quarta-feira, fevereiro 24, 2016

SOLFEJO DE UMA ÁRIA AMANHECIDA



SOLFEJO DE UMA ÁRIA AMANHECIDA (Imagem: Invocation, do pintor e escultor alemão Max Klinger (1857-1920) - À minha volta a sua presença era mais que o dia com todo o seu fulgor: era a celebração infindável das entregas ilimitadas. E não atinei de nada porque de tudo me fora dado pela graça vibrante de sua voz encantadora, sussurrando ao meu ouvido as canções desabrochadas para fecundação do imponderável ao meu redor. À medida que ela mais se achegava, eu sentia a palpitação de sua carne liberta como o vento no frescor da brisa apagando o silêncio e todas as palavras vãs, enquanto as horas minguavam suplicante da eternidade, para inquietação do meu ser na sua dança pelas paisagens dos sonhos que teimavam sobre a vigília na espessura da insônia. E quando anoiteceu não estremeci na escuridão, porque dela efluía mais que um farol a me guiar pelas correntes seguras da imensidão noturna. E me era dado ali todos os mapas estelares com todos os tesouros mais valorosos da galáxia, porque a tinha ali, sempre dádiva dos manjares divinais do universo. E foi pra ela que eu me fiz fiel devotado com todas as orações sacras e profanas, e para endeusá-la acima do panteão de todas as deidades. E me tornei seguidor de todos os seus gestos e expressões, porque dela emanava a resplandecência de toda verdade revelada e de todos os mistérios secretos de as todas eclosões iniciáticas e esotéricas. E foi nela que descobri a semente de todas as coisas germinando raízes poderosas para desabrochar o segredo da existência, a procedência de todos os seres, a ubiquidade de tudo e a presciência de todos os destinos. Foi nela que eu vi a minha face feliz e não era um mero espelho a refletir a minha efígie estampada: era a unificação da minha alma à sua e a toda manifestação vital e anímica da qual jamais me dera conta na minha mais irresoluta alucinação. E me vi solto de todas as amarras do tempo e do espaço, e toquei seu corpo como quem dedilha uma harpa divinal a emanar todas as ondas etéreas de cores e luzes. E beijei seus lábios como quem fosse contemplado com a sonoridade da flauta de todos os tons envolventes da música das esferas. E abracei sua alma como quem toma posse de todas as maviosas músicas de amor e paixão, para embalar nossas noites e dias e termos o prazer da vida no solfejo de uma ária amanhecida. (Luiz Alberto Machado). Veja mais aqui.


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 Imagem: Finis, do pintor e escultor alemão Max Klinger (1857-1920)
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