sábado, julho 01, 2017

JOGO DOS POSSÍVEIS DE FRANÇOIS JACOB, A ESCULTURA DE BEAUVALLET, A ARTE DE JOHN HARDING & APOLOGIA À MENTIRA

APOLOGIA À MENTIRA - Imagem: El arte de mentir, by Axel Zamudio. - Se eu contar ninguém acredita, destá. Vamos lá. Certa vez estava no aprazível município catendense, dando cabo de umas pendências com o amigo Marcos Catende, findando na maior cachaçada numa residência localizada no alto do morro, fora da cidade. Chegando a hora de ir embora, lá fui acionando o motor da Kombi da emissora que eu trabalhava, debreando, passando primeira, quando lembrei que faltava acertar algo. Estacionei na ladeira sem desligar o motor, puxei o freio de mão e fui lá avisar. Dei o recado e ao voltar, cadê o carro? Saí na carreira e ainda vi o veículo descendo pra se arrebentar no precipício, lá embaixo. Mãos à cabeça, gritei: ei, pare! Graças a uma rieira rasa, o automóvel fez a curva, estacionando intacto e encostado de ré num matagal. Ufa! Benzi-me na hora! Escapei por pouco. Fui conferir, nem um arranhão, nada. Olhei lá pra baixo e imaginei o desastre que seria. Fiquei impressionado, demorei pra me restabelecer e parar de tremer. Todos correram pra me socorrer lívido e transtornado: - Que foi que houve? Quem viu a minha correria, explicava. Eu estava com o coração nas mãos, foi difícil voltar ao normal. Ainda hoje, vez ou outra, me passa pela cabeça o utilitário descendo a ribanceira pra virar um molho de ferro destroçado embaixo. Pois, foi. Na vera, de mesmo. Doutra feita, era sexta-feira, depois do almoço saí de casa pra ensaiar. No meio do caminho, uma distinta pessoa me propôs ir ao show do Lenine, no Festival de Inverno de Garanhuns. A proposta tentadora possuía argumentos fortíssimos, não havia como recusar. Fui, aliás, fomos, curtimos e nos esbaldamos. Depois da meia noite eu já estava em casa, empolgado com o acontecido. Tomei um banho, lalari, lalará, peguei uma cerveja, lalari, lalará, liguei o computador e fiquei curtindo o som do Lenine no fone de ouvidos, revivendo o ocorrido. Acessei a rede social para ver as novidades e mensagens recebidas, quando minha sobrinha, Pauleana, me saudou e, no meio da conversa, eu disse que tinha chegado do show em Garanhuns. Ela vibrou e, pouco tempo depois, nos despedimos, até que eu já com a cabeça acompanhando o movimento da Terra e dos astros, caí na cama pro sono dos cansados. Ao acordar, qual não foi a minha surpresa receber a ligação da minha irmã Aninha – mãe da Pauleana -, avisando que estava com o marido em Maceió e não sabia chegar em minha casa. Fui buscá-la e, ao chegar lá, qual foi a primeira coisa que ela perguntou? Exatamente: - Quer dizer que fosse pro show do Lenine, em Garanhuns? Minha filha não deixou nem eu abrir a boca e foi logo dizendo: - Foi nada, ele foi ensaiar e chegou tarde! Aninha se virou pra mim: - Você disse à Pauleana que tinha ido pro show! Eu olhei ao redor e respondi de pronto: - Sou um supermentiroso! Teibei! Foi melhor, evidentemente, do que uma bomba explodir com radioatividade queimando tudo por dias, meses e até anos, né não? Minha irmã até hoje me olha de viés e com toda razão. É que desde menino, eu e Marquinhos, tínhamos um ídolo: Tó Zeca. Pense num cabra fértil das aventuras. Foi por essa época que eu li as aventuras do Barão de Munchausen e fui contar pra ele: - Besteira, esse Barão, pra mim, é fichinha, já dei mais de 200 voltas ao mundo, fui à lua não sei quantas vezes de perder a conta e conheço a galáxia como a palma da minha mão! Eita! Perto dele o Marco Polo e o Júlio Verne são pinto mesmo. Pra provocar falei do Moby Dick do Melville: - Ôxe, isso é nada, já peguei traíra dez vezes maior que essa baleiazinha no Rio Una. Quantas viessem, ele superava e estufava no peito: - Dei aulas pro Pedro Malasartes, mô fio! Sou professor e aprendi sem se ensinar! O cara era hors-concours, bateu o recorde de todos os mitômanos e além dos diagnósticos de pseudologia fantástica, mentira patológica, evasionismo ou pantomimia. Era imbatível. Pra ele, todo dia era primeiro de abril. Tanto é que só pra se ter uma ideia leve assim de longe, que ele batia nos peitos por ter sido abduzido por discos voadores mais de mil vezes, e de ter emprenhado duas selenitas, três marcianas e uma venusiana que queria casar, dele dar um carreirão de ser pego pela tropa dela escondido num iglu, esquentando os pés com uma esquimó. Pode? Procê ver. Eram das boas, não como as deslavadas dos políticos de hoje ou dos que vivem de intrigas pra desancar a reputação alheia, não, não dessas, mas das que revelam um mundo incompreensível, cheio das pilherias, como as do Facetiae de Bebel, do Cortegiano de Castiglione, a utopia de Beldermann, ou do inocente Pinóquio. Então, recruta de tudo, eu aprendia a lição me exercitando com Marquinhos no quintal lá de casa: - Quem conta a mais cabeluda? Sempre levei desacerto, até pra mentir sou imprestável. Mas não me dei por vencido, buscava nos livros, Alice de Carrol, Monteiro Lobato, Macunaíma, o Ivan de Dostoievski, o Altamirando e outros parentes do Stanislaw Ponte Preta, o coronel de José Cândido de Carvalho, a poesia de Zé Limeira, lendas e folclore, a mula sem cabeça, a perna cabeluda, essas coisas, por aí, até o dia que o Afonso Paulo, eu ainda adolescente, me deu o livro Informe de Brodie, do escritor argentino Jorge Luiz Borges, traduzido pelo conterrâneo Hermilo. Eita! Foi aí que conheci a literatura fantástica latino-americana e, ao mesmo tempo, as estórias de Guimarães Rosa e Murilo Rubião. O contato com a obra de Borges foi assaz fascinante, fiquei de queixo caído! Que coisa! Era ainda adolescente quando entrei pra faculdade e, no meio de uma pesquisa, descobri a obra Presenças, do Otto Maria Carpeaux que falava de Borges e dos seus “anacronismos deliberados e atribuições errôneas”, falando de obras inventadas, do Livro de Areia, de fatos e vultos históricos que nunca existiram, a História da Infâmia, de Ficções, do Aleph, tudo invenção pura, magistrais. Pra quem já dera de cara com a mimese platônica e com o fingimento de Fernando Pessoa, estava perdido: tudo era uma mentira, afinal de contas. Pra lavar a alma, lembro que numa das entrevistas que fiz com Alceu Valença, na casa dele em Olinda, acompanhado de Isolda do saudoso Jones Melo, e da escritora Jussara Koury que, nesta época, presidia a Fundação de Hermilo, ele afirmava ter sido demitido do primeiro emprego por causa de mentira. Como foi? Ele contou que trabalhava no jornal – emprego arrumado pelo Jones Melo – e, na obrigação de fazer uma matéria, apareceu a notícia de um assassinato. Veio o estalo: assassinato vitima trezentas pessoas e deixa milhares feridos. Entregou a matéria pro editor que sapecou na primeira página! No outro dia ele soube de um atropelamento em Afogados, não deu outra: jamanta de não sei quantos pneus desgovernada mata mais de 600, fere outros tantos, derruba casas e fecha o trânsito por horas. Resultado: no terceiro dia, o editor chamou por ele, reclamando das barrigas e o demitindo na hora. Alceu, às gaitadas, dizia: - Não tinha a menor graça isso de um assassinatozinho de um tiro só e uma vítima, um atropelamentozinho besta, de nada, coisa mixuruca, aí eu mentia c’a peste, aumentava o negócio pra ficar mais arretado! Findei demitido pelas mentiras! Maior risadagem da gente com as contadas de Alceu. Realmente. Ao longo da minha vida sempre fui agraciado de ter por perto a presença de risíveis figuras, como caçadores, vigias, pescadores e outros boateiros e aumentadores de fatos e coisas, que nunca dispensavam uma pinóia como café pequeno, ou soltavam das suas como quem solta um inofensivo peidinho só pra ver a careta do alheio. Tudo isso serviu pro meu aprendizado e quase pego jeito. Como sempre almejei ser um escritor, soltava das minhas, contudo sempre findava flagrado com a cara mais lisa com peta ou patranha que ousasse. Se não acertei a mão como beletrista, o pior é que até pra peteiro fui reprovado, avalie. Ainda descarado, boto moral. E foi o próprio Carpeaux na crítica sobre Borges que me deu a ideia: “Mudando-se a hora e um ou dois nomes próprios, é o mesmo mundo”. Hehehehehehe. E vamos aprumar a conversa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

JOGO DOS POSSÍVEIS DE FRANÇOIS JACOB
[...] Porque não é apenas o interesse que leva os homens a matarem-se mutuamente. É também o dogmatismo. Nada é tão perigoso como a certeza de se ter razão. Nada causa tanta destruição como a obsessão duma verdade considerada absoluta. Todos os crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os massacres foram cometidos por virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a verdade do outro, do combate contra Satanás. A frieza e a objetividade, que se reprovam tantas vezes nos cientistas, talvez sejam mais úteis que a febre e a subjetividade para discutir certos assuntos humanos. Porque não são as ideias da ciência que provocam as paixões. São as paixões que utilizam a ciência para sustentar a sua causa. A ciência não conduz ao racismo e ao ódio. É o ódio que faz apelo à ciência para justificar o seu racismo. Podem criticar-se certos cientistas pelo ardor com que por vezes defendem as suas ideias. Mas nenhum genocídio foi ainda perpetrado para fazer triunfar uma teoria científica. No final deste século XX deveria ser claro para todos que nenhum sistema explicará o mundo em todos os seus aspetos e todos os seus pormenores. Ter contribuído para pôr termo à ideia duma verdade intangível e eterna talvez não seja um dos menores títulos de glória do método científico. [...].
Trecho da obra O jogo dos possíveis: Ensaio sobre a diversidade do mundo vivo (Gradiva, 1982), do biólogo francês e Prêmio Nobel de Medicina de 1965, François Jacob (1920-2013),

Veja mais sobre:
Freyaravi & o circo dos prazeres, Cultura de consumo & pós-modernismo de Mike Featherstone, Contos brasileiros de Julieta de Godoy Ladeira, o Kama Sutra de Vātsyāyana, a fotografia de Ralf Mohr, Humanitarian Projects, a música de Marisa Monte, a pintura de Crystal Barbre & a arte de Luciah Lopez aqui.

E mais:
Lualmaluz, De segunda a um ano de John Cage, Técnica & ideologia de Jürgen Habermas, A história da literatura de Nelson Werneck Sodré, a escultura de George Kurjanowicz, Peace on Earth, a música de Sally Seltmann, a pintura de Théodore Géricault & Moisés Finalé, a arte de Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
Devagar e sempre, Monadologia de Leibniz, Estudo do poema de Antônio Cândido, Meu país de Dorothea Mackellar, a música de Alceu Valença, A arte da comédia de Lope de Vega, o ativismo de Emma Goldman, Brincarte do Nitolino, a pintura de Nina Kozoriz, a xilogravura de Gilvan Samico & Amaro Francisco Borges aqui.
Nem te conto, O lobo da estepe de Hermann Hesse, Repensar o mundo de Wislawa Szymborska, Elegias & sátiras de Xenófanes de Colofão, a música de Gluck & Sylvia McNair, o cinema de Phil Karlson & Marilyn Monroe, a pintura de Richard Geiger & Philippe de Rougemont, as gravuras de Osvaldo Jalil & a arte de Bia Sion aqui.
Os princípios de filosofia de Leibniz, As glosas de Manuel Bentevi, a música de Alceu Valença, a arte de Helena Cristina & Programa Tataritaritatá aqui.
O jogo das contas de vidro de Hermann Hesse, O prazer da escrita de Wislawa Szymborska, a música de Christoph Willibald Gluck, A fugitiva de Evelyn Lau, a fotografia de Bárbara Angel & a arte de Daniella Alcarpe aqui.
Uma cachaçada e uma casa no meio da rua & Fecamepa aqui.
O amor engatinhando na noite azul aqui.
A explosão do prazer & Zine Tataritaritatá aqui.
A violência na escola aqui.
Médicos, curaus & outras petas, Charlie Chaplin, Chico Folote & a Besta Fubana, Estupro, O poder humano & as glândulas endócrinas aqui.
A poesia & a arte de Alessandra Cavagna aqui.
O amor entre os animais, Aretusa, o pensamento de Sêneca, a escultura de Francisco Leopoldo da Silva & Ángel López Miñano, a música de Reri Grist, o teatro de Bernadette Peters & o Doro na fila de banco aqui.
Crônica de amor por ela: todo dia é dia dos namorados, Finisterra de Ledo Ivo, A manobra da carreta de Luiz Berto, Diário de Anne Frank, O caráter anarquista de Luce Fabbri, A música de Geraldo Azevedo, o cinema de Solveig Nordlund, a arte de Carmem Verônica, a pintura de Zichy Mihály & Wellington Virgolino aqui.
Além da entrega mais que tardia, Papoulas de julho de Sylvia Plath, A literatura de vanguarda de Guillermo de Torre, A verdade de Jean Cocteau, a música de Sky Ferreira, a pintura de Artemísia Gentileschi, a arte de Tom Wesselmann & Luciah Lopez aqui.
Caraminholas do miolo de pote, O homem pós-orgânico de Paula Sibilia, Escritos de Guillaume Apollinaire, a literatura de Antoine de Saint-Exupéry, a música de Diamanda Galás, a fotografia de Jim Duvall, a pintura de Marie Fox & a arte de Luciah Lopez aqui.
Migrante entre equívocos, Tragédia da cultura de Georg Simmel, Santuário de William Faulkner, a música de Ivan Lins & Sá & Guarabira, Cibertcultura de André Lemos, a pintura de James Mcneill Whistler, a arte de Yosuke Onishi & Lanoo aqui.
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A ESCULTURA DE BEAUVALLET
A arte do escultor e desenhista francês Pierre-Nicolas Beauvallet (1750-1818).

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Neste sábado, 1º/07, Alceu Valença com o show Oropa, França e Bahia (ao vivo) & Valencianas com a Orquestra de Ouro Preto; Joyce ao vivo & Live at the Mojo Club; os grandes sucessos de Tavito Carvalho; e Maria Rita com o show Samba Meu ao vivo. Para conferir é só ligar o som e curtir.
Neste domingo, 02/07, Yuja Wang ao vivo com Rapsody in Blue de George Gershwin, Pantanal ao vivo com Marcus Viana & Transfônica Orquestra, show ao vivo de Eliane Elias & show ao vivo de Arrigo Barnabé. Para conferir é só ligar o som e curtir.

A ARTE DE JOHN HARDING
A arte do artista britânico John Harding, autor de obras como O que fizemos em nosso feriado (2000), Enquanto The Sun Shines (2002), One Big Damn Puzzler (2005), Florence and Giles (2010) & A menina que não conseguiu ler (2014),

PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

  Imagem: Foto AcervoLAM . Ao som do show Transmutando pássaros (2020), da flautista Tayhná Oliveira .   Lua de Maceió ... - Não era ...