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quinta-feira, agosto 24, 2023

BLANCA LUZ PULIDO, CASSANDRA CLARE, ELIZABETH GROSZ & REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som das obras Verblendungen (1984), Io (1987), ...à la Fumée (1990), Graal théâtre (1994), Orion (2002), Terra Memoria (2007), Lanterna mágica (2008), Circle Map (2012), Only The Sound Remains (2015) e Innocence (2018), da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023).

 

EITA, MANA, TENGO LENGOTENGO - Chuviscava na tarde mormaçada e o país parou porque era domingo na primeira semana de janeiro: horrores à vista numa roleta russa e nenhum semancol! Era 8 de janeiro e tudo muito triste há mais de uns cinco ou seis anos para um franzino à paisana, solfejando A morte do vaqueiro de Gonzaga & Nelson Barbalho – o nome esquecido de quem morreu sem deixar festas, quem não, quem nunca no pântano lúgubre dominical: o sangue humano era o alimento deles tão beligerantes. Quase nem ouvi quem dissera de Buchi Emecheta no meio da treta televisionada, um desaforo em cadeia nacional: O mundo inteiro parecia desigual, tão injusto. Algumas pessoas eram criadas com todas as coisas boas prontinhas à espera delas, outras apenas como enganos. Enganos de Deus... Pareciam mais desalmados oriundos da Planolândia, estúpidos desatinados. Não fosse dela o aceno com um trecho do Genji Monogatari de Murasaki Shikibu, jamais saberia: As coisas reais na escuridão não parecem mais reais do que os sonhos... O mundo não sabe disso; mas você, Outono, eu confesso: seu vento ao cair da noite penetra profundamente em meu coração... Não era outono e nem ainda escurecia. Só um tempo depois percebi que chegara de Earenger ornada pela chuva de quarks, bósons e habróns, no meio de múons que rondavam nas paragens. E se aproximava como quem descia do cometa Nishimura para nosso interlúdio idílico. Sua presença, ah ela, removia as sombras dos mortos de Estige e a barca de Caronte, o óbolo, o Cérbero e a terra da solidão subterrânea de Hades, os campos de Asfódelos, o profundo Tártaro e os Campos Elísios, tudo então revivido, não mais. Ali se parecia Perséfone escapulindo do sequestro e agitando a dopamina na minha festa Heitor dos Prazeres. Enigmática citou Bob Wilson: Se você vê o pôr do sol, isso tem que significar alguma coisa? Se você ouvir os pássaros cantando, tem que ter uma mensagem?... E me propôs jogar mancala no meio da quase noite estrelada. Sabia lá o que era e como. Diante da minha ignorância recitou-me Nazik Al-Malaika: Entenda-me se a noite for compreendida, entenda meus sentimentos. E toque-me, toque-me se as estrelas podem ser tocadas. Noitedias mais que a entendi ao tocá-la: mergulhei nos seus olhos e mais soube de viver sua efêmera estadia. Era a vida pregando das suas, ela se foi como se nem bem dissesse: Lá vai Luiz, coitado, o nosso sangue nos une. E isso eu não sabia. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

MULHER COM CHUVA: Uma xícara de café começa o dia. \ A lucidez e a paciência \ pendem de seu aroma espesso. \ Começo a sentir a matéria, \ A perceber a luz\ e a separar-me das sombras. \ Costume, rito: \ listar na imaginação \ tarefas planejadas, \ futuros imediatos. \ Olho \ pela janela aberta \ a chuva matutina que molha \ minhas ideias. \ Cores desbotadas \ instalam bandeiras tênues. \ Entre os parênteses \ que abre a chuva e o café \ gostaria de ficar para sempre: \ gota d’água \deslizando na janela.

VISITAÇÃO: Bato na porta da estrofe, \ três golpes discretos, \ suaves, \ tem alguém aí? \ Saem com força \ sílabas agitadas \ que não querem \ organizar-se em versos \ e, rebeldes, negam \ qualquer parentesco distante \ com metáforas ou anáforas ou \ nenhum outro truque retórico, \ dizem; \ e me informam \ que pensam em sair \ para passear ao ar livre. \ Sair da minha cabeça, \ é o que estão procurando \ vagar soltas pela página \ e viver \ à sua vontade. \ E como estou sozinho \ uma figura imaginada por elas \ obedeço e escrevo \ o que ditam \ para que não se esqueçam de mim \ e me façam \ desaparecer.

Poema da escritora, professora e tradutora mexicana Blanca Luz Pulido, autora dos livros Raíz de sombras (Fondo de Cultura Económica, 1988), Reino del sueño (Aldus, 1996); Los días (Colibrí /Secretaría de Cultura de Puebla, 2003), Pájaros (Lunarena, Puebla, 2005); Materia habitada (Casa de Poesía, 2007); La tentación del mar (UAM/La Cabra, 2012), Cerca, lejos (Textofilia, 2013) e Poderes del cuchillo (Parentalia/FES Acatlán, 2016).

 

CIDADE DOS OSSOS - […] Você já se apaixonou pela pessoa errada? Jace disse: "Infelizmente, Senhora do Refúgio, meu único amor verdadeiro continua sendo eu mesmo." ..."Pelo menos," ela disse, "você não precisa se preocupar com a rejeição, Jace Wayland." "Não necessariamente. Eu me recuso ocasionalmente, apenas para mantê-lo interessante [...] Essa é a parte em que você começa a arrancar tiras da sua camisa para curar minhas feridas?" "Se você queria que eu arrancasse minhas roupas, você deveria apenas ter perguntado. [...] O sarcasmo é o último refúgio do imaginativamente falido [...] O menino nunca mais chorou e nunca esqueceu o que aprendeu: que amar é destruir e que ser amado é ser destruído. [...]. Trechos extraídos da obra City of Bones (Margaret K. McElderry, 2007), da escritora estadunidense Cassandra Clare, pseudônimo de Judith Rumelt, autora de frases tais como: Sempre devemos ter cuidado com livros e com o que está dentro deles, pois as palavras têm o poder de nos transformar. Nós vivemos e respiramos palavras.

 

CAOS, TERRITÓRIO, ARTE: DELEUZE E O ENQUADRAMENTO DA TERRA - [...] A arte propriamente dita, em outras palavras, surge quando a sensação pode se desprender e ganhar autonomia de seu criador e de seu observador, quando algo do caos do qual é extraído pode respirar e ter vida própria. [...]. Trecho extraído da obra Chaos, Territory, Art: Deleuze and the Framing of the Earth (Columbia University Press, 2020), da filósofa Australiana e professa Elizabeth Grosz, expressando que: O corpo deve ser considerado como um local de inscrições, produção ou constituição social, política, cultural e geográfica. O corpo não se opõe à cultura, um resistente retrocesso a um passado natural; é em si um produto cultural, o produto cultural.

 

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

Deixamos Pernambuco com a firme convicção de que pelo menos esta parte do Brasil nunca mais se submeterá ao jugo de Portugal.

Pensamento da pintora, escritora e historiadora britânica Maria Graham (Maria Dundas Graham Callcott – 1785-1842), extraído da obra ABCdário da Revolução Republicana de 1817 (CEPE, 2017), organizada por Maria de Betânia Corrêa de Araújo, design gráfico de Raul Kawamura, pesquisa de Marcus de Carvalho, Mateus Samico e Sandro Vasconcelos. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 



domingo, janeiro 23, 2022

ELLA WILCOX, NOAM GORDON, KELLY VERDANA, TARIK ALI, MORGAN LLYWELYN, JOUBERT & ÁLVARO LINS

 

 

TRÍPTICO DQP – Só a poesia torna a vida suportável...- Ao som do Klavierkonzert nº 20 in d-moll KV 466 - 1. Allegro 2. Romance 3. Rondo: Allegro assai (1785), de Wolfgang Amadeus Mozart, na interpretação da pianista austríaca Ingrid Haebler, com a Klavier London Symphony Orchestra Dirigent: Alceo Galliera – Tempoutros, naveganamnese... Jovem impúbere e o teatro à flor da pele. Andava às tontas até ser encaminhado por Enock Queiroz, Gildásio Santana e Maurício Melo, afora o amável casal Dudu e Léa – esta atriz de muitos palcos -, pra conversar com seu Odyllo da banca de jornal - que era Costa para todos e Ferreira como ator. Sim, dos palcos de Fenelon Barreto e que protagonizou, entre outras peças, o Náufrago do Mafalda. Dele as instruções para melhor conduzir a Adoração que eu queria montar com o Luizinho Barreto. A paciente e dedicada ilustração dele para mim era de suma importância, ouvia-o atentamente, experiência que contava. Tantas vezes a ele recorri para esclarecer esta ou aquela cena, sempre saindo do encontro mais pujante quanto invencível. Depois do malogro da empresa, todos os dias eu pegava o jornal diário e indagava de dona Maria: Cadê seu Odyllo? E de lá de dentro ele se aproximava com um bom dia e troca de algumas ideias: Este o sobrevivente das tragédias! Ele com um meio sorriso, reiterava: Nas peças de Felelon só quem escapava mesmo era Enock que era o ponto e fugia antes do final, senão nem ele saía vivo! Ressuscitado depois de tantas apresentações, guardava ele as boas lembranças de quantas vezes não enlouqueceu em cena, quantos naufrágios, quanto enlutamento e desespero. E a gente se ria contando do sucesso que explodia quando fechava o pano. Era a glória! Os olhos dele chega marejavam. Pois bem, o tempo passou e, dia deste, do inesperado me aparece a conterrânea Odyla Gorette Fronrath em vídeo e fotos. Sim, com o seu Vida aos 50 – Teste os seus limites, enfrente os seus medos e não deixe que nada impeça você de pelo menos tentar. Conversa vai e vem, seu Odyllo? Sim. Nossa, que maravilha! E conversamos um bocado e com ela outra lembrança, um dia que o pai dela me falou do jornalista, advogado e crítico literário da Academia Brasileira de Letras, Álvaro Lins (1912-1970): Durante algum tempo – e ainda hoje em certos meios – a história nada mais significava do que um peso morto, isto é: luxo de erudição, para uns; amontoado de fatos e datas, para outros. Tudo mais ou menos frio e inerte como se o passado fora um outro mundo, uma região estrangeira. Pois há quem não compreenda a verdadeira significação do tempo; neste caso, o que está para trás sendo uma paisagem distante e indiferente. Sim, foi dele que ouvi pela primeira vez o nome do imortal acadêmico caruaruense. E o que dissera me soava como um alerta para os que têm olhos e não veem, ouvidos e não ouvem, só se arrastam e se debatem espíritos rasos e fúteis do ódio e do egoísmo na tagarelice da insipidez do proselitismo, nas tolices de endeusamentos conservadores das religiões e superstições ou dos preconceitos das convicções e das disparatadas panaceias carregadas de recalques e com todo o tipo de restrição disso ou daquilo. Sim, uma advertência para quem bebeu as águas nos infernos de Lete para olvidar do passado inglório da história, como real pusilanimidade, pois se prestar atenção a um detalhe irrecorrível, saberá que, por maior que seja a indiferença, as ninfas das nove noites amantes de Mnemósine estarão sempre em riste. Por isso só a poesia, viva.

 


Menoscabo aos pávidos... Imagens da artista canadense Claire Wilks (1933-2017). - Lá estava eu no meio do Trilema de Epicuro e exumado pelo bombardeio estúpido daqueles do Efeito Dunning-Kruger. Ninguém merece. É como se eu esquecesse o que repetia o escritor estadunidense Noam Gordon (1926-2021): A vida é gloriosa, mas pode ser considerada cruel. Sim, mais do que nunca é preciso sobreviver às bravatas dos insensatos com seus dislates e platitudes! Ouço bem Tarik Ali: Como vivemos nossas vidas não depende, infelizmente, apenas de nós. Circunstâncias, boas ou ruins, intervêm constantemente. Uma pessoa próxima a nós morre. Uma pessoa não tão próxima de nós continua vivendo. Todas essas coisas afetam a forma como vivemos... Afinal, vivemos em um mundo onde as ilusões são sagradas e a verdade, profana. Ah, não! Se os desmiolados esdrúxulos pintam de azul o horror e querem por que querem impor sua bizarrice sobre os telhados e peitos abertos nas calçadas e ruas para contaminar a miséria tenebrosa como se fossem ofertas faustosas, estou careca de saber daquela do moralista francês Joseph Joubert (1754-1824): O medo depende da imaginação; a covardia, do caráter. E muito mais do que fez a poeta estadunidense Ella Wheeler Wilcox (1850-1919): Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes. Para quem acha que não há quem salve a dor da traição, sigo adiante.

 


Truz era o meu verbo... - Imagem da artista visual alemã Silke Host - Quantas quedas, tombos e topadoutras, não herdei sozinho as múltiplas maldições terceiromundistas. Se este é o meu pecado, mantenho-me desobediente! Ao procurar identificar qual o meu verbo, ouvi algo mais ameno e afetivo da enfermeira e professora Kelly Graziani Giacchero Vedana: Se perdoe. Perdoe pela falta de tempo consigo; pelas vezes que disse sim quando deveria ter dito não; perdoe seu passado, você não sabia das coisas que sabe hoje. Não seja severa assim. Você não merece carregar todo esse peso nas costas. Olhe no espelho e diga: eu te perdoo, tudo vai ficar bem daqui para frente. E lá estava eu na InspirAção para melhor ouvir e entender o que me dizia Morgan Llywelyn: A intuição é a voz do espírito dentro de você. O único poder que um homem tem que não pode ser tirado dele é o poder de não fazer nada. Nós nascemos sozinhos e morremos sozinhos, eu aceito isso. Mas por que, Deus, temos que ficar sozinhos no meio? Os corpos se desgastam para nos lembrar que são temporários e nos forçam a pensar mais em nossos espíritos. Sim e se hoje tudo anda em marcha à ré pelas trevas da ignorância maldita, não se pode ficar com um pé atrás: um passo a mais e outro adiante, não há por que nem como se calar. Até mais ver.

 

E mais:

CANTARAU & OUTRAS POETADAS

POEMAGENS & OUTRAS VERSAGENS

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Vem aí o Programa Tataritaritatá. Enquanto isso, em 2022: 40 anos de ArtLAM & 20 anos do TTTTT. Veja mais aqui.

 


segunda-feira, agosto 10, 2020

BARBARA KRUGER, RAUL PASSOS, MALEBRANCHE, BLANCA VARELA, LÉLIA GONZALEZ, CIRCO & OS ESCRITOS DO RECIFE


DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... DA QUARENTENA AO OZÔNIO NO TOBA: Olá, gentamiga! Depois duns dias de descanso merecido, nem havia coragem para retomar agora as atividades. Contudo, acontece tanta coisa nesses tantos Brasis aloprados, que não dá para cochilar na risadagem. Sei, de antemão, que não é de bom tom rir da desgraça alheia. Mas a estupidez dos coisominions & o terraplanismo médico passou das contas, que o diga Nicolas Malebranche: A imaginação é a louca da casa. Só é, haja pano pras mangas estupidológicas. Principalmente diante das alarmantes estatísticas dando o teor da nossa tragédia desgovernada. Não dá para resistir diante das recomendações da cloroquina & hidroxicloroquina, ivermectina & outras baboseiras do negacionismo descarado, agora com a prática da ozonioterapia no reto! A ponto de se arvorar batendo nos peitos: Em breve o Brasil todo ozonizado! Coisa de enrustidos que se mostram homofóbicos, só sendo. Ou de quem apela pro benefício emergencial e não deu em nada. Eu que não vou expor meu frosquete e sair com blábláblá feito um pato rouco por aí, nem amarrado! Vou mesmo com o Currículum da Blanca Varela: digamos que ganhaste a corrida / e que o prêmio / fosse outra corrida / que não bebeste o vinho da vitória / mas teu próprio sal / que jamais escutaste ovações / mas latidos de cães / e que tua sombra / tua própria sombra / foi tua única. Aprendi demais, desaprendi de menos para tanto. Veja mais aqui.

DUAS: AQUELA OUTRA DOS DITOS & DESDITOS - A discriminação é altamente nefasta. Parece mais que ninguém se deu conta das previsões constitucionais vigentes, nem o tanto de marco legal para combate. A torto e a direito flagrantes inexoráveis, sem falar do disfarçado Efeito Matilda execrável. Lélia Gonzalez nos dá o tom do descalabro: Estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles. No momento em que começamos a falar do racismo e suas práticas em termos de mulher negra, já não houve mais unanimidade. Nossa fala foi acusada de emocional por umas e até mesmo de revanchista por outras; todavia, as representantes de regiões mais pobres nos entenderam perfeitamente (eram mestiças em sua maioria). É o que nos sobra destes tantos & muitos Brasis arrevirados e de porteiras escancaradas, gentamiga!

TRÊS: DO CIRCO ITINERANTE - Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor! Todo dia terá! O Circo Itinerante flagra tudo do Oiapoque ao Chuí, das beiradas do Atlântico até as bandas do Pacífico. Em cena pode estar o que não é nada agradável aos olhos, o cotidiano das mazelas e o imprevisível. O que nos salva é o solo do piano com Oblivion de Raul Passos: Tua dúvida, minha ciência / - Porque eu me debruço em ti / Pareces não estar ali - / Não fuja! / És uma ilusão cristalizada / Amargo pensamento de amanhã / - Lamento ou lamúria vã - / Não fale! / Madrugada imaterial - tesouro ardente / Tua sombra, vago relance... / Te peço, para que eu descanse, / Não durma! Ou o recado inflamado Barbara Kruger: Ver não é acreditar. A própria noção de verdade tem sido posta em crise. Em um mundo inchado com imagens, estamos finalmente aprendendo que as fotografias de fato são mentiras. Assim, a gente aprende a discernir do que é e não, o que deve ser feito e o necessário para viver e deixar viver neste tempo e mundo.

O RECIFE DOS ROMANCISTAS
A publicação O Recife dos romancistas: paisagens, costumes, rebeliões (FacForm, 2010), organizado por Abdias Moura, reúne textos Clarice Lispector, Josué de Castro, Mauro Mota, Ariano Suassuna, Jorge Amado, Gilberto Freyre, Osman Lins, Paulo Leminski, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Franklin Távora, Aguinaldo Silva, Amílcar Doria Matos, Raimundo Carrero, Gilvan Lemos, Evaldo Cabral de Melo, Luzilá Gonçalves Ferreiras, Josefa de Farias, Luis Jardim, Israel Felipe, Gastão de Holanda, Bernardo Freire, Mário Sette, Luiz Delgado, Jonas Taurino, Bernardo Guimarães, Lucilo Varejão, Perminio Asfora, José Nivaldo, Theotonio Freire, Faria Neves Sobrinho, Zeferino Galvão, Carneiro Vilela, Manoel Arão, entre tantos outros. Veja mais aqui.


segunda-feira, janeiro 12, 2015

TANELLA BONI, ANNE HÉBERT, FREYTAG-LORINGHOVEN, MUSIL, ESOPO & BONHOEFFER

 

ELSA BARONESA - O pai cruel, a mãe religiosa, motivos para fugir do jugo do pai até Berlim com um trabalho num cabaré entre boêmios. Era um teatro e foi corista, dançarina, acumulava amantes num casamento aberto. Separou-se e casou de novo para ser abandonada. Passeou pela Itália, Suíça e França, para depois ancorar exilada em New York, chamando atenção por seu estilo pouco convencional de vida. Casou-se com um falso barão alemão, um dândi que desapareceu no Canadá: este, o terceiro se suicidara para deixar-lhe apenas o nome. Passou a viver entre a miséria e o dandismo, tornando-se modelo provocativa de fotógrafos e artistas no despudorado Body Sweats: The Uncensored Writings of Elsa von Freytag-Loringhoven. Provocadora na libertação da linguagem e sexualidade livre, atuava em meio a profiláticos, brinquedos sexuais e orgasmos femininos. Era sempre presa pela polícia por roubo ou por vestir-se como os homens. Declarou guerra aos burgueses, causava escândalo com sua maquiagem brilhante, penteado raspado e tingido, trajes extravagantes e influentemente radicais. Ela se vestia com desenhos próprios, reunindo trapos e objetivos colhidos do lixo. Logo viu-se: a Baronesa era bizarra, cleptomaníaca, promíscua, precursora transcendental da vanguarda, causava perplexidade e fúria com suas performances e poemas: uma expoente Dada até a alma, a excêntrica pioneira performática de toda vanguarda. Possuía um pseudônimo: R. Mutt, um certo Richard, proprietário do vaso sanitário, um dos tantos codinomes dela à beira da loucura. Foi dela a ideia da The Fountain de Duchamp. Ela já usava despojos e objetos escatológicos. God se mostrou – um tubo de drenagem que é montado sobre uma serra de esquadria de madeira, o falo ligando a peça diretamente à deidade, o criador de um mundo androcêntrico, uma blasfêmia de canos retorcidos e enferrujados - e era a luz na fonte para ela. Dela o Hardened Ornament, seu ready-made, um pedaço de ferro encontrado tornou-se o Símbolo de Vênus invertido: o cachimbo é o pênis dominando a Terra, o patriarcado opressor. O enfeite tilintante Limbwish que ela usava acompanhando o ritmo da sua cintura, o apito do membro. Era ela dominatrix e inventou Dada, a heroína de muitas fantasias esbanjadoras, o sufrágio feminino e a decadência religiosa nos happenings e performances, invadindo o Gabinete Secreto do Museu Arqueológico de Nápoles, quebrando normas sexistas e os papéis de gênero, desfilando entre objetos fálicos e afrescos eróticos. A poeta experimental foi protagonista de Man Ray & Duchamp, raspou os pelos pubianos nua numa intervenção artística, fez versos sexuais com sons e críticas religiosas - Uma dúzia de coquetéis – por favor, exaltava a felação com seu paladar lascivo pelos versos optofonéticos nos pirulitos de solteirona: Correntes de ar serpentinas \ – – – \ hhhhphssssssss! \ A própria palavra \ penetra! \ ('correntes de ar serpentinas \ – – –  \ hhhhhphsssssss! \ A própria palavra \ penetra! Em Aritmética Cósmica ela se lança contra a religião cristã: onde a mulher na santíssima trindade? E quem diria dela o urinol de Duchamp, hem? Ela sabia da falsidade. O seu corpo reinventou a crítica artística vigente, latas de tomate cobrindo-lhe os seios, uma gaiola por colar, frutas e legumes roubados nos adereços vestimentais: era uma colecionadora de tudo, a sua arte viva – chutava o balde da arte convencional e o seu mercado. A sua voz de muitos nomes com seu corpo nu onde menos se esperava. A sua marca: EvFL. O desejo pelo orgasmo e os materiais perecíveis, os restos e suas assemblages, o retorno da deserdada à terra natal com os estragos da estúpida guerra, o retorno à Paris para ser mais uma vez incompreendida. Rompeu com as fronteiras entre a arte e a vida, e fez de si sua própria arte: Woman Art House, a transgressora por excelência suicidou-se asfixiada por um vazamento de gás em sua própria casa. Viva a deusa-musa Elsa Hildegard, a Elsa von Freytag-Loringhoven (1874-1927).


 

A VOZ DE ELSE, A ELSA BARONESA - Todos que me querem gostariam de me devorar, mas sou muito expansiva e estou aberta a todos os lados, desejo isso aqui e aquilo ali. Eu implantei sexologia e usei. Todo artista é louco pela vida cotidiana. Eu tinha avançado para um sexo espiritual: a arte - que ninguém protege tão prontamente quanto um encantador corpo amoroso de carne. Éramos pessoas de um círculo de conduta de vida supostamente altamente cultivada pela moralidade intelectual – superior à sociedade em suas malhas hipócritas. Tudo o que é emocional na América torna-se um mero espetáculo e faz de conta. Os estadunidenses são treinados para investir dinheiro, dizem que correm riscos desesperados nisso, mas nunca investem em beleza nem correm riscos desesperados nisso. Com dinheiro tentam comprar a beleza – depois que ela morreu – famintos – com caretas. A beleza está sempre morta na América. Pensamento da poeta e artista polonesa Elsa von Freytag-Loringhoven (1874-1927), autora dos poemas: A sedutora tenacidade do disco de borracha do amuleto do polvo \ - sugando \ suavemente - enérgico \ em \ sistemas móveis \ Malha \ Ceasar's \ Digging \ Point \ Beijo afiado \ Plenishing \ Estalando a sede Corte de \ broca \ Rimflush \ Desejo de sangue rubi \ Igual \ de \ qualidade verdadeiro - \ Jorrando - \ Ejaculando silenciosamente \ Alto \ para \ manchar brilhos perseguidos \ Temperado \ dolorido \ Namoradeira \ Carmesim de Ceasar Bainha Cardeal \ Suprema No feixe de Hedges Of Pride – Ponto de inflamação da lâmina corajosa – Aço do punhal Marte \ adormecido No Hearth Olympic. II - Almofadas de amor de polvo Capacidade \ de recuperação \ Discos de sucção agarram-se ao braço afiado dentro da elasticidade extática feminina. III - Aumenta! \ Vale do torneio – \ Colchão \ do Victor \ extremamente laureado\ Maturesmiled – \ Rosestrewn – \ Gaping – \ Openpetalled – \ Abandonflushed – \ Profundo – saciado – vermelho \ Por: O \ ousado brilho da virtude \ – Adornado. IV - Afrodite a Marte \ Lâmina intermitente – \ Punhal enterrado – Teia de ternura \ altamente flexível Abdominal de sistemas \ Aço igual em formato feminino\ A agudeza da lâmina enterrada de Aflirt \ Mars é agressiva no ajuste aristocrático receptivo de Keenness. V - Ouça!\ Garanhão \ Whinny está \ em \ matagais. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Pratique atos aleatórios de bondade e atos de beleza sem sentido... As bibliotecas o ajudarão em tempos sem dinheiro, melhor do que o dinheiro o ajudará em momentos sem bibliotecas... Pensamento da escritora canadense Anne Hébert (1916-2000), que na obra Le Temps Sauvage; Suivi De La Mercière Assassinée; Et Les Invités Au Procès (HMH, 1967), expressou: [...] Aqui me escondo quando quero. Posso me esconder por dias e dias, sem que ninguém saiba se existo ou não, e sem que eu mesmo saiba. Eu me tranco lá. Eu leio, durmo, sonho. Eu não me movo mais. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Um camelo atravessava um rio de rápida correnteza. Defecou, e viu então seu excremento passar por ele, levado pelas águas ligeiras. E disse: "o que vejo? O que estava atrás de mim ainda agora, eu vejo passando a minha frente! Pensamento do escritor grego Esopo (620 a.C. - 564 a.C.). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

FALANDO DE ESTUPIDEZ & A ESTUPIDOLOGIA – [...] A estupidez é mais perigosa que a maldade. Contra o mal se pode protestar; o mal pode ser exposto, revelado; pode também ser evitado, se necessário, até pela força; o mal sempre carrega o germe da autodecomposição, deixando pelo menos um desconforto naquele que o pratica. Diversamente, não há como se defender da estupidez. Nada pode ser feito aqui com protestos ou com violência; razões não a convencem; simplesmente não se dá crédito a fatos que contradigam o próprio preconceito – em tais casos, o estúpido se torna ainda mais resistente – e se esses fatos são incontestáveis, podem com facilidade ser postos de lado como casos isolados e sem sentido. O estúpido, ao contrário da pessoa má, sente-se completamente satisfeito consigo mesmo; sim, ele até se torna perigoso, enfurecendo-se facilmente quando é refutado. Portanto, a relação com o estúpido exige muito mais cautela do que com a pessoa má. Nunca se há de convencer o estúpido pela razão – é inútil e perigoso. Para saber lidar com a estupidez, é preciso antes procurar entender sua natureza. Não se trata essencialmente de um defeito intelectual, mas algo que atinge a humanidade do sujeito. Tanto é assim que existem pessoas de inteligência extraordinariamente ágil que são estúpidas e pessoas intelectualmente pesadas que podem ser tudo, menos estúpidas. Para nossa surpresa, chegamos à seguinte conclusão: parece que a estupidez não é propriamente um defeito congênito, mas um processo em que as pessoas se tornam estúpidas sob certas circunstâncias, ou deixam-se fazer estúpidas de forma recíproca. Também observamos que a estupidez aparece mais em pessoas ou grupos propensos ou condenados a viver em comum do que em pessoas mais fechadas, reservadas e solitárias. Assim, parece que a estupidez é um problema mais sociológico do que psicológico. É uma forma especial de influência das circunstâncias históricas sobre o homem, isto é, uma consequência psicológica de certas circunstâncias externas. Em uma análise mais detalhada, verifica-se que toda forte expansão externa do poder, seja política ou religiosa, golpeia um grande número de pessoas com estupidez. Sim, parece que é uma lei psicológica e sociológica. O poder de alguém precisa da estupidez de outrem. O processo não é que, de repente, algumas faculdades – como a intelectual - definhem ou fracassem, mas sim que a independência interna da pessoa vai sendo roubada pela impressão esmagadora do desenvolvimento do poder, até que - mais ou menos inconscientemente – essa pessoa renuncia a encontrar seu próprio comportamento em relação às situações que a vida lhe apresenta. O fato de o estúpido ser muitas vezes teimoso não significa que ele seja independente. Conversando com ele, você quase pode sentir que seu discurso nem sequer tem a ver com ele mesmo, com aquilo que o constitui. Trata-se de frases de efeito, slogans e chavões que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, abusado e maltratado em sua própria natureza. Tornando-se assim um instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre. Disso decorre que somente um ato de liberação – e não um ato de instrução – poderá superar a estupidez. Na grande maioria dos casos, para superar a estupidez, a pessoa terá de aceitar que uma genuína libertação interior só se tornará possível após a libertação externa; até então, sem essa condição, teremos que desistir de todas as tentativas de convencer os estúpidos. A propósito, nesse estado de coisas, fica bem claro que em tais circunstâncias é vão tentar saber o que "o povo" realmente pensa, mesmo porque, ao mesmo tempo - nessas dadas circunstâncias – qualquer resposta seria supérflua para o pensador e realizador responsável. A Palavra da Bíblia que diz que o temor de Deus é o começo da sabedoria (Salmos 111: 10); diz que a liberação interior dos humanos, para uma vida responsável diante de Deus, é a única verdadeira superação da estupidez. De resto, esses pensamentos sobre a estupidez são reconfortantes, pois não permitem tratar a maioria das pessoas como estúpidas a todo custo. Realmente, isso dependerá da tendência dos Poderes Instituídos, vale dizer, se querem tornar seu povo estúpido ou se buscam a independência interior e sabedoria de seus governados. Tornando-se assim um instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre. [...]. Trechos extraídos da obra Widerstand und Ergebung. Briefe und Aufzeichnungen aus der Haft (Gütersloher Verlagshaus, 2005), do teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), que na sua obra Letters and Papers from Prison (Touchstone, 1997), expressa que: [...] Devemos aprender a considerar as pessoas menos à luz do que elas fazem ou deixam de fazer, e mais à luz do que elas sofrem [...] Julgar os outros nos torna cegos, enquanto o amor é iluminador. Ao julgar os outros, cegamo-nos para o nosso próprio mal e para a graça a que os outros têm tanto direito como nós. [...] Graça barata é a graça que concedemos a nós mesmos. A graça barata é a pregação do perdão sem exigir arrependimento, do batismo sem disciplina eclesiástica, da comunhão sem confissão... A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo, vivo e encarnado. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

SOBRE A ESTUPIDEZ - [...] Em geral, os sistemas educativos são estúpidos, baseiam-se na repetição, memorização e seu conseqüente esquecimento. Em geral, porque eu não deveria ou não iria manchar a memória de alguns professores que nem sequer tentaram dominar para domar seus alunos; professores que negam a sua profissão e que Provavelmente não são professores, pois não professam nada, ou seja, não exercem nem eles não ensinam ciência, nem cultivam sentimentos ou crenças de qualquer espécie, nem declaram sua adesão a algum princípio ou doutrina. Professores guardiões que, em vez de ouvem-se falar, milagrosamente fazem com que a turma leia um livro. Claro, que alegria tipologia são uma minoria. Para superar os obstáculos criados pela estupidez do sistema educacional, o aluno desenvolve um tipo de estupidez, digamos, autocomplacente, representado pelo estereótipo do aluno modelo, ou, marginal, que é o do aluno que fica à margem, porque é feito deliberadamente o estúpido, e aquele que acaba marginalizado, pois tudo o que se pretende ensinar é de grande inutilidade. [...] O terreno fértil para a expressão estúpida, definida como expressão cristalizada por uso cotidiano e atualidade, um lugar comum, um ditado sem rima nem razão, nem pensamento, é sem dúvida no campo da paixão. Existe alguma diferença entre o ridículo e o idiota? Sem dúvida, o ridículo pode ser original, provocativo, engenhoso, transgressor, Por outro lado, a estupidez, coitado, é como aquela imagem de Machadon do burro dando gira em torno de um moinho. Se a estupidez é, em parte, falta de jeito para compreender coisas, o que você pode pedir de um amante, que perdeu até mesmo o capacidade de falar? E o que pode ser ajudado senão nas frases usadas, o frases surradas, que provavelmente meia dúzia de milhões de pessoas estão usando ao mesmo tempo? Mais uma vez, você tem que se proteger da estupidez como manobra de resgate, quase se poderia dizer neste momento que a expressão estúpida É o recurso do estupefato [...] Não há nada de estúpido no desejo, se o desejo for cego, muito menos. Faz tempo pensei que o comportamento do professor Inmanuel Rath, em The Blue Angel, de Josef von von Sternberg foi estúpido por ter se submetido aos caprichos de Lola-Lola, uma estrela sem escrúpulos, até que se viu denegrido diante de seus alunos, vestido com palhaço. Eu me absolvo do que pensei. Não há nada de estúpido no desejo, e se for cego menos ainda, será numa área onde não há inteligência, nem ingenuidade, nem maléfico, nem o beatífico, nem o econômico, nem o errôneo, é um excesso e, como tal, não pertence ao raciocínio. Que Bouvard e Pécuchet de Flaubert desejem saber, e que acabam apenas com uma massa de dados inúteis, como o seu próprio jardim deteriorado, isso não os torna estúpidos, mas sim fracassados, como todos os outros que busca o estado perpétuo de desejo e, por ser de natureza efêmera, deve desaparecer renovador, em detrimento do conhecimento das coisas, que exigem mais tempo e dedicação, valores que não lhes podem ser atribuídos porque sem vontade pararam têm interesse e, portanto, não valem mais tempo e esforço, e por isso, Eles não podem mais ser conhecidos, tornaram-se opacos, então é melhor ir em busca de outro objeto novo e inexplorado, pois não importa conhecer, mas sim manter o desejo até a sua extinção, fim e origem da aventura de Bouvard e Pécuchet, convertida no Don Juan do diletantismo. [...]. Trechos extraídos da obra Sobre la estupidez (Tusquets, 1974), do romancista e dramaturgo austríaco Robert Musil (1880-1942). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

DEZ POEMAS - LÁ ONDE ESTÁ TÃO BRILHANTE EM MIM - Eu quero fazer parte deste mundo \ Eu quero dormir profundamente\ Eu quero continuar vivendo\ Alma tranquila coração sereno\ O verme está na fruta\ Desde o início dos tempos\ A verdade da humanidade está em outro lugar\ Aqui talvez\ Escrito na pele\ Como se a vida preferisse\ Apenas uma única cor\ Em um mundo tão diverso\ A pigmentação da pele\ Requer uma compreensão\ Isso continuamente escapa\ Acontece na sua cabeça\ A ameaça\ Como uma árvore em chamas\ Florescendo na sombra da mente. NOVE POEMAS – I - Sonho o poema de um mar sem fronteiras \ danço na pele uma música acolhedora \ primeiro chão para qualquer lar \ enquanto as mãos da abundância as almas corpulentas \ tecem seu arame farpado \ Não sei se vivemos juntos \ numa encruzilhada de distribuição igualitária\ aqui esqueça a alquimia dos sonhos \ o sentido de uma mistura essencial. II - Olhe para os matizes e contornos desta terra para você que parte, \ o nome de cada peregrino que se move \ para o duro vale da vida \ não está mais gravado no topo da montanha\ quem gosta de quebrar a pedra \ sempre se reuniu de madrugada \ no rodeio dos feiticeiros \ que mergulham a mão no fogo \ porque ninguém remodela \ mil vezes os mesmos princípios \ sem sacrificar o melhor da alma \ num cesto de interesses provisórios \ distribuídos por aqueles \ que prometem manter o vento sob controle. III - E o vento sobe e o tempo esculpe \ um redemoinho que revela que sobe \ e desce os degraus do templo de areia \ como se os doze trabalhos de Hércules \ outrora um fato \ fossem apenas uma história de ninar para as pessoas \ depois de um árduo dia de esperança. IV - Mas devo-te toda a história \ desde a primeira sílaba da madrugada \ até ao centro desta espiral violenta \ que nos chama\ a história havia se lançado em sua \ corrida louca \ e, como acontece com uma brincadeira de criança, \ o bem e o mal estavam colegas de escola \ brincando de esconde-esconde, brincando de amarelinha, \ praticando com as palavras e armas dos fortes \ em um celeiro tranquilo \ onde o riso era desencorajado. V - Ontem foi um gato preto\ hoje um cavaleiro branco\ depois uma Mercedes preta com aquela primeira pedra O mal inaugura\ seu reino subterrâneo \ entre o branco e o preto \ só o solo onde o homem caça o homem \ exala o cheiro do tapete vermelho. VI - Há cabeças grossas \ adormecidas nos corredores do poder \ assinando uma edição da história \ que traça seu círculo \ em torno do mesmo umbigo, \ como se ninguém \ exceto os inquilinos do Palácio, \ pudesse nascer sob o olhar do sol. VII - Eles contaram histórias de pessoas \ inocentes em todos os sentidos \ que, à primeira luz do dia, teriam permissão \ para sustentar as folhas das palmeiras sobre a esperança.\ aqui a preguiça assume-se como a lei \ descansando nas redes dos escritórios \ esparramados nas salas de espera \ lá onde o trabalho outrora inspirou a Lei. VIII - Meu Deus, livra-nos das hienas \ das cabeças morenas desses vândalos dos sonhos \ porque a educação não é uma armadilha \ inventada por peregrinos que chegam \ para quebrar os alicerces \ tenho certeza agora que ela trança \ a grandeza da alma à auréola da sinceridade \ o acoplamento fundacional que nos une \ em torno da fonte da Bondade. IX - Como posso lhe dizer que o dia \ cai \ sob a chuva de lágrimas \ porque o mandado emitido \ dos picos do poder \ carece de termos de reconciliação? \ amanhã o futuro tem encontro marcado com a madrugada \ e não sei que enfant terrível \ assustado com a claridade da aurora \ aproveitará para atirar a primeira pedra \ no fosso que circunscreve o poder. Poemas da escritora, ensaísta e filósofa marfinense Tanella Boni.

 

SACADOUTRAS

 

HANNAH ARENDT - A filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975), em seu livro A condição humana, destaca que: [...] Vistos como parte do mundo, os produtos da obra – e não os produtos do trabalho – garantem a permanência e a durabilidade sem as quais o mundo simplesmente não seria possível. É dentro desse mundo de coisas duráveis que encontramos os bens de consumo com os quais a vida assegura os meios de sua sobrevivência. Exigidas por nosso corpo e produzidas pelo trabalho deste último, mas sem estabilidade própria, essas coisas destinadas ao consumo incessante surgem e desaparecem num ambiente de coisas que não são consumidas, mas usadas, e às quais, à medida em que as usamos, nos habituamos e acostumamos. Como tais, elas geram a familiaridade do mundo, seus costumes e hábitos de intercâmbio entre os homens e as coisas, bem como entre homens e homens. O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do homem. É destes que os bens de consumo derivam o seu caráter de objeto; e a linguagem, que não permite que a atividade do trabalho produza algo tão sólido e não-verbal como um substantivo, sugere a forte probabilidade de que nem mesmo saberíamos o que uma coisa é se não tivéssemos diante de nós 'o trabalho de nossas mãos'. [...] É esta durabilidade que empresta às coisas do mundo sua relativa independência dos homens que as produziram e as utilizam, a 'objetividade' que as faz resistir, 'obstar' e suportar, pelo menos durante algum tempo, as vorazes necessidades de seus fabricantes e usuários. [...] Em outras palavras, contra a subjetividade dos homens ergue-se a objetividade do mundo feito pelo homem, e não a sublime indiferença de um a natureza intacta, cuja devastadora força elementar os forçaria a percorrer inexoravelmente o círculo do seu próprio movimento biológico, em harmonia com o movimento cíclico maior do reino da natureza. Somente nós, que erigimos a objetividade de um mundo que nos é próprio a partir do que a natureza nos oferece, que o construímos dentro do ambiente natural para nos proteger contra ele, podemos ver a natureza como algo 'objetivo'. Veja mais aqui, aquiaqui

 Imagem: Academia, da pintora e desenhista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). Veja mais aqui e aqui.

Ouvindo: Concerto para Piano e Orquestra em Lá Menor, Op. 16, do compositor norueguês Edvard Hagerup Grieg (1843-1907), com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), Regência de Marcelo Lehninger e piano de Lígia Moreno.

OS PROFESSORES DE GRÁMATICA E CONCURSOS PÚBLICOS – O jornalista e escritor modernista brasileiro, Rubem Braga (1913-1990) desabafou em sua crônica Nascer no Cairo ser fêmea de cupim, do seu ótimo livro Ai de ti, Copacabana (1960), contra o purismo dos professores de gramática e as esdrúxulas alternativas apresentadas em provas de concurso público: Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo? O leitor que responder "não sei" a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Alias, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão. Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua. Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma "página de bom vernáculo, exemplar". Tive vontade de responder: "Mera coincidência" — mas não o fiz para não entristecer o homem. Espero que uma velhice tranquila - no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?). Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. "Cada dia você parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua". Mas acho que isso é exagero. Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinquenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção. Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar. Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa unia série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para "pegar" as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da "Última Hora" ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de "O Globo?". No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, ruas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros. Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim! Veja mais aqui, aqui e aqui. 

OBSTINAÇÃO DE MULHER  - A psicóloga e professora norte-americana, Eleanor Jack Gibson (1910-2002), na década de 1930, ao se candidatar ao programa de pós-graduação na Yale University, recebeu a informação de que o diretor do laboratório de primatas não permitia a presença de mulheres em suas instalações. Ela também foi impedida de participar de seminários sobre a psicologia freudiana, tendo em vista que as mulheres eram proibidas de usar a biblioteca dos estudantes e a lanchonete porque era de uso exclusivo dos homens. Só depois de 1932, quando se casou com o também psicólogo James J. Gibson que ela se doutorou em Psicologia pela Universidade de Yale e passou a lecionar no Smith College e na Universidade de Cornell. Os seus estudos envolveram investigações sobre a aprendizagem humana e animal, analisando o desenvolvimento das capacidades de leitura e o desenvolvimento perceptual em crianças e adolescentes, desenvolvendo o processo de diferenciação. A partir da década de 1970, ela passou a se dedicar à causa ambiental desenvolvimento estudos na área de Psicologia Ambiental, passando a ser membro da Sociedade Internacional para a Psicologia Ecológica. Veja mais aquiaqui.


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