quinta-feira, março 07, 2013

IVO ANDRIĆ, PARVEEN SHAKIR, FLAUBERT, SEBASTIÃO ALBA, DARWISH, ZELDA, WANDA GÁG & EFEITO GENOVESE

 

EFEITO GENOVESE, OU DEIXA & EU DEIXO, TERCEIRIZA – Tinha eu apenas quatro anos de idade quando tudo ocorreu. Sim, eu ouvia as pessoas comentando, queria saber o que havia acontecido. Parecia algo que comoveu muita gente ao meu redor, parente ou pessoa muita achegada havia sido vítima de uma tragédia. Quem, não sabia. Só muitos anos depois é que alguém dos meus familiares lembrou-se daquela noite da minha infância e não deixei passar. Então, insisti muito para que me contasse, até que uma das minhas tias relatou de uma caso distante e muito longe, parecia que em Nova Iorque. Estranhei algo tão longínquo poderia afetar meus familiares a ponto deles ficarem todos cabisbaixos, contidos, logo percebi que a minha gente era sentimental demais. Mas, não. Sim, décadas passadas e pude ter uma noção completa a respeito do caso que ocorrera na região metropolitana nova-iorquina em 1964. Uma moça foi atacada quando chegava na sua residência de madrugada, por um sujeito que a apunhalou duas vezes pelas costas. Ela gritou e o agressor fugiu em seu carro. Minutos depois, ela conseguiu entrar em casa e o agressor retornou para mais esfaqueá-la, estuprá-la e roubar dela 49 dólares de sua bolsa. Ela lutou o quanto pôde, gritando por socorro desesperadamente por 35 minutos. A polícia foi chamada e dois minutos depois chegou: era tarde demais, ela falecera aos 28 anos de idade. Era ela Kitty Genovese (Catherine Susan Genovese – 1935-1964). O mais curioso de tudo é que 37 pessoas presenciaram toda cena e não chamaram a polícia. Inclusive um dos vizinhos relatou à policia e à imprensa que não chamou as autoridades policiais porque não queria se envolver. Mais ainda: ela já estava morta, mesmo assim os turistas tiram fotos de recordação. O assassino foi preso dias depois, um jovem de 29 anos de idade, chamado Winston Moseley, casado e pai de três filhos. Ele confessou o crime durante o interrogatório, afora outros dois assassinatos, mais violações e quarenta assaltos, afora ser diagnosticado por exames psiquiátricos como necrófilo. Foi o que apurou a dupla de psicólogos John Darley e Bibb Latané num estudo realizado em 1968, chegando à conclusão de que quantas mais pessoas testemunham uma emergência, menos provável é que uma delas ajude a vítima. O criminoso foi condenado à morte, mas teve seu veredicto alterado para prisão perpétua. Foi quando surgiu o fenômeno psicológico hoje conhecido como efeito espectador ou síndrome de Genovese. Este por sua vez compreende aos casos de espectadores em situações de perigo ou violência não oferecerem qualquer meio de ajuda emergencial quando outras pessoas estão presentes. E para o meu mais completo espanto tomei ciência que dois dias antes do ocorrido com a vítima estadunidense, uma vizinha lá de casa havia sido esquartejada pelo insano marido, depois de uma convivência de violência doméstica de décadas e nenhum vizinho jamais dera parte às autoridades, ignorando o caso até o presente. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Se eu tivesse dois caminhos, teria escolhido o terceiro... Os dias ensinaram você a não confiar na felicidade porque dói quando ela nos engana... Longe, nossos sonhos nada têm a ver com o que fazemos. O vento leva a noite e passa, sem rumo... Pensamento do poeta árabe Mahmoud Darwish (1942-2008). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Ninguém nunca mediu, nem mesmo poetas, quanto o coração pode segurar... Um vácuo só pode existir, imagino, pelas coisas que o inclui... Pensamento da escritora estadunidense Zelda Fitzgerald (1900-1948). Veja mais aqui e aqui.

 

DIÁRIO - [...] Não há nada melhor para fazermos do que assumir a nós mesmos como nos encontramos e fazer o melhor de nós mesmos. Se me vejo, como fiz, filha de um artista que me deixou com uma mente aberta e um caráter convenientemente forte para resistir à tentação, saio dali e faço o que posso… Não mereço nem elogios por fazer o meu melhor , pois esse é meu dever e mereço ser culpado por não ter feito o meu melhor. [...]. Trecho extraído da obra Growing Pains: Diaries And Drawings From The Years 1908-17 (Minnesota Historical Society Press, 1984), da desenhista, escritora e artista estadunidense Wanda Gág (1893-1946). Veja mais aqui.

 

A PONTE SOBRE O DRINA - [...] Para um homem cheio de um amor grande, verdadeiro e altruísta, mesmo que seja apenas de um lado, abrem-se horizontes e possibilidades e caminhos que são fechados e desconhecidos para tantos homens inteligentes, ambiciosos e egoístas. [...] Não há edifícios que tenham sido construídos ao acaso, distantes da sociedade humana onde cresceram e das suas necessidades, esperanças e entendimentos, assim como não há linhas arbitrárias e formas sem motivo na obra dos pedreiros. A vida e a existência de cada edifício grande, bonito e útil, bem como sua relação com o local onde foi construído, muitas vezes traz consigo um drama e uma história complexos e misteriosos. [...] O esquecimento cura tudo e a canção é a forma mais bela de esquecer, pois na canção o homem sente apenas o que ama. [...] A ponte permaneceu como se estivesse sob sentença de morte, mas ainda assim inteira e intocada, entre os dois lados em guerra [...] Você ouve e vive com prudência, na verdade você não vive nada, mas trabalha e economiza e está sobrecarregado de preocupações; e assim toda a sua vida passa. Então, de repente, tudo vira de cabeça para baixo; tempos vêm em que o mundo zomba da razão, quando a Igreja fecha suas portas e se cala, quando a autoridade se torna mera força bruta, quando aqueles que ganharam seu dinheiro honestamente e com o suor de suas sobrancelhas perdem seu tempo e seu dinheiro, e os violentos ganham o jogo. Ninguém reconhece seus esforços e não há ninguém para ajudá-lo ou aconselhá-lo sobre como manter o que você ganhou e economizou. Isso pode ser? Certamente isso não pode ser? [...]. Trechos extraídos da obra The Bridge on the Drina (University of Chicago Press, 1977), do escritor iugoslavo e ganhador do Prêmio Nobel, Ivo Andrić (1892-1975).

 

UM POEMA - Não sou anterior à escolha \ ou nexo do ofício \ Nada em mim começou por um acorde\ Escrevo com saliva\ e a fuligem da noite\ no meio de mobília\ inarredável\ atento à efusão\ da névoa na sala. Poema do poeta moçanbicano Sebastião Alba (Dinis Albano Carneiro Gonçalves – 1940-2000).

 

MAIS TRÊS POEMAS - PARA UMA AMIGA - Ouça, garota, esses momentos são nuvens: \ você os deixa passar e eles se vão. \ Absorva seu toque úmido. \ Pegar encharcado. \ Não desperdice uma única gota. \ Ouça, as chuvas não se lembram ruas, \ e a luz do sol não consegue ler sinais de trânsito. SOMETHING TO REMEMBER - Você também será como os outros: colocar a escuridão de ontem contra a de hoje brilhante? \ Bem, agrade a si mesmo...\ mas tenha paciência mente: \ eles também cobram: \ o sol dorme com noite! WHAT WILL HAPPEN TO FLOWERS? - Eu ouço as borboletas serão novamente banidas, \ e as abelhas receberão pólen por correio para eles- \ “Eles não devem voar de rosa em rosa!” \ E a brisa terá que vigiar seus passos. \ Abelhas, borboletas, até brisa verá apenas quem a lei aprova. \ Mas, Alguém pensou no destino da flor? Quantos podem se autopolinizar? Poemas da professora e poeta paquistanesa Parveen Shakir (1952-1994)

 


"Madame Bovary sou eu" - Gustave Flaubert (1821-1880), escritor francês e mestre do Realismo, tornou-se um dos maiores nomes da literatura ocidental ao publicar a sua obra mais famosa, Madame Bovary. Este romance escandalizou a França sendo o autor alvo do conservadorismo francês da época, processado e, posteriormente, absolvido, mas sendo considerada uma “obra execrável sob o ponto de vista moral". É ele também autor de obras como Salambô, La Tentation de Saint Antoine, Trois Contes, Bouvard ey Pécuchet e L´Éducation Sentimentale. Em suas obras ele buscava a perfeição, o “le mot juste”.
Tratando sobre a traição feminina no casamento, o primeiro romance do realismo universal, Madame Bovary, foi publicado em 1857, onde o autor demonstra a intenção de destruir o arquétipo da mulher romântica e, por conseqüência, o mundo romântico idealizado. No entanto, vale considerar que os personagens não se desenvolvem segundo a vontade do autor, e sim em face da dialética interna de sua existência social e psicológica, refletindo a visão de mundo do autor.
A personagem principal da história, Emma Bovary, encarna o retrato fiel da incapacidade intelectual, emocional e insensibilidade moral que, para o autor, eram os principais componentes das sociedades provincianas, se constituindo no arquétipo do herói quixotesco, cujo maior problema da heroína era escurecimento da visão e detectando o seu estado de devaneio lírico e romântico: "(...) atraída para o homem pela ilusão da personagem, ela tentou imaginar a sua vida, essa vida retumbante, extraordinária, esplêndida, e que poderia ter sido a sua se a sorte o tivesse querido. Eles ter - se - iam conhecido, ter - se - iam amado! Com ele, por todos os reinos da Europa, ela teria viajado de capital em capital, partilhando - lhe as fadigas e os triunfos, colhendo as flores que lhe arremessavam, bordando- lhe ela própria os seus fatos de cena; depois, todas as noites, no fundo de um camarote, atrás da grade com a sua rede de ouro, teria recolhido, boquiaberta, as expansões dessa alma que cantaria só para ela; da cena, enquanto representava, ele olharia para ela. Mas uma alucinação apoderou - se de Emma; o cantor estava realmente com os olhos postos nela .Sentiu ânsias de correr para os seus braços e refugiar - se na sua força, como na própria encarnação do amor, e de lhe dizer, de lhe gritar: «Arrebata - me, leva - me, partamos! Para ti, para ti todos os meus ardores e todos os meus sonhos". Pelo que se pode ver o livro conta a história de Ema, uma jovem simples do interior da França, que um certo dia tem a chance de dar um chega pra lá a toda rotina que a consumia, pois fora convidada à casa do Marques d’Andersvilliers, em Vaubyessard. É claro que o convite não foi à toa, pois: "O coração de Ema palpitou, quando o seu cavalheiro lhe pegou a mão, pela ponta dos dedos, e colocou-se em linha, esperando o sinal de partida (...) logo, desapareceu a comoção e balouçando-se ao ritmo da orquestra, deslizou para frente com ligeiros movimentos de pescoço. O sorriso assomava-se aos lábios...". Depois aparece Leon com quem Ema pretende fugir, ir embora e entregar-se, quando ocorre a surpresa: a partida de Leon para Paris deixou-a desnorteada, e colocou-se apenas a pensar nele. Até aí, tudo na vontade até que aparece Rudolfo e Ema enfim trairia Carlos: "E ele declarou, por fim, num ar sério, que suas visitas se tornaram imprudentes e que ela se comprometia (...) Entretanto, como a luz das velas o ofuscava ele se voltava para a parede e adormecia, ela escapulia então retendo o fôlego, sorridente, palpitante, nua". Ema era só ambição, queria riquezas e devaneios, enquanto que o marido traído era voltado para tratar dos seus clientes. Seu marido Carlos ao tentar cuidar de um paciente, viu-se humilhado por outro médico. O pior era ter que agüentar a reprovação de Ema: "Ema a sua frente, olhava-o. Não compartilhava da sua humilhação; experimentava outra: a ter imaginado que semelhante homem pudesse valer alguma coisa; como se já vinte vezes ela não houvesse suficientemente percebido sua mediocridade". Depois de mais uma decepção, Ema procura o amante. Ema já não liga para horários e nem faz questão de esconder o que acontece. Num desses encontros, veio então a proposta de morarem longe, ele desconversou. Ema pede ao amante que fujam juntos. Combinaram tudo. Só faltavam os preparativos. Mas um arrependimento se abateu sobre Rudolfo, que escreveu uma carta renunciando a tudo o que havia combinado e a mandou para Ema, a carta estava em uma cesta de frutas. "Ema não se conteve mais: saiu como que para levar os frutos, despejou o cesto, arrancou as folhas, achou a carta, abriu-a e, como se não ouvisse atrás de si um pavoroso incêndio, pôs-se a fugir em direção ao quarto esbaforida". Mais tarde: "Pegou no frasco azul, destapou-o, meteu-lhe dentro a mão, tirou um punhado de pó branco e pôs-se a come-lo". Carlos então soubera da penhora, e quando encontrou Ema, quis explicações acerca do assunto. Mas a agonia do veneno já tomava conta do seu corpo. Carlos chorava, e ela quase desfalecia. Carlos manda chamar Homais, e apesar dos esforços após entoar uma canção, Ema deixou de existir.
Pouco compreendido em sua época, o romance Madame Bovary é considerado como o mais importante romance da literatura francesa.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril Cultural, 1979.  ]
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