quinta-feira, março 07, 2013

ROSA CHACEL, MÁRIA TELKES, VOLTAIRE, VASILY GROSSMAN & VALERI BRIUSOV

 

DEPOIMENTO - Quando souber de mim lembre como a tarde cai ou de quanto tudo se esvai na última gota do canto do cisne. Não sendo apenas o fim disso e sim a do olho vidrado com a nascente clara e límpida do despertar superior. É que a luz abrasa a calma, alenta a alma pelo cismar surpreso por outro dia ignoto, tácito na esquina e em sendo amanhecido espreita a jogada plural que desemboca na loucura civil e seminal. Devia ser desse jeito e sendo assim será feito o céu: infinito e grande. E eu capaz do inacessível do inalcançável que não se concebe. Quando souber de mim saiba do riso quente e detentor da maior bandeira desejada, mais abençoada que esconjuro que vem dum porto seguro, mais aberto que o oceano, mais falível quanto o engano do perdedor da vitória. Mais enamorado quanto dado ao lado do amor. E quando souber saiba quantas cartas extraviadas foram jogadas no interior das garrafas bebidas e sacralizadas no dia-a-dia de nenhum dia, de nenhum vintém, de nenhum ninguém nem de nada. Em sabendo tal sabença saiba quão foi difícil sustentar a curva da relatividade para ignaros e avarentos sem tempo de beber no vento a boca da maior verdade. Ao saber não saberá nada, onde vai dar qualquer estrada ou desejo ou razão ou senão ou da verdade mais guardada pelos esotéricos, pelos condutores elétricos ou herméticas explicações. Não saberá por que o sorriso é só o outro lado da tristeza, nem a distância de sofrer e amar, de perder e de se dar, de não ter o que ganhar no prazer efêmero do contendor, ou na soberba do vencedor, ou na derrota eterna, ou na angústia certa de quem não ganhou sequer um aplauso, acaso houvesse plateia tácita em crendo seria mais ateia que a desilusão. Sem saber jamais saberá do que trata a mão nua, nem do beijo que despolua a intenção. Não saberá dos braços abertos, nem do olhar incerto do menino amanhã. Quando souber de mim será notícia invalidada, já terei quadra formada num poema sem fim. Não terei que agradecer pelas lembranças, nem de respeitosamente requerer mútua estima, nem solenemente disfarçar uma hipocrisia esgrima pra tolerar tal dança de estimar. Terei apenas que mostrar quando souber algo de fato, nada saberá daqui, dali, dacolá, dessa insólita emoção de mostrar o coração a quem possa apenas amar. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - A luz solar será usada como fonte de energia mais cedo ou mais tarde … Por que esperar?... Pensamento da cientista, biofísica e inventora húngara Mária Telkes (1900-1995).

 

ALGUÉM FALOU: As uniões dos homens, as suas razões, são determinadas por um único objetivo: conquistar o direito dos homens a serem diferentes... Pensamento do escritor e jornalista ucraniano Vasily Grossman (1905-1964). Veja mais aqui.

 

ÂMBITOS LITERÁRIOS - [...] A madrugada era a palavra, e toda crônica, toda história tem sua aurora, sua origem. Você pode levar a história para o fim, o meio ou o começo, mas o gênero autobiográfico priva a genealogia e a narração da vida desde o nascimento. [...]. Trecho extraído da obra Âmbitos literários (Anthropos, 1990), da escritora espanhola Rosa Chacel (1898-1994), que noutra obra Desde el amanhecer (Bruguera. 1985), expressa que: [...] É claro que herdei as fórmulas familiares, a religião, a moral e os costumes de meus ancestrais, mas isso apenas informou a base do meu sistema pessoal. O básico, claro, não posso negar isso, mas embora básico e oculto, sua categoria é a de suporte, não a fórmula, como todas as anteriores. [...].

 

DOIS POEMAS - PARA UMA MULHER: Você é uma mulher; você é um livro de livros, / Você é um pergaminho enrolado na impressão; / Suas linhas repletas de palavras e ruminações, / E cada instante é selvagem em seus vigaristas. / Você é uma mulher, a criação das bruxas, / Que incendeia mal alcançando os lábios, / Mas os engolidores de fogo subjugam seus próprios gritos / Afogando a tortura louca em louvores. / Você é uma mulher e nisso você é apenas, / Desde o início coroada em constelações, / Uma divindade epítome dentro de nossos abismos! / Servimos a você moendo fundações rochosas, / Carregamos fardos de ferro por sua causa, / E oramos a você com fervor em seu rastro! AMOR: Não pense em algo pequeno ou terreno, / Se explodir uma tempestade fatídica acima - / E não tenha vergonha de seu medo, / Apenas incline sua cabeça diante de seu querido. / Seu coração flexível está se unindo, alegremente, / ao Gênesis por meio do amor. / Seu amor vem como uma nuvem, potente. / Ore, quando você o pegou em sua mira! / Não deixe seu coração ser persistente, / não se afaste, mas seja assistente! / Independentemente de quem trouxe o cálice - / Ele tem um dom de alturas sagradas. Poemas do escritor, dramaturgo e historiador russo Valeri Briusov (1873-1924).

 

CÂNDIDO OU O OTIMISMO DE VOLTAIRE - A obra "Cândido ou o otimismo", de Voltaire, ridiculariza o otimismo exagerado do ser humano, armando sua trama, em alguns aspectos, a partir de Pangloss, a tese; Martinho, a antítese; e Cândido, a síntese. Este último foi criado num belo castelo do barão Thunder-ten-tronckh, apaixonado pela filha do senhor, Cunegundes, e ouvindo as sentenças otimistas de Pangloss, exibindo-se por oráculo da família, a exemplo de tais colocações: "O nariz, para apoio aos óculos; as pernas, para os calções; as pedras, para os castelos. Ao barão, a melhor casa. Os porcos para serem comidos. E que tudo vai da melhor forma" (op.cit.: 34). É por este otimismo que Cândido se influencia. Contraditoriamente, escondendo seu amor pela filha do barão, Cândido é flagrado beijando-lhe a mão acidentalmente, resultando sua expulsão do castelo a pontapés. Sua vida se transforma e começa a partir de então a sua sina, sofrimentos e desventuras. Sem ter para onde ir, Cândido torna-se o herói dos búlgaros. Isso ocorre numa guerra, onde, ao final, ele mendiga entre mortos. Vai trabalhar numa manufatura de tecidos da Pérsia, adotado por um protetor, Tiago. Como sinal de bom espírito, deita, em uma ocasião fortuita, os seus dois únicos florins de esmola a um mendigo roto. Sem saber de quem se tratava, toma ciência de se tratar de Pangloss, o seu mestre e oráculo do barão, que lhe diz ter seu amor morrido por soldados búlgaros que destruíram o castelo. A guerra expulsa-os do local, iniciando uma viagem de navio, onde, Tiago, seu protetor, morre afogado. Aportam em Lisboa, onde ocorre um terremoto deixando várias vítimas. Em Lisboa, são feitos prisioneiros da Inquisição e um auto-da-fé para evitar terremotos e agradecendo aos céus, enforca Pangloss e açoita Cândido. Cândido fora absolvido e levado por uma velha.  Esta cuidou dele e levou-o a Cunegundes que ainda vivia apesar do que havia sofrido. Ela estava prisioneira de um búlgaro, vendida a um judeu, depois, num consórcio, a este e ao grande inquisidor. Ela viu o açoite de Cândido e o enforcamento de Pangloss. Pediu a velha que cuidasse dele. O judeu, ao chegar no local, não aceita Cândido, que atacado, assassina-o. O inquisidor flagra o crime e antes que pudesse tomar qualquer iniciativa, é morto por Cândido. Fogem, Cândido, Cunegundes e a velha rumando para Cádiz. Lá torna-se capitão búlgaro. A velha conta sua história, filha do papa Urbano X e da princesa da Paletsrina, noiva do príncipe de Massa-Carrara, depois escrava em Marrocos, arrebatada pelo negro capitão corsário. Era filha bastarda de um papa. Fora salva por um napolitano eunuco, que era músico da capela da princesa de Palestrina.  Depois, vendida para o rei da Argélia. Neste local, a fome grassava e levou a comerem os eunucos, depois as mulheres, comendo da velha apenas uma nádega. Depois disso, foi levada para Rússia. Foi criada pelo judeu morto por Cândido. Em sua narrativa, a velha assim se expressa: (....) se quereis divertir-vos, fazei com que cada passageiro vos exponha a sua história; e, se houver um só deles que não tenha repetidas vezes amaldiçoado a vida, e repetidas vezes dito lá consigo ser o mais desgraçado entre os homens, lançai-me ao mar de cabeça para baixo" (op.cit: 79). Continuando a fuga de Cândido, Cunegundes e a velha, findaram por desembarcar em Buenos Aires. Lá o governador apaixonou-se por Cunegundes. E mal chegaram, um alcaide perseguia os matadores do Inquisidor. Cândido foge para o Paraguai, abandonando a velha e Cunegunedes, acompanhado de Cacambo. No Paraguai, encontra o irmão de Cunegundes, que era padre provincial. Quando Cândido informa que trama a morte do governador e casar com sua irmã, a festa se acaba, teve que matá-lo. Dois crimes agora: o do inquisidor e o do jesuíta. Fugiram, ele e o seu escravo, e se fizeram escravos da tribo dos Orelhões. Foram absolvidos por comprovarem não serem jesuítas. Chegaram ao Eldorado. Lá as crianças brincavam com ouro, recolhendo o que se encontrava no chão abandonado. Ali ficaram por um tempo e resolveram seguir para seu local de origem, presenteados pelo rei pela liberdade de todos. Rumaram para Buenos Aires. Na viagem, Cândido perde uma parte da fortuna que amealhara no Eldorado: "(..)bem vêdes como são perecíveis as riquezas deste mundo; não há nada de sólido, a não ser a virtude e a felicidade de rever a senhorinha Cunegundes". Perderam quase tudo que ganharam do rei (op.cit.:115). Encontraram em sua viagem, um negro maneta e perneta, com uma única ceroula alegando que se perder um dedo, cortam-no a mão; se quiser fugir, cortam-lhe a perna. Vendo isto, renunciou ao otimismo de Pangloss que lhe perseguia. No Suriname, soube que Cunegundes era a amante favorita do Comandante. Cândido entregou algumas riquezas das que possuí a Cacambo, com o intuito de que o fiel amigo fosse tentar comprar Cunegundes. Ficando só, Cândido foi roubado de quase todo restante quando tentava voltar à Europa. Recorreu ao juiz, foi multado. O juiz e o capitão enganaram-no, entendendo que: "a maldade dos homens apresentava-se-lhe ao espírito em toda a sua hediondez" (op.cit:120). Sozinho, escolheu um sábio que fora roubado pela mulher, batido pelo filho e abandonado pela filha, que se fizera raptar por um português, e para que este sábio pudesse acompanhá-lo na viagem de volta. O nome do sábio era Martinho rumando para Bordéus. Durante a viagem discutiam filosofia, ao cabo disso: "É verdade que existe neste caso coisa diabólica", disse Cândido ao perceber a guerra entre dois navios no mar. O navio que naufragara era do pirata espanhol que roubara Cândido, conseguindo resgatar um dos carneiros de sua fortuna perdida, ainda mantendo a esperança de reencontrar Cunegundes (op. cit:125). Chegaram na França e em Paris, Cândido adoeceu. Melhorou. Depois de vaguear pela cidade, recebeu uma carta de Cunegundes para que fosse socorrê-la pobre. Lá chegando deixou ouro, mas não pode falar com ela. Era uma cilada. Foi preso. Subornou o guarda e conseguiu a liberdade. Rumou para a Inglaterra, depois para Veneza,  do Suriname a Bordéus, de Bordéus a Paris, de Paris a Dieppe, de Dieppe a Portsmouth, de costear Portugal e Espanha, cruzar o Mediterrâneo, passar alguns meses em Veneza, percebeu que: "É tudo apenas ilusão e calamidade" (op.cit: 147). A essa altura, Martinho persuadiu a ele a esquecer Cacambo, Cunegundes e a fortuna que dera ao mestiço para traze-la de volta. Encontra Paquette que fora secretária do barão. Descobre a infelicidade dela e do homem que se encontrava ao seu lado. Visita o senhor Pococurante, homem que soube jamais ter tido desgosto. Jantaram, ouviram música, a biblioteca. Nada agradava ao homem. Em conclusão, Cândido recebeu estas palavras de  Martinho falaram: "Haveis agora de convir que aí temos o mais feliz dos homens, porque se acha acima de tudo que possui (...) não percebeis que ele vive saturado do que tem?"(op.cit.:158). Finalmente, Cândido encontra Cacambo. Cunegundes estava em Constatinopla. O seu servo agora era escravo de um estrangeiro. Haviam seis reis no jantar. Os cinco ostentavam suas riquezas. O sexto, alegou ser pobre. Era carnaval em Veneza. Viajou a bordo de um navio de capitão turco. Ficou sabendo que Cunegundes era escrava de um soberano Rahotsky, mas que perdeu a beleza e ficou feia. Cacambo contou que deu dois milhões ao D. Fernando pela sua amada e depois foi assaltado por um pirata. Assim decidiram resgatá-la mais uma vez, entraram no mar Negro, pagando o resgate de Cacambo. No navio dois remadores: Pangloss e o cunhado que ele mesmo assassinara. Comprou a liberdade dos dois. Seguiram para libertar Cunegundes. Encontrou-a com a velha e, como uma velha, resgatou-as. Jurando casar-se assim mesmo, o barão negou-lhe o pedido. Pangloss persuadiu ao barão por não ter nenhum direito sobre a irmã, opondo-se ao casamento. Martinho opinou para jogarem o barão ao mar. Cacambo que devolvessem-no ao comandante turco. A velha aprovou. Tiveram o prazer de lograr um jesuíta e de punir o orgulho de um barão alemão. Cândido então casado com o seu amor, agora feia, o filósofo Pangloss, o filósofo Martinho, o prudente Cacambo, e a velha, rico. Fora roubado pelos judeus e só sobrou a granja. A mulher rabugenta, a velha enferma, Cacambo maldizia a vida, Pangloss desesperado por não lecionar numa universidade alemã, Martinho persuadindo que sempre se está mal: "Ter o homem nascido para viver nas convulsões da inquietude, ou na letargia do aborrecimento" (op. cit. :180). Isso levou-os a filosofar mais do que nunca. Recorreram a um dervixe que era o melhor filósofo da Turquia.  Questionaram a ele sobre o homem, o mal, a alma. Ele bateu-lhe a cara na porta: é melhor calar, arrematando: "(...)o trabalho afasta de nos tres grandes males: o tédio, o vício e a necessidade" (op.cit. :183). A fazendola, antes pobre, mas pela força do trabalho de todos rendeu muito, tornando-se Cunegundes, excelente pasteleira; Paquette, bordava; a velha, cuidava da roupa; Giroflée, marcineiro, enquanto os outros filosofavam.
O homem para Voltaire, pseudônimo adotado por François Marie Arouet (1694-1778), é uma constante inquirição, sob a ótica do seu sarcasmo e perspicácia, encontrando, inicialmente no livro "Cândido ou o otimismo", sua primeira observação atinente ao tema: "é preciso admitir que os homens corromperam até certo ponto a natureza, porque não nasceram lobos, e lobos se fizeram"(pp.,48). E mais adiante na mesma obra, observa através do seu personagem Martinho: "Ter o homem nascido para viver nas convulsões da inquietude, ou na letargia do aborrecimento" (op. cit. :180). Trazendo uma conclusão de que, certamente, o homem não nasceu para o repouso, é trabalhar sem discussões e prazerosamente, na rotineira placidez das vidas sossegadas.
No seu livro "Cândido ou o otimismo", Voltaire coloca seus personagens frente a frente com a guerra, a doença, a calamidade, os sentimentos menores, dentro de uma discussão filosófica envolvendo Pangloss, Martinho e Cândido, condenando o exacerbado otimismo que vigorava à sua época.
Inicia seus escritos com a obra, o "Dicionario Filosófico", publicado em 1764, o primeiro livro de bolso da história. O mesmo causa uma série de transtornos resultando em algumas perseguições policiais. Num relatório policial, Voltaire é descrito "como um moço magro, lábios finos e apertados, sem barba, olhos vivos e perspicazes, jeito de sátiro, terrivelmente malicioso, encantador e muito bem tratado com perfume de essência de cravo". Difunde ele, a teoria empirista de Locke e a nova visão do mundo revelada pelo método experimental-matemático de Newton.
No seu "Dicionário Filosófico", Voltaire admite que a natureza deu ao homem a disposição para a piedade e o poder de compreender a verdade. Esses dois presentes de deus são o fundamento da sociedade civil (pp. 125). A seu ver, todo e qualquer homem, no íntimo do coração, está no seu direito de julgar-se inteiramente igual aos outros homens (pp. 218). Concebe, portanto, que: "(...) o homem só ame e só faça o mal para tirar proveito. (...) quando traço o horrível quadro, fico tentado a confessar que o homem é muito diabólico"(pp.231). No entanto, assevera que o homem não é maldoso; torna-se mau, tal como se torna doente. O mal, é porque aqueles que os comandam, havendo apanhado a doença, transmitem-na ao resto dos homens (p.244). Assim, questiona: "Dir-me-eis que esse primeiro monstro desenvolveu o germe de orgulho, de rapina, de fraudes, de crueldade, que existe em todos os homens, confesso que, em geral, a maior parte dos nossos irmãos pode adquirir estas qualidades; mas pode dizer-se que toda a gente contem a febre pútrida, a pedra e cálculo, só porque toda a gente está exposta a contraí-la" (pp.245). Assim, assevera ele, existe infinitamente menos maldade sobre a terra do que se diz e se supõe. Existe ainda demais, sem dúvida: assistindo a desgraças e a crimes horríveis; mas o prazer de nos lamentarmos e de exagerarmos é tão grande que, à menor arranhadela, clamamos que a terra se afoga em sangue. E adianta: "Fostes enganados, logo todos os homens são perjuros. Um espírito melancólico que sofreu uma injustiça vê o universo coberto de danados, tal como um jovem voluptuoso que ceia com a sua dama, depois da ópera, não imagina que existam desafortunados" (pp. 245).
A sua principal discussão trata que a moral não reside na superstição, não reside nos cerimoniais, nada tem de comum com os dogmas. Nunca será demais repetir que todos os dogmas são diferentes e que a moral é a mesma em todos os homens que usam a razão. Assim, a moral vem de deus, como a luz. As nossas superstições são apenas trevas (pp. 253). Quanto à política do homem, ele avalia que consiste inicialmente em tentar igualar-se aos animais, a quem a natureza deu alimentação, vestuário e habitação (pp. 266). E que nenhum homem sozinho pode garantir-se contra o mal e promover seu próprio bem., precisa de auxílio. Concluindo que: "A sociedade é, pois, tão antiga quanto o mundo, podendo ser muito numerosa ou muito rara.  (...) os homens são como os castores e as abelhas, ou como o bicho-da-seda: não têm um instinto capaz de provê-los do que precisam. Para cada cem machos, dificilmente encontra-se um dotado de gênio (pp. 267). E compara: "Um homem ferido por vinte tiros de espingarda numa batalha não se encoleriza. Mas um doutor ferido pela recusa de um sufrágio torna-se furioso e implacável. (...) Ignoro o que tenha sucedido na sucessão dos tempos; mas, na natureza, impõe-se-nos convir que, nascendo os homens todos iguais, a violência e a habilidade fizeram os primeiros senhores (monarcas) ; as leis fizeram os seguintes (déspotas) (pp.283).
Quanto à tolerância, ele trata como sendo o apanágio da humanidade: "Somos todos cheios de fraquezas e de erros; peroremo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza (...) A virtude entre os homens é um comércio de benefícios; o que não participa deste comércio, não ser contado entre os virtuosos" (pp. 294).
Publica, em seguida "Castas Filosóficas", condenada à fogueira por desrespeito às autoridades e por serem contrárias à religião e aos bons costumes. Escreve para teatro enquanto estuda física, metafísica e história. Detestava Leibniz. Proibido de entrar em Paris, rompe com Rousseau. Combatia as injustiças e defendia as idéias liberais no "Tratado sobre a Tolerância" (1763) e depois o "Dicionário Filosófico"  para esmagar a infame igreja católica. Cândido em 1759, tem o mesmo alvo como outras obras, bastante recheadas de críticas e lutas pelos ideais da razão e da liberdade foi a glória pública.
Chega-se, portanto, a entender que Voltaire não foi propriamente um filósofo, detestava toda especulação abstrata mas que desempenhou um importante papel dentro da história das idéias. Anteriormente havia aderido à dúvida metódica cartesiana, ao ceticismo de Montaigne, ao epicurismo dos seguidores de Gassendi e ao espírito crítico de Pierre Bayle. As suas "Cartas Inglesas", expressam nitidamente esta influência, além de Newton, Locke e Pascal. Neste livro, pontua comentários acerca dos quackers, dos presbiterianos, dos socinianos e de religião, além do parlamento, do governo, sobre a inoculação da varíola, sobre Bacon, sobre pascal, sobre as academias, dentre outros tópicos. Deixa claro nesta obra, que possuía uma crença na existência de um ser supremamente inteligente e criador do universo. Para ele, os pensamentos de Pascal foram escritos com o intuito de mostrar o homem sob uma luz odiosa, pintando-o como um ser malvado e infeliz, para sempre condenado em virtude do pecado original. Ele defende, então, tomando partido da humanidade em que ousa assegurar que o homem não é tão malvado nem tão infeliz e combate as doutrinas defendidas por Pascal: o pecado original, graça, predestinação, providência divina. Sua obra, assim, torna acessível o empirismo, o ceticismo, o deísmo, a religião e o humanismo ético. Para ele, todo conhecimento provém da experiência, influenciado por Locke. No ceticismo, defende a impossibilidade de conhecimento em maneira de metafísica.
No seu "Tratado de Metafísica", não acredita ser possível chegar ao desvendamento dos segredos últimos do universo. Destinando alguns capítulos em sua análise sobre o homem, coloca-se fora de sua esfera, fora de compromissos, despojado de todos os preconceitos de educação, de pátria e, sobretudo, dos preconceitos de filósofo, e assim, assimila o homem nascido com a faculdade de pensar e de sentir . A sua primeira definição é: "o homem é um animal preto que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas patas, é quase tão destro quanto um símio, e menos forte do que outros animais de seu tamanho, provido de um pouco mais de idéias do que eles e dotado de maior facilidade de expressão. Ademais, está submetido igualmente às mesmas necessidades que outros, nascendo, vivendo e morrendo exatamente como eles". Depois faz distinção de espécie: a negra com lã e a amarela com crina. Esta última, são de um belo tom amarelo, não possuem lã, mas têm cabeça coberta de grandes crinas negras, Ter sobre as coisas idéias totalmente contrárias às do negro. Depois encontra o branco europeu, não possuem lã ou crina, mas cabelos louros bem soltos e barba no queixo, mastrando-se muito americanos que não possuem barba (op. cit: 62). Mais adiante encontra um homem vestido de uma longa batina negra, dizendo-se feito para instruir os outros e que dizem nasceram do mesmo pai. Que os negros produzem negros e que os homens são como as árvores: assim com as pereiras, os ciprestes, os carvalhos e os abricoteiros não vêm de uma mesma árvore, assim também os brancos barbados, os negros de lã, os amarelos com crina e os homens imberbes não vêm do mesmo homem. Todas essas diferentes raças de homens produzem juntas indivíduos capazes de se perpetuar, o que não pode ser dito a respeito das árvores de diferentes espécies (op. cit.: 63).
Mediante essas reflexões, sentencia: "A liberdade é unicamente o poder de agir" (pp. 75). E: "Querer agir é precisamente o mesmo que ser livre (...) A liberdade é a saúde da alma e em poucas pessoas é completa e inalterável" (pp.77). A seu ver, a vontade é determinada pelo entendimento; portanto, a vontade é determinada por uma necessidade absoluta, consequentemente o homem não é livre. (pp. 77). O entendimento e a vontade não existem realmente como seres diferentes, e é impertinente dizer que um age sobre o outro (pp.77). E conclui: "o grande desígnio do autor da natureza parece ser o de conservar cada indivíduo um certo tempo e perpetuar sua espécie" (pp. 78). Ou seja, em Voltaire o homem certamente, não é levado por seu instinto a formar uma sociedade policiada tal como as formigas e as abelhas, mas, considerando suas carências, suas paixões e sua razão, vê-se bem que não pode permanecer muito tempo num estado completamente selvagem. O homem, prosseguindo suas observações, não é como os outros animais, que têm apenas o instinto do amor-próprio e do acasalamento: não somente possui esse amor-próprio necessário à sua conservação, como também uma benevolência natural por sua espécie, o que não se nota nos animais (pp. 78). Assim, interpreta que o orgulho, sobretudo, é o principal instrumento para a construção do belo edifício da sociedade. Tão logo a necessidade agrupou alguns homens, os mais hábeis perceberam que todos haviam nascido com um orgulho indomável e também com uma tendência invencível par ao bem-estar.
Mais agudamente observa que desde cedo os homens se distinguiram em duas classes: a primeira, dos homens divinos que sacrificam seu amor-próprio pelo bem público; a segunda, dos miseráveis que só amam a si mesmos (pp.79). A máquina da sociedade também não teria ido longe sem o apoio da inveja, paixão muito natural, que os homens disfarçam sempre sob o nome de emulação: "A inveja obrigou a preguiça a despertar e afiou o gênio de todo aquele que viu seu vizinho poderoso e feliz. (...) as paixões são as engrenagens que fazem andar todas as máquinas" (pp.79). Nesse sentido, Voltaire explicita que o amor-próprio e todos os seus ramos são tão necessários ao homem como o sangue que corre em suas veias, e os que lhe querem arrancar as paixões por serem perigosas, assemelham-se àquele que desejasse arrancar todo sangue de um homem porque poderia ficar apoplético. Então, discernindo em suas investigações, Voltaire assimila que para que uma sociedade subsista, é preciso que haja leis, como é preciso haver regras para cada jogo. A maioria dessas leis parecem arbitrárias, dependem dos interesses, das paixões, das opiniões dos que as inventaram e da natureza do clima onde os homens se reuniram em sociedade, chegando a concluir que o virtuoso, o que é conforme às leis estabelecidas; e criminoso o que lhes é contrário, distinguindo que a virtude e o vício, o bem e o mal moral, são, portanto, em todos os países aquilo que é útil ou daninho à sociedade. E nessa observação, crer que todo homem razoável concluirá que obviamente é do seu interesse ser honesto. O conhecimento que terá do coração humano irá persuadi-lo de que, embora não exista nem virtude em si nem vício em si, nada o impedirá de ser bom cidadão e de cumprir todos os deveres da vida.
Por outro lado, a metafísica para ele é feita de duas coisas: aquilo que todas as pessoas de bom senso sabem; e aquilo que jamais saberão. Um ceticismo metafísico. Assim, como um filósofo teísta, valida as três provas da existência de Deus de Santo Tomás de Aquino: primeira causa, motor imóvel e inteligência suprema.  Para ele, o criador de todas as coisas fez o mundo e abandonou-o à própria mercê. Combate o otimismo metafísico, segundo o qual o homem vive no melhor dos mundos possíveis e dentro do qual exclui-se a existência do mal. Ao contrário, o mal estaria sempre presente, mas seria possível superá-lo através das luzes da razão e através do trabalho.  Isso uma realidade social, possuindo uma ética social. A idéia de justiça foi sempre a base de seus princípios éticos e a paixão principal de sua vida, odiando a intolerância, a superstição e o fanatismo, a ponto de exclamar que os verdadeiros benfeitores da humanidade não são os generais mas os filósofos, cientistas e poetas.
No "Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações", mostra como o cristianismo teria herdado dos hebreus a superstição, o fanatismo e a hipocrisia e teria causado mais guerras e feito jorrar mais sangue do que qualquer outra religião.
Finalmente, em seu livro "O filósofo ignorante", analisa o homem como um animal fraco; que ao nascer, não tem força, nem conhecimento, nem instinto; não pode sequer arrastar-se até o seio da mãe, como fazem todos os quadrúpedes; só adquire algumas idéias como adquire um pouco de força, quando os órgão começa a desenvolver-se. Acha belo que um animal tão débil como o homem se tenha elevado ao conhecimento do senhor da natureza; mas isso servirá tão pouco quanto a ciência da álgebra, se não retirar daí regras para a conduta de sua vida. E arremata: "Quanto mais vi homens diferentes pelo clima, pelos costumes, pela linguagem, pelas leis, pelo culto e pela medida de sua inteligência, tanto mais observei que todos possuem o mesmo fundo moral: todos têm uma noção grosseira do justo e do injusto. (...) Vi que por causa de tolices ininteligíveis os homens haviam lançado imprecações uns contra os outros, haviam-se detestado, perseguido, degolado, enforcado, espancado e queimado. Concluí, então, que, se tivesse havido um sábio nesses tempos abomináveis, teria sido obrigado a viver e a morrer no deserto" (pp. 328). Veja mais aquiaqui e aqui.

BIBLIOGRAFIA
VOLTAIRE. Cândido ou o otismismo. São Paulo: Edições de ouro, 1977.
__________. Cartas Inglesas, Tratado de metafísica, Dicionário filosófico, O filosófo ignorante. São Paulo: Abril Cultural, 1978

 Voltaire.


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