segunda-feira, agosto 04, 2025

GLORIA FUERTES, SARAH DUNANT, SAMIRA MAKHMALBAF & JORNADAS DE PASTORIL

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Lady on a Bike (Nonesuch Records Inc, 2025), da dupla pop cinematográfico eletrônico Ringdown, formada pela copmpositora, violinista e cantora estadunidense Caroline Shaw & pela compositora, cantora e multi-instrumentista estadunidense Danni Lee Parpan, celebrando as possibilidades do amor, de fazer música de novas maneiras, de criar conexão e comunidade em um mundo separatista. Veja mais aqui.

 

Tirar proveito pra se lascar depois... – Sabe aquela do... Ah, sem enrolação: Zé Vicário era infeliz de nascença e, ao seu próprio juízo, sua vida servia só pra mangação. E isso conta de sua vesgueira – Tá olhando pra onde, hem? E tanto de apelidá-lo Trêsóim -, razão pela qual usava um ridículo tapa olho para disfarçar. E não era só, outras mais não poupava o vulgo com diversidade de alcunhas, como as suas visíveis orelhas de abano desiguais – Oxe! Uma é maior que a outra? Além de prógnato, buchudo e coxo, avalie. Era tratado como um horrendo patinho feio que sequer poderia jamais ser um cisne ou ganso, nunca! Ocrídio, mesmo. Nem adolescia direito quando os pais morreram. Primeiro a mãe que sempre achava graça nas suas trapalhadas, sempre às gaitadas, e, um dia, com uma gargalhada estrondosa depois da refeição numa festa, viu-se tão insultado de desejá-la morta ali mesmo. Pronto: ela engasgou-se numa indigestão, de defuntar entalada na hora, carregando remorso pro resto da vida. Já o pai, pouco tempo depois, sucumbira atingido por um raio globular de restar cinzas aos ventos. Hem, hem. Sozinho se virou na vida e foi arrumando o que fazer, seguia os passos paternos: foi ajudante de pedreiro, depois cobrador de ônibus, derrubador de árvores frondosas, vendedor de chicletes na entrada do cinema, afora outros afazeres ocasionais levados no bico. Assim foi amadurecendo a misturar sonhos e desejos com o seu costumeiro repasto: arroz com carne seca e feijão, chovesse ou fizesse sol. E com um café quente e forte. Quando puxavam conversa contava uma nova versão da mesma história – Como foi mesmo, hem? -, agora verdadeira! E era uma diferente da outra, desdizendo-se, a ponto de ser acometido duma asfixia toda vez que se via contra a parede: Abre o jogo, vai! Coagido, cagava-se todo e caía na pinoia. E em cada aperto arriava todo esfolado pelas febres, cólicas, coceiras, convulsões, que redundavam em complicações respiratórias: Aperta a venta desse cara prele morrer logo, vai! Salvo pelo gongo, ele se perdia ruminando e era o que mais o consumia, porque se via inutilizado, pouco pra si, a dolorosa impotência odiosa que relutava, ocasião em que preferiria jactar-se com superpoderes e rechaçar suas vulnerabilidades, vingando-se de Deus e do mundo de tanta humilhação. Foi então o dia em que sonhou com o pai revelando uma botija embaixo do abacateiro do quintal. Tô cagado da sorte! Foi ver a casa onde nascera e estava mudada, não havia mais quintal nem nada, gente estranha e mal-encarada ocupando. Perdeu a viagem e, para não voltar arrastando as malas, achou melhor dar um passeio pelo pântano atrás do arruado, revivia a infância. Foi lá que mal sentou-se na beirada do alicerce, ficou matutando: um formigueiro acunhou nos seus guardados, dele sair levantando terra aos pinotes. Foi aí que viu umas coisas estranhas saltando nas suas pisadas. Amiudou a coisa: eram argolas, braceletes, brincos, abotoaduras, trancelins, pulseiras, gargantilhas, tiaras, tudo coisa fina ali catado brotando do chão: Ou tão nascendo assim ou é da botija de pai! Foi remexendo, pegando e empurrando nos bolsos tudo que pudesse e, carregado de não ter mais onde enfiar, olhou pros lados e partiu esquivo, na pontinha dos pés. Chegou na sua casa e jogou tudo sobre a cama, escondido. Surpreendeu-se com um anel. Ah! Era o sonho se tornando real, ele, conforme seu pai, o tal Giges da Lídia, um pastor do anel mágico numa caverna e, por meio dele, tornou-se invisível e ascendeu ao poder. Chegou minha hora! Era só colocá-lo no dedo e virar o aro para dentro, pronto! U-lalá! Meteu no anelar e foi virando, nada. E agora? Aí correu pro espelho: só a roupa aparecia, mais nada. Ficou nu e nem ele mesmo se via: era agora o Homem Invisível que sonhava tornar-se Garabombo. Finalmente vou lavar a jega! E saiu vingando-se de quem podia. Como tudo era vendável e tinha sempre um preço acima do seu poder aquisitivo, deu de levar pra casa o que via e queria. Mostrou-se arrojado, imbuído dum rancor de ultrajado e saiu revidando tudo que sofrera por toda existência. Aprontou das muitas até cansar. Quando deu fé havia perdido a identidade e a própria imagem. Quem sou eu? Viu-se envolto num vazio, a titubear, no meio de uma insônia medonha e com a insatisfação além dos limites. Aí perdeu a graça: foi o que sobrou de sua alvoroçada euforia. O anel falhou, parece, e viu-se desmascarado. E o pior: sem saber ele levantara uma gigantesca lebre envolvendo-se numa roleta russa, na qual se viu acossado por uma cilada armada por metralhadoras giratórias em que cada bala, de cada uma delas, vinham inexoráveis petardos de prepotentes agronegociadores, da gang fardada, do esquadrão da morte, do narcotráfico neopentec, de quadrilha de roubo de cargas, de sicários de aluguel, de milícias e de todas facções criminosas, sapecando-lhe raivoso bafo no espinhaço. Lasquei-me! Seu furtivo passeio foi aplacado por um brutamontes que agarrou seus culhões com um berro: - Teje preso, linguarudo! Sentindo o aperto tentou escapulir, quando, por trás, um carro frio e grosso escorregou pelo rego da bunda enfiando-se no seu fiofó arregaçado: - Foge não, cabra! Lá foi ele pendurado para uma ordália formada pelos mais asquerosos algozes. Era ele agora alvo das atrocidades do terror, no centro dum holofote, no meio de um interrogatório tomado pelo fumaceiro das vozes, com inquirições sobre isso e aquilo, disso e daquilo, coisas que nem sabia ou se soubesse fazia que não: Deus me livre, sei disso não! Sabia e todos sabiam, mas ali subjugado, aos apertões e cascudos, espremido, afolozado, torturaram-no de todo jeito: deram-lhe beliscões, fizeram-lhe cócegas, sacudiram-no de cabeça pra baixo, envergaram-no, puxaram, espicharam, esticaram, arrancaram o restinho de cabelos, deram-lhe murros no espinhaço, quebraram o pau da sua venta, arrancaram-lhe os dentes e as unhas, furaram os olhos, amputaram as orelhas, abriram o buraco do umbigo, cortaram os pulsos, toraram os braços, enfiaram-lhe troços protuberantes, rasgaram-lhe o procto, caparam e findou cotó. Já imprestável, jogaram-no pela janela. Ufa! Estava por uma peínha de nada quando um siroco aziago varreu as coisas no seu desassossego. Até isso? Nessa hora vulnerou indefeso, inepto, aos calafrios, morrinhento e a vida encardida. Teve náuseas de sua desgraça e, no meio de sombras secretas, aprendia a viver com a frustração, conformado por não ter o que lhe faltava. Ainda teve tempo de tentar enfrentá-los, crédulo de vencer o impossível. Aviou-se e era segunda feira, às últimas horas do primeiro dia da semana – Ou segundo? Sei lá, pensou. Alta hora da noite ele se debatia em defesa de si e, quase refestelado, foi acometido por um soluço inarredável, transido de frio, agonizava de véspera sem morrer, ansiando pelo extraordinário. A noite havia desabado, mas sonâmbulo eidético estava livre de tudo. Aí arrastou-se até a esquina do quarteirão e olvidou o clique de um gatilho disparado com silenciador na nuca, a reduzi-lo a um grito ensurdecedor na calmaria da noite que ninguém ouviu – quem ouviu fez que não viu, é a vida. Assim foi, até mais ver.

 


Meg Cabot: Guarde suas rejeições para que, mais tarde, quando você é famoso, possa mostrá-las às pessoas e rir... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Rosa Montero: Desconfia daqueles que têm mais respostas do que perguntas. Daqueles que te oferecem a salvação como quem oferece uma maçã. Nosso destino é um mistério, e talvez o sentido da vida não seja mais do que a busca desse sentido... Quero dizer que nunca ninguém ganhou uma luta defendendo-se. Para vencer, é preciso atacar... A vida é uma doença terrível que eventualmente mata todos nós... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Hitomi Kanehara: Quando um peixe fica sem comida, ele tem uma de duas opções: escapar ou morrer... Veja mais aqui.

 

EU ESCREVO POESIA, SENHORES!

Imagem: Acervo ArtLAM.

Eu escrevo poesia, senhores, eu escrevo poesia, \ mas, por favor, não me chamem de poetisa; \ eu bebo meu vinho como os pedreiros fazem \ e tenho uma assistente que fala sozinha. \ Este mundo é um lugar estranho; \ coisas acontecem, senhores, que eu não revelo; \ eles constroem casas, por exemplo, mas nunca constroem casas \ para os pobres que não podem pagar por elas. \ E solteironas estão sempre brigando com seus cachorros, \ homens casados com suas amantes, \ mas ninguém diz nada aos tiranos brutais. \ E nós lemos sobre as mortes e viramos as páginas, \ e as pessoas nos odeiam e nós dizemos: é a vida, \ e eles pisam em nossos pescoços e nós não nos levantamos. \ Tudo isso acontece, senhores, e devo dizê-lo.

Poema da escritora espanhola Gloria Fuertes García (1917–1998), defendendo em sua obra a igualdade entre homens e mulheres, o pacifismo e a luta pelo meio ambiente: Tenho medo de acreditar que o amor é apenas um poema que inventei... Embora eu seja treinada e sempre ressuscite, decidi nunca mais morrer... Devemos nos esforçar para curar as sementes, enfaixar os corações e escrever o poema que irá infectar a todos nós...

 

EM NOME DA FAMÍLIA - [...] Nascimento, união, morte. Quanto mais ela pensa nisso, mais lhe parece que é só isso: uma roda girando sem parar, movendo-se tão rápido que às vezes nem se consegue distinguir os raios. É um milagre que ainda haja espaço para a poesia. [...] À medida que os últimos sinos se extinguem, uma série de gritos masculinos contorcidos surge de algum lugar próximo; uma cópula tardia entre os lençóis ou algumas facadas matinais na barriga? Ele sorri. Esses são os sons de sua amada cidade [...] É a doença da juventude confundir velocidade com estratégia. Cascalho misturado com mel: o tom perfeito para proferir mentiras e ultimatos. A pobreza não traz dignidade aos homens. Pelo contrário, incentiva a inveja e o crime. O rosto de um diplomata deve ser tão ilegível quanto sua mente. Reinos caem pelo luxo. Cidades ascendem pela virtude. Nenhum diplomata que se preze deve dizer tudo o que pensa. Apesar de toda a pompa e exagero sobre as maravilhas de Roma, foi Valência que fez de Rodrigo Bórgia o que ele é: um clérigo apaixonado por mulheres, riqueza, flor de laranjeira e o sabor das sardinhas. Sonhos são o que os homens usam para se confortar quando não conseguem o que querem. Suponho que os grandes homens da história viveram sem dormir. [...] Às vezes é útil temer demais alguma coisa, pois isso torna a coisa real bastante suportável. [...], Trechos extraídos da obra In the Name of the Family (Random House, 2018), da escritora, jornalista, radialista e crítica britânica Sarah Dunant, autora de obras como Blood & Beauty (2013), Sacred Hearts (2008), In the Company of the Courtesan (2006) e Mapping The Edge (1999), expressando-se que: Mas qualquer um que tenha sido tão jovem sabe que a grande tristeza do amor é que seu corpo sente mais quando ele sabe menos. Veja mais aqui.

 

VIOLÊNCIA DO TERRORISMO - [...] O termo terrorista é um clichê. Eu o chamo de violência. Não há diferença entre as várias formas de violência. Seja em nome da religião, de um partido político ou por amor, a violência é a mesma. Quando damos nomes diferentes para a violência, estamos legitimando sua existência. Eu associo grupos como o Talibã à ignorância, à violência e ao fechamento de portas para os outros. […] Considero-me mais um ser humano do que uma mulher. Devo isso ao meu pai. Ser religioso é algo pessoal. Não precisa ser no âmbito da política ou do poder. Critico o islamismo porque nasci nele; pude observá-lo mais de perto. [...] Na corrida rumo à modernidade, o mundo frequentemente ignora os valores da civilização. A televisão está nos ensinando a pensar de maneira muito clichê. A TV está tentando fazer do mundo uma única imagem/voz. Está tentando fazer de toda a humanidade uma única pessoa, perdendo assim o caráter de ser humano. [...]. Trechos da entrevista Por que eu crítico o Islã? A TV está tentando fazer do mundo uma única imagem (NewAgeIslam, 2009), concedida pela cineasta e roteirista iraniana Samira Makhmalbaf.

 

JORNADAS DE PASTORIL

[...] As políticas públicas, apesar dos avanços na sistematização de instrumentos adequados à promoção e proteção das manifestações artísticas populares, necessitam de aprofundamento nos níveis de acessibilidade, igualdade de possibilidades e processos formativos eficientes e suficientes, para atender aos objetivos de uma sociedade mais respeitosa, capaz de reconhecer-se na sua amplitude cultural. Um aspecto relevante para o fortalecimento das culturas brasileiras e a construção da cidadania, é a integração educação-cultura, a priori, indissociáveis. [...].

Trechos extraídos da obra Jornadas de pastoril (Fundaj/Massagana, 2012), da professora, pesquisadora e musicista Dinara Helena Pessoa, que desde a sua infância está ligada à cultura popular, manifestando-se que: Quando pequena, dancei mais de 50 vezes o pastoril... Deixei de ser brincante para ser uma entusiasta do folguedo.... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

&

VIVA PERNAMBUCO: PALMARES

A partir de 04 até 15 de agosto de 2025, acontecerá o projeto Viva Pernambuco: Patrimônio, Cultura e Memória, com a exposição Palmares, Terra de Cultura e de Grandeza. O evento ocorrerá das 8 às 17h, no Teatro Cinema Apolo, destacando o patrimônio histórico de casarões antigos, a estação ferroviária, além de personagens e instituições que marcaram a cultura local. O projeto é desenvolvido pelo Instituto dos Palmares, com o apoio cultural Redes dos Institutos Históricos de Pernambuco, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Ministério da Cultura e do Governo Federal, através do Instrumento nº 959776 da emenda parlamentar da senadora Teresa Leitão (PT). Veja mais aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.


 


GLORIA FUERTES, SARAH DUNANT, SAMIRA MAKHMALBAF & JORNADAS DE PASTORIL

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Lady on a Bike (Nonesuch Records Inc, 2025), da dupla pop cinematográfico eletrônico Ringdown ...