A arte da pintora italiana Romaine
Brooks (Beatrice Romaine Goddard- 1874-1970). Veja mais abaixo.
AH, BEATRICE, ROMAINE
- Ah, Beatrice solitária criança e a mãe seca de pedra abandonando-a no ápice
da crueldade perseguidora, uma herdeira das minas de carvão levada pelo
divórcio tumultuado com o major estadunidense paterno ausente de tão longe. De sua
vida conturbada de sempre com o irmão enfermo, entregou-se aos cuidados duma
lavadeira que a levou para a tia longínqua. Assim cresceu e tornou-se modelo em
Paris, era bela indubitável no canto das operetas, no adoecimento constante, na
pintura em Roma diante dos nus masculinos, os abusos dos colegas, o assédio
constante, o incômodo de viver em si. Pintou o meu retrato como o de Fothergill
no casamento desfeito, a intrusa de sempre vai para o refúgio em Capri e as
vestes que a fez outra com cabelos curtos e ao lado de Benson, partindo para
Londres para adquirir os tons terrosos e voltar para Paris para a vida com suas
amantes e preferidas como epítomes do ideal de beleza. Os seios diminutos e a
cintura reta nos quadris pequenos de quem procura em todas as palavras a sua
própria expressão deslocada, o impulso nos quebra-cabeças cerebrais e ninharias
para leigos, mesmo com a expressão da enfermeira da cruz vermelha francesa na
paisagem de Ypres. A carta e a sua persona nada antissemítica na face
baudelaireana em plena guerra com os versos de D’Annunzio — ele e Cocteau nas
suas graças, enquanto eu admirava a paleta de tons
suaves predominantemente cinza das mulheres andróginas anônimas ou
aristocráticas, para quem expatriada Romaine fez de tudo para viver no meu
coração e era quase nada para ela. Inesquecível desde sempre, fez-se de si o
que quis pra sempre. Veja mais abaixo.
DITOS & DESDITOS
- Fui bem-sucedida em estruturar minha vida de acordo com meus próprios
padrões e não faço mais segredo das minhas experiências amorosas do que um
homem faz das suas. No entanto, acima de qualquer outra coisa, nunca deixei
meus sentimentos, a alegria ou a dor do amor, tomarem o primeiro lugar em minha
vida, ao passo que criatividade, ação e luta sempre ocuparam o primeiro plano. Deve-se
admitir que, embora possuísse um certo grau de ambição, como qualquer outro ser
humano ativo, nunca fui animado pelo desejo de obter "um posto". Para
mim, "o que eu sou" sempre teve menos importância do que "o que
eu posso", ou seja, o que eu estava em condições de realizar. Desta forma,
eu também tinha minha ambição e isso era especialmente perceptível lá onde eu
estava com todo o meu coração e alma na luta, onde a questão era a abolição da
escravidão das mulheres trabalhadoras. Pensamento da líder revolucionária e teórica russa Alexandra Kollontai (1872-1952). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e
aqui.
ALGUÉM FALOU: A
igualdade só poderá ser soberana nivelando as liberdades, desiguais por
natureza. Não há uma ideia nascida do espírito humano que não tenha feito
correr sangue sob a Terra. Só a instituição durável fez subsistir o que há de
melhor em nós... Pensamento do poeta e jornalista francês Charles Maurras
(1868-1952).
SOLIDARIEDADE
ALÉM DA TEORIA - [...] Cada um de nós carrega esses lugares de crescimento, as instituições, uma
espécie de pano de fundo, um cenário. Muitas vezes representamos o presente contra o pano de fundo do passado,
dentro de um quadro de percepção que é tão familiar, tão seguro que é
assustador arriscar mudá-lo mesmo quando sabemos que nossas percepções estão
distorcidas, limitadas, restritas por aquela visão antiga. [...] Nossas mentes devem estar tão
prontas para se mover quanto o capital, para traçar seus caminhos e imaginar
destinos alternativos. [...] A prática da solidariedade coloca em primeiro plano
comunidades de pessoas que escolheram trabalhar e lutar juntas. A solidariedade reflexiva é
trabalhada por uma interação envolvendo três pessoas: “Peço que você fique ao
meu lado contra um terceiro. [...] Trechos
extraídos da obra Feminism without
Borders: Decolonizing Theory, Practicing Solidarity (Duke University Press, 2003), da professora indiana
Chandra Talpade Mohanty.
SEM MEMÓRIAS AGRADÁVEIS -
[...] Eu era uma artista nata.
Née um artista, não née Goddard. […] eu sei que
minha mãe cultuava o anjo caído [...] uma criança extremamente infeliz
nas mãos de uma mulher instável [...] Talvez o ódio de tal personalidade
se provaria mais benéfico que seu amor. Proporcionou a ocasião para mostrar
força em oposição; para me agarrar firmemente o que ela não representava; e,
finalmente, para exercer julgamento contra as injustiças de sua tirania. Meu
irmão, a quem ela amava, era facilmente arrastado pela instabilidade de sua
existência. Como suas fraquezas congênitas não eram desencorajadas, elas se
desenvolveram, com o passar do tempo, em distúrbios sérios. Em meio à confusão
sobre si mesma, minha mãe criou uma atmosfera de continuidade que não fazia
distinção entre noite e dia. De fato, ela não tinha consideração pelo tempo e o
teria banido completamente. Ela raramente dormia durante a noite e nunca ia
para a cama. Suas refeições eram servidas a qualquer hora do dia ou noite, e
ocasionalmente, por suas ordens, não eram servidas. Aqueles em seu círculo
imediato podiam apenas seguir seu exemplo e aceitar as imposições de suas
excentricidades. [...] Ali
estavam meus primeiros desenhos. Eu tinha seis anos de idade na época. Um dia, depois
que eu os havia organizado no chão, contra a parede, minha mãe passou por perto.
Ela se abaixou e, olhando para a coleção, os juntou e levou para seu quarto. Eu
nunca mais os vi e daquele momento em diante fui proibida de desenhar. Minha reação
a isso foi muito curiosa. Mesmo aterrorizada, eu comecei a desenhar indiscriminadamente
em todos os tipos de objeto — nas caixas brancas de minha mãe, em parapeitos
brancos, e até mesmo com um alfinete na madeira polida do piano. Em todos esses
empenhos eu orgulhosamente assinava. [...] Capri ainda era única em caráter.
Embora apenas duas horas de barco de Nápoles, poderia muito bem ter sido uma
ilha no arquipélago da distante Grécia, tão intocada era. Artistas que amavam a
cor procuravam sua beleza; intelectuais cansados, um retiro ideal. Para aqueles
que sentiam correntes estranhas sob o solo agitando-os em febre, Capri era uma
ilha pagã, e Vesúvio seu Deus ardente. Os camponeses eram crianças belas e
simples que gostavam do estrangeiro pois sua febre trazia a eles o ouro. [...]. Trechos extraídos da obra No Pleasant Memories: Romaine Brooks 1910-1973 (Archives of American Art, Smithsonian Institution, 1930), da pintora italiana Romaine Brooks (Beatrice Romaine Goddard- 1874-1970).
DIÁRIO DE
JONES’S BRIDGET –[...] É uma verdade universalmente reconhecida que, quando uma parte da sua vida
começa a correr bem, outra se despedaça espetacularmente. [...] Posso confirmar oficialmente que o caminho para o coração de um homem hoje
em dia não é através da beleza, comida, sexo ou sedução de caráter, mas apenas
a capacidade de parecer não muito interessado nele. [...] Não vou me apaixonar por nenhum dos
seguintes: alcoólatras, workaholics, fóbicos de compromisso, pessoas com
namoradas ou esposas, misóginos, megalomaníacos, chauvistas, idiotas emocionais
ou aproveitadores, pervertidos. [...] Quando alguém te abandona, além da saudade, do fato de que todo o mundinho
que vocês criaram juntos desmorona, e que tudo que você vê ou faz lembra essa
pessoa, o pior é pensar que ela te testou e, no final, toda a soma das partes
resulta em você foi carimbado como REJEITADO por quem você ama. Como você pode não ficar com a
confiança pessoal de um sanduíche British Rail preterido [...]. Trechos extraídos da obra Bridget
Jones's Diary (Penguin, 1999), da escritora e
roteirista britânica Helen Fielding.
HÁ-DE VIR
UM DIA - Há-de vir um dia em que não teremos mais nada a dizer,\ Havemos
de sentar-nos face a face e olhar-nos nos olhos.\ O meu silêncio há-de dizer:
Como és bela, mas não tenho como\ dizer-to \ Havemos de ir não sei onde, assim,
por desfastio, e para podermos \ dizer que também viajámos. \ A gente passa a
vida toda a procurar o amor, pelo menos — mas \ não encontra nada. \ Muitas
vezes penso que a vida é tão pequena que nem vale a \ pena começá-la. \ De
Atenas vou para Montevideu, ou talvez até para Xangai; isto já \ é qualquer
coisa, e nem penses duvidar. \ Fumámos — lembra-te — cigarros sem fim uma
noite, discutindo \ — já não sei de quê — e é pena, porque era muito mas muito
\ Interessante. \ Um dia, ai viesse ele!, hei-de fugir para longe de ti mas
mesmo aí \ hás-de vir procurar-me. \ Ninguém, meu Deus, consegue nunca fugir
sozinho. Poema do escritor grego Manolis Anagnostakis (1925-2005).
MIRIANÊS ZABOT