros a tremeluzir que, juro, às vezes tinha a
impressão de ouvir o burburinho infantil de suas vozes. E logo voltava o mar
com o seu marulhar ilhéu, e um peixe pulava perto, e um cão latia, e uma folha
seca de amendoeira era arrastada pelo vento, e se ouvia a tosse de Augusto
longe, longe. Eu olhava a casa, não havia ninguém, meus pais dormiam, minhas
irmãs dormiam, meu pequeno irmão dormia mais que todos. Era indizivelmente bom.
Havia ocasiões em que adormecia sem dormir, numa semiconsciência dos carinhos
do vento e da água no meu rosto e nos meus pés. É que vinha-me do Infinito, mas
a um lacrimoso abandono que acabava por raptar-me de mim mesmo. E eu ia, coisa
volátil, ao sabor dos ventos que me levavam para aquele mar de estrelas, sem
forma e sem peso, mesmo sentindo-me moldar à areia macia com o meu corpo e
ouvindo o breve cochicho das ondas que vinham desaguar nas minhas pernas. Mas
-- como dizê-lo? -- era sempre nesses momentos de perigosa inércia, de mística
entrega, que a aurora vinha em meu auxílio. Pois a verdade é que, de súbito, eu
sentia a sua mão fria pousar sobre minha testa e despertava do meu êxtase.
Abria os olhos e lá estava ela sobre o mar pacificado, com seus grandes olhos
brancos, suas asas sem ruído e seus seios cor-de-rosa, a mirar-me com um
sorriso pálido que ia pouco a pouco desmanchando a noite em cinzas. E eu
levantava, sacudia a areia do meu corpo, dava um beijo de bom dia na face que
ela me entregava, pulava a janela de volta, atravessava a casa com pés de gato
e ia dormir direito em minha cama, com um gosto de frio em minha boca. Texto do poeta,
dramaturgo, jornalista, compositor e diplomata brasileiro Vinicius de Moraes
(1913-1980). Veja mais aqui, aqui e aqui.
UM POEMA
- Silêncio./Quando ela abre suas pernas/que todo mundo se cale./Que
ninguém murmure/nem me venha/com contos nem poesias/nem histórias de
catástrofes/que não há enxame melhor/que seus pelos/nem abertura maior que a de
suas pernas/nem abóbada que eu vislumbre com mais respeito/nem selva tão
fragrante quanto seu púbis/nem torres e catedrais mais seguras./Orais: ela
abriu suas pernas./Todo mundo ajoelhado. Poema da escritora
uruguaia Cristina Peri Rossi. Veja
mais aqui.
A arte do pintor, escultor, litógrafo e educador
estadunidense Eric Fischl. Veja mais aqui.
EFETIVIDADE NO PROCESSO - O presente estudo de
pesquisa se inscreve na temática "Efetividade do processo". O que
leva, portanto, a introdutoriamente buscar o conceito de processo para, assim,
poder abordar acerca da sua efetividade. Assim, o processo em sentido amplo é o
conjunto de regras e princípios preestabelecidos que presidem o desenvolvimento
de uma questão judicial. Assim sendo, é o modo prático do exercício do direito
de ação ou o modo de conduzir alguma pretensão em juízo. Para Carnelutti
(2002), o processo é o conjunto dos atos e procedimentos ou a combinação deles
para a consecução de algum fim visado, ou um conjunto de atos destinados à
formação de imperativos jurídicos, cuja caraterística consiste na colaboração,
para este fim, das pessoas interessadas, com uma ou mais pessoas
desinteressadas. Assim, Carnelutti (2002) defende que o processo não funciona
apenas no interesse das partes, mas mediante o interesse das partes, porque a
sua finalidade é, primacialmente, a atuação da lei, com a conseqüente tutela
dos direitos individuais. Por isso mesmo, o processo é um instrumento do
Estado, manejado e controlado pelo próprio Estado, por meio dos juízes, seus
legítimos representantes. O objetivo primordial do processo judicial é poder
proporcionar, àqueles que o utilizam, o efetivo alcance dos resultados que
deveriam ter decorrido do espontâneo cumprimento do direito objetivo
substancial. Desta forma, a finalidade do processo civil é tornar efetivo o direito em face da lei
aplicável. Imediatamente, porém, tem o fim de estabelecer métodos racionais e
lógicos ao exercício da tutela jurisdicional, aos quais estão rigorosamente
adstritos os juízes e seus auxiliares e colaboradores, além das partes e seus
procuradores, entre si, contra a má fé do adversário e presumindo-se de meios
contra o arbítrio dos juízes. Passa-se, então, a divisar no processo metas que
vão além da simples composição dos litígios e que se comprometiam com as
aspirações do devido processo legal, tanto no plano formal como no material. A
missão do judiciário a ser cumprida por meio do processo, a partir de então,
vincula-se à preocupação de efetividade, ou seja, à perseguição de resultados
que correspondessem à melhor e mais justa composição dos litígios. E foi, à luz
dessa nova constatação, desse novo posicionamento institucional que se insinuou
e se fez prevalecer a teoria das tutelas diferenciadas. Neste diapasão, a
expressão tutela específica passou a significar tanto a prestação jurisdicional
efetiva; como também para denominar o conjunto das técnicas hábeis a proporcionar
tal efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Com isso, deixa-se
entender que o processo, como instrumento que é para a obtenção da prestação
jurisdicional correspondente à realização do direito, somente obtém êxito
integral em seu mister quando for capaz de gerar, na prática, resultados
idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas
jurídicas. Daí dizer-se que, proibida a autotutela, o processo ideal é o que
dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito
mediante a entrega da prestação in natura. E quando isso ocorre, ou seja,
quando se proporciona, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo
aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de tutela jurisdicional
específica. Nesse ponto, assume particular relevância essa espécie de tutela –
entendida como o conjunto de remédios e providências tendente a proporcionar,
àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação, o preciso resultado
prático que seria atingido pelo adimplemento. Assim, como afirma Yarshell
(1993:59), "(...) o próprio conceito de tutela específica é praticamente
coincidente com a ideia da efetividade do processo e da utilidade das decisões,
pois nela, por definição, a atividade jurisdicional tende a proporcionar ao
credor o exato resultado prático atingível pelo adimplemento". É preciso,
assim, observar que a essência do pensamento de Chiovenda (apud Cavalcante,
1995), que se apresenta como o grande idealizador da efetividade processual,
consiste justamente na afirmativa de que o processo, para ser efetivo, deverá
apoiar-se num sistema que assegure a quem tem razão uma situação jurídica igual
à que deveria ter se derivado do cumprimento normal e tempestivo da obrigação.
E, na medida em que se evidencie a possibilidade de dano ou perigo de
perecimento do direito, essa situação deve ser, desde logo e especificamente,
protegida, o que é, precisamente, a hipótese do art. 461, do CPC brasileiro, no
que diz respeito às obrigações de fazer e não fazer. A partir disso é que se
desenvolverá o presente estudo, buscando pormenorizar a efetividade do
processo, principalmente a partir da vigência da Lei nº 8.952, de 13 de
dezembro de 1994. Considerando que muito antes da evolução do processo para sua
atual missão política e social, voltada para a instrumentalidade e a
efetividade, Chiovenda (apud Cavalcante, 1995) já preconizava que o ideal do
processo deveria ser dar a quem tem direito, quanto possível, e de forma
prática, tudo aquilo e exatamente aquilo que tivesse direito, segundo a
obrigação do devedor. Vale dizer, portanto, que o sonho de Chiovenda, tão
contestado a seu tempo, acabou por se transformar em regra expressa dos Códigos
de Processo Civil atual, no primeiro grande impulso dado na direção de consagrar
a função instrumental do processo e de valorizar a efetividade da prestação
jurisdicional. Logo, porém, se sentiu, na evolução do processo comprometido com
sua função social que, em muitos casos, a efetividade da tutela jurisdicional
perdia substância se não se assegurasse a pronta satisfação do direito material
da parte. Em tais situações não haveria como aguardar-se a coisa julgada e,
assim, começaram a surgir vários procedimentos especiais em que as medidas
liminares satisfativas eram franqueadas ao demandante. O art. 5.°, XXXV, da
Constituição da República, não só garante o direito de acesso à justiça, mas
igualmente o direito à efetividade e à tempestividade da tutela
jurisdicional. Como a garantia
constitucional de acesso à justiça deve incidir sobre a estrutura técnica do
processo de jure condendo e de jure condito, é dever do processualista extrair
das normas do sistema processual uma interpretação que permita a viabilização
do direito à tempestividade da tutela jurisdicional e do processo justo,
compreendido como o processo que atende aos valores constitucionais em uma
perspectiva concreta e não meramente formal. Em observância ao direito
constitucional de acesso à justiça, não seria de estranhar que inúmeras
contendas não seriam deflagradas se os litigantes tivessem a convicção que o
litígio seria rapidamente solucionado pelo judiciário, porque a lide seria
resolvida, ainda no plano factual, sem a intervenção do Judiciário. É certo,
que através do processo e suas formas é que se garante a legalidade, ampla
defesa, contraditório e imparcialidade. Por este caminho, os demandantes
realizarão suas aspirações e desejos para robustecer o direito alegado. Para
isso, utilizam-se de todos os argumentos e provas ao seu alcance. Ao juiz é
dado o dever de bem administrar, através das regras previamente fixadas no
sistema legal, o processo, analisando os pedidos e fundamentando todas as suas
decisões (TEIXEIRA, 1996). O certo, no entanto, é que entre as garantias
fundamentais figura a de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser
subtraída à tutela jurisdicional prevista na CF, art. 5º XXXV; e o modo de
buscar essa tutela não é outro senão o processo. Com isso, inquestionavelmente
passa-se a entender que para que toda essa atividade tenha seu curso natural,
exige-se tempo. As fases do processo invadem os limites do tempo. Porém, o
estado de litígio promove o sofrimento e desventura. A indefinição se contrapõe
ao escopo social, objetivos que o Estado democrático resolveu abrigar. Porém, o
processo não pode ser visto como algo estanque, afastado da essência do
conflito de interesses e do próprio direito material que busca realizar. É
reconhecido, hoje, que o processo não é um fim em si mesmo e tem seu ponto
maior de realce quando o direito material é realizado (DINAMARCO, 1996). Com o
advento da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, o panorama foi
substancialmente alterado: sem eliminar as técnicas de tutela jurisdicional até
então existentes, deu-se nova redação ao art. 461 do Código de Processo Civil,
em cujo caput ficou estabelecido que "na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará as providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". E, nos
termos do § 1º, "a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o
autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do
resultado prático correspondente". Para tornar possível a prestação da
tutela específica, o legislador conferiu ao juiz poderes para "impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do
preceito", conforme previsto no § 4º. Estabeleceu, ainda, no § 5º, que: [...]
para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas,
desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial. A novel redação do art. 461 do CPC, transladado, praticamente
na íntegra, do art. 84 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou seja, o
Código de Defesa do Consumidor, trouxe, como se percebe, inovações expressivas,
todas fundadas no princípio da maior coincidência possível entre a prestação
devida e a tutela jurisdicional entregue. No sistema anterior, a alternativa
oferecida ao credor para a impossibilidade de obter a tutela específica era a
de converter tal prestação em indenização por perdas e danos. Agora, nova
alternativa se apresenta: a de substituir a prestação específica por outra que
assegure o "resultado prático equivalente ao do adimplemento". Ao se
propor ação com o objetivo de obter o cumprimento de obrigação de fazer ou de
não fazer há nela embutido, como pedido implícito, o da designação de outras
providências que assegurem referido resultado prático, de modo que a compensação
pecuniária somente se dará se assim expressamente requerer o autor, ou se
"impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente", conforme previsto no § 1º, da citada lei (ALVIM, 1995). Com
a reforma do Código de Processo Civil, da última década, finalmente fez inserir
no direito positivo o poder geral de antecipação de tutela, conferido ao juiz
para ser exercido em qualquer processo de conhecimento, antes da definitiva
composição da lide, desde que presentes os requisitos enunciados no art. 273,
na redação que lhe emprestou a Lei nº 8.952, de 13.12.94, que fez inserir na sistemática processual
brasileira, os provimentos antecipatórios como expressão da efetividade do
processo e instituiu a antecipação de tutela e, dentre todas as alterações
trazidas por esta lei, a que se revelou com maior proficuidade foi, sem dúvida,
a que possibilita ao aplicador da lei a antecipação da tutela. Neste sentido,
Alvim (1995:41) comenta que: Talvez poucos tenham notado, mas o direito processual
atual, apoiado em sólidas bases dogmáticas, permite-se percorrer de novo o
mesmo caminho que o consagrou como ciência, mas preocupado, agora,
empiricamente, em neutralizar o tempo, compatibilizando-o, tanto quanto
possível, com uma justiça rápida e justa. Surge, assim, os provimentos
antecipatórios como a mais moderna técnica de atender à pretensão da parte que
provavelmente tem razão. Portanto, a vontade concreta da Lei nº 8.952/94,
entronizatória no CPC da técnica antecipadora de pedido, é garantir ao autor da
ação, a favor do qual milita a possibilidade de sucesso no pleito, obter, por
decisão interlocutória, a restituição do direito violado ou ameaçado que está
sofrendo, e isto prontamente, antes da decisão final da demanda. A efetivação
dos comandos judiciais implementa as providências tutelares antecipatórias na
tábua do próprio livro-processo da codificação processual. Existe, agora, a
possibilidade de se requerer a tutela antecipada em todos os procedimentos, o
que quer dizer, alcançar a decisão de mérito provisoriamente exequível, mesmo
sem findos os tramites legais do processo. O que o novo texto permite é a
possibilidade de o juiz conceder ao autor um provimento liminar que,
provisoriamente, lhe resguarde o bem jurídico concernente à prestação de
direito material reclamada como objeto da relação jurídica envolvido na lide
(NERY JUNIOR,1995; TEIXEIRA, 1996). Na dicção do art. 273, o CPC autoriza a
tutela antecipada se há prova inequívoca do que alega o autor e seu direito
pode ser havido com verossímil diante de tal prova, sendo certo que se não for
antecipada a satisfação do direito subjetivo haverá o perigo de sua
inutilização e, consequentemente, da frustração do próprio provimento judicial
definitivo. Quando esse afinal fosse pronunciado já encontraria uma situação de
prejuízo irremediável para o respectivo titular. Já não mais existiria condição
de exercitar o direito cuja proteção fora objeto da ação e da sentença. O art.
273 prevê: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total
ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I -
haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique
caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu; (...) § 2 º. não se concederá a antecipação da tutela
quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Como se vê,
o legislador atrelou a antecipação da tutela final à constituição de prova
"inequívoca" da causa de pedir, à inexistência de perigo de
irreversibilidade dos efeitos da medida, e, ainda, a dois requisitos
alternativos: demonstração da probabilidade de ocorrência de dano irreparável ou
de difícil reparação, caso o atendimento da pretensão do autor não seja
antecipado no tempo; e caracterização do "abuso do direito de defesa"
ou de "manifesto propósito protelatório" - expressões cujo conteúdo é
delimitado pelo próprio Código de Processo Civil, ao arrolar os casos de
litigância de má-fé (incisos do art. 17). Outro traço marcante da nova figura
do direito processual brasileiro consiste no seu caráter potencializador da
execução provisória da tutela antecipada, fazendo a lei remissão expressa ao
art. 588 do Código de Processo Civil. No entanto, as dúvidas remanescentes no
estudo e aplicação da antecipação de tutela, as quais tornaram fecundas as
discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, foram em parte
debeladas, haja vista o legislador ter avançado mais ainda no caminho da plena
efetividade, quando por intermédio de outra reforma pontual, produzida pela Lei
n.º 10.444/02, foi dada nova redação ao § 3º e foram acrescentados os §§ 6º e
7º. Analisando a redação emprestada ao § 3º do art. 273 do CPC, conclui-se que,
na prática, tendo em vista a modificação procedida no sistema da execução
provisória, a antecipação de tutela pode ser executada de forma imediata e com
força de definitiva, contanto que a parte beneficiada com a execução da medida
preste caução idônea e a decisão venha a implicar em levantamento de depósito
em dinheiro, atos de alienação de domínio ou atos dos quais possa resultar
grave dano à parte ex adversa. Com isto, resta reforçada a idéia de que a
irreversibilidade de que fala o § 2º do artigo sob comento é a de fato e não a
de direito. Vale ressaltar, ainda, que, por extensão, deve ser aplicado o
sistema do art. 811 do Código de Ritos, nas hipóteses em que o requerente da
tutela antecipada, que se beneficiou com a concessão e efetivação da medida,
perca a demanda e a execução da antecipação da tutela tenha causado prejuízo à
parte contrária. Incide, na espécie, a responsabilidade objetiva a fim de
supedanear direito de indenização assegurado ao litigante prejudicado (TEIXEIRA,
1996). Outro passo largo dado no caminho da efetividade da tutela antecipada
consiste no acréscimo dos §§ 6º e 7º ao art. 273. O primeiro diz respeito à
possibilidade de se antecipar os efeitos da tutela de mérito nos casos em que
um ou mais dos pedidos cumulados ou parte deles se mostrar incontroverso,
evitando, assim, o abuso de direito na defesa do réu que não contesta a
totalidade do pedido, postergando, de maneira desnecessária e em prejuízo do
autor da demanda, a discussão da quaestio nos autos. Já o § 7º veio jogar por
terra toda a discussão que se instalou em torno da natureza das tutelas
antecipatória e cautelar, ambas espécies do gênero tutela de urgência, ao
admitir expressamente a aplicação do princípio da fungibilidade das medidas,
quando o autor vier a requerer antecipação de tutela e o pedido se inserir no
âmbito cautelar (NERY JUNIOR, 1995). Esta tomada de decisão legislativa
contribuiu mais ainda para a extirpação de formalidades exageradas e muitas
vezes absurdas no seio do processo civil pátrio, porquanto vinha-se,
frequentemente, rejeitando o pleito antecipatório com base neste motivo. Essa
antecipação de tutela, portanto, é de se fazer como imperativo da eficácia da
própria função jurisdicional e se justifica, tal como a tutela cautelar, pela
necessidade de afastar o periculum in mora (risco de dano irreparável ou de
difícil reparação) a que se acha exposto o direito verossímil e inequivocamente
comprovado (fumus boni iuris), conforme previsto no art. 273, I. Outra hipótese
em que se torna viável a antecipação de tutela de mérito, é a do perigo de
sujeitar-se longamente o titular do direito à privação de seu exercício por
resistência do demandado que abusa do direito de defesa ou age com propósito
manifestamente protelatório, conforme previsto no art. 273, II. Aqui, não há
risco de dano de difícil reparação, no sentido de inviabilizar-se o exercício
do direito subjetivo quando se der o provimento definitivo. O que ocorre é a
evidência da conduta ilícita do réu, e a submissão do autor a uma situação
flagrantemente injusta. Diante disso, não deve a justiça resignar-se a aguardar
que o processo corra sua longa marcha servindo apenas a prolongar a duração da
injustiça manifesta. O exercício do direito de defesa se torna abusivo e ao
juiz compete coibir todos os expedientes temerários e maliciosos que possam
acobertar as diversas manifestações do abuso de direito no curso do processo.
Enquanto, no inciso I do art. 273 se realiza a tutela contra o perigo de dano
ao bem jurídico litigioso, no inciso II pratica-se a tutela da evidência,
afastando-se a intolerável injustiça imposta ao autor pela malícia do réu, que
se aproveita da demora natural do processo para abusivamente continuar
prejudicando o direito subjetivo do primeiro. Em todos os casos, seja de perigo
de dano de difícil reparação, seja de evidência do direito abusivamente
resistido, a antecipação de tutela exige do juiz a cautela de só implementá-la
com garantia de reversibilidade. É que a Constituição garante o contraditório a
todos os litigantes, de modo que ninguém pode ser privado de bens ou direitos
senão depois de cumprido o devido processo legal, conforme a CF, art. 5º, LIV e
LV. Quer isto dizer que se a parte, por antecipação de tutela vem a ser privada
de determinada situação jurídica, isto se justifica por situação anômala em que
risco grave de frustração afeta a efetividade do processo. Não pode, todavia, o
afastamento do risco redundar na privação do réu de todo o direito de defesa e
muito menos, se deve tolerar que, com a antecipação se elimine o contraditório.
Daí a exigência de que a medida antecipada seja sempre reversível, conforme o
art. 273, 2º. Pode-se permitir ao autor a satisfação imediata do direito
litigioso, mas sempre de modo a resguardar ao réu a possibilidade de restaurar
sua situação jurídica, caso após o debate exauriente da causa, venha a ser ele,
e não o autor, o vitorioso no pleito judicial. Há, dessa maneira, no esquema do
art. 273 e seus § §, a observância do princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade. Quebra-se momentaneamente o contraditório, mas sem
eliminá-lo de todo. Cumprida a medida antecipatória, restabelece-se o
contraditório e a ampla defesa. E afinal qualquer que seja o vitorioso, o juiz
terá condição de proporcionar-lhe o adequado bem da vida, ou seja, aquele a que
efetivamente corresponde sua comprovada situação jurídica em face do litígio
acertado em juízo. Assim, duas garantias estarão confrontadas: a de efetividade
da tutela jurisdicional, devida ao autor e acobertada pela medida
antecipatória, e a de intangibilidade da situação do réu, antes do julgamento
definitivo, resguardada pela vedação ao autor de obter provimento provisório de
efeito irreversível. Em suma: como princípio, não se antecipam provimentos de
efeitos irreversíveis; mas se o único meio de assegurar a efetividade da tutela
de que o autor se apresenta predominantemente merecedor (em relação ao réu)
exige medida faticamente irreversível, não poderá esta ser-lhe vedada, sob pena
de subtrair-lhe a garantia fundamental de pleno acesso à justiça. Pela mesma
Lei nº 8.952/94 outra importantíssima reforma se procedeu no texto do art. 461
do CPC, para assegurar ao credor de obrigação de fazer e não fazer uma tutela
específica, reforçada por explícita previsão de medidas antecipatórias e
cautelares adequadas a propiciar sua almejada efetividade. Aparentemente, o CPC
teria adotado dois regimes distintos de antecipação de tutela nos arts. 273 e
461. De fato, no art. 273 exige-se que a parte apresente prova inequívoca
conducente à verossimilhança do alegado, comprove perigo de dano de difícil
reparação e que os efeitos da providência a ser antecipada não sejam
irreversíveis. Já no art. 461 a lei reclama, como condição da tutela
antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de
ineficácia do provimento final, caso não se adiante a prestação jurisdicional
provisoriamente. Quanto à situação de perigo é exatamente a mesma nas duas
hipóteses: o risco de dano grave e de difícil reparação, de que fala o art. 273
é justamente o fundado temor de que o provimento final se torne ineficaz, caso
a medida do art. 461 não seja antecipada. Portanto, a observação de Watanabe
(1996:43) no sentido de que os requisitos legais exigidos pelo art. 461
"estão mais para a tutela antecipatória do art. 273 do que para o processo
cautelar. É que estamos diante de tutela antecipatória e não de tutela
cautelar". Mas, embora a lei arrole a irreversibilidade como obstáculo à
antecipação de tutela, a regra, tanto para o art. 273 como para o art. 461,
deve ser interpretada como linha de princípio e não como vedação irremovível.
Em regra, não quer a lei que os efeitos da medida antecipatória sejam
irreversíveis. Mas, se o risco de lesão corrido pelo direito do autor, também
apontar para dano irreparável, se consumado, o juiz terá de fazer um balanço
entre as duas situações de perigo para decidir qual delas tutelar. Pode-se,
então, entender que a antecipação da tutela foi positivada, não só como forma
de estancar o uso excessivo, abusivo e muitas vezes inadequado das liminares,
mas, teve como pano de fundo, tornar a justiça mais efetiva e célere em prol do
jurisdicionado, que é o seu beneficiário. Esta sistemática adotada pelo
legislador, integrando ao ordenamento processual novas espécies de direito
material – que não se coadunam com a prática meramente ressarcitória –,
privilegiando a máxima chiovendiana de efetividade da função jurisdicional,
estabeleceu uma nova ordem de prioridades, onde a tutela jurisdicional busca em
primeiro plano a tutela específica da prestação devida; na impossibilidade da
prestação in natura, o resultado prático equivalente e, em último caso, a
reparação por perdas e danos. A relevante valorização que se deu à busca da
tutela específica está acentuada nos dispositivos que conferem ao juiz uma
espécie de "poder executório discricionário", habilitando-o a
utilizar, inclusive de ofício, além dos mecanismos nominados nos §§ 4º e 5º,
outros mecanismos de coerção ou de sub-rogação inominados, aptos a produzir a
entrega específica da prestação devida ou o resultado prático equivalente,
desde que, por óbvio, juridicamente legítimos. Outra questão de suma
importância, é o caráter emergencial que impregna a tutela específica das
obrigações de fazer ou não fazer e que a coloca pari passu com as demais
tutelas provisórias de urgência. Esta característica inerente à tutela
específica das obrigações de fazer ou não fazer, está calcada na assertiva de
que a demanda pela tutela específica possui um conteúdo de satisfatividade tal,
que sua concessão in limine litis confunde-se com a própria tutela de mérito.
Com efeito, a compreensão pacífica dos estudiosos do direito processual civil
brasileiro identifica, na própria demanda pela tutela específica, um conteúdo
eminentemente emergencial na busca pela prestação in natura da obrigação, sob
pena de ineficácia da tutela jurisdicional postulada, pois, não raro, o
requerimento deduzido em juízo sugere uma resposta imediata do juiz para que
ordene o cumprimento de obrigação ou a abstenção específica, em caráter
provisório e sem que haja uma cognição exauriente. Assim, determina o
legislador pelo § 3º: "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder
a tutela liminarmente, ou mediante justificação prévia, citado o réu e, da
mesma forma que na antecipação de tutela do art. 273 do CPC, indica que "a
medida poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada". Eis aí o elemento de convergência entre a antecipação dos
efeitos da tutela de mérito, instituída como tutela provisória pelo art. 273 do
CPC, e a tutela específica do art. 461 do mesmo diploma processual. Ambas estas
técnicas de tutela, como afirma Alvim (1995:76) , "são modalidades de
tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material que, de
outro modo, estaria comprometida pela natural demora na conclusão do
processo". Na prática, entretanto, não se tem feito a devida distinção
entre essas espécies de tutela jurisdicional, tratando-se a tutela antecipatória
como tutela específica e vice-versa. Não obstante as distorções na aplicação
destes institutos processuais, esta diferenciação é de suma importância,
porquanto dela dependerá a incidência ou do art. 273 (tutela antecipada) ou do
art. 461 (tutela específica) do CPC, cada qual com seu âmbito de aplicação
rigorosamente definido. O melhor critério para se delimitar uma e outra forma
de tutela é proceder por exclusão: aquilo que, em tese, não se comportar no
âmbito da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (art. 461),
comportar-se-á no da tutela antecipada (art. 273). Assim, qualquer pretensão
envolvendo obrigação de dar lato sensu (entregar, restituir) cabe no âmbito
desta, ou seja, as pretensões embasadas na obrigação de dar coisa certa (arts.
863 a 873 do Código Civil) ou incerta (arts. 874 a 877 do Código Civil) estão
sob o alcance do art. 273 do Código de Processo Civil, já as pretensões
embasadas nas obrigações de fazer (arts. 878 a 881 do Código Civil) e de não
fazer (arts. 882 e 883 do Código Civil) restam sob o alcance do art. 461 do
Código de Processo Civil, nada obstando, contudo, que haja uma aplicação
sistemática e integrada dos dois institutos. Assim, há que se entender que, com
o regime atual da tutela das obrigações de fazer e não fazer, no direito
processual brasileiro, apresenta-se com as seguintes características: a
execução específica é a prioridade do sistema; o credor somente será remetido
para o equivalente econômico (perdas e danos) se for impossível chegar-se à
prestação devida, ou se for opção sua; a sistemática inovadora instituída pelas
medidas coercitivas e sub-rogatórias do art. 461 se insere no plano das tutelas
diferenciadas, e como tal, convive com a execução tradicional das obrigações de
fazer e não fazer o que, às vezes a elimina, outras vezes a complementa e
reforça; a possibilidade de usar medidas satisfativas em caráter de antecipação
de tutela pode dar ao processo feitio interdital; conhecimento e execução podem
ocorrer numa única relação processual, eliminando a actio iudicati (execução de
sentença por outra ação); as astreintes podem ser impostas para reforço da
sentença, caso em que incidirão após a coisa julgada e já no bojo da execução
forçada; podem, também, ser aplicadas como parte do expediente de antecipação de
tutela, tornando-se exigíveis de imediato, antes mesmo da sentença definitiva;
a antecipação de tutela figura como mecanismo importante para alcançar a tutela
específica das obrigações de fazer e não fazer, mas não assume a categoria de
liminar manejável discricionariamente pela parte e pelo juiz, dentre outras.
Como medidas satisfativas, estão sujeitas aos requisitos gerais do art. 273 do
CPC que devem ser conjugados com os do art. 461; ou seja, como reforço da
execução de sentença são adicionáveis, sem maiores exigências ao procedimento
executivo comum; mas como antecipação de tutela, somente as condições especiais
arroladas no art. 273, especialmente o perigo de dano grave e de difícil
reparação e a necessidade de preservar-se a reversibilidade, podem autorizar a
quebra do contraditório e a agressão patrimonial antes da exaustão da ampla
defesa, e da formação da coisa julgada. Há, na verdade, uma teoria geral a ser
observada em todos as tutelas de urgência, sejam cautelares, sejam
antecipatórias, e principalmente nestas últimas. Não se altera o devido
processo legal, sem que razões sérias e excepcionais o exijam e justifiquem.
Entendendo a antecipação de tutela como direito constitucional de ação, não há
como deixar de aceitar que a eficácia de qualquer sistema processual e, bem
assim, a utilidade das decisões por ele emitidas, dependem estritamente de sua
capacidade de satisfazer as pretensões que lhe forem submetidas, e que só terá
lugar se funcionar em tempo adequado. Nesse entendimento, torna-se incontestável
que o direito de ação passa a compreender também o direito a uma decisão tomada
e cumprida em tempo razoável. Por isso mesmo que o pedido de tutela
jurisdicional é também pedido de tutela tempestiva. Ou como se referiu Tommaseo (apud Cavalcante,
1995) "A excessiva duração do processo vulnera o princípio da efetividade
da tutela jurisdicional", princípio esse assimilado no artigo 5, inciso
XXXV, da Constituição Federal. E completa Mallet (1977:76) afirmando que
"(...) dita observação é irrepreensível, pois, se fosse de outra forma, a
demora na solução do litígio ou a inadequação do procedimento previsto em lei
obstariam, de fato, a tutela do direito, esvaziando o significado prático da
garantia de acesso ao judiciário". Assim, não se pode mais olvidar, que o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inserto no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal, não pode ser compreendido senão como a
possibilidade efetiva de obter-se provimento jurisdicional eficaz. Só assim se
pode entender observada a garantia do acesso ao Judiciário. Ter garantido o
acesso, apenas, portanto, não basta. Por isso, Dantas (1987:56), defende que
não se há de entender como coisa una e homogênea "a atividade
jurisdicional realizada pelo Estado, que corresponde ao processo e a tutela
jurídica que através dele se defere". É que só tem serventia, utilidade, a
atividade jurisdicional provocada por alguém que se veja lesado em seu direito
subjetivo, se mais do que o direito a ela, que se traduz no processo, também o
tiver à garantia de que a tutela jurisdicional será eficazmente prestada.
CONCLUSÃO: Após o que se ficou
observado após o desenvolvimento do presente trabalho de pesquisa é que a
antecipação de tutela é um instituto dos mais relevantes do nosso sistema
processual. Isto quer dizer que a principal inovação trazida ao Direito
Processual Civil pela Lei n. 8.952/94 é, essencialmente, a substituição, antes
regra geral, da conversão das obrigações de fazer em perdas e danos pela
execução específica. Isto possibilita ao credor a satisfação integral da
obrigação inadimplida pela equiparação dos efeitos da sentença de procedência
aos que adviriam da satisfação da obrigação pelo devedor. Esta lei provocou a
reforma processual que apoiou-se no imperativo da efetividade do processo, de
tal sorte que o estudo do Direito Processual, hoje mais do que antes,
representa o atendimento a uma das mais dinâmicas manifestações da evolução do
Direito. Agora, portanto, a regra geral é a da tutela específica da obrigação
de fazer, ficando a possibilidade de sua conversão em perdas e danos apenas
para as hipóteses de: absoluta impossibilidade da substituição; estar a
possibilidade de substituição excluída pelo próprio título constitutivo da
obrigação; ou de pedido expresso do credor neste sentido. A inovação da ordem
jurídica trouxe um avanço significativo na efetividade da prestação
jurisdicional, que antes se via impotente frente ao descumprimento da maioria
das obrigações de fazer, tendo de recorrer ao insatisfatório expediente da
substituição da obrigação por perdas e danos. Claro está que continuam a
existir hipóteses onde permanece a impossibilidade da execução específica das
obrigações de fazer, como no caso das obrigações que possuem natureza
infungível e que, para serem cumpridas, necessitem de um fazer material, e não
jurídico, quando então será impossível à sentença produzir os mesmos efeitos da
declaração recusada. Só se garante mesmo o direito de ação quando se assegura,
além do acesso formal ao judiciário, também a utilidade do provimento a ser
afinal emitido. Portanto, a previsão da antecipação, para tutela de direitos
ameaçados de dano irreparável ou de difícil reparação, não é mera faculdade do
legislador, mas decorrência necessária da garantia constitucional de ação,
especialmente quando considerada essa garantia à luz da doutrina
instrumentalista do processo. Tudo isso pelo fato de que certos direitos,
notadamente aqueles de conteúdo não patrimonial, relacionados com liberdades
fundamentais, só são tutelados adequadamente se deferida, em curto espaço de
tempo, a providência reclamada. Vale ressaltar que cabe ainda à doutrina o
estudo aprofundado do novo instituto, a fim de dar-lhe a profundidade e certeza
de que ainda carece. Contudo, o primeiro passo já foi dado, possibilitando à ordem
jurídica prestar uma tutela mais satisfatória às obrigações de fazer.
Obviamente a matéria merece discussão, aprofundamento e análise detalhada de
suas consequências positivas ou negativas, o que não é possível nesta
oportunidade, porém fica aqui plantada a ideia para, quem sabe, se abrir o
debate para tão relevante tema, a fim de que o processo adquira o rumo
indispensável aos seus objetivos. Do contrário, continuará o Judiciário sendo o
depósito das lamentações de uma atividade jurisdicional morosa e ineficaz. Veja mais aqui, aqui e aqui.
REFERÊNCIAS
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Direito Processual Civil. São Paulo:RT, 1990.
ALVIM, J. Eduardo Carreira. A
Antecipação de Tutela na Reforma Processual São Paulo: Saraiva, 1995
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São Paulo: RT, 2002
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DANTAS, Marcelo Navarro
Ribeiro. Admissibilidade e mérito na execução. Revista de Processo. RT. Vol.
47. Julho/setembro/1987.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1996
MALLET, Estevão. Antecipação
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MIRANDA, Pontes de.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, . 1998.
NERY JUNIOR, Nelson.
Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1995
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo
(Coordenador). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996.
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela
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Atlas, 1993
WATANABE, Kazuo. Tutela
antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In:
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996
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