Ao som das obras Verblendungen
(1984), Io (1987), ...à la Fumée (1990), Graal théâtre
(1994), Orion (2002), Terra Memoria (2007), Lanterna mágica (2008), Circle Map (2012), Only The Sound Remains (2015) e Innocence
(2018), da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023).
EITA, MANA, TENGO
LENGOTENGO - Chuviscava na tarde mormaçada e o país parou
porque era domingo na primeira semana de janeiro: horrores à vista numa roleta
russa e nenhum semancol! Era 8 de janeiro e tudo muito triste há mais de uns
cinco ou seis anos para um franzino à paisana, solfejando A morte do
vaqueiro de Gonzaga & Nelson Barbalho – o nome esquecido
de quem morreu sem deixar festas, quem não, quem nunca no pântano lúgubre
dominical: o sangue humano era o alimento deles tão beligerantes. Quase nem
ouvi quem dissera de Buchi Emecheta no
meio da treta televisionada, um desaforo em cadeia nacional: O mundo inteiro
parecia desigual, tão injusto. Algumas pessoas eram criadas com todas as coisas
boas prontinhas à espera delas, outras apenas como enganos. Enganos de Deus...
Pareciam mais desalmados oriundos da Planolândia, estúpidos
desatinados. Não fosse dela o aceno com um trecho do Genji Monogatari de
Murasaki Shikibu, jamais saberia: As coisas reais na escuridão não
parecem mais reais do que os sonhos... O mundo não sabe disso; mas você, Outono, eu
confesso: seu vento ao cair da noite penetra profundamente em meu coração... Não era outono e nem
ainda escurecia. Só um tempo depois percebi que chegara de Earenger ornada pela chuva de quarks, bósons e habróns, no meio de múons
que rondavam nas paragens. E se aproximava como quem descia do cometa Nishimura para
nosso interlúdio idílico. Sua presença, ah
ela, removia as sombras dos mortos de Estige e a barca de Caronte, o óbolo, o Cérbero
e a terra da solidão subterrânea de Hades, os campos de Asfódelos, o profundo
Tártaro e os Campos Elísios, tudo então revivido, não mais. Ali se parecia Perséfone
escapulindo do sequestro e agitando a dopamina na minha festa Heitor dos
Prazeres. Enigmática citou Bob Wilson: Se você vê o pôr do sol,
isso tem que significar alguma coisa? Se você ouvir os pássaros cantando, tem
que ter uma mensagem?... E me propôs jogar mancala no meio da quase noite
estrelada. Sabia lá o que era e como. Diante da minha ignorância recitou-me Nazik Al-Malaika: Entenda-me se a
noite for compreendida, entenda meus sentimentos. E toque-me, toque-me se
as estrelas podem ser tocadas. Noitedias mais que a entendi ao tocá-la: mergulhei nos seus olhos e mais
soube de viver sua efêmera estadia. Era a vida pregando das suas, ela se foi
como se nem bem dissesse: Lá vai Luiz, coitado, o nosso sangue nos une. E
isso eu não sabia. Até mais ver.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
MULHER COM CHUVA:
Uma xícara de café começa o dia. \ A lucidez e a paciência \ pendem de seu
aroma espesso. \ Começo a sentir a matéria, \ A perceber a luz\ e a separar-me
das sombras. \ Costume, rito: \ listar na imaginação \ tarefas planejadas, \ futuros
imediatos. \ Olho \ pela janela aberta \ a chuva matutina que molha \ minhas
ideias. \ Cores desbotadas \ instalam bandeiras tênues. \ Entre os parênteses \
que abre a chuva e o café \ gostaria de ficar para sempre: \ gota d’água \deslizando
na janela.
VISITAÇÃO: Bato
na porta da estrofe, \ três golpes discretos, \ suaves, \ tem alguém aí? \ Saem
com força \ sílabas agitadas \ que não querem \ organizar-se em versos \ e,
rebeldes, negam \ qualquer parentesco distante \ com metáforas ou anáforas ou \
nenhum outro truque retórico, \ dizem; \ e me informam \ que pensam em sair \ para
passear ao ar livre. \ Sair da minha cabeça, \ é o que estão procurando \ vagar
soltas pela página \ e viver \ à sua vontade. \ E como estou sozinho \ uma
figura imaginada por elas \ obedeço e escrevo \ o que ditam \ para que não se
esqueçam de mim \ e me façam \ desaparecer.
Poema da
escritora, professora e tradutora mexicana Blanca Luz Pulido, autora dos
livros Raíz de sombras (Fondo de Cultura
Económica, 1988), Reino del sueño (Aldus,
1996); Los días (Colibrí /Secretaría de
Cultura de Puebla, 2003), Pájaros (Lunarena,
Puebla, 2005); Materia habitada (Casa
de Poesía, 2007); La tentación del mar (UAM/La
Cabra, 2012), Cerca, lejos (Textofilia,
2013) e Poderes del cuchillo (Parentalia/FES
Acatlán, 2016).
CIDADE DOS
OSSOS - […] Você já se apaixonou pela pessoa errada? Jace disse: "Infelizmente,
Senhora do Refúgio, meu único amor verdadeiro continua sendo eu mesmo."
..."Pelo menos," ela disse, "você não precisa se preocupar com a
rejeição, Jace Wayland." "Não necessariamente. Eu me recuso
ocasionalmente, apenas para mantê-lo interessante [...] Essa é a parte em que você começa a arrancar tiras da sua
camisa para curar minhas feridas?" "Se você queria que eu arrancasse
minhas roupas, você deveria apenas ter perguntado. [...] O sarcasmo é o último refúgio do imaginativamente falido [...] O menino nunca mais chorou e nunca esqueceu o que
aprendeu: que amar é destruir e que ser amado é ser destruído. [...]. Trechos
extraídos da obra City of Bones (Margaret
K. McElderry, 2007), da escritora estadunidense Cassandra Clare, pseudônimo
de Judith Rumelt, autora de frases tais como: Sempre devemos ter cuidado com
livros e com o que está dentro deles, pois as palavras têm o poder de nos transformar.
Nós vivemos e respiramos palavras.
CAOS, TERRITÓRIO, ARTE: DELEUZE E O ENQUADRAMENTO
DA TERRA - [...] A arte propriamente dita, em outras
palavras, surge quando a sensação pode se desprender e ganhar autonomia de seu
criador e de seu observador, quando algo do caos do qual é extraído pode
respirar e ter vida própria. [...]. Trecho extraído da obra Chaos, Territory, Art: Deleuze and the
Framing of the Earth (Columbia
University Press, 2020), da filósofa Australiana e professa Elizabeth Grosz, expressando que: O corpo deve ser
considerado como um local de inscrições, produção ou constituição social,
política, cultural e geográfica. O corpo não se opõe à
cultura, um resistente retrocesso a um passado natural; é em si um produto
cultural, o produto cultural.
REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817
Deixamos Pernambuco com a firme convicção de que pelo menos esta parte do
Brasil nunca mais se submeterá ao jugo de Portugal.
Pensamento da pintora, escritora e historiadora britânica Maria Graham
(Maria Dundas Graham Callcott – 1785-1842), extraído da
obra ABCdário da Revolução Republicana de 1817 (CEPE, 2017), organizada
por Maria de Betânia Corrêa de Araújo, design gráfico de Raul Kawamura,
pesquisa de Marcus de Carvalho, Mateus Samico e Sandro Vasconcelos. Veja mais
aqui, aqui, aqui e aqui.