terça-feira, dezembro 12, 2017

VARGAS LLOSA, RANCIÈRE, BADIOU, WAGNER TISO, QUINET, BRUNO TOLENTINO, FRANCINE VAYSSE, FRESNAYE, NÁ OZZETTI & JOAQUIM NABUCO

A BARATA & O MONSTRO - Imagem: The Architect (1913), do pintor cubista francês Roger de la Fresnaye (1885-1925). - A noite e a solidão, a hora avançada. Algo me espreitava, sentia. Não havia como identificar, algo intruso, dividindo comigo o espaço. Como desconfiava, saí conferindo cada recanto do ambiente. Não demorou muito e a intromissão de um asqueroso inseto ortóptero me lembrou daquela que engravidou a língua do selo: enquanto lambia para cola dos envelopes, inchou até não mais conseguir comer, o diagnóstico médico e o corte: saltou uma repulsiva barata, aquela mesma que zanzava nos esconderijos da minha casa. A intrometida era ágil, eu não conseguia pegá-la. Aquela atrevida presença, logo ali, usurpadora de hábito noturno, importuna e detestável. Lancei mão de todos os meios para liquidá-la, tem gente que usa do expediente de ficar em pé de manhã cedinho no meio da casa por três sextas consecutivas recitando: Barata-rabi, que veio fazer aqui? Brigou com compadre e comadre, e se manda daqui! Quando são muitas, chamam-na mulher de padre para que desapareçam de vez da habitação. Até mesmo em jejum sexta de manhã, distribuindo milho pelos cantos da casa, orando: Barata, vai embora!, deixando um dos cantos livre para ela poder sair. Ou mesmo encostado em uma das quinas do recinto: A moça do padre lhe convida pra missa. Vá com ela e seja feliz, igual quem come e não reza, ou quem trabalha no domingo. Ou colocá-las numa caixa e jogá-las para empestar a casa do desafeto vizinho. Dizem, de pés juntos, ser um santo remédio. Eu que duvide. Melhor a do veado que ajeitou sua casa e foi pelo mato procurar vida. Ao retornar ouviu uma vozinha fina lá dentro: Tui-tu, quinanã-ã, xô-xô, curió matou. Curioso, foi ver o que era e saiu amedrontado a toda carreira, quando encontrou o boi disse-lhe que um bicho cantava dentro da casa dele. Quando o boi ouviu a musiquinha da voz fina, disse logo: Isso é o diabo! E fugiram os dois. Contaram pros outros e ninguém teve coragem de ir lá não. Aí apareceu um carreirão de formigas que se prestaram pra resolver o problema. Entraram por baixo da porta e logo voltaram com a responsável: era só uma baratinha, frouxos. E levaram-nas aprisionada. Cada uma! Mas eu sei que para cada barata invasora encontrada, mil delas estão escondidas por aí, e logo nos meus domínios. Isso é lá coisa que dê sossego, meu! Logo uma onívera e vetora mecânica de patógenos, invocando o meu asco, com sua cor marrom avermelhada, é ela que anda roendo minhas roupas e livros, juro, não sei a razão de despertar temores. Cacei, persegui, e ela só me passando de besta, escapando, subiu na parede e, não tive dúvda, dei-lhe uma chinelada certeira de deixar a marca dela e ela cair com as patas pra cima, uma pisada boa, espragatei-la de deixá-la colada no chão. Pronto, finalmente, tudo resolvido. Melhor voltar pra ocupação, não deu, a barata não saía da minha mente, remorso, quem na verdade o invasor? Se ela tem trezentos milhões de anos na Terra, por que eu haveria de liquidá-la sabendo que no universo tem o seu equilíbrio próprio. Ao matá-la será que eu estava causando um desastre ou desequilíbrio na natureza? Nada, coisa de pensar besteira. Dirigindo-me ao sanitário, acendi a luz e repugnava ter de vê-la lá estatelada no chão. Fiz que não vi durante a micção e ao retornar, dei de cara com um monstro gigante na minha cozinha. Oxe! O sangue me fugiu, a covardia invadiu, cabelo em pé, o monstro era ela, agora vingativa na minha direção. Quem era agora o invasor? Eu ou ela? Procurei nos quatro cantos a fuga, um buraco no chão, qualquer coisa para sair daquela situação, a gigante já me alcançava, agora era eu a vítima pronto para ser espragatado por ela, fechei os olhos e sem saída lutei o mais que pude, esmurrando, às pernadas, de tudo nada resolvia, mas não me rendia, ia até às últimas, não cedia e repulsava como podia, não me entregava, nunca, morreria lutando até a última gota de vida, e me vi completamente envolvido por suas garras, sua gosma me melando todo, ousei gritar e lavado em suor, levantei em pânico. O pesadelo me atormentava no meio da noite. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com Preto & Branco & Trem Mineiro do músico, arranjador, regente, pianista e compositor Wagnert Tiso (Veja mais aqui & aqui); e Love Lee Rita & Ná, da cantora e compositora Ná Ozzetti (Veja mais aqui & aqui). Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] a arte é considerada política porque mostra os estigmas da dominação, porque ridiculariza os ícones reinantes ou porque sai de seus lugares próprios para transformar-se em prática social [...] precisamos questionar essas identificações do uso das imagens com a idolatria, a ignorância ou a passividade, se quisermos lançar um olhar novo sobre o que as imagens são, o que fazem e os efeitos que produzem [...]. Trechos extraídos da obra O espectador emancipado (Martins Fontes, 2012), do filósofo e professor francês Jacques Rancière. Veja mais aqui.

INESTÉTICA – [...] Didatismo, romantismo, classicismo são os esquemas possíveis do entrelaçamento entre arte e filosofia, o terceiro termo correspondendo à educação dos sujeitos, particularmente da juventude. No didatismo, a filosofia entrelaça-se com a arte na modalidade de uma vigilância educativa de seu destino extrínseco ao verdadeiro. [...] foram didáticas por seu desejo de dar um fim à arte, pela denúncia de seu caráter alienado e inautêntico. Românticas também, pela convicção de que a arte deveria renascer de imediato como absolutez, como consciência integral de suas próprias operações, como verdade imediatamente legível de si mesma. Consideradas como proposta de um esquema didático-romântico, ou como absolutez da destruição criadora, as vanguardas eram, antes de mais nada, anticlássicas. [...]. Trechos da obra Pequeno manual de inestética (Estação Liberdade, 2002), do filósofo, dramaturgo e novelista marroquino Alain Badiou, entendendo por inestética [...] uma relação da filosofia com a arte, que, colocando que a arte é, por si mesma, produtora de verdades, não pretende de maneira alguma torná-la, para a filosofia, um objeto seu. Contra a especulação estética, a inestética descreve os efeitos estritamente intrafilosóficos produzidos pela existência independente de algumas obras de arte.

JOAQUIM NABUCO – O município de Joaquim Nabuco é formado pelo distrito sede e pelos povoados de Usina Pumati, Arruado e Baixada da Areia. O povoamento na região deu-se através dos trabalhadores dos engenhos Pumaty, Boa Vista e Cuiabá, que foram construindo suas palhoças, as casas e a capela. Inicialmente o povoado denominava-se Preguiça. Esta denominação é atribuída às embaúbas ou "pau-de-preguiça" da região. Entretanto, há registro de que a origem do nome seria devido ao dia da feira: segunda-feira, que era considerado o dia da preguiça. As autoridades locais solicitaram a mudança de nome para homenagear o jurista, diplomata, historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910): De um lado do mar, sente-se a ausência do mundo; do outro, a ausência do país. O distrito foi criado em 9 de novembro de 1892 e pertencia ao município de Palmares. Elevado à categoria de município com a denominação de Joaquim Nabuco, pela Lei estadual nº 1819, de 30 de dezembro de 1953 e instalado em 15 de maio de 1954. A atividade econômica predominante é a agroindústria açucareira, prevalendo na agricultura a cana-de-açúcar, mandioca, banana e maracujá. Veja mais aqui.

O OLHAR E O VISTO – [...] O prazer do olho não se obtém pelo toque direto, como é o caso das outras zonas erógenas (boca, ânus), mas por esse investimento imperceptível que transforma o outro em um objeto agalmático. Eis por que Freud destaca que o olho é a zona erógena mais distante do objeto sexual. No caso da pulsão escópica, a satisfação se dissocia do prazer do órgão-olho. Sua satisfação, evidentemente, não é obtida pela manipulação dos olhos, mas por sua propriedade háptica de tocar de longe o objeto sexual, desnudá-lo e comê-lo com os olhos [...]. Trecho extraído da obra Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise (Jorge Zahar 2004), do psicanalista Antonio Quinet.

PANTALEÓN & AS VISITADORAS - [...] dedicou-se a estabelecer os primeiros contatos com vistas à contratação. Graças à cooperação do individuo que atende pelo nome de Porfirio Wong, mais conhecido como China, a quem conheceu por obra do acaso no centro noturno denominado Mao Mao (Rua Pebas, 260), fez uma visita, altas horas da noite, ao local de diversão freqüentado por mulheres de vida alegre dirigido por dona Leonor Curinchila, ou Chupechupe, comumente conhecido pelo nome de Casa Chuchupe e sito na estrada para o balneário de Nanay. Sendo a citada Leonor Curinclila amiga de Porfirio Wong, este último pôde apresentar-lhe o abaixo assinado, que, na ocasião, fez-se passar por comerciante (do ramo de importação/exportação) recém-instalado em Iquitos e à prcura de distrações. A referida Leonor Curinchila mostrou-se cooperativa e o abaixo assinado conseguiu – sem outra alternativa, para tanto, sebão ingerir muitos cálices de licor (recibo 8) – obter dados interessantes relacionados ao sistema de trabalho e costumes do pessoal daquele estabelecimento. Assim é que na Casa Chuchupe cerca de dezesseis mulheres formam o que se poderia denominar plantel estável, visto que há outras, entre quinze e vintém que trabalham irregularmente, comparecendo alguns dias, faltando outros, por razões que abarcam desde doenças veneras (p. e., gonorréia ou cancro) contraídas no exercício dos atendimentos, até transitórios amancebamentos ou contratos por temporada (p.e., madeireiro contra a acompanhante para viagem de uma semana à selvba)m que as afastam temporariamente do centro de trabalho. Em síntese, o pessoal completo, entre estável e flutuante, da Casa Chuchupe, são mais ou menos trinta meretrizes, embora o plantel efetivo (porém renovável) de cada noite chegue à metade desse total. [...] não sendo raro ver-se pela rua senhoritas de aparência muito sedutora, de ancas desenvolvidas, bustos turgescentes e andar insinuante, às quais, pelos padrões litorâneos, se atribuiria uma idade de vinte ou vnte e dois anos, mas que na realidade têm apenas treze ou catorze [...] corpos atraentes e arredondados, sobretudo em se tratando de ancas e seios, membros que tendem a ser generosos neste campo da Pátria, e rostos apresentáveis, muito embora, quando observadas de perto, aqui se verifique apresença de um maior número de defeitos, não quanto à fealdade de nascimento, mas adquirida por acne, varíola e queda de dentes, sendo este último acidente uma coisa comum na Amazônia, em decorrência do clima debilitante e das insuficiências dietéticas. [...] dentre a matizada gama de atendimentos prestados, figuram desde a simples masturbação efetuada pela meretriz (manual: 50 sóis; bucal, ou corneta: 200 sóis), até o ato sodomita (em termos chulos, “trilha estreita” ou “com cocozinho”: 250 sóis), o 69 (200 sóis), espetáculo sáfico ou “panqueca” (200 sóis cada), ou casos menos freqüentes, como os de clientes exigirem dar ou receber golpes de açoite, vestir ou assistir a fantasias e ser adorados, humilhados e mesmo defecados, extravagâncias cujas tarifas oscilam entre 200 e 600 sóis. [...] teve condições de concluir, mediante brincadeiras e perguntas capciosas, que as mais graciosas e eficientes podem, numa noite de trabalho (sábado ou véspera de feriado), efetuar cerca de vinte atendimentos sem ficar excessivamente exaustas, o que dá margem à seguinte formulação: um comboio de dez visitadoras, selecionadas as de maior rendimento, estaria em condições de realizar 4800 atendimentos simples e normais por mês (semana de seis dias), trabalhando full time e sem contratempos. Ou seja, que para cobrir o objetivo máximo e ambicioso de 104.712 atendimentos mensais seria necessário contar com um corpo permanente de 2115 visitadoras de categoria máxima trabalhando em tempo integral e sem nenhum tipo de contratempo. Possibilidade, naturalmente, quimérica a essas alturas [...]. Trechos da obra Pantaleón e as visitadoras (Globo/Folha São Paulo, 2003), do escritor, jornalista e político peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010. Veja mais aqui, aqui & aqui.

NOTURNO & CELEBRAR ESTE MUNDO – NOTURNO: Não sou o que te quer. Sou o que desce / a ti, veia por veia, e se derrama / à cata de si mesmo e do que é chama / e em cinza se reúne e se arrefece. / Anoitece contigo. E me anoitece / o lume do que é findo e me reclama. / Abro as mãos no obscuro, toco a trama / que lacuna a lacuna amor se tece. / Repousa em ti o espanto que em mim dói, / noturno. E te revolvo. E estás pousada, / pomba de pura sombra que me rói. / E mordo o teu silêncio corrosivo, / chupo o que flui, amor, sei que estou vivo / e sou teu salto em mim suspenso em nada. CELEBRAR ESTE MUNDO: Celebrar este mundo adivinhando / a incurável leveza, a inabalável / certeza do esplendor interminável / da luz de Deus, aurora ruminando / para sempre a quietude do imutável./ Somos reflexos dessa luz, um bando / de flamingos ardendo, misturando- / se ao sol nascente, ao inimaginável / incêndio indescritível, todo asas, / todo luz… Somos feitos como brasas / abrindo o voo, somos como o voo / dos flamingos em brasa ao oriente…/ E nunca há de apagar-se aquele ardente / sol perfeito que neles se espelhou. Poemas do premiado poeta Bruno T0lentino (1940-2007), opositor do movimento modernista, da cultura popular e da poesia concreta.

A ARTE DE FRANCINE VAYSSE
A arte da pintora francesa Francine Vaysse.

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A ARTE DE ROGER DE LA FRESNAYE
A arte do pintor cubista francês Roger de la Fresnaye (1885-1925).

 

PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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