sábado, setembro 29, 2012

CONCEIÇÃO EVARISTO, JOSÉ J. VEIGA, BA KA KHOSA, MARGARIDA DE NAVARRA, BOFF, HOLÍSTICA & CRÔNICAS PALMARENSES

Imagem: foto do antigo Fórum de Palmares, capturada do blog Memória da Mata Sul.


O COMEÇO DAS ARTEIRICES


Luiz Alberto Machado


A minha vida de arteiro começou de mesmo numa certa tarde quando me surpreendi com uma encenação teatral no Ginásio. Para quem já era um inheto bruguelo das presetadas todas, foi meio caminho andado pra aprumar o rumo das ventas.

Tinha eu lá uns 12 para 13 anos de idade quando essa dramatização no Ginásio promoveu uma motivação nunca antes sentida, a ponto de reunir todas as minhas astúcias de tocador blém-blém para me dedicar a aprender na vera o violão e, com isso, me arvorar nas enxeridas poetizações com amostramentos no palco. Foi um achado.

Queria eu fazer teatro, na verdade teimava. E de tudo: não só escrever a peça, mas compor as músicas e dirigi-la, influenciado, evidentemente, por Chico Buarque desde Roda Viva.

Aí comecei logo de forma dedicada a pegar no violão com espiadas filadas das revistas de cifras e de buticão agarrado nos acordes que saltavam das demonstrações do Marco Ripe. E também do Gulu que era exímio ao violão e Ozi, que à época se chamava Ozildo e já mandava ver no violão e na minha viola de 10 cordas.

Fui ter aulas com Zito Arão, o maior violonista da cidade. Gente muito fina e educada que sacou de chapa que eu não levava jeito para tal, mandando-me embora pra casa.

No meio disso, deu-se, então, de eu conhecer o cantor e artista plástico Luiz Barreto, filho do saudoso poeta e dramaturgo Fenelon Barreto, numa outra tarde dedilhando suas canções Ambrosina e Mãos de Velho, ambas inspiradas nas poesias do seu pai.

Barretinho tocava e cantava bem com seu jeitão e repertório todo do Roberto Carlos, quando me peitou pra encenar uma das peças do seu genitor. Ele havia flagrado todo meu fascínio pela arte teatral, trazendo-me, de pronto, textos como “Adoração”, “Maldição”, “O náufrago da Mafalda”, entre outros cadernos manuscritos pelo próprio autor com as peças. Li tudo e me afeiçoei de cara com “O náufrago da Mafalda” que era uma comédia. Contudo, o Barretinho botou o pé atrás e disse que eu devia trabalhar “Adoração”, nascendo a nossa primeira lengalenga sem futuro.

Um detalhe: é que nas peças do Fenelon morriam todos os personagens, o contra-regra, o ponto, o diretor e quem mais ousasse estar no palco ou atrás dele, salvando-se somente a plateia por estar na quarta-parede.

Era verdade, constatei ao lê-las todas, além de se tornar notório e motivo de chistes amiudados.

Mas vamos lá.

Entramos num acordo depois de umas lapadas de cachaça às meiotas e lavadas por meia grade de cervejas. Enfim, seria mesmo “Adoração”, ponto final. Eu dirigia, o Barretinho coordenava e misturávamos tudo na produção. Veio a escolha do elenco. Ele conhecia quem já havia atuado tanto nas peças do seu pai e mandou ver na relação que convidei um por um: o memorável Givanilton Mendes, o Guarino, o casal Dudu e Léia e mais outros que capturei no meio das minhas enrolações.

Onde ensaiar? Eis o primeiro problema. No final das contas depois de arrastar chinelo pra cima e pra baixo, semanas a fio, consegui com o Promotor de Justiça, Laércio Dúa de Castro Pacheco, que os ensaios se realizassem na sala do júri do Fórum da Comarca. Nada mais perfeito. Reuníamos todas as noites lá.

Veio a hora da trilha sonora, ocasião que conheci Fernando Bigodinho que já me apresentou ao Ozi que por sua vez me trouxe Gulu, Célio Carneirinho, Ripe, Mauricinho e a gente começou o baticum, contando com o auxílio luxuoso e orientador de Gildásio da Farmácia, o querido Gildásio Santana, bem como com o apoio de Mauricio Melo, o tal baita também doutra Farmácia, pai de Mauricinho e tio do Fernando Bigodinho.

Meio mundo de ensaio mais no voluntarismo que por domínio da arte, chegou a hora de marcar o dia da estreia. Parecia que ia, mas não foi. Nessa empolgação, eis que surge um porém que virou trupé ineivado.

Acontece que o distinto Fenelon tinha filhos como a praga e eles queriam das peças do pai fazer fortuna. E o que era pra ser um espetáculo teatral virou um nó cego ineivado de não ter Alexandre nos céus e na terra que desatasse esse górdio. Virou teitei e a coisa gorou.

Anos e anos peiticando para encenar Fenelon até que um dia, o Barretinho me levou em Gravatá para conhecer um dos seus irmãos, o também poeta e artista plástico, Fernando Barreto. Não parecia conversa fiada, pois que ficou apalavrado que a gente encenaria qualquer peça do pai deles, optando eu pelo “Náufrago da Mafalda”, entretanto, mal tinha eu balbuciado que iria reunir o elenco, nova pendenga nasceu e a filharada mandou ver caroço no angu. Resultado: não deu nessa nem na outra.

Desapontado com o insucesso na empreitada do Fenelon, eis que surge a queridíssima professora Jessiva Sabino de Oliveira e me dispõe toda obra com técnicas de direção e encenação de Hermilo Borba Filho e com a indicação para eu encenar outro autor palmarense, o Lelé Correa, que era pai da minha primeira professora formal, Hilda Galindo Correa, aquela mesma que foi responsável por meus primeiros cometimentos poéticos de rabiscar versinhos em quadrinhas que foram publicados ainda na minha infância, no suplemento infantil Júnior, do Diário de Pernambuco. Ainda mais a Jessiva não só me dispôs todo acervo teatral da Biblioteca Pública Municipal, como me iniciou nas obras de Shakespeare, Moliére, Gil Vicente, todo teatro grego antigo, Brecht, Oduvaldo Viana Filho, Nelson Rodrigues e Gianfrancesco Guarnieri.

Imagem: foto da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, capturada do blog Minha Palmares.

Estava eu, então, solto feito pinto no lixo, anos seguindo e eu lendo tudo imoderadamente.

Mil e uma ideias rodopiavam na cabeça quando, eureka, veio a vontade de escrever o meu primeiro texto teatral. E em três dias, no final do ano de 1976, estava eu com um texto prontinho: “Em busca de um lugar ao sol sob a especulação imobiliária” – que anos mais tarde, sacando o despropósito, mudei o título para simplesmente “O prêmio”. Um traste, mas eu estava empolgado. Era uma sátira ao bipartidarismo reinante: era só Arena e MDB. Quer dizer, o poder da ditadura dos militares de um lado, e, no outro, a mundiçada num balaio só. Não tinha quem identificasse joio de trigo, uma misturada só. Pois bem. Chamei a moçada da música pra gente fazer a trilha sonora, não vingou nada. Aí caiu às minhas mãos o disco Zabumbê Bum-Á, do Hermeto Pascoal que deu certinho no que eu queria. Depois apareceu o ator Mano Germano, sobrinho do grande Claudionor Germano, que capturei para dirigir e, também, integrar o elenco. Não deu outra: ensaiávamos ora lá em casa, ora numa sala do Colégio Diocesano dos Palmares, cedido pelo bispo Dom Acácio Rodrigues Alves e pelo então diretor do educandário, José Duran y Duran.

Estávamos de vento em popa quando marcamos a estreia da peça e em março de 1977, encenávamos na quadra do Colégio Diocesano com uma plateia grandiosa e sob apresentação do poeta Juarez Correya.

Antes da peça fizemos um show com participação de Ozi dos Palmares, Luiz Gulu Santos Braga, Célio Carneirinho, Marco Ripe, Zé Ripe e eu fechando. Depois, a zona da peça que tinha no elenco Du Rego, eu, Mano e uma penca de adolescentes doidos pra aparecer. Uma comédia que virou isso mesmo mais pelas trapalhadas da gente do que pelo propósito do texto. Não deu outra: sucesso retumbante. Uma festa. Por causa disso não larguei mais a literatura, o teatro e a música.

DITOS & DESDITOS - A memória é sempre costurada. É preciso escangalhá-la para abrir caminhos... Pensamento do escritor e professor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa (Francisco Esaú Cossa). Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Deus sempre ajuda os loucos, os amantes e os bêbados. Há quem se envergonhe muito mais de confessar um pecado do que de cometê-lo. Já ouvi falar muito desses amantes lânguidos, mas nunca vi um deles morrer por amor. Como duas pessoas infelizes costumam fazer, uma procurou a outra. Embora o ciúme seja produzido pelo amor como as cinzas são pelo fogo, o ciúme extingue o amor, como as cinzas apagam a chama. Nunca conheci um zombador que não fosse escarnecido, um enganador que não fosse enganado, ou um homem orgulhoso que não fosse humilhado. Pensamento da escritora Margarida de Navarra (1492-1549), autora do Heptameron. Veja mais aqui.

 

HOLÍSTICA – [...] Na visão holística os fenômenos jamais podem ser entendidos isoladamente [...] A nova consciência holística só será desenvolvida com a percepção da interdependência entre os vários planos da totalidade: pessoal, comunitário, social, planetário e cósmico. Tudo o que ocorre em um dos planos repercute nos demais [...] Surge então um novo conceito de espiritualidade. [...] o paradigma holístico vê a espiritualidade do homem como integração teórico-vivencial com a totalidade cósmica, através dos planos: pessoal, comunitário, social e planetário. Cada um desses planos possui as propriedade de poder, duração, unidade, importância. Tais propriedades se encontram em geral máximo no plano cósmico ou espitiral. São as qualidades do Tao na filosofia milenar chinesa. A despeito dos muitos significados do termo espírito, é importante salientar que no paradigma holístico ele é entendido no sentido bergsoniano: a energia vital que abrange unitariamente o intelecto, as emoções e a nossa própria força física. [...] Nesse sentido, a essência da espiritualidade não está na crença da superstição, de dogma ou de instituição religiosa. Ela se encontra na profunda identificação de nossa existência com outros seres (vivos ou não) e, em consequência, com a totalidade do ser. [...]. Trecho extraído da obra A canção da inteireza: uma visão holística da educação (Summus, 1995), Clodoaldo Meneguelo Cardoso. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

INSONE: Cidade do norte da Nigéria cujos habitantes têm o hábito singular de jamais dormir e, portanto, não têm ideia do que seja o sono. Trata-se de um lugar particularmente perigoso para estrangeiros. Se o viajante negligenciar o hábito noturno local e cair no sono – como está provavelmente acostumado a fazer à noite -, os nativos, julgando-o morto, cavarão uma grande cova e, sem maiores cerimônias, o enterrarão imediatamente. Recolhido da obra “Hausa Superstitions and Customs: An Introduction to the Folk-Lore and the Folk” (1913 - Routledge, 2014), do etnólogo, antropólogo e advogado britânico Arthur John Newman Tremearne (1877-1915). Veja mais aqui.

 

O ESPÍRITO DA VIDA – [...] o espírito não é entendido como parte do ser humano ao lado do corpo, mas como totalidade humana enquanto é vida e fonte de energia vital. [...]. Extraído da obra Ecologia, mundialização, espiritualidade: a emergência de um novo paradigma (Ática, 1993), do escritor, teólogo e professor universitário Leonardo Boff. Veja mais aqui e aqui.

 

A HORA DOS RUMINANTES - [...] A amizade é uma estrada de ida e vinda, e com Amâncio não tinha vinda; quem desse a mão a ele para erguê-lo do chão ainda corria o risco de receber desfeita. [...]. Parece que toda a cidade precisa ter um louco na rua pra chamar o povo à razão. [...]. Trechos extraídos da obra A hora dos ruminantes (Civilização Brasileira, 1978), do escritor do realismo fantástico brasileiro José J. Veiga (1915-1999). Veja mais aqui e aqui.

 

DOIS POEMAS - DA CALMA E DO SILÊNCIO - Quando eu morder / a palavra, / por favor, / não me apressem, / quero mascar, / rasgar entre os dentes, / a pele, os ossos, o tutano / do verbo, / para assim versejar / o âmago das coisas. / Quando meu olhar / se perder no nada, / por favor, / não me despertem, / quero reter, / no adentro da íris, / a menor sombra, / do ínfimo movimento. / Quando meus pés / abrandarem na marcha, / por favor, / não me forcem. / Caminhar para quê? / Deixem-me quedar, / deixem-me quieta, / na aparente inércia. / Nem todo viandante / anda estradas, / há mundos submersos, / que só o silêncio / da poesia penetra. DO FOGO QUE EM MIM ARDE - Sim, eu trago o fogo, / o outro, / não aquele que te apraz. / Ele queima sim, / é chama voraz / que derrete o bivo de teu pincel / incendiando até ás cinzas / O desejo-desenho que fazes de mim. / Sim, eu trago o fogo, / o outro, / aquele que me faz, / e que molda a dura pena / de minha escrita. / é este o fogo, / o meu, o que me arde / e cunha a minha face / na letra desenho / do auto-retrato meu. Poemas da escritora Conceição Evaristo. Veja mais aqui e aqui.

 



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