quinta-feira, agosto 24, 2023

BLANCA LUZ PULIDO, CASSANDRA CLARE, ELIZABETH GROSZ & REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som das obras Verblendungen (1984), Io (1987), ...à la Fumée (1990), Graal théâtre (1994), Orion (2002), Terra Memoria (2007), Lanterna mágica (2008), Circle Map (2012), Only The Sound Remains (2015) e Innocence (2018), da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023).

 

EITA, MANA, TENGO LENGOTENGO - Chuviscava na tarde mormaçada e o país parou porque era domingo na primeira semana de janeiro: horrores à vista numa roleta russa e nenhum semancol! Era 8 de janeiro e tudo muito triste há mais de uns cinco ou seis anos para um franzino à paisana, solfejando A morte do vaqueiro de Gonzaga & Nelson Barbalho – o nome esquecido de quem morreu sem deixar festas, quem não, quem nunca no pântano lúgubre dominical: o sangue humano era o alimento deles tão beligerantes. Quase nem ouvi quem dissera de Buchi Emecheta no meio da treta televisionada, um desaforo em cadeia nacional: O mundo inteiro parecia desigual, tão injusto. Algumas pessoas eram criadas com todas as coisas boas prontinhas à espera delas, outras apenas como enganos. Enganos de Deus... Pareciam mais desalmados oriundos da Planolândia, estúpidos desatinados. Não fosse dela o aceno com um trecho do Genji Monogatari de Murasaki Shikibu, jamais saberia: As coisas reais na escuridão não parecem mais reais do que os sonhos... O mundo não sabe disso; mas você, Outono, eu confesso: seu vento ao cair da noite penetra profundamente em meu coração... Não era outono e nem ainda escurecia. Só um tempo depois percebi que chegara de Earenger ornada pela chuva de quarks, bósons e habróns, no meio de múons que rondavam nas paragens. E se aproximava como quem descia do cometa Nishimura para nosso interlúdio idílico. Sua presença, ah ela, removia as sombras dos mortos de Estige e a barca de Caronte, o óbolo, o Cérbero e a terra da solidão subterrânea de Hades, os campos de Asfódelos, o profundo Tártaro e os Campos Elísios, tudo então revivido, não mais. Ali se parecia Perséfone escapulindo do sequestro e agitando a dopamina na minha festa Heitor dos Prazeres. Enigmática citou Bob Wilson: Se você vê o pôr do sol, isso tem que significar alguma coisa? Se você ouvir os pássaros cantando, tem que ter uma mensagem?... E me propôs jogar mancala no meio da quase noite estrelada. Sabia lá o que era e como. Diante da minha ignorância recitou-me Nazik Al-Malaika: Entenda-me se a noite for compreendida, entenda meus sentimentos. E toque-me, toque-me se as estrelas podem ser tocadas. Noitedias mais que a entendi ao tocá-la: mergulhei nos seus olhos e mais soube de viver sua efêmera estadia. Era a vida pregando das suas, ela se foi como se nem bem dissesse: Lá vai Luiz, coitado, o nosso sangue nos une. E isso eu não sabia. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

MULHER COM CHUVA: Uma xícara de café começa o dia. \ A lucidez e a paciência \ pendem de seu aroma espesso. \ Começo a sentir a matéria, \ A perceber a luz\ e a separar-me das sombras. \ Costume, rito: \ listar na imaginação \ tarefas planejadas, \ futuros imediatos. \ Olho \ pela janela aberta \ a chuva matutina que molha \ minhas ideias. \ Cores desbotadas \ instalam bandeiras tênues. \ Entre os parênteses \ que abre a chuva e o café \ gostaria de ficar para sempre: \ gota d’água \deslizando na janela.

VISITAÇÃO: Bato na porta da estrofe, \ três golpes discretos, \ suaves, \ tem alguém aí? \ Saem com força \ sílabas agitadas \ que não querem \ organizar-se em versos \ e, rebeldes, negam \ qualquer parentesco distante \ com metáforas ou anáforas ou \ nenhum outro truque retórico, \ dizem; \ e me informam \ que pensam em sair \ para passear ao ar livre. \ Sair da minha cabeça, \ é o que estão procurando \ vagar soltas pela página \ e viver \ à sua vontade. \ E como estou sozinho \ uma figura imaginada por elas \ obedeço e escrevo \ o que ditam \ para que não se esqueçam de mim \ e me façam \ desaparecer.

Poema da escritora, professora e tradutora mexicana Blanca Luz Pulido, autora dos livros Raíz de sombras (Fondo de Cultura Económica, 1988), Reino del sueño (Aldus, 1996); Los días (Colibrí /Secretaría de Cultura de Puebla, 2003), Pájaros (Lunarena, Puebla, 2005); Materia habitada (Casa de Poesía, 2007); La tentación del mar (UAM/La Cabra, 2012), Cerca, lejos (Textofilia, 2013) e Poderes del cuchillo (Parentalia/FES Acatlán, 2016).

 

CIDADE DOS OSSOS - […] Você já se apaixonou pela pessoa errada? Jace disse: "Infelizmente, Senhora do Refúgio, meu único amor verdadeiro continua sendo eu mesmo." ..."Pelo menos," ela disse, "você não precisa se preocupar com a rejeição, Jace Wayland." "Não necessariamente. Eu me recuso ocasionalmente, apenas para mantê-lo interessante [...] Essa é a parte em que você começa a arrancar tiras da sua camisa para curar minhas feridas?" "Se você queria que eu arrancasse minhas roupas, você deveria apenas ter perguntado. [...] O sarcasmo é o último refúgio do imaginativamente falido [...] O menino nunca mais chorou e nunca esqueceu o que aprendeu: que amar é destruir e que ser amado é ser destruído. [...]. Trechos extraídos da obra City of Bones (Margaret K. McElderry, 2007), da escritora estadunidense Cassandra Clare, pseudônimo de Judith Rumelt, autora de frases tais como: Sempre devemos ter cuidado com livros e com o que está dentro deles, pois as palavras têm o poder de nos transformar. Nós vivemos e respiramos palavras.

 

CAOS, TERRITÓRIO, ARTE: DELEUZE E O ENQUADRAMENTO DA TERRA - [...] A arte propriamente dita, em outras palavras, surge quando a sensação pode se desprender e ganhar autonomia de seu criador e de seu observador, quando algo do caos do qual é extraído pode respirar e ter vida própria. [...]. Trecho extraído da obra Chaos, Territory, Art: Deleuze and the Framing of the Earth (Columbia University Press, 2020), da filósofa Australiana e professa Elizabeth Grosz, expressando que: O corpo deve ser considerado como um local de inscrições, produção ou constituição social, política, cultural e geográfica. O corpo não se opõe à cultura, um resistente retrocesso a um passado natural; é em si um produto cultural, o produto cultural.

 

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

Deixamos Pernambuco com a firme convicção de que pelo menos esta parte do Brasil nunca mais se submeterá ao jugo de Portugal.

Pensamento da pintora, escritora e historiadora britânica Maria Graham (Maria Dundas Graham Callcott – 1785-1842), extraído da obra ABCdário da Revolução Republicana de 1817 (CEPE, 2017), organizada por Maria de Betânia Corrêa de Araújo, design gráfico de Raul Kawamura, pesquisa de Marcus de Carvalho, Mateus Samico e Sandro Vasconcelos. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.