DITOS &
DESDITOS – Está cada vez mais claro que o destino do universo
dependerá cada vez mais dos indivíduos, à medida que a confusão da burocracia
permeia todos os cantos de nossa existência. Pensamento da premiada
dramaturga e escritora irlandesa Edna
O’Brien. Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar
condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram
destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão sendo
assassinadas. No Brasil não existe filantropia, o que existe é pilantropia. Um
país não muda pela sua economia, sua política e nem mesmo sua ciência; muda sim
pela sua cultura. O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil
afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação,
solidariedade e liberdade. Tudo pode parecer difícil, até que você pense o
contrário. Existem varias formas de cometer um erro, mas só sabemos disso
quando acontece. O que somos é um presente que a vida nos dá. O que nós seremos
é um presente que daremos à vida... Pensamento do sociólogo e ativista dos
direitos humanos, Herbert Sousa - Betinho, (1935—1997). Veja mais aqui e
aqui.
ALEGORIA DO
NAVIO – [...]
Sócrates – Percebo que te divertes à grande por me ver às voltas com uma questão
tão árdua; mas
ouve a parábola e te divertirás ainda mais com a pobreza de minha imaginação. É
tão ruim o trato que os homens mais judiciosos recebem de suas cidades que nenhuma outra
criatura sofre coisa semelhante; por isso, a fim de fazer-lhes a defesa
necessito recorrer à ficção, compondo uma figura com muitos elementos diversos,
como os pintores ao pintar os fabulosos cervos-bodes e outros seres da mesma espécie. Imagina,
pois, que num navio ou numa frota existe um capitão mais corpulento e robusto que os seus comandados, mas um tanto surdo e
curto de vista, também não muito forte no que tange aos conhecimentos náuticos.
Os marinheiros estão em disputa sobre o governo do navio, convencido cada qual
de que tem direito a assumir o leme, sem
jamais ter aprendido a arte de timoneiro nem poder indicar quem foi seu mestre ou a ocasião em que estudou;
muito ao contrário, asseveram que isso não é matéria de estudo e, o que mais é, estão dispostos a
fazer em pedaços quem quer que os contradiga. Esses sujeitos rodeiam o
comandante, instando com ele e empenhando-se para por todos os meios para que
lhes entregue o timão; e sucede que, não logrando persuadi-lo e vendo
que outros lhes são preferidos, dão morte a estes e os lançam pela borda, embotam os sentidos do honrado capitão com mandrágora, vinho ou qualquer coisa e se põem a mandar
no navio apoderando-se de tudo que nele existe. E assim, bebendo e
banqueteando-se, prosseguem a viagem da maneira que seria de esperar num caso
desses. Àquele que toma o seu partido e os ajuda a apoderar-se do comando pela persuasão ou pela força chamam-no homem do mar, bom
piloto e entendido em náutica, ao mesmo tempo que tacham de inútil ao que não procede
assim; e tampouco entendem que o bom piloto deve preocupar-se com o ano, a
estação, o céu, os astros, os ventos e tudo mais que se relaciona com a arte se
pretende realmente qualificar-se para a direção de um navio – e, estando
verdadeiramente qualificado, ele é quem tem dirigi-lo, queiram os outros ou
não. Nunca encaram a sério, como parte de sua profissão, essa possibilidade de
unir na mesma pessoa a autoridade com a arte de marear. Ao suceder tais coisas num navio, não crês
que o verdadeiro piloto será chamado um visionário, um charlatão e um inútil pelos marinheiros assim amotinados? Adimanto – Ah!
Sem dúvida. Sócrates – E por certo não
precisas ouvir a interpretação da alegoria, que descreve o verdadeiro filósofo em sua relação com a cidade; pois
já a entendeste muito bem. Adimanto – Sim,
claro. Sócrates – E se apresentasses agora
esta parábola àquele
cavalheiro que se admirava de ver que os filósofos não recebiam nenhuma honra
em suas cidades? Explica-lha e trata de convencê-lo de que seria muito mais
extraordinário se a recebessem. Adimanto – Assim
farei. Sócrates – Dize-lhe que tem toda a
razão ao considerar inúteis para o resto da humanidade os melhores cultores da
filosofia; mas não te esqueças de acrescentar que a culpa dessa inutilidade
cabe aos que não querem servir-se deles, e não a eles próprios. Os pilotos não
devem suplicar aos marinheiros que se deixem comandar por eles, pois essa não é
a ordem natural da coisas; nem tampouco devem “os sábios pedir à porta dos
ricos”… o engenhoso autor deste conceito não fez mais do que mentir… mas a
verdade é que quando um homem está doente, seja rico ou pobre, à porta do
médico tem de ir bater, e quem necessita ser governado à de quem possa
governa-lo; nem o governante que para alguma coisa sirva pedirá aos governados
que se deixem governar. Não errarás, por outro lado, se comparares os que
atualmente governam com os marinheiros de que falávamos há pouco, e aos que
estes chamavam inúteis e papalvos, com os verdadeiros pilotos. [...]. Trecho extraído da obra A República
(Nova Fronteira, 2011), filósofo grego Platão (428/427–348/347 aC.).
Veja mais aqui e aqui.
A MENTE É UM
PAÍS SELVAGEM E BELO – [...] O homem
precisa voltar às suas origens, pessoais e raciais, e aprender de novo as
verdades da imaginação. E nessa tarefa seus estranhos instrutores são a
criança, que mal entrou no mundo racional do tempo e do espaço, e o louco, que
apenas escapou dele. Pois somente esses dois estão, até certo ponto, libertados
da pressão desapiedada dos acontecimentos diários, o impacto incessante dos
sentidos externos, que oprimem o resto da humanidade. Esse curioso par viaja
ligeiro e empreende jornadas distantes e solitárias, às vezes trazendo, ao
voltar, um ramo reluzente da Floresta de Ouro pela qual vagueou. [...]. Trecho extraído da obra Savage & Beautiful Country: The Secret Life
of the Mind (Daimon, 1988) do médico
e piloto britânico Alan McGlashan (1898-1997).
MANIFESTO CRACK - II. Genealogia de crack - Em seu conhecido
ensaio México em seu romance, o crítico norte-americano John S. Brushwood
insistia que Yáñez havia estabelecido a tradição do “romance profundo” em 1947
com a publicação de Al filo del agua. Mais tarde, em 1955 e dentro da mesma
tradição, aparece Pedro Páramo, de quem o próprio Brushwood diz: o que é. que
ela diz A relutância a uma participação tão ativa é compreensível, mas na minha
opinião os resultados no final valem o esforço”. O que em ambos os casos não
deixa de chamar a atenção é, em primeiro lugar, o adjetivo apropriado
"profundo" para se referir a uma tradição ou cadeia piedosa de
romances e romancistas que, na época. Quando Brushwood fala, por exemplo, da
"dificuldade de acesso" a certos livros, os autores de Crack pensam
imediatamente no romance "com exigências" e "sem
concessões"; “exigências” cujos resultados, afinal, “valem o esforço” e
“concessões” que servem, a longo prazo, apenas para enfraquecer ainda mais o
panorama de nossa narrativa e desencorajar leitores honestos. O dilema, então,
com esse grupo de romances do Crack é que eles tentam heroicamente a façanha de
encontrar o que Julio Cortázar chamou de "participação ativa" em seus
leitores justamente quando uma abominável "relutância" é o que vende
e o que por sua vez consome seus leitores. Assim, a genealogia do Crack está se
formando. O Crack desvenda e desvenda os livros aos quais se sente devedor e
também os livros aos quais se sente anatematizante ou inquisitivo. Ao lado
dessa tradição que tem seu esplendor com Yáñez e Rulfo, como já dissemos, os
romancistas do Crack reverenciam aquelas poucas obras chamadas Farabeuf, Os
Dias Terrestres, A Obediência Noturna, José Trigo, A Morte de Artemio Cruz e
alguns mais. Mas, e desde então, o que acontece? Quais são essas outras obras
exemplares da nossa literatura ou, pelo menos, quais são essas histórias em que
nós, autores nascidos nos anos sessenta, podemos hoje regar ou mesmo encontrar
um modelo digno para tentar tirar-lhe a vida e, depois, usurpar um trono? Não
há nenhum; eles estão morrendo de anemia e complacência. Os riscos e o desejo
de renovação definhou. Uma lacuna de várias décadas inunda o ambiente das
letras com absenteísmo, seja com romancistas que não escrevem ou, pior ainda:
com escritores que não podem ser chamados de romancistas. São poucos, para ser
franco, as exceções e seus romances não passam de bons, repito: polidamente
bons, sem nenhum terror que contrarie o brando contrato social, a branda norma
literária. A piedosa cadeia de romances legitimamente "profundos",
então, sofre um revés quando as grandes editoras começam a hesitar há alguns
anos e preferem vender ao público títulos apócrifos "profundos",
apócrifos literários, dando assim aos leitores uma quantidade indescritível de
"gatos". por dinheiro." lebres” e desativando no processo a
avidez de demanda que textos como Amarelinha, La vida breve ou Cem anos de
solidão renderam. O fenômeno hoje se torna tão portentoso e evidente que não
resta senão dizer que é um fato lamentável. Porém, Os romancistas de crack
sonham que em algum lugar da nossa República analfabeta há um grupo de leitores
fartos, cansados, fartos de tantas concessões e tantas indulgências. Eles, você,
não podem mais ser enganados. As concessões, repito, os desconcertam e só os
levam a pensar que sua própria capacidade está sendo minada. A esse grupo de
indivíduos, vocês, infelizmente, alguns milhares, desejam chegar aos romances
de Crack, seguindo, repito, aquela genealogia que desde os Contemporâneos (ou
talvez pouco antes) forjou a cultura nacional quando quis tomar e riscos
estéticos. Não há, portanto, ruptura, mas continuidade. E se houvesse alguma
forma de ruptura, seria apenas com o lixo, a corrente nociva Gérber, a
literatura de mush-dupe-ingênuo, o romance cinicamente superficial e desonesto.
Em todo caso, a verdade é que não importa o que eu diga aqui ou o que qualquer
um dos meus colegas diga: os romances de Crack vão falar por si mesmos. Ali
estão. Chamam-se: O temperamento melancólico, Memória dos dias, Se suas
majestades voltaram, A conspiração idiota e As Remoras. Se há um denominador
comum neles, acho que é o risco estético, o risco formal, o risco que sempre
implica o desejo de renovar um gênero (no caso o romance) e o risco que
significa continuar com o mais profundo e árduo temos, sem preâmbulos
eliminando o superficial, o desonesto. Pare de subestimar você. Mas como diz o
poeta Gerardo Deniz e no meu caso virou slogan: “O tempo não cura. Verificações
de tempo." Vamos esperar o tempo para dar sua última palavra ao Crack.
Texto escrito pelo Eloy Urroz no
Manifesto Crack (1996), dando conta do Movimento Crack, ou literatura
da geração Crack, descrevendo o movimento mexicano que começou em meados da
década de 1990, iniciado por vários autores mexicanos que romperam com as
convenções literárias, tais como Ignacio Padilla, Jorge Volpi, Pedro Ángel Palou García e Ricardo
Chávez-Castañeda. Veja mais aqui.
O IDIOTA - [...]
Todavia a pergunta fica de pé:que fará um autor com gente comum, absolutamente 'comum', e como há de
colocá-la diante do leitor tornando-a interessante? É de todo impossível deixá-la fora da ficção, pois
essa gente do lugar-comum é, a todo momento, o principal e indispensável anel
da cadeia dos negócios humanos. Se os deixarmos de fora perdemos toda a
verossimilhança com a realidade. Encher uma novela completamente só com tipos,
ou melhor, querer torná-la interessante mediante apenas caracteres estranhos e
incríveis será querer torná-la irreal e até mesmo desinteressante. A nosso ver,
um escritor deve procurar a torto e a direito enredos interessantes e
instrutivos mesmo entre gente vulgar. Quando, por exemplo, a natureza mesma de
certas pessoas vulgares reside justamente em sua perpétua e invariável
vulgaridade, ou melhor ainda, quando, apesar de todos os mais estrênuos
esforços para fugir à órbita da mesmice e da rotina, essa gente acaba por se
sentir invariavelmente ligada para sempre a essa mesma rotina, então a gente
adquire um caráter sui-generis, todo seu, o caráter da vulgaridade, desejosa
acima de tudo de ser independente e original sem a menor possibilidade de o
conseguir. [...] Não há, com efeito, nada mais aborrecido do que ser, por
exemplo, rico, de boa família, ter boa aparência, ser bastante esperto e mesmo
sagaz e todavia não ter talento, nenhuma faculdade especial, nenhuma
personalidade mesmo, nenhuma ideia pessoal, não sendo propriamente mais do que
'como todo mundo. [...]. Trecho extraído da obra O idiota (José Oympio, 1967), do escritor russo Fiódor Mikhailovich
Dostoiévski (1821 - 1881). Veja mais aqui e aqui.
UMA POESIA - Andei na vida pergunta fazendo morrendo de tédio, de tédio morrendo.
Riram os homens de meu desvario... É grande a terra! Se riem... eu rio...
Escutei palavras; demasiadas palavras! Umas são alegres, outras são macabras.
Não pude entende-las; pedi as estrelas linguagem mais clara, palavras mais
belas. As doces estrelas me deram tua vida e encontrei em teus olhos a verdade
perdida. Oh! teus olhos cheios de verdades tantas, teus olhos escuros onde o
universo meço! Segura de tudo me jogo a teus pés: descanso e esqueço”. Luz, poema da poeta
argentina Alfonsina Storni
(1892-1938). Veja mais aqui e aqui.