Ao som dos álbuns Orange (Nonesuch Records, 2019), Narrow Sea
(Nonesuch Records, 2021), Let the Soil Play Its Simple Part (Nonesuch
Records, 2021), The Wheel (Alpha Classics, 2022) e Evergreen (Nonesuch
Records, 2022), da premiada compositora, violinista e cantora estadunidense Caroline
Shaw.
DEPOIS DE AMANHÃ
NINGUÉM SABE... – Eita! O tempo parou de repente ou o relógio
deu um cochilo de perder a hora, só sendo! E me vi naquela de qual refúgio para
nenhuma apocatástase. O que sei é que vige por aí muito medo, criaturas
abissais e o espaço não se mede porque ressoa o bafo de uma noite interminável
em pleno meio dia. Desde quando? Ora, faz tempo! A esperança voa ensolarada, enquanto
ao redor o susto prevalece no que sente e percebe: o curso das coisas, a memória
de fatos dispersos. Só sei que nesse meio perdi Mnemósyne na última volta, um
piscar de olhos e não mais a promessa e tantas juras dela Sheherazade jamais
arredar desdadolescência ao Pulo do amante. Ledo engano: o fogo devorou
a lenha, a água engoliu o chão, o vento levou as cinzas daquele que se foi e
não era outro senão quem viveu e morreu sem deixar sequer lembranças – e quem
vivo precisa se tornar mais feliz por ter escapado, pelo menos. Nem precisou um
passo adiante e onde fui parar: chuvas por legado para confissões vexatórias
entre lúmpens e aldrabões em pleno antropoceno – ora, ora, quem diria, hem, Paul Crutzen? -, como se o desterro
me desse a herança de mortos deserdados. E lá ia eu quase solastálgico - como insistia Glenn Albrech: O sentimento de
perda diante de transformações... Sabia lá quem era quem diante de tanta impostura! Graças a não sei quem não sou imune aos equívocos,
embora precavido. Mas o que é tão impróprio senão o tamanho da nossa hipocrisia
- talvez os disfarces escondam a cabeça totêmica num rochedo alhures para guiar
moribundos desorientados, agora tão mudos, quando não tartamudeantes com suas faces
mortificadas na certidão de que a sabedoria agonizou e nada prosperará nem tão
cedo. E se isso não viesse ao caso, a violência em cadeia trazia logo a
impressão de Irvine Welsh: Estou cercado de pessoas que me são mais
próximas, mas nunca me senti tão sozinho. Nunca, em toda a minha vida...
Ninguém está feliz... Quem não com a sensação de um nó cego à ameaçadora aporofobia, não bastando a catadura à
fealdade e meus versos toscos inúteis no meio do alarme da Rosi Braidotti: Plantas,
animais e vegetais geneticamente modificados proliferam junto com vírus de
computador, enquanto veículos aéreos e outros meios militares não tripulados
nos apresentam novas maneiras de morrer... Danou-se tudo! Nem tão à toa
quanto provável, o que era desatento fizera a surpresa com o que assegurava Edna Ferber: A vida não pode derrotar um escritor apaixonado
pela escrita - pois a própria vida é o amor de um escritor até a morte... Pois é, mas... Depois de amanhã ninguém
sabe, livrai-me pelo menos da contagiosa normose, por enquanto. Até mais ver.
OUÇO TEU CORPO
Imagem: Acervo
ArtLAM.
Ouço teu corpo
com a avidez abreviada e tranquila
de quem se
impregna (de quem emerge,
de quem se
estende saturado, repleto de esperma) na umidade
cifrada (suave
oráculo espesso; templo)
nos limos,
barragens tíbias, deltas,
de sua origem,
bebo
(tuas raízes
abertas e penetráveis; em tuas costas
Lascivas – lama
brilhante – pântanos)
Os desígnios
musgosos, tuas densas seivas
(tolas de
embriagados cipós) Cheiro
em tuas bordas profundas,
expectantes, as brasas,
em tuas selvas
gordurosas,
as vertentes.
Ouço (teu sêmen táctil) os mananciais, as larvas;
(capela fértil)
Toco
em teus
lamaceiros vivos, em teus lodos: os rastros
em tua forja
envolvente; os indícios
(Abro para tuas
coxas ungidas; transpiradas; partilhadas de luz)
Ouço em teus
lodaçais azedos, em tua margem: as apalpadelas, os presságios
– siglas imersas;
blastos –. Em teus átrios:
as marcas
vítreas, as libações (glebas fecundas), os fervedouros.
Poema da poeta e
tradutora mexicana Coral Bracho. Veja mais aqui.
ACONTECENDO – [...] Talvez o verdadeiro propósito da
minha vida seja que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem
escrita, ou seja, algo inteligível e universal, fazendo com que minha
existência se funda na vida e na cabeça de outras pessoas... [...]. Trecho extraído da obra Happening
(Seven Stories Press, 2019), da premiada escritora
francesa Annie Ernaux. Veja mais aqui.
PARA QUE SERVE A
FILOSOFIA? – [...] Você não pode vencer no amor. Se houver triunfo, não
há amor, mas egoísmo. E você também não pode concordar no
amor. Se houver um acordo, não há amor, mas negócios. [...] Quando tudo o que é sólido se desfaz no ar, a reação imediata, quase
física, é ir em busca de algo sólido. [...] Talvez toda filosofia não
seja mais do que uma fuga permanente, onde, toda vez que alcançamos algum tipo
de conforto, algum alarme soa e o corpo retoma as retiradas. [...]. Trechos extraídos da obra Filosofia en 11 frases (Paidos, 2014), do filósofo e escritor argentino Darío Sztajnszrajber, que em sua obra ¿Para
qué sirve la filosofía? (FisicalBook, 2000),
expressa que: [...] O espanto e o óbvio estão intimamente ligados, pois
ao desconfiarmos do óbvio circundante, tudo então nos aparece com uma
intensidade diferente. [...] Diante de eventos disruptivos, os seres
humanos tendem a tentar ajustar a ruptura de forma que as bases mais gerais do
significado atual não entrem em colapso. [...] A cidade inteira é
construída sobre um sistema de esgoto que torna nosso lixo invisível. Aquilo que também somos,
embora o escondamos o tempo todo [...]. Ele é autor de frases
lapidares tais como: Filosofia não faz perguntas
para encontrar respostas, mas sim para questionar as já estabelecidas... Não apenas somos o que narramos, mas somos narrados pelos outros...
O movimento de gênero é encorajador para quem acredita que a abertura é o
caminho para política da imaginação...
CLÁUSULAS
POÉTICAS DA NEBLINA
Ao mouco amor de uma causa perdida, \ Ao tombadilho labutante do meu coração, \ Ao náufrago horizonte inerte, \ Aos trechos das minhas derrotas...
Versos do poema As
naus do nada, extraído da obra Cláusulas poéticas da neblina
(CriaArte, 2023), do poeta, professor e radialistamigo, Tony Antunes.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.