quarta-feira, fevereiro 10, 2016

BRECHT, WILKERSON, RANCIÈRE, ANA MARIA GONÇALVES, FERBER, PALMARES & O AMOR ACABA

 

PALMARES

Ao som da música Guardanapos de papel (Paper Napkins), de Leo Masilah-Carlos Sandroni, na interpretação de Mílton Nascimento.

 

Luiz Alberto Machado.

 

A cidade era a rosa viva no meu coração errante.

Brotava em minhas mãos como o rio que sempre fui.

À flor d’água tardias emoções choviam,

Lavava a alma no frio das ausências.

Sorria a me perder pelas ruas, mortes e vidas:

Era ela altaneira no exílio do entardecer.

Ali me rendia ao regaço sob o céu estrelado:

Até que a insônia revelasse a minha hora incerta

Meus olhos pelo silêncio de bússolas e latitudes.

Amanhecia e passava, voltava de novo e sempre.

Na celebração ensolarada tudo era possível:

Aos quatro ventos o meu poema de amor à mulher amada.

 

© Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Talvez muito de tudo é tão ruim quanto muito pouco... Uma mente fechada é uma mente moribunda... A vida não pode derrotar um escritor que está apaixonado por escrever, pois a própria vida é amante de um escritor até a morte... Viver o passado é um negócio maçante e solitário; olhar para trás tensiona os músculos do pescoço, fazendo com que você esbarre em pessoas que não sigam seu caminho... Pensamento da escritora estadunidense Edna Ferber (1885-1968). Veja mais aqui & aqui.

 

UM DEFEITO DE COR - [...] Acho que para você, ser branco não era ter a pele clara, mas ter a alma má. [...] quem tem amigos tem todo o resto que merece ter, o que pude comprovar em muitas ocasiões. [...] Eu sabia que tinha a pele escura e o cabelo duro e escuro, mas me imaginava parecida com a sinhazinha. Quando abri os olhos, não percebi de imediato que eram a minha imagem e a da Esméria paradas na nossa frente. Eu já tinha me visto nas águas de rios e de lagos, mas nunca com tanta nitidez. [...] apesar de não ter culpa por ser africana e preta, eu seria constantemente punida por isso [...] Naquele momento, e durante toda a vida, tive que lidar com duas sensações bastante ruins, a de não pertencer a lugar algum e o medo de me unir a alguém que depois partiria por um motivo qualquer [...]. Trechos extraídos da obra Um Defeito de Cor (Record, 2006) da escritora Ana Maria Gonçalves, autora da obra Ao lado e à margem do que sentes por mim (2002) e que se expressa: Eu não quero me confundir com essa sociedade. Eu quero ajudar a criar um novo modelo de sociedade, que parta da fissura, do quebrado. É interessante notar que, na arte japonesa, a fissura valoriza o objeto que se quebrou. Depois de ser restaurado com pó de ouro, o objeto é mais valioso. Nossas vozes e nossas ideias são pó de ouro.

 

O CALOR DE OUTROS SÓIS - [...] Eles fizeram o que os seres humanos em busca de liberdade, ao longo da história, frequentemente fizeram: partiram. [...] Ocorreu-me que não importava onde eu vivesse, a geografia não poderia me salvar. [...] Nosso problema negro, portanto, não é obra deles. Nenhum grupo em nossa população é menos responsável por sua existência. Mas cada grupo é responsável por sua continuidade... Ambas as raças precisam entender que seus direitos e deveres são mútuos e iguais, e seus interesses no bem comum são idênticos... Não há ajuda ou cura em avaliar responsabilidades passadas ou em atribuir elogios ou culpas no presente. O passado só tem valor na medida em que auxilia na compreensão do presente; e a compreensão dos fatos do problema — uma compreensão magnânima por ambas as raças — é o primeiro passo para sua solução. [...] Assim, a Grande Migração tinha mais em comum com os vastos movimentos de refugiados da fome, da guerra e do genocídio em outras partes do mundo, onde povos oprimidos, fugindo de Darfur no século XXI ou da Irlanda no século XIX, percorrem grandes distâncias, atravessam rios, desertos e oceanos, ou viajam o mais longe que podem para alcançar a segurança, com a esperança de que a vida seja melhor onde quer que cheguem. [...] Como é possível que as pessoas lutassem até à morte por algo que, no fundo, era tão comum? [...]. Trechos extraídos da obra The Warmth of Other Suns: The Epic Story of America's Great Migration (Vintage, 2011), da premiada jornalista estadunidense Isabel Wilkerson.

 

O AMOR ACABA - O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta da nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acabaExtraído do livro O amor acaba (Companhia das Letras, 2013), do escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

A PARTILHA DO SENSÍVEL - [...] partilha do sensível” enquanto cerne da política, e portanto a uma certa estética da política.[...] é no terreno estético que prossegue uma batalha ontem centrada nas promessas da emancipação e nas ilusões e desilusões da história [...] A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce. Assim, ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para o comum. Define o fato de ser ou não visível num espaço comum, dotado de uma palavra comum etc. [...] Insistindo na analogia, pode-se entendê-la num sentido kantiano – eventualmente revisitado por Foucault – como o sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir. [...] É um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência. A política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis do tempo. [...] práticas estéticas, no sentido em que entendemos, isto é, como formas de visibilidade das práticas da arte [...] As práticas artísticas são “maneiras de fazer” que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com maneiras de ser e formas de visibilidade. [...] A questão da ficção é, antes de tudo, uma questão de distribuição dos lugares. Do ponto de vista platônico, a cena do teatro, que é simultaneamente espaço de uma atividade pública e lugar de exibição dos “fantasmas”, emabaralha a partilha das identidades, atividades e espaços. O mesmo ocorre com a escrita: circulando por toda parte, sem saber a quem deve ou não falar, a escrita destrói todo fundamento legítimo da circulação da palavra, da relação entre os efeitos da palavra e as posições dos corpos no espaço comum. [...] Ora, tais formas revelam-se de saída comprometidas com um certo regime da política, um regime de indeterminação das identidades, de deslegitimação das posições de palavra, de desregulação das partilhas do espaço e do tempo. Esse regime estético da política é propriamente a democracia, o regime das assembleias de artesãos, das leis escritas intangíveis e da instituição teatral. Ao teatro e à escrita, Platão opõe uma terceira forma, uma boa forma de arte, a forma coreográfica da comunidade que dança e canta sua própria unidade. [...] Por um lado, o modo estético do pensamento é bem mais do que um pensamento da arte. É uma ideia do pensamento, ligada a uma ideia da partilha do sensível. Por outro lado, também é preciso pensar o modo como a arte dos artistas foi definida a partir de uma dupla promoção do trabalho: a promoção econômica do trabalho como nome da atividade humana fundamental, mas também as lutas proletárias para fazer sair o trabalho da sua noite – de sua exclusão da visibilidade e da palavra comuns. É preciso sair do esquema preguiçoso e absurdo que opõe o ulto estético da arte pela arte à potência ascendente do trabalho operário. É como trabalho que a arte pode adquirir o caráter de atividade exclusiva. [...]. Trechos extraídos da obra A partilha do sensível: estética e política (34, 2005), do filósofo francês Jacques Rancière. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 


Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

BERTOLT BRECHT – Um dos autores que sempre apreciei e que realizei releituras foi o dramaturgo, encenador e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956). De sua biografia sabe-se que antes de ser um expoente da arte dramática e poética do século XX, estudou medicina e trabalhou como ordenança em hospitais durante a Primeira Guerra Mundial, exilado em vários países, impedido de entrar na sua pátria, forçado a mudar de nacionalidade, vítima e testemunha de duas grandes guerras. Por isso, além do teatro, dedicou-se aos estudos sobre sociologia e marxismo, defendendo que a forma épica é a única capaz de apresentar as determinantes sociais das relações inter-humanas. Iniciou-se no teatro moderno em Berlin onde encenou suas primeiras peças, tornando-se sua obra um retrato do tempo e da posição engajada do autor. Foi premiado com o Prêmio Lênin da Paz, em 1954. Várias de suas peças tornaram-se clássicos do teatro planetário. Entre as suas obras li e reli Estudos sobre Teatro (Nova Fronteira, 1978), Poemas (Presença, 1976) e as coleções Teatro Completo (Paz e Terra, 1986) e Teatro (Civilização Brasileira,1978).

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