APOLOGIA À MENTIRA - Imagem: El arte de mentir, by Axel Zamudio. - Se eu contar ninguém
acredita, destá. Vamos lá. Certa vez estava no aprazível município catendense,
dando cabo de umas pendências com o amigo Marcos Catende, findando na maior cachaçada
numa residência localizada no alto do morro, fora da cidade. Chegando a hora de
ir embora, lá fui acionando o motor da Kombi da emissora que eu trabalhava, debreando,
passando primeira, quando lembrei que faltava acertar algo. Estacionei na
ladeira sem desligar o motor, puxei o freio de mão e fui lá avisar. Dei o
recado e ao voltar, cadê o carro? Saí na carreira e ainda vi o veículo descendo
pra se arrebentar no precipício, lá embaixo. Mãos à cabeça, gritei: ei, pare!
Graças a uma rieira rasa, o automóvel fez a curva, estacionando intacto e
encostado de ré num matagal. Ufa! Benzi-me na hora! Escapei por pouco. Fui
conferir, nem um arranhão, nada. Olhei lá pra baixo e imaginei o desastre que
seria. Fiquei impressionado, demorei pra me restabelecer e parar de tremer.
Todos correram pra me socorrer lívido e transtornado: - Que foi que houve? Quem
viu a minha correria, explicava. Eu estava com o coração nas mãos, foi difícil
voltar ao normal. Ainda hoje, vez ou outra, me passa pela cabeça o utilitário
descendo a ribanceira pra virar um molho de ferro destroçado embaixo. Pois,
foi. Na vera, de mesmo. Doutra feita, era sexta-feira, depois do almoço saí de
casa pra ensaiar. No meio do caminho, uma distinta pessoa me propôs ir ao show
do Lenine, no Festival de Inverno de Garanhuns. A proposta tentadora possuía argumentos
fortíssimos, não havia como recusar. Fui, aliás, fomos, curtimos e nos
esbaldamos. Depois da meia noite eu já estava em casa, empolgado com o
acontecido. Tomei um banho, lalari, lalará, peguei uma cerveja, lalari, lalará,
liguei o computador e fiquei curtindo o som do Lenine no fone de ouvidos,
revivendo o ocorrido. Acessei a rede social para ver as novidades e mensagens
recebidas, quando minha sobrinha, Pauleana, me saudou e, no meio da conversa,
eu disse que tinha chegado do show em Garanhuns. Ela vibrou e, pouco tempo
depois, nos despedimos, até que eu já com a cabeça acompanhando o movimento da
Terra e dos astros, caí na cama pro sono dos cansados. Ao acordar, qual não foi
a minha surpresa receber a ligação da minha irmã Aninha – mãe da Pauleana -,
avisando que estava com o marido em Maceió e não sabia chegar em minha casa.
Fui buscá-la e, ao chegar lá, qual foi a primeira coisa que ela perguntou?
Exatamente: - Quer dizer que fosse pro show do Lenine, em Garanhuns? Minha
filha não deixou nem eu abrir a boca e foi logo dizendo: - Foi nada, ele foi
ensaiar e chegou tarde! Aninha se virou pra mim: - Você disse à Pauleana que
tinha ido pro show! Eu olhei ao redor e respondi de pronto: - Sou um
supermentiroso! Teibei! Foi melhor, evidentemente, do que uma bomba explodir
com radioatividade queimando tudo por dias, meses e até anos, né não? Minha
irmã até hoje me olha de viés e com toda razão. É que desde menino, eu e
Marquinhos, tínhamos um ídolo: Tó Zeca. Pense num cabra fértil das aventuras. Foi
por essa época que eu li as aventuras do Barão de Munchausen e fui contar pra
ele: - Besteira, esse Barão, pra mim, é fichinha, já dei mais de 200 voltas ao
mundo, fui à lua não sei quantas vezes de perder a conta e conheço a galáxia
como a palma da minha mão! Eita! Perto dele o Marco Polo e o Júlio Verne são
pinto mesmo. Pra provocar falei do Moby Dick do Melville: - Ôxe, isso é nada,
já peguei traíra dez vezes maior que essa baleiazinha no Rio Una. Quantas
viessem, ele superava e estufava no peito: - Dei aulas pro Pedro Malasartes, mô
fio! Sou professor e aprendi sem se ensinar! O cara era hors-concours, bateu o recorde de todos os mitômanos e além dos
diagnósticos de pseudologia fantástica, mentira patológica, evasionismo ou
pantomimia. Era imbatível. Pra ele, todo dia era primeiro de abril. Tanto é que
só pra se ter uma ideia leve assim de longe, que ele batia nos peitos por ter
sido abduzido por discos voadores mais de mil vezes, e de ter emprenhado duas
selenitas, três marcianas e uma venusiana que queria casar, dele dar um
carreirão de ser pego pela tropa dela escondido num iglu, esquentando os pés
com uma esquimó. Pode? Procê ver. Eram das boas, não como as deslavadas dos
políticos de hoje ou dos que vivem de intrigas pra desancar a reputação alheia,
não, não dessas, mas das que revelam um mundo incompreensível, cheio das pilherias,
como as do Facetiae de Bebel, do Cortegiano de Castiglione, a utopia de
Beldermann, ou do inocente Pinóquio. Então, recruta de tudo, eu aprendia a
lição me exercitando com Marquinhos no quintal lá de casa: - Quem conta a mais
cabeluda? Sempre levei desacerto, até pra mentir sou imprestável. Mas não me
dei por vencido, buscava nos livros, Alice de Carrol, Monteiro Lobato,
Macunaíma, o Ivan de Dostoievski, o Altamirando e outros parentes do Stanislaw
Ponte Preta, o coronel de José Cândido de Carvalho, a poesia de Zé Limeira, lendas
e folclore, a mula sem cabeça, a perna cabeluda, essas coisas, por aí, até o
dia que o Afonso Paulo, eu ainda adolescente, me deu o livro Informe de Brodie,
do escritor argentino Jorge Luiz Borges, traduzido pelo conterrâneo Hermilo.
Eita! Foi aí que conheci a literatura fantástica latino-americana e, ao mesmo
tempo, as estórias de Guimarães Rosa e Murilo Rubião. O contato com a obra de
Borges foi assaz fascinante, fiquei de queixo caído! Que coisa! Era ainda
adolescente quando entrei pra faculdade e, no meio de uma pesquisa, descobri a
obra Presenças, do Otto Maria Carpeaux que falava de Borges e dos seus “anacronismos
deliberados e atribuições errôneas”, falando de obras inventadas, do Livro de
Areia, de fatos e vultos históricos que nunca existiram, a História da Infâmia,
de Ficções, do Aleph, tudo invenção pura, magistrais. Pra quem já dera de cara
com a mimese platônica e com o fingimento de Fernando Pessoa, estava perdido:
tudo era uma mentira, afinal de contas. Pra lavar a alma, lembro que numa das
entrevistas que fiz com Alceu Valença, na casa dele em Olinda, acompanhado de
Isolda do saudoso Jones Melo, e da escritora Jussara Koury que, nesta época,
presidia a Fundação de Hermilo, ele afirmava ter sido demitido do primeiro
emprego por causa de mentira. Como foi? Ele contou que trabalhava no jornal –
emprego arrumado pelo Jones Melo – e, na obrigação de fazer uma matéria,
apareceu a notícia de um assassinato. Veio o estalo: assassinato vitima
trezentas pessoas e deixa milhares feridos. Entregou a matéria pro editor que
sapecou na primeira página! No outro dia ele soube de um atropelamento em
Afogados, não deu outra: jamanta de não sei quantos pneus desgovernada mata
mais de 600, fere outros tantos, derruba casas e fecha o trânsito por horas.
Resultado: no terceiro dia, o editor chamou por ele, reclamando das barrigas e o
demitindo na hora. Alceu, às gaitadas, dizia: - Não tinha a menor graça isso de
um assassinatozinho de um tiro só e uma vítima, um atropelamentozinho besta, de
nada, coisa mixuruca, aí eu mentia c’a peste, aumentava o negócio pra ficar
mais arretado! Findei demitido pelas mentiras! Maior risadagem da gente com as
contadas de Alceu. Realmente. Ao longo da minha vida sempre fui agraciado de
ter por perto a presença de risíveis figuras, como caçadores, vigias,
pescadores e outros boateiros e aumentadores de fatos e coisas, que nunca
dispensavam uma pinóia como café pequeno, ou soltavam das suas como quem solta
um inofensivo peidinho só pra ver a careta do alheio. Tudo isso serviu pro meu
aprendizado e quase pego jeito. Como sempre almejei ser um escritor, soltava
das minhas, contudo sempre findava flagrado com a cara mais lisa com peta ou
patranha que ousasse. Se não acertei a mão como beletrista, o pior é que até pra
peteiro fui reprovado, avalie. Ainda descarado, boto moral. E foi o próprio
Carpeaux na crítica sobre Borges que me deu a ideia: “Mudando-se a hora e um ou
dois nomes próprios, é o mesmo mundo”. Hehehehehehe. E vamos aprumar a
conversa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
JOGO DOS POSSÍVEIS DE FRANÇOIS JACOB
[...] Porque não é
apenas o interesse que leva os homens a matarem-se mutuamente. É também o
dogmatismo. Nada
é tão perigoso como a certeza de se ter razão. Nada causa tanta destruição
como a obsessão duma verdade considerada absoluta. Todos os crimes da história são
consequência de algum fanatismo. Todos os massacres foram cometidos por
virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política
idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a verdade do
outro, do combate contra Satanás. A frieza e a
objetividade, que se reprovam tantas vezes nos cientistas, talvez sejam mais
úteis que a febre e a subjetividade para discutir certos assuntos humanos.
Porque não são as ideias da ciência que provocam as paixões. São as paixões que
utilizam a ciência para sustentar a sua causa. A ciência não conduz ao racismo
e ao ódio. É o ódio que faz apelo à ciência para justificar o seu racismo.
Podem criticar-se certos cientistas pelo ardor com que por vezes defendem as
suas ideias. Mas nenhum genocídio foi ainda perpetrado para fazer triunfar uma
teoria científica. No final deste século XX deveria ser claro para todos que
nenhum sistema explicará o mundo em todos os seus aspetos e todos os seus
pormenores. Ter contribuído para pôr termo à ideia duma verdade intangível e
eterna talvez não seja um dos menores títulos de glória do método científico. [...].
Trecho
da obra O
jogo dos possíveis: Ensaio
sobre a diversidade do mundo vivo (Gradiva, 1982), do
biólogo francês e Prêmio Nobel de Medicina de 1965, François Jacob (1920-2013),
Veja
mais sobre:
Freyaravi
& o circo dos prazeres, Cultura de consumo & pós-modernismo de Mike Featherstone,
Contos brasileiros de Julieta
de Godoy Ladeira, o Kama Sutra de Vātsyāyana, a fotografia de Ralf Mohr, Humanitarian Projects, a música de Marisa Monte, a pintura de Crystal Barbre
& a arte de Luciah Lopez aqui.
E mais:
Lualmaluz, De
segunda a um ano de John Cage, Técnica
& ideologia de Jürgen Habermas, A história da literatura de Nelson Werneck Sodré, a escultura de George
Kurjanowicz, Peace on Earth, a música de Sally Seltmann, a pintura de Théodore Géricault & Moisés
Finalé, a arte de Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
Devagar e sempre, Monadologia de Leibniz, Estudo do poema de Antônio Cândido, Meu país de Dorothea Mackellar, a música de Alceu Valença, A arte da comédia de Lope de
Vega, o ativismo de Emma Goldman, Brincarte do Nitolino, a pintura de
Nina Kozoriz, a xilogravura de Gilvan
Samico & Amaro Francisco Borges aqui.
Nem te conto, O lobo da estepe de Hermann Hesse, Repensar o
mundo de Wislawa Szymborska, Elegias & sátiras de Xenófanes de Colofão, a música de Gluck & Sylvia McNair, o cinema de Phil
Karlson & Marilyn Monroe, a
pintura de Richard Geiger &
Philippe de Rougemont, as gravuras de Osvaldo Jalil & a arte de Bia Sion
aqui.
Os
princípios de filosofia de Leibniz, As glosas de Manuel Bentevi, a música de Alceu Valença, a
arte de Helena Cristina & Programa Tataritaritatá aqui.
O jogo
das contas de vidro de Hermann Hesse, O prazer da escrita de Wislawa Szymborska, a música
de Christoph Willibald Gluck, A fugitiva de Evelyn
Lau, a fotografia de Bárbara
Angel & a arte de Daniella Alcarpe aqui.
Uma
cachaçada e uma casa no meio da rua & Fecamepa aqui.
O amor
engatinhando na noite azul aqui.
Médicos,
curaus & outras petas, Charlie Chaplin, Chico Folote & a Besta
Fubana, Estupro, O poder humano & as glândulas endócrinas aqui.
A poesia
& a arte de Alessandra Cavagna
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O amor
entre os animais, Aretusa, o pensamento de Sêneca, a escultura de Francisco Leopoldo da Silva & Ángel López Miñano, a música de Reri Grist, o teatro de Bernadette Peters
& o Doro na fila de banco aqui.
Crônica de amor por ela: todo dia é dia dos
namorados, Finisterra de Ledo Ivo,
A manobra da carreta de Luiz Berto,
Diário de Anne Frank, O caráter anarquista de Luce Fabbri, A música de Geraldo Azevedo, o cinema de Solveig Nordlund, a arte de Carmem Verônica, a
pintura de Zichy Mihály & Wellington
Virgolino aqui.
Além da
entrega mais que tardia, Papoulas de julho de Sylvia Plath, A literatura de
vanguarda de Guillermo de Torre, A verdade de Jean Cocteau, a música de Sky Ferreira, a pintura de Artemísia
Gentileschi, a arte de Tom Wesselmann & Luciah Lopez aqui.
Caraminholas
do miolo de pote, O homem pós-orgânico de Paula
Sibilia, Escritos de Guillaume
Apollinaire, a literatura de Antoine
de Saint-Exupéry, a música de Diamanda Galás, a fotografia de Jim Duvall, a pintura de Marie Fox & a arte de Luciah Lopez aqui.
Migrante
entre equívocos, Tragédia da cultura de Georg Simmel, Santuário de William
Faulkner, a música de Ivan Lins & Sá & Guarabira, Cibertcultura de André
Lemos, a pintura de James Mcneill Whistler, a arte de Yosuke
Onishi & Lanoo aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
A
ESCULTURA DE BEAUVALLET
A arte do
escultor e desenhista francês Pierre-Nicolas
Beauvallet (1750-1818).
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Neste sábado, 1º/07, Alceu
Valença com o show Oropa, França e Bahia (ao vivo) & Valencianas com a
Orquestra de Ouro Preto; Joyce ao vivo & Live at the Mojo Club; os grandes
sucessos de Tavito Carvalho; e Maria Rita com o show Samba Meu ao vivo. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
Neste domingo, 02/07, Yuja Wang ao vivo com Rapsody in
Blue de George Gershwin, Pantanal ao vivo com Marcus Viana & Transfônica Orquestra,
show ao vivo de Eliane Elias & show ao vivo de Arrigo Barnabé. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
A ARTE DE JOHN HARDING
A arte do artista britânico John
Harding, autor de obras como O que
fizemos em nosso feriado (2000),
Enquanto The Sun Shines (2002), One Big Damn Puzzler (2005), Florence
and Giles (2010) & A menina
que não conseguiu ler (2014),