SE ALAGOINHANDUBA NÃO EXISTISSE, TERIA DE SER INVENTADA - Foi preciso um defunto indignado ressuscitar duma hora pra outra, muito do invocado com a desmemória dos seus pósteros queridos. Sim. Para ele o povo dele estava desencaminhado e, pelo jeito, descambavam soltos para a perdição do inferno. Será possível? Foi aí que ele fugiu do purgatório e resolver trazer à memória dos seus, os feitos do seu mais antigo avoengo, destrinchando uma árvore genealógica interminável, que começou com um cheleleu desimportante lá do Duarte Coelho e que, dele, o Adão dos dele, o seu icosavô ao que parece e se estendeu pela maior misturada de mamelucagens e cafusadas, enrolados com acasalamentos profanos e nem tão reprováveis assim, que se confundiam entre pardos e remanescentes caetés, enganchados com diaspóricos zis afrodescendentes, frutos da maior fudelança, que envolvia das putarias, amancebamentos, incestuosidades e outros tantos desconhecidos meios de reprodução. Era uma lista interminável de escanchavós, a exemplo do eneadecavô que fora fugitivo da punição sodomita da Inquisição, no final do século XVI, e dele uma ruma de gente que passava pelo parentesco de longe com franceses do sul, outros de ataques espanhóis do Cabo, mais quem serviu pros holandeses, afora os que foram afilhados de jesuítas e outros perós, isso atravessando gerações sucessivas, reunindo pretensos consanguíneos aos achegados, compadrios de fogueira e outras afinidades. Era uma confusão dos diabos distinguir quem daquele ou doutro, tanto que os sobrenomes justapostos, uns ora realçados, outros esquecidos, dependendo da ocasião e fortuna, e que se perdiam e se reencontravam nos nós dos galhos em novas relações e em cujas descendências uma poeirada braba se sobrepunha às ascendências. Tanto é que se colocasse um sobrenome atrás do outro nunca terminaria, nem os tais fajutos dons Pedros de Alcântaras tinham tantos familiares e arrumadinhos. Vai ter parente assim na casa do raio que o parta, ora! Mas como é um defunto que tá falando, tem que se levar a sério e dá ouvida! Afinal, havia desenvultado para exatamente isso: reenchaminha a gente dele perdida na baboseira dagora. Justamente ele que fora um ufano professor na província querida de Alagoinhanduba, que tinha por deleitoso lazer o de colecionar sobrenome catados da árvore genealógica familiar, descobrindo primos e parentes de não sei quantas gerações e regozijando-se por isso. Passou o tempo e ao se aposentar passou a ter o único fazer remontar e desmontar sua linhagem, uma vez que certo parentesco lhe caía na antipatia e, por isso, fazia questão de apagar os vínculos e substitui-lo imediatamente por outros mais simpáticos. Na véspera de morrer foi acometido por uma fúria emputecida, justamente porque constatou que todos os seus contemporâneos haviam degenerado ao seu juízo, salvando-se alguns poucos netos e bisnetos – e isso porque eram crianças e ainda não se haviam maculados pela safadeza e podiam lavar a sua e a honra de todos os seus precedentes. Foi justamente estes que ele procurou para fazê-los lembrar de seus antepassados, contando-os detalhada e minuciosamente cada ato de coragem e homência meritória de lembrança. Os demais, tudo uns calhordas ingratos e bandoleiros, volúveis babaovos que se bandeavam até pros malquistos, tudo pra sua desonra. Pacientemente ele falava os berros, mas ninguém dava ouvidos. Até a mãe dele que, apesar de morto, ela ainda estava vivinha da silva e, pelo jeito, não ia bater as botas nem tão cedo, coitada. Não reconhecia mais ninguém, falava sozinha e ainda, por cima, quando ele a visita, demora a reconhecê-lo e, quando o faz assim na veneta, passa-lhe uns carões como se ele ainda fosse o menino malouvido tratado aos bregues. Enfim, tanto fez pelos descendentes netos e bisnetos, todos olvidaram. A mãe, coitada, não tinha mais idade para atinar nada, muito menos entendê-lo depois de morto. Foi então que ele arretou-se e vociferou puto da vida: aqui todos são um povo bom contaminado pelas pragas dos metidos a santo nas igrejas e os sabidos que fazem a corriola dos safados nas igrejinhas profanas! Ninguém tem mais salvação! E envultou-se de novo, perdendo-se na desmemória que ele tanto combateu. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.