TRÍPTICO DQP:
Viver arte... - Ao som da
obra musical do compositor, regente, poeta e artista plástico Jorge Antunes. - Sou um grito noite afora, as
luzes distantes da cidade alheia, inaudito sonho de contar nos dedos quantos
dias eu teria a cada passo: pedras e charco. Não saberia dizer das horas e
medições, talvez lembranças ateias que se esvaíssem entre os tremores
indizíveis e sem alarde aparente. Do nada aparecesse Gianni Vattimo na minha desolação: ...significa que hoje temos laços comunitários menos fortes, enraizamentos
menos profundos na família e com a comunidade do território, não acreditamos
mais na raça... Dele tive então a ciência de que o frio ameaçava chover e quantos desapareceram nas emboscadas amazônicas
pela violência armada, pela fome endêmica, pelo tráfico de tudo, pela omissão
nos casos de coronavírus ou da varíola dos macacos e de outras sequer
inimagináveis na nossa desgraça. Procuro inutilmente pelos imprescindíveis de Brecht. Todos dormem porque não ouviram
Boris Vian: O trabalho é o ópio do povo, e eu não quero
morrer drogado. E quantos não trocam os pés pelas mãos, sem saber qual
direção. Não tenho mais que esperança de um dia ensolarado, um dia sei lá, do inexistente à criação e o existir, o que se realiza na outridade.
A vida assim é bem melhor... Acho...
Meia Noite... – Imagem: A ideia de tudo de todos
num sentido só, do escultor, pintor,
ilustrador, gravador e entalhador José
Barbosa. - Os ponteiros se encontraram, perdi o relógio e todas
as certezas, sou só desencontro: ângulos desfeitos na quase nenhuma surpresa da
esquina. A vida pelas paralelas e transversais, resta o quase silêncio dos
barulhos noturnos que se misturam e quase nem ouço Pepetela avisando: Todos
devemos ter percepção das nossas responsabilidades. Não se deve morder a mão
que nos dá a comida. É isso o amor. Manter a ternura pelo mesmo homem, embora
se deseje outros a momentos diferentes. Se é tudo tão incerto, o que seria de mim
não fosse acertar, pelo menos uma vezinha que fosse, depois de tantos erros
recorrentes. Quase não lembro nada vezes nada, fizesse o contrário seria
celeuma na alma. Daria o céu fosse diferente, haveria o que fazer não fossem as
errâncias quase insuplantáveis.
Dez para as cinco... – Imagem da artista visual argentina Ornela Spadaro. - Os raios do dia no
horizonte e minha cabeça é dela, Olympia de Manet que eu queria levar para o almoço na relva. Só de lembrá-la
meu sexo se insinua: dos seus lábios sedentos entreabertos para se aninhar em
mim recém-amanhecida, sua nudez inteira e tão descalça quanto servil no gozo da
paixão... E depois do amor ela sussurrava um verso de Laura Riding: Não ultrapasse, ou em
minha boca, meus olhos, você vai despencar. Chegue perto, encare e olhe bem
através de mim, fale enquanto você vê... E mais queria que eu usurpasse
seus limites escancarados, não precisava mentir Victorine
Meurent
nua na pose dos meus desejos, e por que não dizer a verdade das tantas vezes que se passou
pela Vênus
de Urbino do Ticiano ao meu lado por dias perdidos, para quê esconder sobre
quantas vezes não foi a Vênus adormecida de Giorgione nos braços da
minha insônia e quantas vezes não foi todas elas da Crônica de amor por ela na minha vida
mais que erradia. A memória
é pouca para tantos momentos que nela estive em claroscuros de entregas. Se
faltam cinco pras nove ou seis pras dez, tanto faz, é o que menos importa agora
depois de tantos anos ao deus dará. Ela deveria saber o quanto eu estava perdido no labirinto sem saber que
saída ou qual entrada, só sei que fui devorado porque decifrei. Agora nenhum olhar,
nem afago das mãos que me buscavam pelos lençóis de nuvens nos cenários dos
prazeres – com ela qualquer lugar era paraíso. Hoje o olhar dela e o meu destino,
o que se evita ou já é tarde demais, e se retomo parece que passou, porque não
sou mais que uma paisagem desbotada e esquecida nos quadrões do passado, nem
quisera. Ah, até mais ver.
Deformar
uma alma é tão sacrilégio quanto matar. Os professores - tanto do jardim de
infância quanto da universidade - formam um nobre exército de façanhas diárias,
nunca cantadas, nunca decoradas...
Pensamento da escritora senegalesa Mariama Bâ (1929-1981). Imagem da artista visual
francesa Claire Gaudriot. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e
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