segunda-feira, outubro 12, 2020

MONTALE, ALBAN BERG, ELIANE PROLIK, POLANSKI, NÍSIA FLORESTA, TICIANO & NELSON FERREIRA

 

 

TRÍPTICO: DIÁRIO DO QUARTO CALEIDOSCÓPIO – PRIMEIRO ATO - Ao som de Lyric suíte for string concert, de Alban Berg - É sempre noite. Lá fora o mundo barulhento e o genocídio: fúria, bravata, infâmia, fanatismo, ganancia, amolações triviais. Parece nonsense e tudo sob suspeita: as pessoas se tornaram revoltosos vulcões eruptivos e se detratam uns aos outros. A parede acende como uma tela cinematográfica: a Via Láctea. Um meteoro surge da quina do teto, acompanho seu percurso descendente até se espatifar num ponto qualquer do piso. Da explosão, um minúsculo ser caminha em minha direção, cresce a cada passo, já quase dois metros, reconheço Barão de Munchausen que me acena, faz uma mesura e me aponta para outro minúsculo que aparece do mesmo lugar que saiu. Também cresce a cada passada, já reconheço, é Alice: Você está completamente pirado! Um segredo: as melhores pessoas são assim. Ela pisca um olho, chama o companheiro que está com as pestanas arqueadas olhando para mim com um escárnio e braços abertos. Ambos seguem de volta e desaparecem. Não era sonho, sabia, era o alerta para o inimigo invisível e o medo da contaminação: lavar bem as mãos, tudo esterilizado. Do meu quarto, o caleidoscópio: a toca do meu coelho. Não preguei o olho, a parede acendia e apagava, parecia me convidar para atravessar a galáxia. Mantenho-me quieto, cabeça aos joelhos, até o fim uma oração de serenidade: um dia de cada vez e as circunstâncias, assim seja! Um esforço fora do comum, nada funciona direito com o desgoverno. O pangaré gostou ou não? Não sei, cuidado com o monstro, ele está em Brasília. Que toquem fogo no mundo, ninguém sobreviverá.

 


SEGUNDO ATO DO CADERNO DE NOTAS – Imagem: arte da escultora, desenhista e gravurista Eliane Prolik. – A cena: Ela saiu do escritório e foi visitar a família em Cachoeira do Sul. Lá informou que ia se mudar de Canoas para São Paulo. A despedida e a estrada aberta. Aos vinte sete anos, a militância no VPR. Era 17 de maio, preparos para o aniversário dia 25. A surpresa de 4 tiros, 1 no braço, outro no peito, 2 nas costas alcançando a coluna. Nenhuma festa mais, a família desestruturada: o pai soube por um delegado do assassinato e morre de desgosto. A irmã Valmira se mata. Apenas uma tabuleta ao vento esquecida com a inscrição: Alceri Maria Gomes da Silva (1943-1970). Juntou-se a Labibe e Catarina, lá haverá justiça, pelo menos. Diante de mim, Nísia Floresta: Flutuando como barco sem rumo ao sabor do vento neste mar borrascoso que se chama mundo, a mulher foi até aqui conduzida segundo o egoísmo, o interesse pessoal, predominante nos homens de todas as nações. Ela sorri e me oferece um botão do lírio da felicidade. As imagens são tantas: asfixiados numa câmara de gás das autocracias e, ao lado, jogaram pela janela um idoso numa cadeira de rodas. Outras cenas superpostas: joelho fardado no pescoço de um negro indefeso, agressões físicas, tortura, caça policial, tiros. No meio disso tudo sou O Pianista de Polanski e ouvi alguém dizer que ali outro abotoou o paletó, pronto, viagem perdida: Se fosse de morte matada, pelo menos! Quem ainda acredita no Estado: nunca cumpriu a sua parte, sempre se desvia para interesses e comodidade. O que ainda nos resta além do extermínio, não sei.

 


TERCEIRO ATO: MANUSCRITOS DO CADERNO, NOVELA INSTANTÂNEA – Imagem: Perseu & Andrômeda (1554), de Ticiano. - Lá vou eu... Atravessava o pátio da rodoviária, um troço e lá estou enfermo, estirado no piso. Quando dei por mim, o meu quarto era uma enfermaria hospitalar, empurrada para lá e para cá. O mundo girava e eu imóvel, uma dor profunda no peito, nenhuma ilusão, desiderato pras cucuias. À espera de uma revelação, caí no vazio, não sei se haverá como emendar a vida. Sou saudade de tudo. Ouvia alguém alertar: Cuidado com o degrau. E o Paradoxo de Zenão era um poema de Montale: Vós, palavras, traís em vão o ataque / secreto, o vento que sopra no coração. / A razão mais verdadeira é de quem cala. Já sabia o solo minado, um passo em falso, cara ou coroa: a sorte estava lançada. O poder das escolhas e perdi pilares, extensores e pontes, quanta mendacidade ao meu redor. Minha especialidade? Viver, apenas. Fraqueza? Seguir. Sempre vou e, quando dou fé, todos estão voltando. Que descascasse o abacaxi, o pau ia cantar, com certeza. Sobrevivi a todo tipo de recusa e fui soterrado por enorme pedra. Isso há anos. Qualquer reincidência ou é efetiva ou duvidosa. Falando às paredes sou o que quiser que eu seja, nada mais. Até mais ver.

 

NELSON FERREIRA, O MORENO BOM

Felinto, Pedro Salgado, / Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos? / Bloco das flores, Andaluzas, Pirilampos, apôis-fum / Dos carnavais saudosos / Na alta madrugada / O coro entoava / Do bloco a marcha-regresso / E era um sucesso dos tempos ideais / Do velho Raul Moraes / Adeus, adeus minha gente / Que já cantamos bastante / Recife adormecia / Ficava a sonhar / Ao som da triste melodia.

Evocação nº 1, frevo de bloco do compositor, músico e maestro Nelson Ferreira (1902-1976), autor de inúmeras composições nos mais diversos estilos, como canção, foxtrote, tango e, sobretudo, frevos. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 



sexta-feira, outubro 09, 2020

JOÃO CABRAL, JODY WILLIAMS, TAIGUARA, CORTELA, JORDAN PETERSON, ELZA BARROSO, RAÇA & JUSTIÇA


  

TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... VALUNA, UM RIO, UMA MULHER - Ô de casa, dá licença!?! Nasci entre um rio e um sorriso de mulher! Para sempre Carma no meu coração, como as matas de não mais, só canaviais florados, pastos, loteamentos ou queimadas nos matagais. Como o rio, quase não mais, não mais acari, nem carito, nem ambulantes de Deus. Ah, o poema de João Cabral: A um rio sempre espera / um mais vasto e ancho mar. / Para a agente que desce / é que nem sempre existe esse mar, / pois eles não encontram / na cidade que imaginavam mar / senão outro deserto / de pântanos perto do mar. / Por entre esta cidade / ainda mais lenta é minha pisada; / retardo enquanto posso / os últimos dias da jornada. / Não há talhas que ver, / muito menos o que tombar: / há apenas esta gente/ e minha simpatia calada. Para mim só as visagens emolduradas na memória. Só com os detritos da invernada ou intermitência das enchentes ameaçadoras é que presenciam e revivem, logo depois nem se lembram de nada com varrições de ganância e egoísmo nos aterros, assolações, laivos e imundícies, muito lixo invade minha casa e Mário Sérgio Cortela me diz: Se não quiser uma cidade suja, não deposite lixo na urna. E Jody Williams reitera: Acredito que é meu direito e minha responsabilidade trabalhar para criar um mundo que não glorifique a violência e a guerra, mas que busquemos soluções diferentes para nossos problemas comuns. Então, invento e me reinvento: do meu peito a fonte a escorrer do corpo pelas mãos à foz dos meus pés, a singrar o mar que tudo banha no meu chão. Então brinco entre peixes e aguapés e algas que são aves e gorjeiam nos galhos das almas feitas abusões risíveis e amedrontadoras, enquanto faço a vida e sou Valuna, Bacuna, Diauna, Unadia, Rio Una.

 


DUAS HORAS: ONDE ESTOU QUE NÃO SEI... - Imagem: O luar (Dois Irmãos), do pintor Ismael Nery - Ah, assim tão só, sou indefinível. Afinal, fiz o melhor que pude e foi pouco, nem me satisfiz. Encaro o perigo e não me enquadro em regra nenhuma, nem uso chapéus ou máscaras, dou a cara nua à tapa. Nunca desisti e apesar de subterrâneo sempre estive longe da positividade tóxica, porque sei que não há pote de ouro algum no fim do arco-íris. Sou absurdo para todos os olhos, uns tantos paradoxos a mais. Ouvi o psicólogo canadense Jordan Peterson: A maneira apropriada de se consertar o mundo não é consertando o mundo; não há razão para se presumir que você sequer seja capaz dessa tarefa. Mas, você pode consertar a si mesmo; não causará nenhum mal a ninguém fazendo isso. E, nesse caso, pelo menos, você fará do mundo um lugar melhor. Assim, coração peito aberto, não sei onde estou: se perdido na Groenlândia ou tremendo de frio na Terra do Fogo, ou onde quer que seja, apátrida ex-humano, qualquer coisa entre seres vivos, voo para ser-me.

 


TRÊS MINUTOS & TODAS ELAS SÃO NELA... – Imagem: Art by Elza Barroso - Ah, é ela Calíope voz melíflua aos ouvidos do meu coração; é Clio proclamando a história do que foi e será, é Erato a versar a maior poesia; é Melpômene alisando minha pele para fechar as feridas cálidas do meu corpo; é Polímnia nua no meu corpo para iniciação de todos os mistérios da vida; é Tália em flor para a entrega perfumada do amor; é Terpsícore para dançar de Sol na minha escuridão; é Urânia esplendorosa para que eu seja o universo em seus domínios; é ela Euterpe para que eu cante Taiguara: Teu sonho não acabou... / Lá onde estive o sonho acabou / Cá onde eu te encontro só começou / Lá colhi uma estrela pra te trazer... / Ah! Eu preciso, eu preciso muito... Ah, beijo os lábios dela e o seu sexo é Deus irradiando vida no meu em festa cósmica de todos os renascimentos. E nela fervo por todos os céus dos paraísos e todos os infernos do mundo e sou mais que dia ao amanhecer. E ela luz&ar como se nem fosse ou nunca foi. Até mais ver.

 

RAÇA & JUSTIÇA

[...] Há uma dimensão antagonística, um “conflito racial” que não é redutível a um fundamento único, jurídico ou não, ou seja, a condição da verdadeira emancipação racial, como movimento da opacidade à transparência, fluxo de justiça, é uma opacidade constitutiva que nenhum fundamento jurídico, político, moral ou epistemológico pode erradicar. A construção da justiça e da democracia, racial ou não, será sempre habitada por uma incompletude e provisoriedade inultrapassáveis, assim como as identidades que as instituem. [...].

Trecho extraídos da obra Raça e Justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça (Massangana, 2009), do sociólogo e professor Ronaldo Laurentino de Sales Júnior. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


 


quinta-feira, outubro 08, 2020

ARTHUR CLARKE, JODI PICOULT, STEVEN PRESSFIELD, LUISA DORR, PAUL TILLICH, TALIA & JOAQUIM CARDOZO

 


TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... SOLIDÃO, SOLITUDE... - Sou paisagem errante desbotada entre manada de pusilânimes bestuntos com seus clamores desesperados, mútua insensatez e nenhum nexo, o mofo da rejeição. Às vezes ou sempre é tudo tão desolado e trago do caótico no meu pedaço de vida. Nenhuma mágoa ou culpa, talvez aniquilado por situações circunflexas e até oblíquas não sei como. Sobrevivo a tanto, porta afora, rua acima, às vezes me perco com o que tive e sonhei. Hibernei na impermanência, enquanto falácias da falsa dicotomia queriam-me no xeque mate, como se tivesse que padecer a um justiçamento social, quando não difamado porque nenhuma dor me acomete, nem a de seguir só. Sabia do filósofo alemão Paul Tillich (1886-1965): A vida é dura... e nem sempre é justa. Mas isso não quer dizer que ela não possa ser boa, gratificante e prazerosa. Ainda há muitas razões para dizer sim à vida. Apesar de despojado, eu digo eternamente e só não vivo ao desabrigo perturbador, porque optei doravante à desaparição. Nada a temer nem nunca me apavorei com o escritor e inventor britânico, Arthur Clarke (1917-2008): Existem duas possibilidades... Ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterrorizantes. E ele me aconselhou de vera: A única maneira de se definir o limite do possível é ir além dele, para o impossível. Por isso, naquela de viver ou sobreviver, escolhi: é tudo ou nada. Patafísico, voo pela solitude.

 


DOIS DITIRAMBOS DA EXPEDIÇÃO VOLUNTÁRIA - Imagem: foto da atriz performática, dramaturga e diretora Carolina Bianchi – Recluso à minha solidão, dei de cara com ela: chamou-me Lobo e apresentou assim de sopetão o Cara de Cavalo e a Cia. Dos Outros, para que fôssemos ao Panorama Sur. Aí ela me disse: Mata-me de prazer, vai! Quiero hacer el amor. E de cabeça: Me voy a saltar sobre tu cuerpo! U-hu! Eu uivei no nosso Rêverie. E fizemos Expedição a Marte e de mãos dadas pelas Utopyas to every day life! Na sua carne, a minha Escrita Incandescente, para nossos Solos Impossíveis, tudo Hardcore from the heart! E nos beijamos e nos entregamos repetindo o desafio de Steven Pressfield: Todo sol lança uma sombra e a sombra do gênio é a Resistência. Por mais forte que seja o chamado de nossa alma para a realização, igualmente potentes são as forças da Resistência reunidas contra ele. Ah, aquelera parceira luzidia das mil&umas loucuras de amorecer a vida por escalas cromáticas que desfazíamos diatônicas para enlanguescermos no experimental dodecafônico, atonal, e eu redivivo na sua ancoragem para ser-me o que sou nela.

 


TRÊS VEZES & SE É PARA IR VAMOS LOGO! – Imagem: arte da fotógrafa Luisa Dorr. - Nua ela era então Talia comigo no Jardim de Epicuro ou no Walden de Thoureau, a nos deliciar dos prazeres da nossa ataraxiaponia, experimentando o amor entre os ventos e ramos de hera. E me contou da escritora estadunidense Jodi Picoult: Talvez o que somos não esteja tão relacionado com o que fazemos, mas mais com o que somos capazes de fazer quando menos esperamos. As coisas extraordinárias estão sempre escondidas em lugares onde as pessoas nunca se lembram de procurar. E nela o que havia por vasculhar dos mistérios e graças. E o que eu tinha a mais era o topo da montanha que ela me deu para contemplar o quão imensa é a vida no horizonte da infinitude. E me fez deus e eu, servo dela, aprendi a ser feliz. Até mais ver.

 

O CORONEL DE MACAMBIRA, JOAQUIM CARDOZO

[...] Capitão: [...] Sou conde condecorado / Senhor de grande solar / Comigo trago mandato / De tudo remediar / Sou conde condecorado / Com a cruz do Tempo e do Ar / Sou comandantes das nuvens / Errante no pelejar. [...].

Trecho extraído da peça teatral O coronel de Macambira: bumba-meu-boi, em dois quadros (FCCR, 2005), do poeta, dramaturgo, engenheiro civil, desenhista, professor e editor Joaquim Cardozo (1897-1978), autor de outros textos teatrais, tais como De uma Noite de Festa (1971), Marechal, Boi de Carro (1975), Os Anjos e os Demônios de Deus (1897), O Capataz de Salema e Antônio Conselheiro, ambas de 1978. Referência extraída do artigo A cultura popular nordestina no engenho teatral moderno de Joaquim Cardozo (Revista Diálogos – set. / out., 2018), de Nadja Maira Baltazar da Silva e Jairo Nogueira Luna. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 


 


quarta-feira, outubro 07, 2020

AMIRI BARAKA, ULRIKE MEIHHOF, TOULOUSE-LAUTREC, ANNA POLITKOVSKAIA, WALDEMAR HENRIQUE, URÂNIA & RECIFE.


  

TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... TATÁ-MANHA, MBOITATÁ & QUEIMADAS - Ora, ora, queimada não é fogo-fátuo! É fogo ateado por jagunços com leniência militar na piromania da monocultura! Está vendo a clareira? É só para concentração fundiária e predatória, desmatando tudo. É de temer a savanização, a desertificação! Já se devastou a Mata Atlântica, agora estão consumindo a Amazônia e o Pantanal no maior fogaréu incontrolável. Ah, não! O fogo! Desde criança aprendi a respeitá-lo, tanto pelo ardume que deixa bolhas dolorosas, como pelo braseiro que só deve ser usado por quem sabe direito o que fazer. Se para adustão, só na fogueira junina e de longe, com cuidado; pior a ignificação: Olha o fogo, menino! Isso queima, desgraçado! Quer ficar tostado, é? Não cuspa nele senão fica tísico! Só apague com galhos, nunca com os pés ou com água, senão, senão, ora! Tem que prever a reviravolta da sorte, avalie. É com ele que se assa, coze, ferve e celebra o culto dos mortos e antepassados, deuses larários e penates, reminiscências ao calor reconfortante que aquece no frio: Sustente direito o tição fumegante que é a custódia contra os assombros dos matagais! É dele aquelas labaredas que afugentam fantasmas noturnos e segue feito facho cintilante que vira méuan, o fogo corredor que ataca e mata os incendiários, que são levados para Mboitatá, a cobra-de-fogo que mora na água e vai praquela que sustenta e dirige, a imponderável Mãe-do-fogo, Tatá-Manha. Das chamas emerge o alarme da jornalista russa Anna Politkovskaia (1958-2006): Estamos voltando para o abismo, para um vácuo de informações que significa a morte de nossa própria ignorância. Assustado eu quase nem me contive, não fosse a intervenção severa de Ulrike Meihhof: Protesto é quando digo que isso não me agrada. Resistência é quando eu garanto que o que não me agrada não ocorre mais. É o que me faz deste chão que sou lavado pela água e levado pelos ventos no fogo da vida. Alertas para a ganância demais no Fecamepa.

 


DOIS PASSOS & LÁ VOU EU NO EMBALO DA CHULA MARAJOARA – Para me recuperar do susto ela me levou à Ilha de Marajó, onde mulheres descalças dançavam a chula das Taieiras, ao som de tambores, maracás, banjo, flautas, reco-recos e ganzás. Tudo em louvor de divindades que ignoro quais sejam, carregando água da Cachoeira do Arari para as casas dos seus senhores, cantando Morena: Deixei cabana / Deixei meu gado / Pra ver morena / Do meu cuidado / Morena bela / Que tanto amei / A fé mais pura/ eu te jurei / Eu já fui preso / Por uma açucena / Só por gostar / Da cor morena / A cor morena / É cor de prata / A cor morena / É que me mata. Era essa a chula marajoara do compositor, maestro, pianista e escritor Waldemar Henrique (1905-1995). PS: material extraído do livro Waldemar Henrique – O Canto da Amazônia (Funarte, 1978), de Claver Filho; do livro Waldemar Henrique – Compositor Brasileiro (Falangola, 1979), de Ronaldo Miranda; do livro Waldemar Henrique – Só Deus Sabe Porque (Fundação Cultural do Pará, 1989), organizado por Sebastião Godinho; da dissertação de mestrado Waldemar Henrique folclore, texto e música num único projeto – a canção (Unicamp, 2005), de Maria de Fátima Estelita Barros; do artigo Uma visão sobre a interpretação das canções amazônicas de Waldemar Henrique (Estudos Avançados, 2005), de Márcia Jorge Aliverti; e do artigo Canção Morena do compositor brasileiro Waldemar Henrique: um estudo analítico e interpretativo (DAP-Pesquisa, 2018), de Luciana Pereira da Costa e Silva.

 


TRÊS GINGADAS NA SERPENTINE DANCE – Imagem: poster Loïe Fuller, de Henri Toulouse-Lautrec, retratando a arte da atriz e bailarina estadunidense Loïe Fuller (1862-1928), pioneira das técnicas da dança moderna e da iluminação teatral, inventora da serpentine dance. – No meio da festa, eis que ela sob mil véus luminosos de seda multicolorida serpenteava arrebatadora Urânia nua com suas magias fantásticas no Folies Bergère do meu coração vulnerável entre asteroides e cometas, surreais lembranças, astrologia matemática. Envolveu-me em si com seu manto azul transparente para que eu pudesse usufruir de sua deidade estelar e oceânida, a se entregar inteira a recitar os versos de Três formas de história e cultura, de Amiri Baraka: Eu penso no tempo / em que estarei tranquilo... / Quando as vaidades / e as paixões fúteis se consumirem, / e os meus olhos, minhas mãos / e minha mente / poderão enternecer... / Finalmente... / E as canções serão suaves / e flutuarão no ar... E a vida pode ser vivida da melhor forma possível. Até mais ver.

 

HISTÓRIAS MEDONHAS D’O RECIFE ASSOMBRADO

[...] O desejo foi, sempre, registrar, sem compromisso, o imaginário popular sobre o assunto. E contá-lo, fazendo arrepiar cabelos, como faziam os contadores de “causos”, tempos atrás, gastando as noites com as suas narrativas nas todas de cadeiras nas calçadas (tão ao gosto do recifense antes da televisão e da violência atual). Histórias que fariam, mais tarde, as crianças procurarem a cama dos pais e muitos adultos “se esquecerem” de apagar a luz. [...].

Trecho extraído da apresentação da obra Histórias medonhas d’O Recife Assombrado (Bagaço, 2002), organizada por Roberto Beltrão, reunindo relatos sobre o casarão de Setúbal, encontro com papa-figo, prédio do Espinheiro, o homem da capa preta, o fantasma carinhoso, madrugada no quartel, a perna cabeluda, entre outros contos sobre Monga, pastoril, maldições e outras arrepiantes histórias. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 



terça-feira, outubro 06, 2020

MARY WOLLSTONECRAFT, JUDITH BUTLER, ANNETE KELLERMAN, ENHEDUANA & MESTRE ZUZA

 


TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... DAS CHAMAS ÀS CINZAS, O QUE FOI & NÃO MAIS - A chama e a vida, vela acesa à luz, pacífica: a comunhão cósmica ilumina os umbrais interiores, rumo à senda universal. Outros são reféns das labaredas, ou se rendem na reprodução de faíscas iminentes às inimizades, ou fósforos da devastação: queimam impunes gentes, bichos, coisas, e não há mais ética, espórtula! Não há mais respeito, servidão. Não há mais lei, contravenção, sangue na rótula! Não há mais vida, escravidão. Ouço Enheduana no meio do fogaréu assassino: Sua ira é uma inundação devastadora que ninguém pode suportar. Doutro lado, Horácio alerta: Quando a casa do vizinho está pegando fogo, a minha casa está em perigo. Valha-me! O meu vizinho atiça, propaga, só quer a ele, ninguém mais. Outro se insurge, contenda. Estou, deveras, alarmado, prefiro a paz. Em meu socorro, a solidária Judith Butler: É crucial que resistamos às forças da censura que prejudicam a possibilidade de viver em uma democracia igualmente comprometida com a liberdade e a igualdade. Sim, nunca será tarde demais, haverá sempre tempo para fazer o que se deve pela paz e pela vida! Vambora.

 


DUAS VEZES A FILHA DOS DEUSES, A SEREIA DO MAR - A solidão e o meu quarto é um forno, calor nas paredes. Para minha sobrevivência ela emerge pela fresta deusa nua, Vênus dos Mares do Sul. E injeta vida nas minhas veias porque estou mortificado e logo me conta da tragédia da Noiva de Lammemoor, com seu jeito canceriano de enfeitiçatriz no palco, Rainha do Mar atravessando o canal da Mancha a nado, uma tentativa malograda que me faz rir de seu destempero e retoma e ganhou a corrida do Nado em Paris através do Sena, derrotando homens, e venceu no Danúbio de Tuin até Viena, viva! E fala pelos cotovelos para que eu ria muito mais e não saiba do que há lá fora. Ora me falava do Dom da Juventude, ou das filhas de Netuno e dos Deuses, feliz Mulher Perfeitamente Formada, triste quando Filha de Jephtah, dançando nas águas de Sydney, chapinhando para me molhar também e a me contar que foi nadadora e mergulhadora premiada para defender os direitos das mulheres e criar os maiôres que a levariam à prisão acusada de indecência e atentado ao pudor. Rimos muitos, quantos desequilíbrios, lá se vão, sobe-desce, é preciso rir-se de tudo. Aos nossos prazeres, beijojes, beijagoras, gozoras e mais. E me falava de seus livros How To Swim (1918), e o Physical Beauty: How to Keep It (1919), e os infantis do Fairy Tales of the South Seas (1926) e My History, a autobiografia jamais publicada, só nos desenhos Les Culottées (Destemidas, 2016), de Pénélope Bagieu ou no documentário The original Mermaid (2002), ou mesmo no acervo do Powerhouse Museum e nas cinzas na Grande Barreira de Corais. Era ela nualua no escuro do meu quarto, Annete Kellerman divinamente bela no meu coração para me dizer que vale a pena viver.

 


UM, DOIS, TRÊS: O AMOR À VIDA SUPERA A MORTE - Imagem: arte da escultora estadunidense Anna Vaughn Hyatt Huntington (1876-1973). - Lá estava elagora Polímnia com sua túnica e véus transparentes, feita poesia na minha vida e carne, a me fazer dançar na geometria do universo, entre beijentregas. À sesta me ensinou a meditação para alcançar o Olimpo e noutra tarde a agricultura para que eu semeasse os campos. Quando era noite ela fugia e só voltava altas horas como Mary Wollstonecraft depois de duas tentativas suicidas e passionais, a me chamar de William para acasalarmos à poesia em paixão. Em mim ela filosofou, poetou e renasceu com a reinvindicação dos direitos da mulher. Escreveu-me cartas que não me deixava lê-las e que eu havia lhe trazido vida para afugentar a melancolia e arrependimentos, e me beijava com ternura e me afagava a face para se desnudar no The Polygon na nossa festa diária em que nada mais existisse além de nós, nossos quereres, nossos prazeres, nossa paixão. Na última noite, ao se despedir: Eu não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens; mas sobre si mesmas. Nenhum homem escolhe o mal por ser o mal; mas apenas por confundi-lo com felicidade. Deixe a mulher compartilhar dos direitos e ela emulará as virtudes do homem. E comungamos das mesmas ideias e defendemos os mesmos ideais, solidários e reais até nos diluirmos em nós mesmos e em todas as coisas. Até mais ver.

 

MESTRE ZUZA

A riqueza da gente é saber fazer a arte. Não tem coisa melhor do que você saber fazer alguma coisa e não precisar estar empregado pra sobreviver. Consegui trabalhar com artesanato a vida toda, muita gente não acredita que isso é possível.

A arte do artesão, ceramista, artista plástico, escultor, compositor e professor historiador Mestre Zuza – José Edvaldo Batista, que é pós-graduado em História pela UPE, sócio da Cooperata e instrutor no Sernar-PE. Veja mais aqui & aqui.


 

 


segunda-feira, outubro 05, 2020

BACHELARD, MAGDA SZABÓ, ÉTIENNE DE LA BOÉTIE, NORA GERMAIN, ROCHELLE COSTI & CAPIBA


  

TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... ENTRE CATERVA DE ALDRABICES - A vida passa pelas ruas da pandemia. Nas calçadas e ambívios, néscios apressam passos na crença dos investidos por antídotos divinos e apascentadores placebos, enquanto a cacunda carregada de ressentimentos e quantas culpas e atos dolosos recônditos, reclamam pela injusta compulsoriedade de uma máscara preventiva. Sim, exaltados porque não conseguem sustentá-la já que as múltiplas faces do semblante ocasional - e substituídas durante as sacralizações dos textos bíblicos de um Jesus irreconhecível, criado pelo estupro de tacanhos missionários avarentos - não permitem. São caras demais para qualquer uma. Em cada esquina eles se cruzam aguerridos aos seus templos emergentes, sombras de valhacoutos monstruosos nas algaravias dos seus alto-falantes furiosos e a suputação de ofertas promocionais de transações mercantis de uma fé gazopa dissimulada e inexorável. Deles emergem turbas de súcias para digladiarem entre si, cada qual se passando por exclusiva possuidora da verdade absoluta, sufragistas da danação geral. Que lugar é esse eu sei de cor e é o meu e de todos os que foram pegos de surpresa por uma onda inescapável. Assaltaram o meu país, o mundo e a vida com suas fanáticas exacerbações. Lembrei o filósofo humanista francês Étienne de La Boétie (1530-1563): Pobres, miseráveis e estúpidos povos, nações determinadas por sua própria desgraça e cegas para o seu próprio bem! Vocês se privam, diante de seus próprios olhos, da melhor parte de suas receitas; seus campos são saqueados, suas casas roubadas, sua herança de família tirada. Você vive de tal maneira que não pode reivindicar uma única coisa como sua; e parece que você se considera sortudo por ter emprestado sua propriedade, suas famílias e suas próprias vidas. Ele mesmo adverte sobre o que é recorrente com os detentores do poder até hoje: O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar tanto dos súditos a ideia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela. O preço da tirania é o isolamento. Que lugar é este, eu sei, o Fecamepa com seus coisominions Fabos&Cafos.

 


DOIS TONS & A MÚSICA DA URSA MENOR: UMA FLOR, O MUNDO MARAVILHOSO! - Imagem: a arte da premiada violinista, cantora, escritora e compositora estadunidente Nora Germain - Para fugir das forças reativas e moral escrava, saltei no vazio e, em queda livre, só a música do abismo. Ao ouvi-la, a certa altura do baque, o encanto sonoro me fez folha solta ao vento e a levitar na liberdade de quem não sabe a fundura nem onde pousar. Embalado, cada paisagem era como páginas folheadas num recital de Magda Szabó: Os livros formaram a base do meu mundo, a minha unidade de medida era a palavra impressa. Não a via atrás da porta do tempo e espaço, sabia o violino de Nora na pele de Erika Marozsán, a me contar do que é amar e crescer e cair como não se tivesse mais como levantar a vida rente ao chão na perspectiva do voo e Bachelard anunciasse: Não há uma verdade fundamental, apenas há erros fundamentais. E eu errâncias nos devires.

 


TRÊS NA CASA DA ILHA: RESÍDUO DO TEMPO, PASSATEMPO – Imagem: arte da premiada fotógrafa e artista multimídia Rochelle Costi - Ah, a música & a vida, era Euterpe a me levar mãos na sua pela escada palavra, em que um pimentário era o envio a um minicine, melhor, cinemagético ex-passado, com as margens do tombo, negócios à parte e a reforma do centro novo na didática do silêncio e do resíduo, o tempo todo lugar comum de margens para ser um. Ah, mas eu queria a salvação, precisava nunca mais cair. E ela, tal Epicuro: É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho. Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça. Não se pode não ter medo quando se inspira o medo. Ah, os talhos sangram, doem e saram de nem sequer lembrar depois. Pois é. Fiz do passado, não mais; fui à vida. Até mais ver.

 

AÊ, CAPIBA!!!

Quem quiser me ver / Me procure aqui mesmo / Quando chega o carnaval / Seja noite ou dia / Aqui tudo é alegria / E alegria não faz mal / É aqui que eu danço / Aqui é que eu canto / Aqui é que eu faço / Com desembaraço / Misérias no passo! / Na quarta-feira, / quando tudo terminar! / Eu espero mais um ano, / até o frevo voltar!

É hora de frevo, letra da música do compositor e músico Capiba - Lourenço da Fonseca Barbosa (1904-1997), autor de mais de 200 canções entre frevo, samba, música erudita, guarânias, maracatus, valsas, entre outros gêneros musicais. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 



sexta-feira, outubro 02, 2020

NEGRI, VERNOR VINGE, JAN MORRIS, SOLHA, HOBSBAWN, PETRA KELLY, CLIO & BRASIL HOLANDÊS

 


TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... ENTRE A MODORRA DA INAÇÃO GERAL & OS DEVIRES - Há muita má vontade por todo lado e eu voo entre descerebrados, os tais cafos celerados! Por sorte, no meio dessa contraproducência, guardo os ensinamentos dos cínicos, ouço Diógenes: Só é verdadeiramente livre quem está sempre pronto a morrer. Assim me vejo e grato, porque tudo que é vida anda de mãos dadas com a morte, por isso mesmo, eternamente grato, como Antístenes: A gratidão é a memória do coração. E o meu nas mãos. Quanto mais mesquinharia percebida no trânsito das idas e voltas, mais ouço os estoicos, como Epicteto: Nada de grande se cria de repente. Eu sei, de um em um, passo a passo, brandura e paciência. Afinal, já ensinava Sêneca: O amor não se define; sente-se. Viver significa lutar. Sim, trago comigo o que disse Antonio Negri: Há sempre em nosso resgate do passado um anseio pelo devir. A verdadeira luta é sobre quem vai organizá-la. Sim. Se das picuinhas, o horror dos acéfalos, navego o horizonte e brinco de seguir o Sol e a Lua. Vamos nessa.

 


DOIS VERSOS: O MUNDO GIRA & EU ESCAPANDO AOS PINOTES – Imagem: ilustração do livro Vida aberta (Penaluz, 2019), do escritor, cordelista, ator e artista plástico Waldemar José Solha - As páginas do que sou nas folhas espalhadas pelo chão. Ouso versos, intuo o olhar: se a noite é desesperadora, recrio o dia esplendoroso; se há sangue na língua, invento o elixir dos prazeres, entre páginas, folhas&flores. Uma frase e a prateleira das estantes, um passo e as matas da minha infância. Cruzo Jan Morris e me sorri com o que faço: Os amantes de livros vão me entender, e eles vão saber também que parte do prazer de uma biblioteca está em sua própria existência. Ao seu lado, Petra Kelly reitera com seu terno sorriso aquiescente: Todos querem voltar à natureza, mas ninguém quer ir a pé! Manifesto meu gesto de agradecimento a ambas com o Excerto 1 do premiado Trigal dos corvos (UBE-Rio, 2005), de W. J. Solha: Mas / pense nessas fotos em que não se sabe se é o caso / de aurora ou de ocaso. / Pense em diamantes entre pedras de gelo. / Pense em Herodes perdendo a cabeça por Salomé e lhe concedendo a de Batista. / Pense em homens-rãs usando seus pés-de-pato. / Pense em pássaros assombrando-se com os espantalhos mais tolos / e cobrindo as estátuas mais ferozes de cocô. / Pense no fato de que o Este demais é Oeste / de que toda subida é descida / toda entrada / saída / e de que quanto mais você se orienta / mais pode se desnortear / ou de que quanto mais se norteia / mais pode se desorientar. E não me resta nada além de poetar, xexéu poeta vou lá por aí.

 


TRÊS CAMINHOS & OUTROS TANTOS PARA ANDEJAR – Na encruzilhada a nudez de Clio acende a vida e sou argonauta a enfrentar as voltas do tempo na assimetria de sua escultural compleição. Reviro sua corporatura enquanto ela revela de suas entranhas tudo o quanto há de belo e maravilhoso no universo. E me sirvo e refaço até me exaurir para ela, aos regalos, rememorar contando histórias de ontens e jamais, proclamando o que lembrar e esquecer, a dizer de Vernor Vinge: A vida é uma loucura verde agora, tentando espremer o último pedaço de calor da temporada. A política pode ir e vir, mas a ganância continua para sempre. Mesmo a maior avalanche é desencadeada por pequenas coisas. Tanta tecnologia, tão pouco talento. Eu digo, vamos aprender mais e depois especular. E agora cada segundo era tão longo quanto antes. Vê-la assim austera até me assustou e ela logo me lembrou de Hobsbawn: Palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto do que documentos. Sim. Dela todos os prazeres do céu e da Terra, e para ela o meu coração e alma para sempre. Até mais ver.

 

O BRASIL HOLANDÊS

A obra O Brasil e os holandeses (Espaço Cultural Bandepe, 2000), coordenado por Maria Clara Rodrigues, registra a exposição que reúne obras de Barleus, Frans Post, Vingboons, Golijath, Jan Luiken, Theodor Matham, George Macgrave, Claes Janz Vooght, com textos de Anton Berden, Ulysses Pernambucano de Mello, Leonardo Dantas, Paulo Reis e Liana Mesquita. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 



quinta-feira, outubro 01, 2020

ANNIE BESANT, JOSHUA SOBOL, DORA KALMMUS, NEIL GAIMAN, CALÍOPE, ALMA & TEATRO PERNAMBUCANO


  


TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... A FOGUEIRA INFERNAL - Era uma vez o Coisonario (ou era Nerocoiso ou Coisonero, sei lá, um desse aí) queria ser rei. Não era, mas por força das circunstâncias mais escusas e de uma série de fatores que vão de “z” a “a”, pouco importa, virou majestade em Roma-Fecamepa. Foi um desgoverno! Não poderia ser diferente: extravagâncias e tiranias permearam a ponto dele botar em dia sua especialidade de matar e saiu dando peteleco letal na vida duns desafetos. Acercou-se dum ministério todo de pateta pau-mandado E, um dia lá, emborcou um estoque de barris da teibei e findou por tascar fogo em todo império, não sobrou nada do Pantanal nem da Amazônia, restando chão esturricado e toda espécie de fauna e flora devidamente torrados. Verdade seja dita, ele queria mesmo mudar o nome do lugar, instaurando o reino da Pirandria, aquele mesmo dos homens de fogo, do Supplément de l’Hisoire Véritable de Lucien, organizado por um tal de Jean Jacobé de Frémont d’Ablancourt que, ao ser recepcionado pela poderoso, foi tratado na base das farras e muita dinheirama. Como os fogueteiros eram cruéis mercenários, mandaram ver direitinho nas labaredas. Ele estava feliz e quase conseguiu o que queria: a imprensa fazia vistas grossas aos seus desmandos, restando desinformação para a posteridade. Nem mesmo as autoridades judiciárias e policiais estavam dispostas a incriminá-lo tanto pelo fogaréu como pelas afanações e dilapidações. Abriu a porteira e bem que pintou e bordou. Na verdade, só não tornou pleno seu intento por algumas categóricas razões: a primeira, a sua militância era formada exclusivamente por cabeças-de-fósforos (os Cafos de agora, sacou?) e bastava qualquer peidinho ou ventinho besta, logo surtavam, o que colocava tudo a perder; a segunda, essa de foro íntimo, por conta duma pendenga inusitada: os seus quatro filhos, do 1 ao 4, todos antes acoloiados e mamando nas tetas faustosas do reinado, resolveram promover uma verdadeira titanomaquia, assim do tipo Cronos, Urano e Zeus, sabe, remexendo às reviravoltas no Olimpo familiar. Foi osso: cada um e entre eles uma rebelião sem precedentes que findou com o afundamento da dinastia. Foram golpes de estado, deposições e impeachment sucessivos e mútuos, afora decisões judiciais que favorecia um em detrimento dos outros e isso com surpreendentes recursos impetrados entre si, ou seja, os envolvidos ora atuavam comissivos, ora omissivos, e se beneficiavam da concessão de liminares que os prejudicavam pelo trânsito em julgado de sentença condenatória, restando, enfim, os mesmos todos, pai e filhos, condenados à morte. Cabum! O último a ser dizimado foi o pai que, na hora da execução, soltou aos ares: Que artista falece comigo, hem? Era, enfim, uma vez. Triste fim. A história se repete, como sempre.

 


DUAS ALMAS VOAVAM NO PALCO – Imagem: arte da fotógrafa austríaca Dora Kalmmus – a Madame D’Ora (1881-1963) - O cotidiano uma fornalha, havia de fugir disso. Um movimento suspeito no prédio da esquina e invadi suas dependências por uma das portas entreabertas. Ali presenciei uma encenação, ao que parece, do polidrama de Joshua Sobol. Logo fui convidado a participar entre os atores, como coadjuvante de episódios sobre a vida de Alma. Quem? Não me responderam e lá estava eu espectador de uma viagem encenada por Viena, Veneza e Lisboa, daí para os Estados Unidos. Ao final, comes e bebes entre afetos de confraternização. A bela protagonista aproximou-se de mim: Por vários dias e noites, venho tecendo música dentro de mim. É tão intenso e penetrante que, quando falo, sinto sob as palavras, e à noite não me deixa dormir. Curioso, o mesmo se deu comigo nos últimos dias. Ela, então, olhou-me fundo nos olhos e disse: Não é a coisa principal de onde vem a beleza da vida. Trata-se apenas de captá-lo, senti-lo e transmiti-lo a alguém. Consegui perceber que não sou feliz, mas também não sou infeliz. Venha! E me levou por corredores e salões e portas que davam em varandas e quartos escuros, até chegar num tablado cênico em que uma cama estava disposta com uma iluminação especial e, ao sentar-se ao leito, mostrou-me o teto e era o céu carregado de estrelas. Ao vê-la já desnuda, beijou-me e tudo era o voo no paraíso que me foi dado por ela.

 


TRÊS BEIJOS & A VIDA É FOGO ETERNO – Imagem: Calíope, do quadrinista, escritor e roteirista britânico Neil Gaiman - Três beijos e já era a majestosa Calíope, coroada de louros e ornada de grinaldas. E me fez Ares para desbravar suas entranhas e mistérios, e me fez Oeagrus para reinar sobre ela na Pimpleia e todo Olimpo, e me levou para a Terra dos Sonhos e lá ser o seu raptor e ela cativa em meus braços a mergulhar no meu gozo para que me transforme em Oneiros e seu salvador viril no cativeiro da paixão, até enlanguescer e me servir por noites e dias, e amanhecer ao meu lado Annie Besant a me dizer: Nada duradouro é construído com paixão violenta. A natureza cultiva suas plantas em silêncio e na escuridão, e só quando elas se fortalecem é que colocam a cabeça sobre o solo. Levantou-se, pegou um rolo de pergaminho e uma pena: escreva. Enquanto escrevia, ela cantava magnetizando meu corpo e minha alma. E ao vê-la incandescente era a bela Bruna Guerin no curta de Helena Guerra e eu Gregório a me render aos seus pés alados de musa para neles voar por toda eternidade. A vida é fogo eterno. Até mais ver.

 

CENOGRAFIA E MAQUINARIA TEATRAL

Pensei em tudo, em você e em outras pessoas, porque era o meu trabalho que estava se realizando com a maior força de vontade...

Trecho extraído da obra Cenografia e Maquinaria Teatral (Coleção Malungo – FCCR, 1999), do cenógrafo e autor teatral Antonio José Alves de Almeida (Zezinho), tratando sobre os segredos da cenografia, com ilustrações e memória fotográfica. Ele é autor de peças teatrais infantis e adultas, contos e exposições de artes plásticas. Veja mais aqui e aqui.

 



ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite , que possui mestrado em...