MACEIÓ,
UMA ELEGIA PARA OS QUE OUSAM SONHAR – Foto: Jannyne Barbosa - A
cidade emerge no meu riso matinal e o sol faz paradeiro na minha alma
desafortunada. Os meus passos reviram ruas e redimem meus pesares, remorsos e
alucinações. Tudo é lindo nessa paradisíaca paragem! Tudo muito lindo premiando
o meu devaneio. E eu recito loas pelas beiradas da ideia, pelas abissais
paralelas do meu exílio atrevido na minha presença castigada. Nesse lindo cenário
eu vou de corpo e alma e me sou todo. Vou pelas transversais, avenidas e
perpendiculares, a reconhecer a punição da vida no que de vário se faz real
pelo esplendor do mar, onde se lavam culpas que eram festa no negrume do
asfalto, onde se pezunham esperanças na imensidão do espaço, onde se constroem
todas as avenças e desavenças de nada. É outro dia sempre e a gente a sonhar
com o estrondo da felicidade mesmo que tudo seja apenas feito de partidas e
chegadas no desencontro dos anseios. É outro dia sempre e a gente com o plano
de voo circunscrito na incerteza, como se a regra desse jogo fosse sempre o
confronto da distância entre começar e acabar, sem ter prorrogação na morte
súbita indesejada. É outro dia e sempre a cidade emerge na minha finitude
atlântica que bordeja pelas apaziguadoras ruas breves da Mangabeiras e se
arrasta na expectativa da Jatiúca, aderna pelo emaranhado da Ponta Verde,
singra pela beira-mar da Pajuçara e dá nos cotovelos rentes com a fabularia do
Jaraguá. É lá onde me eternizo nas cinzas. Adiante está a lama do Salgadinho
empestando a Avenida onde uma guerra oculta cospe mulheres paridas e deserdadas
dos arredores do Tabuleiro dos Martins e homens ciclópicos que ululam
desmemoriados de tudo sem nada, oriundos do longe mais distante das bandas de
lá além do Mundaú e que povoam a superfície perversa da exclusão. E me refaço
porque é outro dia e sempre me esforço subindo a rodoviária até o Farol onde
contemplo de tudo: a fantástica panorâmica, o silêncio dos roncos cansados, a
espera dos madrugadores por condução, a perspectiva que bate as botas em Cruz
das Almas e o meu desejo que escorre descendo o Riacho Doce e se esquece dos
pleitos que se tornaram causas inúteis revogadas previamente pelos tribunais de
então. Mas é outro dia sempre e as crianças no meio fio da madrugada com seu
cobertor de mar e de noite com sonhos incertos no barulho do trânsito indômito.
É outro dia e um punhado de adultos amontoam o teatro cristão com o berreiro
dos desentoados em preces devotadas com seus sotaques e timbres nas rezas por
seus dissabores, por remoetas embaçadas, por sacrifícios ostentatórios, pela
salvação das almas da ignomínia. E tudo parece um abstrato aceno de paradoxais
festeiros na celebração da tragédia pelas mesquinharias políticas, pela soberba
nos limites onde o canavial impera ao lado dos alguns poucos privilégios de
gados e miséria nos pastos de outro tabuleiro, onde amadurece a desimportância
da oportunidade e todos são escravos do passado mesmo que se achem senhores de
si e do futuro, mesmo que a vida seja um lapso de tempo nas causas perdidas. Mesmo
assim a cidade emerge e meu coração se avexa com o tumulto do dia e se esboroa
pela tarde e faz aconchego na noite que anuncia outro dia para um mais que
desejoso amanhã. Amanhã que já será hoje, hoje que já é ontem e tudo que
esquecerá. E esquecendo não veja criança estendida na calçada da manhã, nem
pedinte mendigando no semáforo, nem velho sendo xingado nas filas, nem
violência como efeito da desigualdade, porque os adultos precisam acordar ciosos
de si a vingarem o humano à revelia dos mandos no sonho de todos os sonhos. A
verdade é que a cidade emerge nos meus olhos e já é outro dia. Mesmo assim
continuo atrevido e teimoso de sonhos, enquanto o meu coração bate buliçoso e
atônito pelas ruas de Maceió, entoando uma elegia para os que ainda ousam
sonhar. (© Luiz Alberto Machado. In: Poesia de Alagoas.
Recife: Bagaço, 2007); Veja mais aqui e aqui. E mais também aqui & aqui.
Imagem: Girl of the Ancient Temeculas Art, do ilustrador e criador da arte sequencial estadunidense Carl Barks (1901-2000)
Ouvindo: O som brasileiro de Sarah Vaughan (RCA Victor, 1978), da cantora de jazz estadunidense Sarah Vaughan (1924-1990). Veja mais aqui.
BURRINHA DE PADRE – Imagem: J. Lanzelloti. In: Estórias e lendas do Norte e Nordeste (Edigraf, s/d) - No livro Geografia dos mitos brasileiros (José Olympio, 1947), do
historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), encontrei a lenda Burrinha do Padre narrada assim: Certo morador de Canguaretama, no Rio Grande
do Norte, fazendo longa viagem por solitária estrada, encontrou,
assustadíssimo, uma burrinha de padre, daquelas de que ouvira contar nos
compridos serões familiares. Sabia, portanto, que transfigurada nesse animal,
estava uma mulher de leviano procedimento, pois transformar-se em burrinha é o
castigo da moça que se amanceba com vigário da freguesia, embora não seja
amaldiçoada antes do padre dizer a missa. Enfeitiçada, ela se torna semelhante
a qualquer outra burra. Apenas com uma larga lista branca no pescoço, como
sinal. No seu fadário, corre velozmente, acompanhada de um barulho de ferros
entrechocados que se ouve à distância. Ela não cessa um só momento de correr e
de relinchar. Se alguém a encontra no caminho e tanta fazê-la parar, é morto a
coices. Cada coice de suas patas é pior que um tiro. Mas um ferimento que na
burrinha se faça e brote sangue, quebra o encanto e a mulher volta à forma
humana. Então, aparece inteiramente nua. Somente despida é que a manceba pode
ser atingida pela penitencia. O padre com quem vive, ou com quem tem relações
amorosas, é revelado por uma visagem que apresenta as suas feições e monta no
lombo da burrinha. Quando o morador de Canguaretama encontrou a burrinha,
tentou subjuga-la. Empenhou-se com ela numa luta de morte. Acabou por feri-la
com o seu cacete armado de aguilhão. Ao brotar o sangue, ela se transformou em
mulher, em quem ele reconheceu certa mocinha rica, de família de muito relevo
social. Regressa à sua casa, com a manceba desencantada, deu-lhe roupas para a
agasalhar e foi leva-la à residência dos pais. Estes a receberam com
demonstrações de alegria. Chegaram mesmo a dar-lhe uma bela soma em dinheiro,
para que ele guardasse segredo sobre o caso e não desse com a língua nos
dentes. No entanto, logo depois, o pobre teve de mudar-se para o município de
Goianinha, a fim de livrar-se das emboscadas com que a antiga burrinha pretendia
vingar-se da fama que a cercava de ter um dia sofrido da tal moléstia...
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
PEQUENOS BURGUESES – A peça em quatro atos Pequenos Burgueses (Abril, 1979), do
escritor e dramaturgo russo Máximo Gorki
(1868-1936), foi concebida em 1900 quando o autor se encontrava preso,
evidenciando uma predominante situação que constatava a lenta deterioração da
pequena burguesia: uma multidão cinza e entediada. As personagens da peça vivem
num meio mesquinho, revelando-se quase sempre impotentes em vencer as barreiras
desse meio: o único elemento comum a todas elas. Na peça destaco o diálogo
entre os personagens Pertchiki, Teteriev e Bessemenov: PERTCHIKIN - Ah, eu não
conto. Eu só digo que se não houvesse velhos, não haveria estupidez no mundo...
Velho pensa como pau verde queimando, mais fumaça do que fogo! (Pólia olha
carinhosamente o pai e acaricia seu ombro). TETERIEV – Aprovado. BESSEMENOV – É, é assim mesmo... Vá! Continue
mentindo! (Piotr e Tatiana, parando de conversar, observam, sorrindo, a
Pertchikin) PERTCHIKIN – Os velhos
são antes de mais nada uns cabeças duras... peguem um velho, ele vê que está
enganado, não entende nada... mas admitir? Ah, não admite.... ah! O orgulho! Eu
vivi, ele diz; só de calça, só de calça eu já usei umas 40... e de repente eu
não entendo mais nada, como é isso? É absurdo! E lá recomeça: sou velho, estou
certo, tenho a razão... mas onde a razão? Seu espírito está cansado enquanto
que os jovens estão vivos, têm miolo [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
BATISMO DE FOGO – O premiado livro Batismo de fogo (La ciudad y los perros - Nova Fronteira, 1962), é o primeiro
romance do escritor e jornalista peruano, Premio Nobel de Literatura de 2010, Mario Vargas Llosa, traz o cotidiano de
quatro cadetes de um colégio militar de Lima que tentam bater o sistema,
limitar o aborrecimento e ultrapassar os confinamentos da academia, acabando
por desencadear uma série de eventos que resulta em uma morte. Foi adaptado
para o cinema com o título original, La ciudad y los perros (1985), pelo
diretor peruano Francisco José Lombardi, interpretação de Luis Álvarez,
argumento de José Watanabe e texto do autor do livro. Do livro destaco o
seguinte trecho: [...] Alberto voltou
para a casa a pé, ensimesmado, aturdido. O agonizante inverno se despedia de
Miraflores com uma neblina súbita que pairava sobre as árvores da Avenida
Larco, enfraquecendo o brilho dos postes de iluminação. Espalhava-se por toda a
parte, envolvendo e dissolvendo objetos, pessoas, recordações: os rostos de
Arana e do Jaguar, os alojamentos, as detenções, perdiam realidade cedendo
lugar a um grupo de rapazes e moças que julgava esquecidos. Conversava com
essas imagens de sonho no pequeno quadrilátero de relva da esquina da Diego
Ferré e nada parecia ter mudado. A linguagem e os gestos lhe eram familiares. A
vida era tão harmoniosa e tolerável, o tempo passava sem sobressaltos, doce e
excitante com os olhos escuros daquela garota desconhecida que brincava
alegremente com ele, uma garota baixinha e delicada, de voz clara e cabelos
negros. Ninguém se surpreendia por vê-lo de novo ali, já adulto. Todos tinham
crescido, homens e mulheres pareciam mais integrados no mundo, mas a atmosfera
continuava igual: Alberto reconhecia as preocupações de outrora, os esportes,
as festas, o cinema, as praias, o amor, o humor bem comportado, a malicia
sutil. O quarto estava escuro. Deitado de costas na cama, Alberto sonhava de
olhos abertos. Havia bastado apenas alguns segundos para que o mundo que tinha
abandonado lhe reabrisse as portas e o recebesse outra vez em seu seio, sem lhe
pedir explicações, como se o lugar que ocupava entre eles tivesse sido guardado
zelosamente durante aqueles três dias. Tinha recuperado seu futuro [...].
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
UMA VIDA EM SEGREDO – O belíssimo filme Uma vida em segredo (2002), da cineasta e roteirista brasileira Suzana Amaral, é baseado no romance
homônimo de Autran Dourado. A história se passa no século XIX, contando a
história de uma mulher acostumada à fazenda de café e gado, Biela e que, com a
morte do pai, passa a morar na cidade com familiares, tentando se adaptar à
nova realidade e, ao mesmo tempo, procurando manter-se fiel à sua maneira de
ser. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
HOMENAGEM DO DIA
DIANNE WIEST
Todo dia é dia da premiada atriz
estadunidense Dianne Wiest, Oscar de
Melhor Atriz em 1986 e 1994. Veja mais aqui.
Veja mais sobre:
Padre Bidião & Doro discutem o reino
do Fecamepa, a
literatura de Tariq Ali, a música de Karin Fernandes,
a pintura de Sigmar Polke & Orly Cogan aqui.
E mais:
O teatro de Jerzy Grotowski, a poesia de
Antero de Quental, a literatura de Patrícia Galvão – Pagu & Monteiro
Lobato, a música de Uakti & Sacudindo Choro, a pintura de Jean-Baptiste
Debret, o cinema de Norma Benguel & Carla Camurati aqui.
A professora, A sociedade da mente de Marvin Minsky,
A lenda do mel de Ralph Whiteside Kerr, o teatro de Henrik Ibsen, a música de
Lenine, a poesia de Columbina - Yde Schloenbach Blumenschein, a pintura de
Carlos Leão, o cinema de Jean-Jacques Beineix &
Valentina Sauca aqui.
A poesia & a música de Bee Scott
aqui.
Dificuldades de aprendizagem da língua
portuguesa aqui.
Aurora, a canção, A natureza humana de Alfred Adler,
Zaratustra & Friedrich Nietzsche, A logoterapia de Viktor Frankl, a poesia
de Gregory Corso, o teatro de Tennessee William, a música de Hermeto Pascoal, a
pintura de Gaston Guedy, o cinema de Pedro Almodóvar & Leona Cavalli aqui.
A literatura de João Guimarães Rosa, a
poesia de Affonso Romano de Sant´Anna, a música de Dmitri Shostakovich &
Mstislav Rostropovich, o teatro de Maria Helena Kühner, o serviço social de
Marilda Vilela Yamamoto, Pra Frente Brasil, a arte de Gloria Swanson & a
pintura Albert Marquet aqui.
Espera, A condição humana de Karl Jaspers, A
crise das ciências de Hilton Japiassu, a literatura de João do Rio & Marquês de Sade, a música de Regina Schlochauer, o teatro de
Dario Fo, a entrevista de Bráulio Tavares, a pintura de Anthea Rocker &
Aaron Czerny, a fotografia de Herbert Matter, a arte de Ghada Amer, a escultura
de Diogo de Macedo, Jazz & Cia Grupo de Dança, Dicionário Tataritaritatá, O
que sou de praça na graça que é dela & O brasileiro é só um CPF Fabo
arrodeado de golpes por todos os lados aqui.
De golpe em golpe a gente vai aprendendo, O coração humano de Goethe, Iniciações
tibetianas de Alexandra David-Néel, O trabalho de André Gorz, a música de Franz Schubert & Mitsuko Uchida, a escultura de Horatio Greenough, a arte de Lygia Clark & Marina
Abramović, A prática e a teoria de José Paulo Netto, a fotografia de Carl
Warner, a arte de Simone Spoladore & Laura Barbosa &
John Currin, o cinema de Mohsen Makhmalbaf, a coreografia de Anna
Halprin, a entrevista de Tchello d’Barros, Oficina de Cordel, Vitalina &
Tomé: o vexame da maior presepada & Do jeito que esse mundão vai só deus na
causa aqui.
Tantas fazem & a gente é quem paga o
pato, A condição
pós-moderna de Jean-François Lyotard, a História de Georges Duby, a literatura
de George Orwell & Alfredo Flores, Nietzsche e a psicologia, a pintura de
Balthus, a música de PJ Harvey,a fotografia de Marta Maria
Pérez Bravo & Richard Murrian, A dona da História de João Falcão, a
arte de Marco Cochrane, a entrevista de Virna Teixeira, O
infortúnio da prima da vera & Quando a bronca dá na canela, o melhor é
respirar fundo à flor d’água pra não morrer afogado aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.