quinta-feira, agosto 17, 2023

ANNIE ERNAUX, CORAL BRACHO, DARÍO SZTAJNSZRAJBER & CLÁUSULAS DA NEBLINA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Orange (Nonesuch Records, 2019), Narrow Sea (Nonesuch Records, 2021), Let the Soil Play Its Simple Part (Nonesuch Records, 2021), The Wheel (Alpha Classics, 2022) e Evergreen (Nonesuch Records, 2022), da premiada compositora, violinista e cantora estadunidense Caroline Shaw.

 

DEPOIS DE AMANHÃ NINGUÉM SABE... – Eita! O tempo parou de repente ou o relógio deu um cochilo de perder a hora, só sendo! E me vi naquela de qual refúgio para nenhuma apocatástase. O que sei é que vige por aí muito medo, criaturas abissais e o espaço não se mede porque ressoa o bafo de uma noite interminável em pleno meio dia. Desde quando? Ora, faz tempo! A esperança voa ensolarada, enquanto ao redor o susto prevalece no que sente e percebe: o curso das coisas, a memória de fatos dispersos. Só sei que nesse meio perdi Mnemósyne na última volta, um piscar de olhos e não mais a promessa e tantas juras dela Sheherazade jamais arredar desdadolescência ao Pulo do amante. Ledo engano: o fogo devorou a lenha, a água engoliu o chão, o vento levou as cinzas daquele que se foi e não era outro senão quem viveu e morreu sem deixar sequer lembranças – e quem vivo precisa se tornar mais feliz por ter escapado, pelo menos. Nem precisou um passo adiante e onde fui parar: chuvas por legado para confissões vexatórias entre lúmpens e aldrabões em pleno antropoceno – ora, ora, quem diria, hem, Paul Crutzen? -, como se o desterro me desse a herança de mortos deserdados. E lá ia eu quase solastálgico - como insistia Glenn Albrech: O sentimento de perda diante de transformações... Sabia lá quem era quem diante de tanta impostura! Graças a não sei quem não sou imune aos equívocos, embora precavido. Mas o que é tão impróprio senão o tamanho da nossa hipocrisia - talvez os disfarces escondam a cabeça totêmica num rochedo alhures para guiar moribundos desorientados, agora tão mudos, quando não tartamudeantes com suas faces mortificadas na certidão de que a sabedoria agonizou e nada prosperará nem tão cedo. E se isso não viesse ao caso, a violência em cadeia trazia logo a impressão de Irvine Welsh: Estou cercado de pessoas que me são mais próximas, mas nunca me senti tão sozinho. Nunca, em toda a minha vida... Ninguém está feliz... Quem não com a sensação de um nó cego à ameaçadora aporofobia, não bastando a catadura à fealdade e meus versos toscos inúteis no meio do alarme da Rosi Braidotti: Plantas, animais e vegetais geneticamente modificados proliferam junto com vírus de computador, enquanto veículos aéreos e outros meios militares não tripulados nos apresentam novas maneiras de morrer... Danou-se tudo! Nem tão à toa quanto provável, o que era desatento fizera a surpresa com o que assegurava Edna Ferber: A vida não pode derrotar um escritor apaixonado pela escrita - pois a própria vida é o amor de um escritor até a morte... Pois é, mas... Depois de amanhã ninguém sabe, livrai-me pelo menos da contagiosa normose, por enquanto. Até mais ver.

 

OUÇO TEU CORPO

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ouço teu corpo com a avidez abreviada e tranquila

de quem se impregna (de quem emerge,

de quem se estende saturado, repleto de esperma) na umidade

cifrada (suave oráculo espesso; templo)

nos limos, barragens tíbias, deltas,

de sua origem, bebo

(tuas raízes abertas e penetráveis; em tuas costas

Lascivas – lama brilhante – pântanos)

Os desígnios musgosos, tuas densas seivas

(tolas de embriagados cipós) Cheiro

em tuas bordas profundas, expectantes, as brasas,

em tuas selvas gordurosas,

as vertentes. Ouço (teu sêmen táctil) os mananciais, as larvas;  

(capela fértil) Toco

em teus lamaceiros vivos, em teus lodos: os rastros

em tua forja envolvente; os indícios

(Abro para tuas coxas ungidas; transpiradas; partilhadas de luz)

Ouço em teus lodaçais azedos, em tua margem: as apalpadelas, os presságios

– siglas imersas; blastos –. Em teus átrios:

as marcas vítreas, as libações (glebas fecundas), os fervedouros.

Poema da poeta e tradutora mexicana Coral Bracho. Veja mais aqui.

 

ACONTECENDO – [...] Talvez o verdadeiro propósito da minha vida seja que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, ou seja, algo inteligível e universal, fazendo com que minha existência se funda na vida e na cabeça de outras pessoas... [...]. Trecho extraído da obra Happening (Seven Stories Press, 2019), da premiada escritora francesa Annie Ernaux. Veja mais aqui.

 

PARA QUE SERVE A FILOSOFIA? – [...] Você não pode vencer no amor. Se houver triunfo, não há amor, mas egoísmo. E você também não pode concordar no amor. Se houver um acordo, não há amor, mas negócios. [...] Quando tudo o que é sólido se desfaz no ar, a reação imediata, quase física, é ir em busca de algo sólido. [...] Talvez toda filosofia não seja mais do que uma fuga permanente, onde, toda vez que alcançamos algum tipo de conforto, algum alarme soa e o corpo retoma as retiradas. [...]. Trechos extraídos da obra Filosofia en 11 frases (Paidos, 2014), do filósofo e escritor argentino Darío Sztajnszrajber, que em sua obra ¿Para qué sirve la filosofía? (FisicalBook, 2000), expressa que: [...] O espanto e o óbvio estão intimamente ligados, pois ao desconfiarmos do óbvio circundante, tudo então nos aparece com uma intensidade diferente. [...] Diante de eventos disruptivos, os seres humanos tendem a tentar ajustar a ruptura de forma que as bases mais gerais do significado atual não entrem em colapso. [...] A cidade inteira é construída sobre um sistema de esgoto que torna nosso lixo invisível. Aquilo que também somos, embora o escondamos o tempo todo [...]. Ele é autor de frases lapidares tais como: Filosofia não faz perguntas para encontrar respostas, mas sim para questionar as já estabelecidas... Não apenas somos o que narramos, mas somos narrados pelos outros... O movimento de gênero é encorajador para quem acredita que a abertura é o caminho para política da imaginação...

 

CLÁUSULAS POÉTICAS DA NEBLINA

Ao mouco amor de uma causa perdida, \ Ao tombadilho labutante do meu coração, \ Ao náufrago horizonte inerte, \ Aos trechos das minhas derrotas...

Versos do poema As naus do nada, extraído da obra Cláusulas poéticas da neblina (CriaArte, 2023), do poeta, professor e radialistamigo, Tony Antunes. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.