PALMARES
Ao som da música Guardanapos de papel (Paper Napkins), de Leo Masilah-Carlos Sandroni, na interpretação de Mílton Nascimento.
Luiz Alberto Machado.
A cidade era a rosa viva no meu
coração errante.
Brotava em minhas mãos como o rio
que sempre fui.
À flor d’água tardias emoções
choviam,
Lavava a alma no frio das ausências.
Sorria a me perder pelas ruas,
mortes e vidas:
Era ela altaneira no exílio do entardecer.
Ali me rendia ao regaço sob o céu
estrelado:
Até que a insônia revelasse a minha
hora incerta
Meus olhos pelo silêncio de bússolas
e latitudes.
Amanhecia e passava, voltava de novo
e sempre.
Na celebração ensolarada tudo era
possível:
Aos quatro ventos o meu poema de
amor à mulher amada.
© Luiz Alberto
Machado. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS - Talvez
muito de tudo é tão ruim quanto muito pouco... Uma mente fechada é uma mente
moribunda... A vida não pode derrotar um escritor que está apaixonado por
escrever, pois a própria vida é amante de um escritor até a morte... Viver o
passado é um negócio maçante e solitário; olhar para trás tensiona os músculos
do pescoço, fazendo com que você esbarre em pessoas que não sigam seu caminho...
Pensamento da escritora estadunidense Edna Ferber (1885-1968). Veja mais
aqui & aqui.
UM DEFEITO DE COR - [...] Acho
que para você, ser branco não era ter a pele clara, mas ter a alma má. [...]
quem tem amigos tem todo o resto que merece ter, o que pude comprovar em
muitas ocasiões. [...] Eu sabia que tinha a pele escura e o cabelo duro
e escuro, mas me imaginava parecida com a sinhazinha. Quando abri os olhos, não
percebi de imediato que eram a minha imagem e a da Esméria paradas na nossa
frente. Eu já tinha me visto nas águas de rios e de lagos, mas nunca com tanta
nitidez. [...] apesar de não ter culpa por ser africana e preta, eu
seria constantemente punida por isso [...] Naquele momento, e durante
toda a vida, tive que lidar com duas sensações bastante ruins, a de não
pertencer a lugar algum e o medo de me unir a alguém que depois partiria por um
motivo qualquer [...]. Trechos extraídos da obra Um Defeito de Cor (Record,
2006) da escritora Ana Maria Gonçalves, autora da obra Ao lado e à
margem do que sentes por mim (2002) e que se expressa: Eu não quero me
confundir com essa sociedade. Eu quero ajudar a criar um novo modelo de
sociedade, que parta da fissura, do quebrado. É interessante notar que, na arte
japonesa, a fissura valoriza o objeto que se quebrou. Depois de ser restaurado
com pó de ouro, o objeto é mais valioso. Nossas vozes e nossas ideias são pó de
ouro.
O CALOR DE OUTROS SÓIS - [...] Eles fizeram o que
os seres humanos em busca de liberdade, ao longo da história, frequentemente
fizeram: partiram. [...] Ocorreu-me que não importava onde eu vivesse, a
geografia não poderia me salvar. [...] Nosso problema negro, portanto,
não é obra deles. Nenhum grupo em nossa população é menos responsável por sua
existência. Mas cada grupo é responsável por sua continuidade... Ambas as raças
precisam entender que seus direitos e deveres são mútuos e iguais, e seus
interesses no bem comum são idênticos... Não há ajuda ou cura em avaliar
responsabilidades passadas ou em atribuir elogios ou culpas no presente. O
passado só tem valor na medida em que auxilia na compreensão do presente; e a
compreensão dos fatos do problema — uma compreensão magnânima por ambas as
raças — é o primeiro passo para sua solução. [...] Assim, a Grande
Migração tinha mais em comum com os vastos movimentos de refugiados da fome, da
guerra e do genocídio em outras partes do mundo, onde povos oprimidos, fugindo
de Darfur no século XXI ou da Irlanda no século XIX, percorrem grandes distâncias,
atravessam rios, desertos e oceanos, ou viajam o mais longe que podem para
alcançar a segurança, com a esperança de que a vida seja melhor onde quer que
cheguem. [...] Como é possível que as pessoas lutassem até à morte por
algo que, no fundo, era tão comum? [...]. Trechos extraídos da obra The Warmth
of Other Suns: The Epic Story of America's Great Migration
(Vintage, 2011), da premiada jornalista estadunidense Isabel Wilkerson.
O AMOR ACABA - O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta da nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. Extraído do livro O amor acaba (Companhia das Letras, 2013), do escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
A PARTILHA DO SENSÍVEL - [...] partilha
do sensível” enquanto cerne da política, e portanto a uma certa estética da
política.[...] é no terreno estético que prossegue uma batalha ontem
centrada nas promessas da emancipação e nas ilusões e desilusões da história [...]
A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função
daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce. Assim,
ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para o
comum. Define o fato de ser ou não visível num espaço comum, dotado de uma
palavra comum etc. [...] Insistindo na analogia, pode-se entendê-la num
sentido kantiano – eventualmente revisitado por Foucault – como o sistema das
formas a priori determinando o que se dá a sentir. [...] É um recorte
dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que
define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de
experiência. A política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o
que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das
propriedades do espaço e dos possíveis do tempo. [...] práticas
estéticas, no sentido em que entendemos, isto é, como formas de visibilidade
das práticas da arte [...] As práticas artísticas são “maneiras de
fazer” que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas
relações com maneiras de ser e formas de visibilidade. [...] A questão
da ficção é, antes de tudo, uma questão de distribuição dos lugares. Do ponto
de vista platônico, a cena do teatro, que é simultaneamente espaço de uma
atividade pública e lugar de exibição dos “fantasmas”, emabaralha a partilha
das identidades, atividades e espaços. O mesmo ocorre com a escrita: circulando
por toda parte, sem saber a quem deve ou não falar, a escrita destrói todo
fundamento legítimo da circulação da palavra, da relação entre os efeitos da
palavra e as posições dos corpos no espaço comum. [...] Ora, tais formas
revelam-se de saída comprometidas com um certo regime da política, um regime de
indeterminação das identidades, de deslegitimação das posições de palavra, de
desregulação das partilhas do espaço e do tempo. Esse regime estético da política
é propriamente a democracia, o regime das assembleias de artesãos, das leis
escritas intangíveis e da instituição teatral. Ao teatro e à escrita, Platão
opõe uma terceira forma, uma boa forma de arte, a forma coreográfica da
comunidade que dança e canta sua própria unidade. [...] Por um lado, o
modo estético do pensamento é bem mais do que um pensamento da arte. É uma
ideia do pensamento, ligada a uma ideia da partilha do sensível. Por outro
lado, também é preciso pensar o modo como a arte dos artistas foi definida a
partir de uma dupla promoção do trabalho: a promoção econômica do trabalho como
nome da atividade humana fundamental, mas também as lutas proletárias para
fazer sair o trabalho da sua noite – de sua exclusão da visibilidade e da
palavra comuns. É preciso sair do esquema preguiçoso e absurdo que opõe o ulto
estético da arte pela arte à potência ascendente do trabalho operário. É como
trabalho que a arte pode adquirir o caráter de atividade exclusiva. [...].
Trechos extraídos da obra A partilha do sensível: estética e política (34,
2005), do filósofo francês Jacques Rancière. Veja mais aqui, aqui, aqui,
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UNICAMENTE POR CAUSA DA DESORDEM CRESCENTE
QUE ESPERAM AINDA DE MIM?
PENSAMENTO
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CRÔNICA DE AMOR
POR ELA:
A vida é bela e dela dá pra mim...
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