A arte da pintora italiana Romaine
Brooks (Beatrice Romaine Goddard- 1874-1970). Veja mais abaixo.
AH, BEATRICE, ROMAINE
- Ah, Beatrice solitária criança e a mãe seca de pedra abandonando-a no ápice
da crueldade perseguidora, uma herdeira das minas de carvão levada pelo
divórcio tumultuado com o major estadunidense paterno ausente de tão longe. De sua
vida conturbada de sempre com o irmão enfermo, entregou-se aos cuidados duma
lavadeira que a levou para a tia longínqua. Assim cresceu e tornou-se modelo em
Paris, era bela indubitável no canto das operetas, no adoecimento constante, na
pintura em Roma diante dos nus masculinos, os abusos dos colegas, o assédio
constante, o incômodo de viver em si. Pintou o meu retrato como o de Fothergill
no casamento desfeito, a intrusa de sempre vai para o refúgio em Capri e as
vestes que a fez outra com cabelos curtos e ao lado de Benson, partindo para
Londres para adquirir os tons terrosos e voltar para Paris para a vida com suas
amantes e preferidas como epítomes do ideal de beleza. Os seios diminutos e a
cintura reta nos quadris pequenos de quem procura em todas as palavras a sua
própria expressão deslocada, o impulso nos quebra-cabeças cerebrais e ninharias
para leigos, mesmo com a expressão da enfermeira da cruz vermelha francesa na
paisagem de Ypres. A carta e a sua persona nada antissemítica na face
baudelaireana em plena guerra com os versos de D’Annunzio — ele e Cocteau nas
suas graças, enquanto eu admirava a paleta de tons
suaves predominantemente cinza das mulheres andróginas anônimas ou
aristocráticas, para quem expatriada Romaine fez de tudo para viver no meu
coração e era quase nada para ela. Inesquecível desde sempre, fez-se de si o
que quis pra sempre. Veja mais abaixo.
DITOS & DESDITOS
- Fui bem-sucedida em estruturar minha vida de acordo com meus próprios
padrões e não faço mais segredo das minhas experiências amorosas do que um
homem faz das suas. No entanto, acima de qualquer outra coisa, nunca deixei
meus sentimentos, a alegria ou a dor do amor, tomarem o primeiro lugar em minha
vida, ao passo que criatividade, ação e luta sempre ocuparam o primeiro plano. Deve-se
admitir que, embora possuísse um certo grau de ambição, como qualquer outro ser
humano ativo, nunca fui animado pelo desejo de obter "um posto". Para
mim, "o que eu sou" sempre teve menos importância do que "o que
eu posso", ou seja, o que eu estava em condições de realizar. Desta forma,
eu também tinha minha ambição e isso era especialmente perceptível lá onde eu
estava com todo o meu coração e alma na luta, onde a questão era a abolição da
escravidão das mulheres trabalhadoras. Pensamento da líder revolucionária e teórica russa Alexandra Kollontai (1872-1952). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e
aqui.
ALGUÉM FALOU: A
igualdade só poderá ser soberana nivelando as liberdades, desiguais por
natureza. Não há uma ideia nascida do espírito humano que não tenha feito
correr sangue sob a Terra. Só a instituição durável fez subsistir o que há de
melhor em nós... Pensamento do poeta e jornalista francês Charles Maurras
(1868-1952).
SOLIDARIEDADE
ALÉM DA TEORIA - [...] Cada um de nós carrega esses lugares de crescimento, as instituições, uma
espécie de pano de fundo, um cenário. Muitas vezes representamos o presente contra o pano de fundo do passado,
dentro de um quadro de percepção que é tão familiar, tão seguro que é
assustador arriscar mudá-lo mesmo quando sabemos que nossas percepções estão
distorcidas, limitadas, restritas por aquela visão antiga. [...] Nossas mentes devem estar tão
prontas para se mover quanto o capital, para traçar seus caminhos e imaginar
destinos alternativos. [...] A prática da solidariedade coloca em primeiro plano
comunidades de pessoas que escolheram trabalhar e lutar juntas. A solidariedade reflexiva é
trabalhada por uma interação envolvendo três pessoas: “Peço que você fique ao
meu lado contra um terceiro. [...] Trechos
extraídos da obra Feminism without
Borders: Decolonizing Theory, Practicing Solidarity (Duke University Press, 2003), da professora indiana
Chandra Talpade Mohanty.
SEM MEMÓRIAS AGRADÁVEIS -
[...] Eu era uma artista nata.
Née um artista, não née Goddard. […] eu sei que
minha mãe cultuava o anjo caído [...] uma criança extremamente infeliz
nas mãos de uma mulher instável [...] Talvez o ódio de tal personalidade
se provaria mais benéfico que seu amor. Proporcionou a ocasião para mostrar
força em oposição; para me agarrar firmemente o que ela não representava; e,
finalmente, para exercer julgamento contra as injustiças de sua tirania. Meu
irmão, a quem ela amava, era facilmente arrastado pela instabilidade de sua
existência. Como suas fraquezas congênitas não eram desencorajadas, elas se
desenvolveram, com o passar do tempo, em distúrbios sérios. Em meio à confusão
sobre si mesma, minha mãe criou uma atmosfera de continuidade que não fazia
distinção entre noite e dia. De fato, ela não tinha consideração pelo tempo e o
teria banido completamente. Ela raramente dormia durante a noite e nunca ia
para a cama. Suas refeições eram servidas a qualquer hora do dia ou noite, e
ocasionalmente, por suas ordens, não eram servidas. Aqueles em seu círculo
imediato podiam apenas seguir seu exemplo e aceitar as imposições de suas
excentricidades. [...] Ali
estavam meus primeiros desenhos. Eu tinha seis anos de idade na época. Um dia, depois
que eu os havia organizado no chão, contra a parede, minha mãe passou por perto.
Ela se abaixou e, olhando para a coleção, os juntou e levou para seu quarto. Eu
nunca mais os vi e daquele momento em diante fui proibida de desenhar. Minha reação
a isso foi muito curiosa. Mesmo aterrorizada, eu comecei a desenhar indiscriminadamente
em todos os tipos de objeto — nas caixas brancas de minha mãe, em parapeitos
brancos, e até mesmo com um alfinete na madeira polida do piano. Em todos esses
empenhos eu orgulhosamente assinava. [...] Capri ainda era única em caráter.
Embora apenas duas horas de barco de Nápoles, poderia muito bem ter sido uma
ilha no arquipélago da distante Grécia, tão intocada era. Artistas que amavam a
cor procuravam sua beleza; intelectuais cansados, um retiro ideal. Para aqueles
que sentiam correntes estranhas sob o solo agitando-os em febre, Capri era uma
ilha pagã, e Vesúvio seu Deus ardente. Os camponeses eram crianças belas e
simples que gostavam do estrangeiro pois sua febre trazia a eles o ouro. [...]. Trechos extraídos da obra No Pleasant Memories: Romaine Brooks 1910-1973 (Archives of American Art, Smithsonian Institution, 1930), da pintora italiana Romaine Brooks (Beatrice Romaine Goddard- 1874-1970).
DIÁRIO DE
JONES’S BRIDGET –[...] É uma verdade universalmente reconhecida que, quando uma parte da sua vida
começa a correr bem, outra se despedaça espetacularmente. [...] Posso confirmar oficialmente que o caminho para o coração de um homem hoje
em dia não é através da beleza, comida, sexo ou sedução de caráter, mas apenas
a capacidade de parecer não muito interessado nele. [...] Não vou me apaixonar por nenhum dos
seguintes: alcoólatras, workaholics, fóbicos de compromisso, pessoas com
namoradas ou esposas, misóginos, megalomaníacos, chauvistas, idiotas emocionais
ou aproveitadores, pervertidos. [...] Quando alguém te abandona, além da saudade, do fato de que todo o mundinho
que vocês criaram juntos desmorona, e que tudo que você vê ou faz lembra essa
pessoa, o pior é pensar que ela te testou e, no final, toda a soma das partes
resulta em você foi carimbado como REJEITADO por quem você ama. Como você pode não ficar com a
confiança pessoal de um sanduíche British Rail preterido [...]. Trechos extraídos da obra Bridget
Jones's Diary (Penguin, 1999), da escritora e
roteirista britânica Helen Fielding.
HÁ-DE VIR
UM DIA - Há-de vir um dia em que não teremos mais nada a dizer,\ Havemos
de sentar-nos face a face e olhar-nos nos olhos.\ O meu silêncio há-de dizer:
Como és bela, mas não tenho como\ dizer-to \ Havemos de ir não sei onde, assim,
por desfastio, e para podermos \ dizer que também viajámos. \ A gente passa a
vida toda a procurar o amor, pelo menos — mas \ não encontra nada. \ Muitas
vezes penso que a vida é tão pequena que nem vale a \ pena começá-la. \ De
Atenas vou para Montevideu, ou talvez até para Xangai; isto já \ é qualquer
coisa, e nem penses duvidar. \ Fumámos — lembra-te — cigarros sem fim uma
noite, discutindo \ — já não sei de quê — e é pena, porque era muito mas muito
\ Interessante. \ Um dia, ai viesse ele!, hei-de fugir para longe de ti mas
mesmo aí \ hás-de vir procurar-me. \ Ninguém, meu Deus, consegue nunca fugir
sozinho. Poema do escritor grego Manolis Anagnostakis (1925-2005).
INTRODUÇÃO - A construção da
Psicanálise por seu criador Sigmund Freud (1856-1939) foi um processo lento e
laborioso, compreendendo uma pesquisa profunda e determinada para sua
plenitude. Evidencia-se que essa construção recebeu inúmeras contribuições,
entra elas os trabalhos e concepções do médico austríaco Franz Anton Mesmer
(1734-1815) e de sua técnica denominada Mesmerismo, o qual o tornou precursor
da hipnose, psicoterapia e do tratamento de doenças psicossomáticas, à época e
até então taxado de charlatão, por causa do uso do magnetismo para curar. Justifica-se
a realização do presente estudo em razão de se encontrar as bases teóricas que
sedimentaram o processo de construção da Psicanálise e, por consequência, da
necessidade de maior observância acerca das ideias de Mesmer e do Mesmerismo na
contemporaneidade. Objetiva, portanto, tratar acerca das técnicas e métodos utilizados
pelo médico austríaco Mesmer e o seu mesmerismo, observando-se a compreensão do
trabalho e das suas ideias. A metodologia empregada no presente trabalho compreende
uma pesquisa de natureza exploratória de natureza bibliográfica, resultado de
uma revisão da literatura disposta em livros, artigos acadêmicos e publicações
especializadas da Internet. MESMER: BREVE BIOGRAFIA E ASPECTOS HISTÓRICOS -
Franz Anton Mesmer nasceu na vila de Iznang, na Áustria, no dia 23 de maio de
1734, de uma família católica cujo pai era intendente e guarda de campo do
bispo de Constança. Na idade escolar estudou em escola pública, sendo,
posteriormente, transferido para um convento franciscano, para fazer o colégio
entre os jesuítas. Em 1750, ingressa na Universidade de Dillingen, na Baviera,
pertencente a Companhia de Jesus, onde estuda Filosofia e Direito por quatro
anos, tendo acesso as obras de Galileu, Descartes, Leibniz, Kepler, Newton e
outros, chegando ao Doutorado em Teologia. Em seguida, segundo Medeiros (2000),
estudou medicina na Universidade de Viena, tendo recebido seu doutorado em 1766
com uma tese que já prenunciava a tônica dos seus trabalhos posteriores: “Sobre
a Influência dos Planetas no Corpo Humano”, uma vez que nesta época já havia
estudos oriundos das ideias cartesianas e dos questionamentos de Newton acerca
dos fluidos invisíveis relativos ao mais sutil espírito que jaz escondido em
todos os corpos. Nesses estudos ele defendia a teoria de que o homem está
sujeito às influencias originadas no universo, entendendo que um fluido
magnético e misterioso emana das estrelas, influenciando a vida das pessoas.
Com isso, entendia que a doença era causada pela má distribuição desse fluido. Em
1768, ele casou-se com uma rica viúva mais velha dez anos que ele, Marie Ane
von Posch, passando a morar nos arredores de Viena, onde instalou seu
consultório médico. Apreciador de música e participante de saraus, incentivava
a cultura, o que proporcionou o início de sua amizade com o ainda promissor
adolescente Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) que, inclusive, fez sua estreia
na mansão dele aos 12 anos de idade, com a ópera Bastien et Bastienne,
encomendada pelo próprio Mesmer, então professor da Universidade de Viena. Há
que se registrar que esta encomenda foi uma ajuda a Mozart, que havia sido
expulso de Salzburgo, sua terra natal. Foi daí que, conforme Darnton (1988),
surgiu a amizade com o compositor e com o alquimista e maçom Conde Alessandro
Cagliostro, resultando na introdução tanto de Mozart como de Mesmer na
Maçonaria e numa fraternidade de ocultismo. Acrescenta, ainda, Zweig (1930),
Neubern (2008) e Santos (2015), que esse trio atuava em numerosos problemas de
saúde e que juntos aperfeiçoaram um instrumento idealizado por Benjamim
Franklin. Eles trabalharam em grupo que reuniam atividades médicas e musicais
na criação para fins curativos da glass harmónica, inclusive, existindo até
hoje Viena um grupo conhecido com o nome de Duo Glassharmonica Vienner. Mesmer
a partir disso buscou reconhecimento científico para as suas ideias do
magnetismo animal, inspirado na obra do astrônomo jesuíta Maximillian Hell
(1720-1792), na teoria da gravitação animal do médico inglês Richard Mead
(1673-1754) e da Física do cientista inglês Isaac Newton (1643-1727), sugerindo
a influência do corpo pelo magnetismo. Assim sendo, entre os anos de 1768 e
1778, procurou Mesmer esforçar-se por fazer propaganda dos seus sucessos
curativos. Em 1773, segundo Figueiredo (2005) e Santos (2015), realizou-se o
primeiro tratamento por meio do magnetismo animal, descobrindo que as mãos das
pessoas seriam canais para uma espécie de magnetismo presente em todos os seres
vivos, inclusive nos animais. A mesma capacidade que o magnetismo mineral
possuía, o magnetismo animal detinha efeitos similares. Daí derivou-se o termo
magnetismo animal. Esse tratamento foi desenvolvido na paciente, Franziska
Esterlina, uma senhorita de vinte e nove anos, bastante debilitada, era uma
parenta da esposa de Mesmer e amiga da família Mozart. A partir de então, ele
passou a ser conhecido por aplicar o que hoje em dia se chama de “passes
magnéticos” em pessoas enfermas, passando a receber duras críticas e intensa
oposição de médicos ortodoxos, chegando mesmo a ser banido da medicina. Tem-se
registrado na literatura que ele realizou tratamento na famosa pianista Maria
Teresa Paradis, que, após as sessões se viu curada de sua cegueira, o que gerou
muitas críticas, resultando no fato de que, em 1777, Mesmer foi envolvido numa
polêmica que levou a retirada da paciente com estardalhaço, pelos pais dela,
dos seus cuidados. Medeiros (2000) observa que seus métodos e, sobretudo o
sensacionalismo da publicidade com que cercava seus procedimentos curativos
encontraram crescente hostilidade em Viena por parte da classe médica
tradicional, que sentia-se incomodada, terminando Mesmer por ser expulso da
cidade pela polícia. Ele teve que se mudar para Paris em 1778, onde veio a
causar grande sensação popular com as suas práticas e com o sensacionalismo com
que as revestia, ganhou o apoio da imperatriz Maria Antonieta. Foi com isso que
iniciou uma verdadeira campanha para ganhar o reconhecimento de suas práticas
pela comunidade acadêmica francesa. Em fevereiro de 1778, divulga sua teoria do
magnetismo animal, em Paris, apresentando as suas descobertas para os sábios e
médicos. Requisita, então, aos comissários da Sociedade Real de Medicina de
Paris para fiscalizarem as curas, o que foi recusado. Publica, então, em Paris
um relato analítico da nova ciência: “Memória sobre a descoberta do magnetismo
animal”, após tentar, sem sucesso, em todas as Universidades, um exame de seu
sistema. Expõe a tese defendida até então, ou seja, a existência de um fluido
que interpenetrava tudo o qual poderia ser utilizado na cura de doenças. Insistindo,
publicou em 1779 a sua obra “A Descoberta do Magnetismo Animal”, na qual
acreditava que as curas poderiam ser promovidas por meio do poder dos imãs. Com
a evolução do magnetismo animal, Mesmer insistiu em experimentos e tratamentos
com imãs (magnetos), mas concluiu que o próprio corpo humano emanava forças
mais poderosas que as do imã, o qual poderia ser utilizado na cura de doenças.
Teve boa aceitação, mas depois caiu em descrédito Em busca de reconhecimento
científico para a sua descoberta, propõe à Faculdade de Medicina de Paris, um
teste comparativo de seu método com a medicina tradicional. Esses estudos
acerca dos fluídos magnéticos encontrados na natureza, a seu ver, possuíam
propósitos terapêuticos e possibilitaria a cura das pessoas. Numa Assembleia
Geral, realizada em 18 de setembro de 1780 e, após uma leitura e um discurso,
d'Eslon, seu discípulo, foi excluído do quadro dos médicos e as proposições de
Mesmer foram rejeitadas com desdém e animosidade. É então que publica o que
viria a ser a mais importante descrição histórica da ciência do magnetismo
animal, intitulada “Resumo histórico dos fatos relativos ao magnetismo animal”.
Em seguida ele abandona definitivamente o uso direto dos imãs e passa a
utilizar vários outros objetos nas suas sessões, principalmente um tubo de
vidro que se tornaria famoso – a tina mesmérica -, mas que não passava de uma
forma modificada de uma garrafa de Leyden, espécie de capacitor primitivo
inventado por Peter van Mussenbroek na primeira metade do século XVIII. As
garrafas de Leyden eram capazes de concentrar uma grande quantidade de cargas
elétricas, podendo dispensar, desta forma, choques violentos. Segundo as
teorias de fluidos elétricos vigentes à época a garrafa era vista como um
condensador deste fluido. E Mesmer soube utilizar os efeitos produzidos por um
tal instrumento com grande destreza sensacionalista, vinculando a crença
científica no fluido elétrico ao seu construto de um fluido vital de natureza
magnética. Ressalte-se que a crença na existência de fluidos vitais era algo
bem antiga e que persistia desde eras remotas, mas que encontrava grande
receptividade à época. A crença de Mesmer, portanto, na existência desse fluido
elétrico ou magnético animal, não era um fato isolado, mas estava ligada a um
conjunto de crenças vigentes àquela época. Esse pensamento exerceria grande
influência sobre alguns cientistas dos séculos XVIII e XIX, notadamente sobre
Galvani e Aldini. Dentro deste quadro de mútuas influências, Mesmer passou
então a defender, com vigor crescente, a ideia de que seu próprio corpo atuava
como um tipo de imã animal, reforçando o fluido vital ou magnético nos corpos
dos seus pacientes. Por esse prisma, a doença, dentro do paradigma do
mesmerismo era vista assim como um obstáculo ao fluxo dos fluidos vitais. Ele
rompia esse obstáculo produzindo uma crise, frequentemente assinalada por
convulsões, restaurando assim a harmonia perdida. Nesse contexto, as ideias de Mesmer
eram vistas como uma espécie de medicina natural dentre outras desenvolvidas à
época. Mesmer, segundo Medeiros (2000) e Neubern (2008) não fornecia, porém,
nenhuma peça de evidência convincente, em termos que pudessem ser aceitos por
uma comunidade científica que rejeitava, por motivos variados, a sua teoria.
Não fornecia, igualmente, nem mesmo quaisquer descrições mais rigorosas dos
seus experimentos que os tornassem reprodutíveis por outros pesquisadores.
Muito pelo contrário, suas práticas eram crescentemente relacionadas com um
certo ocultismo de tradição hermética, com as formas de procedimento sendo
transmitidas apenas aos seus seguidores tidos como iniciados. A grande polêmica
que se estabeleceu sobre as suas práticas, com claras acusações de charlatanismo,
não impediu, porém, que o estado de transe induzido, abrisse um debate sobre a
possível existência de um campo da atividade mental que não parecia estar
disponível conscientemente, mas que poderia afetar os pensamentos e as ações
dos indivíduos. Estava iniciada a prática que posteriormente seria chamada de
hipnotismo. Em 1781, publicou o “Sumário Histórico dos Fatos Relativos ao
Magnetismo Animal”. Em seguida, em 1784, assinala Santos (2015) que Mesmer
envia uma carta a Benjamin Franklin denunciando os equívocos da comissão
nomeada para examinar seu discípulo d'Eslon, desautorizado para agir em seu
nome, e a impropriedade do método adotado. Por causa disso, o rei da França
nomeia uma comissão de sábios da Academia de Ciências de Paris - Jean-Sylvain
Bailly (1736-1793), Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), Benjamin Franklin
(1706-1790), Antoine-Laurent Lavoiser (1743-1794) -, que em quatro meses
conclui que as proposições de Mesmer não passavam de imaginação e autossugestão
dos pacientes, redigindo também um relatório secreto enviado à polícia que
alertava para o ambiente potencialmente licencioso das clínicas mesmeristas. Outra
comissão formada por médicos da Sociedade Real de Medicina também rejeita a
existência do magnetismo animal. Porém, um de seus membros, Jussieu, divergiu
dos colegas e admitiu curas. Mesmo assim, as vinte e sete proposições de Mesmer
foram analisadas por essa comissão designada pelo governo francês para
averiguação da validade de suas curas, sendo assinaladas como releituras do
alquimista Paracelso e de outros autores ligados ao Ocultismo. Vários ataques
surgiram contra Mesmer, tendo a comissão classificado que as curas obtidas pelo
magnetismo animal seriam apenas efeito de sugestão. Todavia, conforma anotado
por Darnton (1988), seus biógrafos afirmam que ele já praticava a arte da cura
em sua terra natal, na fronteira entre Prússia, Áustria e Suíça, pois na época
em que chegara à capital já trazia a fama de ser bom curador dos “males da
alma”. Também registra Santos (2015) que suas ideias foram incompreendidas,
resultando ser expulso das cidades de Viena e Paris. Todavia, em 1785, seus
alunos publicaram os seus Aforismos. Logo depois, em 1787, Mesmer é homenageado
por Mozart, em sua ópera Così fan tutte, na qual, no final do primeiro ato, a
personagem Despina, fantasiada de médico, imita Mesmer e seu tratamento. Neste
mesmo ano, a esposa de Mesmer falece de câncer no seio. Em seguida, ele é preso
pela polícia, ao retornar a Viena, pois estava sendo investigado por questões políticas,
suspeito de ser favorável aos jacobinos. Liberado, fica sob custódia até 5 de
dezembro. Continuaria, porém, sendo observado pelas autoridades e retorna a
Paris, depois se mudando para Versalhes. Em 1799 lançou sua principal obra
“Memória de F. A. Mesmer, Doutor em Medicina, Sobre suas Descobertas”. Por mais
que persistisse os seus propósitos não encontraram repercussões significativas
entre as instituições de pesquisas científicas e mesmo rechaçado pelas
avaliações do químico francês Antoine Laurent de Lavoisier (1843-1794) e o
cientista, inventor e diplomata estadunidense Benjamin Franklin (1706-1790),
deu-se que outra comissão de cientistas formada anos depois veio demonstrar
alguns dos erros da comissão de Franklin e Lavoisier, assumindo a veracidade
das curas magnéticas. Mesmo assim, conforme Santos (2015), Mesmer foi
desqualificado pelos herdeiros da episteme clássica, não se reabilitando ao
pensamento oitocentista nascente, a episteme moderna, no dizer de Foucault
(2007). Apesar do esforço de Mesmer para ter o reconhecimento de seus pares e
receber as honras das academias de ciência, sua teoria não passou pelo teste de
Lavoisier e Franklin, a existência do magnetismo animal não pode ser
comprovada. Por essa razão, Mesmer fica extremamente contrariado e se retira da
vida pública, desaparecendo por alguns anos, só voltando à sua terra natal, em
silêncio, para dar continuidade às suas práticas magnéticas. Em 1815, com quase
oitenta anos, Mesmer morreu. MESMERISMO: A TERAPÊUTICA DO MAGNETISMO ANIMAL E
DA HIPNOSE - O mesmerismo foi a denominação dada ao tratamento desenvolvido por
Mesmer, reconhecido predecessor do hipnotismo e, de acordo com essa teoria, é
possível irradiar o magnetismo animal não apenas para pessoas, mas também
magnetizar objetos, como camas, água e pratos. Para Santos (2015), trata-se das
técnicas de cura magnética que se utilizam das mãos do operador para tratar
casos de doenças físicas. Assim, o princípio básico do Mesmerismo diz que tanto
os animais quanto os seres humanos seriam também possuidores de uma forma de
magnetismo, tal como o magnetismo de um ímã. O MAGNETISMO ANIMAL E SEUS
PRINCÍPIOS - Mesmer iniciou suas pesquisas com o imã e com a magnetização de
objetos. Depois descobriu que não apenas os minerais, mas também os animais e o
homem eram possuidores de uma forma especial de magnetismo, a qual chamou de
magnetismo animal. Todo o modelo teórico desse magnetismo contido na sua obra
pode ser entendido pelo excelente resumo dos vinte e sete pontos de suas
proposições, que em resumo propunha: 1º Existe uma influência mútua entre os
corpos celestes, a terra e os corpos animados. 2º Um fluido universalmente
propagado e contínuo, de modo a não sofrer qualquer vazio, cuja sutileza não
permite comparações, e que, por sua natureza é suscetível de receber, propagar
e comunicar todas as impressões do movimento, é o meio desta influencia. 3º
Essa ação recíproca está submetida a leis mecânicas desconhecidas até o
presente. 4º Resultam dessa ação efeitos alternativos que podem ser
considerados como um fluxo e refluxo. 5º Este fluxo e refluxo é mais ou menos
geral, mais ou menos particular, mais ou menos composto, segundo a natureza das
causas que o determinam. 6º É por essa operação, a mais universal que a
natureza nos oferece, que as relações de atividade se exercem entre os corpos
celestes, a Terra e suas partes constitutivas. 7º As propriedades da matéria e
dos corpos organizados dependem desta operação. 8º O corpo animal prova os
efeitos alternativos deste agente, que ao se insinuar na estrutura dos nervos,
afeta-os imediatamente. 9º Ele manifesta, especialmente no corpo humano,
propriedades análogas ao ímã. Distinguem-se polos igualmente diferentes e
opostos, que podem ser comunicados, trocados, destruídos e reforçados; o
próprio fenômeno da inclinação é também ai observado. 10º A propriedade do
corpo animal que o torna suscetível à influência dos corpos celestes e a ação
recíproca daqueles que o cercam, manifesta pela sua analogia com o ímã,
determinou a chama-lo: “Magnetismo Animal. 11º A ação e a virtude do Magnetismo
Animal, assim caracterizados, podem ser comunicados a outros corpos animados e
inanimados. Uns e outros, entretanto, são mais ou menos suscetíveis. 12º Essa
ação e essa virtude do Magnetismo Animal podem ser reforçadas e prolongadas por
esses mesmos corpos. 13º Observa-se, em experiências, o escoamento de uma
matéria, cuja sutileza penetra todos os corpos, sem perder praticamente sua
atividade. 14º Sua ação realiza-se a distância afastada, sem a intervenção de
qualquer corpo, intermediário. 15º Ela é aumentada e refletida pelos espelhos,
tal como a luz. 16º Ela é comunicada propagada e aumentada pelo som. 17º Essa
virtude magnética pode ser acumulada, concentrada, transformada. 18º Disse que
os corpos animados não são igualmente suscetíveis; acontece mesmo, ainda que
muito raramente, que têm uma propriedade tão oposta que sua simples presença
destrói todos os efeitos desse magnetismo em outros corpos. 19º Essa virtude
oposta também penetra todos os corpos; ela pode ser comunicada, propagada,
acumulada e transformada, refletida por espelhos e propagada pelo som; o que
constitui não apenas uma privação, mas uma virtude oposta: positiva. 20º O ímã,
natural ou artificial, é suscetível ao magnetismo animal e à virtude oposta,
sem que sua ação sobre a agulha seja alternada; o princípio do magnetismo
animal difere, portanto, do mineral. 21º Este sistema fornecerá esclarecimentos
sobre a natureza do fogo e da luz, bem como pela teoria da atração, sobre o
fluxo e o refluxo do ímã e da eletricidade. 22º Ele permitirá saber que o ímã e
a eletricidade artificial tem, em relação as doenças, apenas propriedades
comuns a um grande número de outros agentes e que, se resultam alguns afeitos
úteis da administração daqueles, isso se deve ao magnetismo animal. 23º
Reconhecer-se-á, por esses fatos, segundo as regras práticas que estabelecerei,
que o princípio pode curar diretamente as doenças dos nervos e indiretamente as
demais. 24º Com sua ajuda, o médico é esclarecido sobre a utilização dos
medicamentos; aperfeiçoa sua ação, provoca e dirige as crises salutares, de
modo a se tornar o senhor da situação. 25º Ao comunicar meu método,
demonstrarei por uma nova teoria das doenças, a unidade universal do princípio
que lhe aponho. 26º Com este conhecimento, o médico julgará seguramente a
natureza e o progresso das doenças, mesmo das mais complicadas; ele impedirá
seu desenvolvimento e alcançará sua cura, sem jamais expor o doente a efeitos
perigosos ou a resultados inoportunos, seja qual for a idade, o temperamento ou
o sexo. As mulheres grávidas e por ocasião dos partos gozarão das mesmas
vantagens. 27º Esta doutrina, enfim colocará o médico em condições de julgar
corretamente o grau de saúde de cada indivíduo e de preserva-lo das doenças às
quais ele possa estar exposto. A arte de curar chegará à sua maior perfeição. No
dizer de Medeiros (2000), essas concepções foram desenvolvidas livremente sob a
influência da Física newtoniana e de Mead. De Newton provinha a ideia de que
corpos como a Lua e o Sol podiam influenciar fenômenos terrestres como as marés
parece ter exercido sobre ele um enorme fascínio; e de Mead a ideia da
gravitação animal. Essas ideias ele associou à medicina na defesa de que a
saúde era uma resultante harmônica entre os órgãos do corpo e os planetas,
acreditando, assim, haver uma conexão entre a gravitação universal newtoniana e
o poder do corpo e da mente humana. Daí, portanto, ele começou a defender a sua
ideia de magnetismo animal, utilizando-se de imãs para efeitos medicinais. Por
consequência, advogava a ideia de que o corpo era análogo ao imã e que um
fluido vital ou magnético escoava de acordo com as leis da atração magnética,
aplicando essas ideias ao tratamento médico na cura da histeria, bem como de
vômitos, convulsões e paralisias. A TERAPIA DO MESMERISMO - Mediante o exposto,
assinala Santos (2015) que a terapia de Mesmer consistia, dessa maneira, em
fazer fluir novamente o magnetismo animal. Não havia a ingestão de remédios, a
aplicação de sangrias ou banhos frios, tampouco a aplicação de choques. O
médico sentava-se em frente ao paciente e ia tocando em seus joelhos, mãos e
hipocôndrio, olhando fixamente dentro de seus olhos. Em conformidade com o
recolhido por Darnton (1988), Zweig (1930), Figueiredo (2005), Medeiros (2000)
e Roudinesco e Plon (1998), as ideias e estudos de Mesmer levaram-no à crença
sobre a existência de um fluído magnético que se encontrava na natureza e que o
seu conhecimento possibilitaria a transmissão desse potencial para as pessoas
sobre os propósitos terapêuticos. O fluído magnético de Mesmer seria, dessa
maneira, análogo a um fluído elétrico. O magnetismo, no entanto, tinha uma
característica interessante: como já sinalizado anteriormente, ele estava
especialmente relacionado com o que Mesmer chamou de “sistema nervoso”. Além da
denominação, o austríaco chamava a atenção para as dificuldades que os médicos
contemporâneos a ele encontravam para restabelecer a saúde das pessoas
adoecidas, especialmente daquelas que sofriam de males nervosos. Ele
acreditava, ainda, que era necessário reconhecer a insuficiência médica no
trato com tais doenças, pois somente assim poderia ocorrer uma melhoria na arte
de curar os nervos. E mais: que apesar de todos os avanços realizados até
aquele momento, os médicos continuavam ignorando o funcionamento do sistema
nervoso, sua “ordem natural”. O BAQUET, A TINA MESMÉRICA OU CUBA MAGNÉTICA -
Como o número de seus clientes cresceu bastante durante sua morada em Paris,
Mesmer idealizou uma forma de tratamento em grupo. Para tanto criou a chamada
‘tina mesmérica’ – o Barquet: uma espécie de reservatório de água que continha
no fundo, limalha de ferro e cacos de vidro, além de garrafas concentricamente
dispostas. O fundo da tina é composto de garrafas arranjadas entre si de
maneira particular. Acima dessas garrafas, coloca-se água até uma certa altura;
varas de ferro, cujas extremidades tocam a água, saem dessa tina; e a outra
extremidade, terminada em ponta, se aplica sobre os doentes. Uma corda, em
comunicação com o reservatório magnético e o reservatório comum, liga todos os
doentes uns aos outros; de modo que existe uma circulação de fluido ou de
movimento que serve para estabelecer o equilíbrio entre eles. Tal reservatório
fora criado para atender a população carente. E para tanto ele magnetizava
árvores e pendurava cordas em seus galhos. Os que seguravam as cordas recebiam
o fluido vital que precisavam. Essa tina e árvores mesmerisadas eram tidas por
Mesmer como acessórios muitas vezes dispensáveis utilizados apenas para que ele
pudesse atender mais pessoas em menos tempo. Assim sendo, o Baquet consistia em
uma espécie de tina ou barril de madeira onde eram colocados água magnetizada
e, eventualmente, outros elementos. Dele saiam pequenos cordões, seguros na
extremidade pelos pacientes, que serviriam de condutores para o fluido. Expressa
Santos (2015) que nas sessões coletivas realizadas em Paris, ele utilizava essa
“cuba magnética”, aparato inspirado na recém descoberta garrafa de Leyden, que
consistia em uma espécie de banheira redonda onde ficava contida a água
magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma porção de hastes de ferro,
utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde o magnetismo
animal estava concentrado, ou seja, a parte que doía. Depois os pacientes davam
as mãos, fechava-se o círculo e, com isso, o magnetismo circulava entre todos
os presentes. O próprio Mesmer, ao final de cada sessão, tocava um instrumento
chamado harmônica de vidro, cujo som etéreo, semelhante à vibração de taças de
vidro, facilitava a comunicação e propagação do magnetismo. Não havia
conversação durante as sessões. Os passes, as músicas, o ambiente terapêutico
repleto de espelhos eram os meios usados por Mesmer para aos poucos promover
suas curas. Havia ainda, segundo Darnton (1988), um elemento fundamental para
que o processo terapêutico se efetivasse: a crise. Geralmente essa crise era
uma intensificação do problema que vinha prejudicando a saúde do paciente. Eram
convulsões, crises asmáticas, vômitos, síncopes. Segundo Mesmer, tais crises
deveriam ocorrer para que a doença se enfraquecesse até desaparecer. Nesse
trajeto, também a intensidade das crises diminuía, até que ela não incomodasse
mais o doente. A HIPNOSE MESMÉRICA - Assinala Medeiros (2000) que Mesmer
utiliza-se do tratamento das pessoas, deixando-as em transe para subordiná-los
inteiramente à sua vontade e exercendo conscientemente o magnetismo animal. Conforme
Zweig (1930) e Foucault (2007), a hipnose era uma prática antiga em culturas distantes
no tempo, como sendo uma forma de cura e que era utilizada pelos sacerdotes.
Não era usada nos termos formais de hipnose, mas utilizava-se processos e
procedimentos hipnóticos para a cura de dores e doenças. Encontra-se registro
dessa prática no Egito antigo do século 1500 a.C., quando os sacerdotes
induziam um certo tipo de estado hipnótico com finalidade de cura, conforme
escrito nos papiros de Ebers. Estes papiros continham uma coletânea de antigos
escritos médicos descrevendo como aliviar a dor e as doenças. Também na Grécia
antiga dos templos Asclépia, se fazia o diagnóstico e cura dos doentes por
intermédio do sono divino ou terapia onírica. Neste estado anterior ao sono,
chamado na época estado hipnagógico, as imagens irrompiam automaticamente à
consciência do doente e o sacerdote trabalhava simbolicamente sobre estas
imagens, fornecendo sugestões hipnóticas de cura. No século XI, Avicena -
médico iraniano, filósofo e sábio, acreditava que a imaginação era capaz de
enfermar e curar as pessoas. No século XVI Paracelsus, alquimista e principal
representante da medicina hermética, acreditava na influência magnética das
estrelas na cura de pessoas doentes, vindo a confeccionar talismãs com
inscrições planetárias e zodiacais. Observa-se, portanto, que a hipnose
utilizada na antiguidade era impregnada de magia, misticismo e religiosidade
com objetivos de cura através da imaginação, profecias, captação de ideias e
mensagens dos deuses. Utilizava-se induções hipnóticas individuais ou em
grupos, através de danças, cantos, orações, rituais e palavras. Foi Mesmer que
passou a conduzir tal prática nos seus tratamentos e na cura das doenças,
realizando várias cirurgias e anestesias sobre o sono mesmérico,
desenvolvendo-se a partir daí a expressão Mesmerismo. Foi somente no século XIX
que o médico inglês James Braid (1795-1859), assistindo a uma cirurgia efetuada
por Mesmer com anestesia geral provocada pelo uso da hipnose, passou a estudar
o processo vindo a reformular a teoria de Mesmer, definindo-a como o estado
hipnótico um estado particular de "sono do sistema nervoso", vindo a
cunhar o termo hipnose, do grego Hypnos que simbolizava o Deus do sono na
Mitologia Grega. Dessa forma, o termo hipnose ficou erroneamente associada a
ideia de sono. Logo depois de haver cunhado este termo, James Braid se
arrependeu pois percebeu que cientificamente a hipnose não poderia ser
comparada ao sono, sendo um estado justamente oposto ao sono, de intensa
atividade psíquica e mental. Braid utilizava basicamente a hipnose como forma
de se obter a anestesia cirúrgica e para ensinar autohipnose aos pacientes,
lembrando que o éter foi introduzido somente 1846 e o clorofôrmio em 1847.
Assim, durante muitos anos a hipnose foi esquecida e mal interpretada por não
se compreender na época a natureza e dinâmica dos seus fenômenos. Ela foi
resgatada na França por duas importantes escolas de pensamento que possuíam
visões muito distintas sob o fenômeno da hipnose: a escola de Salpêtrière,
liderada por Jean-Martin Charcot (1835-1893) e a escola de Nancy, comandada por
Auguste A. Liebeault (1823-1904) e Hipolyte Bernheim (1840-19191). CONSIDERAÇÕES
ACERCA DO MESMERISMO - No dizer de Santos (2015), Mesmer foi um fruto de sua
época, era um “filho do Iluminismo” e estava inserido em círculos intelectuais
de finais do século XVIII, e, ainda que influenciado pelo pensamento
mágico-vitalista, tentava articular seu discurso nos termos do mecanicismo.
Isso porque, segundo Darnton (1988), o mesmerismo tinha mais em comum com as
teorias vitalistas que haviam se multiplicado desde a época de Paracelso e que
o seu sistema descendia diretamente dos sistemas tanto do alquimista, como de
J. B. van Helmont, Robert Fludd e William Maxwell, que apresentavam a saúde
como um estado de harmonia entre o microcosmo individual e o macrocosmo
celestial, envolvendo fluidos, magnetos humanos e influências ocultas de toda
espécie. Seguia, portanto, os princípios conhecidos da atração universal,
constatando por meio de observações que os planetas se afetam mutuamente em
suas órbitas, e que a Lua e o Sol causam e dirigem, no globo, o fluxo e o
refluxo do mar, assim como o da atmosfera; avançando, essas esferas exercem
também uma ação direta sobre todas as partes constitutivas dos corpos animados,
particularmente sobre o sistema nervoso, por meio de um fluido que a tudo
penetra. Ao constatar a ação pela intensão e remissão das propriedades da
matéria e dos corpos organizados, que são: a gravidade, a coesão, a
elasticidade, a irritabilidade, a eletricidade. Portanto, a afetação mútua dos
astros celestes, chamada por Mesmer de agente geral fazia movimentar um fluido
muito sutil, universal, que agia diretamente nas propriedades da matéria. Sendo
o corpo humano constituído de matéria, o fluido também nele agia, passando,
sobretudo, pelos nervos, os principais agentes das sensações e do movimento. O
magnetismo de Mesmer pode ser definido, portanto, como a reciprocidade
estabelecida entre duas criaturas vivas através do fluido magnético. Esta
ciência foi amplamente dominada durante a Era Antiga, particularmente no Egito,
onde ela era utilizada nos rituais religiosos conhecidos como Mistérios, pois
eram reservados apenas aos iniciados em seus conhecimentos. As perseguições e
proibições dos métodos utilizados por Mesmer, mesmo que ele tenha curado
comprovadamente muita gente e aos poucos sua fama começou a se espalhar e a
clientela aumentou consideravelmente, tendo por principais adversários dois
conhecidos oftalmologistas de Viena, o professor Barth e dr. Shoerk, que haviam
diagnosticado como incurável a cegueira da pianista Maria Teresa Paradis, a
mesma que foi curada por Mesmer, mas que sob nova intriga, fora retirada à
força do tratamento dele. Viu-se, portanto, Mesmer sem apoio de seus colegas. Neubern
(2008) destaca as ligações perigosas na construção da marginalidade do sistema
de Mesmer e seu parentesco com antigos sistemas renascentistas que uniam, numa
mesma tentativa, os primeiros esboços da racionalidade científica e os antigos
ensinos sobre a magia O mesmerismo, apesar de seu apelo quase desesperado de
legitimação científica, compunha, aos olhos de muitos médicos, o grosso e
incômodo volume de terapias que preconizavam o uso de faculdades naturais dos
indivíduos e poderiam ser praticados por qualquer pessoa, mesmo que não possuísse
formação médica. À essa altura, não eram apenas os médicos que se colocavam na
defensiva e contribuíam de forma substancial para uma oposição forte e
organizada contra o mesmerismo, incluindo-se a Igreja Católica. O mesmerismo
trazia ainda, segundo Neubern (2008), uma perspectiva distinta enquanto
tratamento terapêutico. Saindo da frieza típica e questionada dos ambientes
médicos e acadêmicos, suas expressões comportavam um alto teor catártico,
provocando a estranheza e a condenação por parte de instituições, autoridades e
profissionais. É possível que o envolvimento relacional significativamente
distinto entre o médico e sua clientela, comportando uma troca emocional
acentuada, somada ao caráter teatral de muitos terapeutas, como o próprio
Mesmer, promovessem possibilidades de expressão emocional pouco aceitas na
sociedade da época, inclusive devido a seu teor erótico. Essa dimensão foi um
dos principais pilares da condenação do mesmerismo, posto que originou um
relatório secreto no qual as comissões sugeriam os perigos de sedução nele
existente sobre as mulheres. Em suma, todo o teor erótico ou catártico típico
dos pacientes em torno do baquet não consistiam, para os médicos da época, em
elementos inerentes a um processo terapêutico, mas na possibilidade de abuso
dos pacientes, inclusive os femininos. Uma vez que se criava um tal contexto,
quaisquer elementos referentes às relações humanas no mesmerismo poderiam ser
facilmente qualificado como uma perversão dos valores sexuais. Numerosos
panfletos, anônimos ou de autoria conhecida, foram escritos com acusações
contra Mesmer e seus seguidores, embora nenhuma denúncia tenha sido feita ou
nenhum fato tenha sido comprovado nesse sentido. Mesmer é lembrado ainda como o
percursor do hipnotismo e, segundo Zwieg (1930) e Figueiredo (2005), razão pela
qual, em 1843, o primeiro sinal de apoio advindo da comunidade científica
apareceu por parte dos trabalhos de James Braid que alegou haver conseguido
separar o “magnetismo animal” daquilo que ele denominou o “hipnotismo”, um
termo propositadamente introduzido com a finalidade de substituir o mesmerismo.
Para Braid as curas obtidas por Mesmer não teriam sido devidas ao magnetismo
animal alegado, mas ao poder da sugestão. Foi o desenvolvimento dessas técnicas
de sugestão que levou Braid ao hipnotismo. Anos depois, ainda no século XIX,
Jean Marie Charcot viria a interpretar o hipnotismo como simples manifestações
de histeria, retornando às explicações magnéticas de Mesmer e classificando
três estados de transe: a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. As polêmicas
de Charcot com os defensores do hipnotismo, principalmente os componentes do
grupo de Nancy (Liebault e Bernheim) são um outro belo capítulo das disputas
interpretativas na história da ciência. CONCLUSÃO - A resistência e perseguição
aos métodos de Mesmer se deve, inicialmente, à sua filiação mística e ao
Ocultismo, fato este que encontra um rico arsenal de exemplos que consolidaram
a injustiça, inclusive com Paracelso só resgatado em pleno séc. XXI. A sua
ligação com Mozart – reconhecido apenas como compositor – e com Cagliostro –
este carrega uma pecha de charlatão até o presente momento, sendo revisto
apenas com o advento do desenvolvimento da Neurociência -, com a ordem maçônica
e com o Ocultismo, tem-se revestido de fonte de incompreensões e mal entendidos
a esse respeito. Há que se salientar que Neubern (2008) por meio de uma
releitura bibliográfica enfocou uma série de revisões históricas que propõem
novas perspectivas de entendimento sobre os acontecimentos envolvendo Mesmer e
sua proposta terapêutica – o magnetismo animal ou mesmerismo, embasado na
revisão que se tem feito na atualidade ao que se entende por místico e
ocultismo. Tais estudos rompem com a ideia linear e por vezes parcial de que o
mesmerismo tenha sido apenas inconsistente diante das exigências metodológicas
que mais tarde poderiam finalmente serem satisfeitas por uma psicologia enfim
científica. Questionam a série de erros existentes no processo de avaliação
levado a cabo pelas comissões oficiais, como também apontam para uma
diversidade de fatores do contexto social da época que contribuíram
significativamente para a oposição sistemática criada contra o mesmo: a
subversão social que existia potencialmente em seus pressupostos e adeptos e os
incômodos causados junto a instituições reguladoras da sociedade, como a
Igreja, o Estado e a família. Tais estudos levam a conceber que existiram
inúmeros fatores que contribuíram para a rejeição do mesmerismo e que, mais que
isso, os processos de ordem social ocuparam um lugar privilegiado em meio a
essas construções. Há que se destacar as ressonâncias de práticas sociais em
determinados contextos que alimentaram a indisposição das instituições
dominantes contra tal doutrina, no que concerne às questões gerais sobre a
associação com doutrinas mágicas, os dilemas epistemológicos, a associação com
movimentos subversivos e algumas dificuldades das relações entre Mesmer e as
instituições científicas. Por conclusão, encontra-se ressonância na revisão da
literatura de que a construção da marginalidade do mesmerismo não se deu apenas
em função das incompatibilidades metodológicas e epistemológicas com a
racionalidade dominante, mas foi também profundamente influenciada pelo
contexto, práticas e instituições sociais da época. A indisposição criada
contra o mesmerismo era de ordem pessoal que o colocava como aliado das
práticas subversivas, como a magia e o espiritualismo, a instituições
suspeitas, como a maçonaria, associava-se a noções indesejáveis, como as renascentistas,
e acabava questionando pontos centrais da ordem regulatória vigente, fosse em
termos de uma epistemologia cartesiana, fosse em termos da própria
estratificação social ou da autoridade médica. Dentro desse quadro, observa
Medeiros (2000) que as influências exercidas por Mesmer, a heterodoxia das suas
práticas e o fundamento das suas crenças, são, entretanto, pontos importantes
que podem testemunhar a importância e contemporaneidade e que, pelos estudos
ora realizados, chegou-se a conclusão tratar-se Mesmer do precursor dos métodos
hipnóticos que passaram a ser desenvolvidos a partir dele no séc. XIX pelo
médico escocês James Braid Mesmer (1795-1860), bem como da utilização da
técnica terapêutica preocupado com a cura das pessoas. 








MIRIANÊS ZABOT









