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domingo, agosto 17, 2025

ASTRID ROEMER, AMANDA MONTELL, CRISTINA RIVERA GARZA, CUMADI FULOZINHA & ARTE DA ESCOLA


 Imagem: Acervo ArtLAM.

[...] a questão-chave investigada nesta pesquisa diz respeito a desconstruções estéticas vocais - com foco na movimentação da Vanguarda Paulista - e como isso pode estar associado ao feminino. [...] buscou contribuir para uma extensa gama de pesquisas que relacionam música a questões de gênero, além de apontar a coexistência colaborativa entre diversos métodos para a análise de canção das mídias. [...].

Trechos extraídos da dissertação de mestrado sob a temática Se a obra é a soma das penas: um estudo feminista sobre as cantoras da Vanguarda Paulista (USP, 2018) e ao som do álbum Mulher Bomba (2022), da compositora, pianista, cantora, professora, preparadora vocal e ativista Luísa Toller (Luisa Nemésio Toller), em parceria com a escritora, atriz e slammer Luiza Romão.

 

Heptamerão: até que a morte os separe... - No primeiro dia era janeiro nos olhos estivais de Suzanilza, a sonhar Egipcíaca de Bandeira, como se fosse a rainha de maio da Vita de Sofrônio. Entretida com o que se tornara seu Heptameron de Navarre, mais se embalava com as leituras dos versos adorados da Soror Juana Inés, alentando-se com outras de tantas preces, quando empinava os seios para madurar nas estrelas, no afã de que de lá refletissem aos olhos do bem-amado longínquo, sabia ela não tardaria a chegar. Era o chamado do amor numa espera de séculos e por todas as suas tardes e noites suspirantes. No segundo dia do seu devaneio profundo, o espetáculo do crepúsculo outonal: lá estava ele vencendo as distâncias mais remotas para ancorar seu Pavão Mysterioso na varanda do quarto dela. Iluminada pela recepção, mais se fez bonita lua decotada, pronta pro seu senhor desejado. Ele abraçou-a com suas mãos de Proteu, dela se deixar à mercê de suas investidas por entre saia, a desabotoar seu corpo virginal castiço, com ginga pro rastapé, bate-coxa, um galope à beira-mar. Ele descobria o labirinto da intimidade dela e a cada instante reiniciava e, por azo, fruía do seu inebriante perfume arrebentando o tempo, agitando por dentro para que ela se fizesse dilúvio com seus belos adornos ao seu dispor. E mais se gabava porque o vento trazia a tormenta e tanto lhe foi dado atiçando a lareira dela, para que ela crescesse vultosa e não mais donzela, ocupando-a a instigá-la, de perder as vestes todas e ser só dele, a se queimar com o seu fogo ardente. Ela astuciosa serviu-lhe fagueira, a boca entreaberta e suas águas escorriam. Um talho recíproco em seus polegares selou definitivamente o pacto de sangue. A alvura dela imaculada o fazia claudicar extasiado diante do enlace dos nubentes. E naqueles lábios escarlates ele se lambuzou com o gosto do batom, saboreava nela tantos quantos deliciosos bem-casados. Dali talvez dias mais, ela noivava esponsal de Getulídio, um aplicado bancário de somas e contas, agora dono de seu coração e um calendário repleto de brindes e libações. No terceiro dia de quantos meses a lua de mel se prolongou com a ascensão primaveral no ramalhete diário de bem-aventurados e os dois se engalfinhavam pelos lençóis do tempo e até as horas cúmplices se estiravam pelos colchões de nuvens migratórias, impressionando-o com o Olho de Hórus no trancelim dela. Logo os filhos vieram. O primeiro a nascer foi Ínvio, um primogênito na empáfia de todas as satisfações. Um ano depois, a filha, Maria Lua, coroando o casal. E viviam para si de quase olvidar o crescimento do filho a olhos vistos, enquanto a filha engatinhava sonhos que serviam de folguedos para sua felicidade imorredoura. Definia-se a descendência, de quase não conseguirem segurar o trupé do coração. E um sobressalto repentino, a família e, o que era cor-de-rosa, agora singrava as obrigações e cuidados imprevisíveis com o espelho quase se espatifando inadvertido, trincando o vidro dos festejos. No quarto dia a invernada súbita e a dança dos erros com a morrinha, o grande não, os desacertos, quantos percalços fizeram a barra mais pesada pra eles, a poeira do deserto, puxa vida! Amargurados, sequer notaram os filhos crescidos e tomando o rumo das suas ventas. Um dia ao despertar com a braguilha pelo avesso: um brinco na orelha do filho. Como é? O alarme soava: o rapaz descobriu-se outra que não a sua, era agora Tyrésias. Com o escândalo Maria Lua minguou fazendo coro, não mais aquela porque outro era o seu teimar, João Sol – Maria Joãozinho para íntimas de sua sororidade solidária, luz própria, próprio mando e firmeza de fé. Clamores exacerbados: O que foi que eu fiz, meu Deus? Era o caos nos olhos descabelados em todas as direções: uma heresia nos seus bíblicos poréns, como se não poupasse sua condenação - Maldita androginia! O ridículo, a posteridade, a reputação, tudo revirado aos relâmpagos e trovões. Uma sentença secreta mostrando os dentes na aflição paterna. No quinto dia ensolarado, o verão era enorme como um dia de fome, lágrima alguma evaporava, não havia perdão e era o que mais punia. A notícia da tentativa de suicídio do filho liquidava de vez as forças maternas restantes e não havia como ela resistir. Na sua agonia estertorava com a ameaça de que a filha fugira de casa na madrugada. O pai se vingou: ia enxotá-los de qualquer jeito. Suzanilza estava cônscia que ia morrer, esgotada pelas demandas: era quase uma Fênix deplorada e que se fez cinzas para jamais ressuscitar - uma estrela perdida nas constelações infindas. Quando ele a viu quase uma estátua de pedra, sabia que seria nunca mais: a viuvez, os cravos de cemitérios, os choramingos, nada havia como abrandar a sua dor. O riso preso pela alegria que se fora com o teto que desabou apagando a memória, lugares e palavras. Entre as mãos escondia a face, a morte adiantava a sua parte e não moveu um dedo sequer: ela viva jamais o deixaria morrer. Agora, não mais. Era o sexto dia pluvioso, a desmemória e não podia ignorar o álbum de fotografias. Foi-se a esperança e o que ficou para trás. Naquele momento todos as memórias se esvaíram na escuridão. Tentou reabilitar-se no penúltimo degrau da escada para destruir o sinaxário, como se caçasse quem roubou o segredo de Deus e raptou para si a palavra perdida. Ali sentia e era incapaz de entender seu próprio sentimento. Muitas noites naquela longa travessia soturna com a herança apenas de cada vez contar a sua história e a sensação reiterada de nunca mais. Enfim, no sétimo era dia branco e não sabia. Passou a vida a limpo, lamentou tantas vezes terem se estranhado por coisa de pouca monta, as cenas de ciúmes, ausências punitivas, o descanso, o silêncio valetudinário, esgotava-se. E uma luz nas suas trevas: Quem é ela? Vinha calma, cândida, vestida com seu manto branco reluzente, cocar de penas brancas e, ao peito, a insígnia com um punhal branco afiado e lâmina para baixo. Quem é ela? Vinha carregando o seu bastão celeste feito de pau-brasil banhado pelos raios de Tupã, à cintura o cordão de Iara e o sorriso confortador: Sou Catxuréu: O fim será sempre o início de um novo começo... Não ouvia, nem falava. Sabia apenas que ela viera da primeira morte do mundo para levá-lo pela ponte dos que se perderam, livrando-o de Luison – o deus da morte ruim. E o acompanhou até a sua última gota de vida, era 1º de abril. Até mais ver.

 

Nazik Al-Malaika: A noite pergunta quem eu sou. Eu sou sua intimidade insone, profunda e escura. Eu sou sua voz rebelde... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Annie Proulx: Somos todos estranhos por dentro. Aprendemos a disfarçar nossas diferenças à medida que crescemos... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Martha Medeiros: Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo... O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

ESCOTOMAS - Espumante: \ Esta área cega do campo visual \ é uma série de \ flashes de luz em movimento. \ O fato de saber \ coisas \ só porque \ o fato de imaginá-los \ a mente vê \ o que quer ver \ claramente. \ A cama. \ A cicatriz.

REENCARNAR - O luto é uma questão de excesso de ordem. \ Luto é a mesma coisa que tristeza? \ Certamente ela já teria se perguntado isso antes. \ Não sei o que ele poderia ter perguntado a si mesmo. \ Se em vez de irem a uma festa \ tivessem ficado sozinhos em casa, sem dúvida teriam chorado. \ Sem dúvida: essa frase me assusta. \ É possível que o homem e a mulher tenham ficado em silêncio em cômodos diferentes da mesma casa. \ Casas grandes acomodam a solidão de seus habitantes. \ Uma frase completa é como uma sala onde uma mulher ou um homem chora sem perceber. \ O céu nunca esteve tão azul. \ A tristeza é frequentemente expressada através do choro. \ Também é comum que a tristeza seja inexprimível. \ Tristeza é a mesma coisa que pesar?

Poemas da premiada escritora, tradutora e crítica mexicana Cristina Rivera Garza, autora de Autobiografía del algodón (2020), El invencible verano de Liliana (2021) e a sua coletânea completa de poesias, Me llamo cuerpo que no está (2023).

 

BRANCO QUEBRADO - […] E o vento alísio da tarde trouxe o ar do mar. "Como está a cozinha?", ela disse: "Vai demorar um pouco para tudo ficar bem macio." Um aceno da avó e ela correu para a cozinha para colocar tudo em fogo baixo e finalmente começar a lavar roupa. A avó entrou na cozinha, como se fosse direto para o banheiro. Parou quando ouviu a máquina de lavar funcionando e olhou para ela com curiosidade. [...] Ela continuou convencida de que havia nascido na família errada, no país errado, na época errada. E, no entanto, eles conseguiam ficar lado a lado e recuperar o fôlego na foz do Rio Suriname. [...]. Trechos da obra Gebroken wit (Prometheus, 2019), da escritora e professora surinamesa-holandesa Astrid Roemer (Astrid Heligonda Roemer), no qual conta sobre três gerações de surinameses, a avó Bee, sua filha Louise e seus cinco netos, tentando encontrar seu caminho no mundo, no Suriname e na Holanda, enquanto segredos obscuros de família estão em jogo. Em uma entrevista concedida (Center For The Art Of Translation, 2023), ela expressa que: [...] é um romance que te toca profundamente. É um livro físico. Comer e preparar refeições, beber, pensar e se envolver com a sexualidade são atividades físicas. Esse é o paradigma desses romances, que formarão uma trilogia. [...] Fundamentalmente, eu nunca tinha ido embora. Por volta da virada do século, depois da minha trilogia de 1.000 páginas, Impossible Motherland, a então respeitada revista feminista Opzij chegou a me nomear uma das três mulheres mais importantes dos últimos anos. Eu queria dar ao meu trabalho a chance de se conectar com a sociedade holandesa e alcançar uma geração mais jovem. E enquanto minha carreira estava voando alto em público, eu estava lutando com constantes arrombamentos em meu endereço residencial e com telefonemas ameaçadores de estranhos. Eu havia me libertado de certos laços íntimos. Eu estava pronta para escrever romances como Off-White e Dealer's Daughter, junto com novos poemas que expressariam minha visão de mundo cosmológica. Eu sentia um desejo intenso por um habitat de língua inglesa. Eu me estabeleci na Escócia e em Skye, de onde alguns dos meus ancestrais haviam partido para o Suriname. Eu era tão feliz lá, só eu e minha gata Steffi. Agora estou redescobrindo o lado estadunidense dos meus primeiros anos em antigas canções de amor. [...]. É também autora de On a Woman's Madness (1982).

 

A LINGUAGEM DO FANATISMO - [...] as palavras são o meio pelo qual os sistemas de crenças são fabricados, nutridos e reforçados; seu fanatismo fundamentalmente não poderia existir sem elas. [...] a linguagem não funciona para manipular as pessoas a acreditarem em coisas que não querem acreditar; em vez disso, ela lhes dá a liberdade de acreditar em ideias às quais já estão abertas. A linguagem — tanto literal quanto figurada, bem-intencionada e mal-intencionada, politicamente correta e politicamente incorreta — remodela a realidade de uma pessoa somente se ela estiver em um lugar ideológico onde essa remodelação seja bem-vinda. [...]. Trechos extraídos da obra Cultish: The Language of Fanaticism (Harper, 2021), da escritora e linguista estadunidense Amanda Montell, que noutro livro Wordslut: A Feminist Guide to Taking Back the English Language (Harper, 2019), ela expressou que: […] Um dos conselhos menos úteis da nossa cultura é que as mulheres precisam mudar a maneira como falam para soar menos "como mulheres" (ou que pessoas queer precisam soar mais heterossexuais, ou que pessoas de cor precisam soar mais brancas). A maneira como qualquer uma dessas pessoas fala não é inerentemente mais ou menos digna de respeito. Só soa assim porque reflete uma suposição subjacente sobre quem detém mais poder em nossa cultura. [...] Uma das formas mais sorrateiras pelas quais esses preconceitos se manifestam é que, na nossa linguagem, na nossa cultura, a masculinidade é vista como o padrão. [...] Se você quer insultar uma mulher, chame-a de prostituta. Se você quer insultar um homem, chame-o de mulher. [...] Também vivemos numa época em que vemos veículos de comunicação respeitados e figuras públicas circulando críticas à voz feminina – como a de que elas falam com muita fricção vocal, usam palavras como "literalmente" e "literalmente" em excesso e pedem desculpas em excesso. Eles rotulam julgamentos como esses como conselhos pseudofeministas, visando ajudar as mulheres a falar com "mais autoridade" para que possam ser "levadas mais a sério". O que eles parecem não perceber é que, na verdade, estão mantendo as mulheres em um estado constante de autoquestionamento – mantendo-as quietas – sem nenhuma razão objetivamente lógica, a não ser o fato de que elas não soam como homens brancos de meia-idade. [...].

 

MINHA CUMADI FULOZINHA, DE GIVA SILVA

Somos filhos da Mãe da Mata e tivemos com ela, cada qual, as suas experiências. Justamente por isso mesmo: desde a mais tenra idade a Cumadi Fulozinha faz parte das nossas vidas. E há quem, como eu e o autor desta obra, tenha vivenciado muito e tanto, a ponto de, em si, manter sagrada as marcas ancestrais vivas em sua espiritualidade. Afinal, confesso: até hoje ela vive comigo. Além do mais, outras coisas contadas e cantadas: somos causas e consequências de histórias - todas emergentes a cada dia, a cada ano vivido, em cada momento do presente que passou agorinha mesmo. Eita! Foi. Inventamos estórias por vivermos dos porquês, fatos, fantasias, devires. Vivemos do que vem de dentro: o que é e será sempre. Enfim, somos todos hestórias (LAM).

Texto escrito por mim para a publicação do livro Cumadi Fulozinha (2025), do educador, comunicador e militante indígena Giva Silva (Givanildo M. da Silva), que é o idealizador e coordenador da Tv Imbaú. O livro que se encontra em pré-venda é memorialístico e onírico, mergulhando nas lembranças de um menino guiado pelo avô num universo de descobertas infinitas. No centro dessa jornada, como objeto de fascínio e curiosidade, está uma das figuras mais enigmáticas e fundamentais da cultura indígena e popular do Nordeste: a protetora das matas, Cumadi Fulozinha. Com uma narrativa que oscila entre o real e o imaginário, o texto evoca não apenas as memórias afetivas da infância, mas também a força mítica dessa entidade guardiã, cuja presença transcende as histórias sobre ela para se tornar um símbolo de resistência e mistério. O avô, como narrador e guia, conduz o menino (e o leitor) por um mundo, no qual os limites entre a realidade e o sonho se dissolvem, revelando a profunda conexão entre a cultura ancestral e a formação de um imaginário pessoal. Assim, a obra comemora a tradição oral, o afeto familiar e o poder das histórias que moldam quem somos—ou quem desejamos ser. Veja mais aqui, aqui & aqui.

&

ARTE NA ESCOLA

Arte dos alunos da Escola Municipal Ivonete Ferreira Lins & do Ginásio Municipal Fernando Augusto Pinto Ribeiro, de Palmares – PE. Confira aqui e aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Acontecerá entre os dias 18 e 22 de agosto, na Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, em Palmares, a 18ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, com a temática Palmares de todos os saberes: cultura popular na voz do povo. Dentro da programação, no dia 19 de agosto, nos turnos da tarde e noite, realizarei a palestra Cordel, contos & causos de Palmares: Narrativas da Mata Sul pernambucana.

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.


 

segunda-feira, junho 09, 2025

FRANÇOISE VERGÈS, MARIELLA TORANZOS, LEONOR SILVESTRI & MÁRCIA GEBARA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Claudio Almeida (1998), Alma pernambucana (2003) e Despretensioso (2018), do violonista, compositor, arranjador e produtor, Claudio Almeida.

 

Dois semblantes & um diálogo de Janus... - Um banco de praça qualquer, dois mundos dessemelhantes. O primeiro: a face de ontem, chorosa, melancólica, perdida na memória a divagar pelas mais adoráveis recordações do tempo de antanho. As reminiscências regurgitavam dos álbuns de fotografias, como se ruminassem caricaturas dos versos de Casimiro – um melô do saudosismo às voltas com uma quase noite esquálida. Destilava nostalgias das coisas pregressas, as saudades na ferrugem dos suspiros e pesares, das perdas e quedas, taciturnidades - os bons tinham ido faz tempo, findava com o beiço virado: o que era doce acabou-se. O mundo hoje é uma desgraça. E lá não sabia onde um pipoco! O que foi? E o segundo: empolgada efígie do amanhã, sorridente pelos cotovelos de quem tomou água de chocalho, persuasivo como homem da cobra, ansiava com todos os desejos do futuro, esperando Godot com a certeza de um dia Deus daria a sorte grande com uma bolada na loteria e seguir os passos de Asimov, com os regalos da fortuna de apertar o pitoco na hora certa, o deleite de toda ventura e o porvir na coleção de amuletos egípcios como o Olho de Hórus, o Escaravelho e Ankh; e o sortilégio do Olho Grego, a Mão Hamsá, os olhos do alabastro mesopotâmico, moedas chinesas com fita vermelha, desenhos de elefantes indianos, as pedras verdes dos muiraquitãs, as bandeiras de Cirebon e otomana com a oração de Zulfiqar, o Selo Salomão, o texto do túmulo de Nida, uma figa, um pergaminho talismânico do califado fatimida dos ancestrais da família islâmica Abemayor, uma reprodução do astrológico Uraniborg, cristais de turmalina negra, trevos de 4 folhas, piritas, citrinos, uma Mezuzá, um Maneki-neko, Dreamcatchers, escapulários, cruzes, pimentas, berloques, uma ferradura e patuás, sal grosso e dentes de alho. Tudo no meio de outros estalidos! Disparos. O que houve? E não viram passar a dança legal de Eunomia, nem o balanço pacífico de Irene, muito menos os requebros justos de Dice, sequer os meneios florescentes de Auge. Cabum! O que foi isso? Entre o que passou e o que virá, olhos para onde a escolha por todas as direções, uma só alternativa e quem preferia de volta tudo o que viveu: só se sente falta quando perde. E ser lembrado, jamais esquecido. E no outro, o passado de Belchior era o que valia e nada de viver o que morreu e jamais voltará, naquela do se meu dinheiro desse ou achasse o ovo de ouro na micula da galinha, mudaria de vida, uma casa na praia, o carro novo, um foguete para ir morar na lua: para mim já foi, outro virá. Bum! Um estampido ensurdecedor. O que é que há? Outras tantas passaram desapercebidas, como o rebolado amanhecedor de Anatole, os remexidos dançantes da Musique, o bailado atlético da Ginastique, os pulos lavadores de Ninfe, os saltitantes remelexos de Mesembria, o arrasta-pé libador de Esponde, a folia oratória de Elete, a coreografia do repasto de Acte, o ritmado entardecer de Hesperis, os giros crepusculares de Disis, o naufrágio serpenteador de Arctos, nem mesmo se deram conta do jogo de Chronos e Kairós. Tudo passou. E um estouro avassalador! De novo? E caíram de joelhos na arenga pelos segundos de poucas horas, a revanche do relógio, eita, tô atrasado, verá o que é bom pra tosse: o revide temporal. Um estrondo retumbante e estarrecedor! Que é que está havendo? Para quem passado ou futuro, tudo é feito agora, presente. Eles não percebiam o que acontecia ao redor, foram tragados pela explosão. Era uma vez, tarde demais: tudo se repete, uns e outros. Até mais ver.

 

Hélène Cixous: Eu também transbordo; meus desejos inventaram novos desejos, meu corpo conhece canções inéditas... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Anuna De Wever: Eu acredito na humanidade... Veja mais aquí.

Joyce Carol Oates: Fui criada para ter compaixão pelos outros... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

VINHETAS DE UM ESPELHO QUEBRADO

Imagem: Acervo ArtLAM.

I - Ontem rasguei minhas asas. Rasguei suas dobras translúcidas com a borda do bidê. Atirei-me contra elas, chicoteando-as contra a borda como uma louca, gemendo de prazer e desgosto ao vê-las desmembradas, despedaçadas, repetidamente, até que me esvaziei. Não venha mais aqui. Estou cansado de adorar sua forma como um templo.

II - Descalço, caminho por um deserto de espelhos. Piso no vidro até que ele rache e corte meus pés. No rastro de sangue, desenhei o retrato da minha mãe. Meu coração dobrou enquanto eu dormia; agora ele não cabe no meu peito.

III - Hoje quero morrer mil mortes em seus braços. Sussurrarei em seu ouvido as palavras que inventei para chamá-lo. Feche os olhos enquanto te beijo e deixe minhas lágrimas escorrerem por suas pálpebras. Deixarei na pinta do seu rosto as tardes que amei ao seu lado. Amanhã seremos estranhos novamente. Até a próxima.

IV - Durante o mês que você levou para me deixar. Enchi o tanque de gasolina com trinta e três dólares e trinta e três centavos. Eu disse que era um presente porque era seu número favorito. Eu organizei nossas coisas. 'Amor, aqui estão os suéteres', "Aqui está seu pincel." Como se chamássemos as coisas de 'nossas' poderia me incluir no que você chamou de "lar". Comprei flores de um morador de rua. Eu queria trazê-los para você, murchos e feios, para mostrar que eu poderia devolvê-los vida.

V - Há uma cicatriz no formato dos seus dedos logo acima do meu peito esquerdo, que ficou como um resquício de todas as noites que você me segurou como apenas algo segura que escorrega. Agora há seis províncias entre nós, entre a última vez que nos beijamos e hoje, guardadas como flores murchas dentro de um livro. Às vezes ainda sinto você como um ruído preso na minha garganta.

Poemas da poeta e jornalista equatoriana Mariella Toranzos.

 

DONDE ME RAZA MUERE - [...] Tenho dificuldade em entender por que as pessoas continuam a apostar contra todas as evidências sobre o que é bom para o corpo, em termos do que aumenta sua potência ou até mesmo em posições mais apocalípticas como o fim do mundo. Neste ponto, considero isso um ato de egoísmo que incentiva o famoso "exército de reserva " de que o marxismo clássico já falava, o que me parece ter uma reviravolta na eugenia atual, onde também é necessária a seleção de pessoal, não apenas trazendo descendentes a este mundo, mas também a seleção prévia de pessoal, que envolve escolher os aptos, os saudáveis, e abortar os outros, os deficientes. [...]. Trecho da entrevista concedida ao Parole de Queer (2022), concedida pela escritora, ensaísta e professora argentina Leonor Silvestri, autora de obras como Donde me raza muere (Guarra, 2022), Acerca de las costumbres de los animales (Infamia Trascendental, 2012), El Don de Creer (Curcuma, 2010), entre outros livros publicados. Ela também se expressa: Quem vive contando mortos não quer você vivo... Sempre acreditei que devemos expandir os limites do que é concebível: envelhecer não é terrível, nem adoecer, não poder trabalhar, não poder participar deste mundo são bênçãos, vantagens. Assim como as mulheres são solicitadas a reproduzir material humano, a se incorporarem ao capitalismo com eficiência (como boas cidadãs: do aparato repressivo a uma operária ou funcionária de escritório, passando por pesquisadora universitária ou médica), elas também são solicitadas a se encarregar de selecionar pessoal adequado para tais fins. Tudo por nada mais do que amor em troca. É aí que reside o verdadeiro proxenetismo. A sociedade capitalista heterossexual patriarcal é o nosso grande proxenetismo. O trabalho sexual é apenas um exemplo de que sexo, companheirismo e afeto não precisam ser dados em troca de nada, pelo que este mundo chama de amor. O feminismo branco, hegemônico, vitimista, desempoderador, acadêmico, mercantilista, de histórias em quadrinhos (e isso também é interseccional: nem todo acadêmico é eurobranco, por exemplo) não só foi completamente incapaz de desenvolver uma teoria radical da sexualidade, como também foi completamente incapaz de desenvolver uma práxis vital empática de apoio mútuo e autodefesa. É autora do poema Pentesileia: Boa demais para ser mulher.\ Inteligente demais. \ Hábil demais. Demais. \ Demais. \ Esse arco \ Essa flecha \ que se crava \ que se crava bem fundo em \ Mim \ no momento da tua morte, \ Pentesileia. \ Preciso te matar para que você não morra. \ Preciso te matar para que eu possa te fazer minha. \ Você gostaria de compartilhar seu corpo virginal de guerreira comigo de alguma outra forma? \ Você não sabe, Pentesileia, que em épicos não há mulheres que amem mulheres? \ Eu vejo você cair \ como uma pena \ Leve sua graça de engolir \ Ferido \ Morrendo \ Agonizando. \ Mesmo assim, você resistirá \ como a leoa Penélope diante dos pretendentes. \ Terei que tomá-la à força, \ pois tudo é tomado nesta guerra, \ assim como as mulheres são tomadas nesta guerra. \ Você não sabe, Pentesileia? \ Você será minha \ mesmo que eu tenha que te matar.

 

APELO À PAZ, AO AMOR E À ALEGRIA - Irmãs e irmãos, camaradas e amigos, aqueles que conheço e aqueles que não conheço, todos aqueles que são meus companheiros na humanidade, venho a vocês com uma demanda considerável. Vocês me pediram para falar sobre a liderança de que precisamos agora. Mas o que é "agora" senão o nome da história como catástrofe? Da violência sistêmica e estrutural? Para viver, precisamos respirar, sermos acolhidos e acolhidos, amar e ser amados, criar laços familiares e comunidades. Sim, amar e ser amados. Muitas vezes esquecemos que nascemos indefesos e que essa indefesa não é uma fraqueza, mas um lembrete de que a interdependência é fundamental para a nossa sobrevivência. Essa interdependência é uma fonte de alegria em vez de angústia, de conforto em vez de desespero. Somos feitos de tantos emaranhados… Disseram-nos não apenas que o individualismo é o passo mais alto em direção ao progresso humano, mas que deveríamos desconfiar da interdependência e nos preparar para a luta pela sobrevivência do mais apto. Isto significa guerra, nada mais. De fato, temos vivido em um tempo de guerra sem fim, de guerra contra isto, guerra contra aquilo, guerra, guerra, guerra. A guerra foi normalizada, naturalizada. Não seria então a palavra guerra mais adequada para descrever o nosso mundo do que paz? Guerra contra povos indígenas, contra mulheres e crianças no Sul Global, contra queer, contra trans, contra inválidos, contra gays, guerra contra animais, florestas, rios, mares, oceanos. Capitalismo é guerra; racismo é guerra. Seus gritos por guerra são altos e constantes. Suas leis de extração e exaustão impõem o uso da violência e da força. E suas guerras são acompanhadas pelas do patriarcado. Em seu mundo, tratar corpos como resíduos, como excedentes, como lixo, foi banalizado. Nada disso é natural; tudo isso são consequências de escolhas políticas. E, como presidente, estou clamando por outras escolhas. Contra o estado de guerra permanente, eu os exorto, eu os exorto a lutar pela paz! Paz?, ouço vocês dizendo. Quando foi a última vez que falamos de paz como algo que não é excepcional, que não é um breve interlúdio entre duas guerras, o resultado de um acordo em um pedaço de papel no qual homens que nunca demonstraram interesse pela paz afixam suas assinaturas? Paz para eles é uma palavra que fala de ingenuidade e credulidade. Mas estes não são tempos de indiferença e neutralidade. Irmãos e irmãs, camaradas e amigos, isso não nos salvará. Em vez de celebrar guerras em nossos livros didáticos, em vez de encher nossas cidades com estátuas de soldados e generais, convido-nos a aprender com aqueles que lutaram por justiça e nunca abandonaram sua aspiração de humanizar o mundo. Durante séculos, comunidades imaginaram maneiras de proteger aqueles que são vulneráveis e fragilizados pelo racismo e sexismo, maneiras de proteger a terra, os animais, as plantas e o conhecimento de mãos ávidas e avarentas. Ao fazê-lo, deixaram-nos um vasto arquivo de poemas, canções, artes, manifestos, práticas e conhecimento. Houve momentos em que suas mensagens precisaram ser invisíveis para aqueles no poder, mas sua riqueza e abundância permanecem impressionantes: forjando sinais que indicam rotas de liberdade e abrigos, mantendo narrativas de resistência nas memórias, tecendo mensagens no cabelo e na terra, construindo santuários e refúgios, falsificando documentos, aprendendo a evitar as armadilhas da vigilância, ensinando como estar na clandestinidade, a mentir ao poder e a dizer a verdade ao poder, construindo escolas onde aprendemos coletivamente, ensinando o poder das plantas medicinais, a diversidade de receitas. Embora nos tenham dito que mulheres, crianças, povos indígenas, pessoas trans, queer, migrantes, refugiados, pobres, não tinham nada a contribuir para a "civilização", sabemos que é uma mentira. Sabemos que o que se chama riqueza nada mais é do que o resultado da exploração e da devastação. Nossos ancestrais, que são todos os oprimidos do mundo, jamais renunciaram ao sonho de um dia serem livres. Apesar da guerra travada contra eles, eles disseram: " Um dia, seremos livres! Sim, um dia seremos livres! " É esse amor inabalável pela liberdade e igualdade que deve ser nossa canção. Irmãs e irmãos, camaradas e amigos, precisamos aprender com este arquivo e exercitar nossa imaginação. Precisamos nos libertar dos grilhões do que se tornou normal e natural — a violência e a guerra — e que ameaça a vida de muitos em troca da riqueza de poucos. Precisamos libertar nossos espíritos, nossos corpos, nossos sentidos para imaginar a paz, coletivamente. Vamos desaprender para aprender, para que possamos reaprender. Vamos restaurar o pleno significado do toque, de segurar a mão de um estranho. Vamos abolir as prisões! Vamos abolir o patriarcado! Vamos abolir o capitalismo! Vamos abolir o racismo! Acabe com a guerra! Este não é um apelo ingênuo, estúpido ou pretensioso! A paz não é fácil. Imaginar a paz, lutar pela paz, é uma tarefa árdua. Exige liderança coletiva e horizontal. Cultivemos o amor revolucionário, o amor feminista radical. Há alegria na luta coletiva. Há alegria na justiça restaurativa. Imaginemos uma utopia, uma que nos dê a força para contestar, que seja um convite a sonhos emancipatórios. Um dia seremos livres! Por toda parte, vozes se elevam, cheias de esperança e significados. Imaginemos um espaço aberto e terrestre, uma linha temporal ascendente. Reivindiquemos o direito de sermos inacabados e contraditórios. Redefinimos criativamente a escrita de nossas múltiplas histórias. Criemos um estado permanente de curiosidade. Guardemos na memória a força, a coragem, a esperança, a força e a energia que sempre estiveram presentes. Vamos lembrar do futuro. Depoimento da cientista política, historiadora, educadora, cineasta e ativista decolonial francesa, Françoise Vergès, autora do Programme de désordre absolu: Décoloniser le musée (La Fabrique Editions, 2023), no qual expressa: [...] O universal que o museu reivindica é uma arma de dominação colonial [...]. A respeito de sua obra em uma entrevista concedida ao Observatoire d'éthique universitaire (2023), ela expressou que: [...] Quando se trabalha como eu sobre a escravidão e suas "sobrevivências" (afterlives), ou seja, a ligação entre a escravidão e o racismo antinegro hoje, interessam-nos as representações pictóricas e narrativas dos negros. Estas nunca são ilustrações. Essas imagens são constitutivas do regime de exploração e desapropriação racial. [...] Descolonização, para mim, é o que Frantz Fanon definiu como: "A descolonização, que visa mudar a ordem mundial, é um programa de desordem absoluta. Podemos ver claramente que aplicar a proposição "mudar a ordem mundial" à instituição museológica vai além da diversificação da programação. [...] É por isso que práticas e teorias em torno de um programa de desordem absoluta para atrapalhar e sabotar a máquina do capitalismo racial, fazendo a ligação entre as lutas de ontem e as de hoje e desenvolvendo especulações sobre os mundos vindouros carregam uma esperança radical. [...] O estado de guerra permanente põe o planeta em perigo. A guerra contra as mulheres, os negros, as pessoas trans, as pessoas queer, os pobres, está se intensificando. O militarismo mais implacável está de volta. Contra essa destruição programada, temos o direito de nos defender. [...].

 

TRATOS DA ARTE DE PERNAMBUCO, DE JOSÉ CLÁUDIO

[...] Quero prevenir o leitor de que abrirei um espaço enorme para citações, intervindo às vezes, inclusive, com mais citações. Pode me chamar de compilador. Já dizia Buda que mostrar vale mais do que explicar cem vezes. Não há também da minha parte a preocupação de não ser enfadonho: ninguém vai começar a gostar deste assunto a partir deste simulacro [...].

Trecho extraído da obra Tratos da arte de Pernambuco (STCE, 1984), do pintor, desenhista, gravador, escultor, crítico de arte e escritor José Cláudio (1932-2023), um dos criadores do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), do qual publicou a obra Memória do Ateliê Coletivo (1978). Veja mais aqui & aqui.

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ENTRE LINHAS & CORES A LUZ VIBRA NA SAUDADE – A ARTE DE MÁRCIA GEBARA

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ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

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ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

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