Ao som dos álbuns
Molécula Azul (2020), A flor que gira (2019), Cósmico
Samba (2011), A Hora do Meio-Dia: "ofuscante, tanta
claridade oculta o mito e deseja a noite" (2002), O Bárbaro
(s/d) e Disfarce (1999), da cantora, compositora, instrumentista, professora
e escritora Luama Socio, que é formada em Letra pela UNESP, mestre em
Teoria Literária e doutora em Filosofia pela USP, e editora da revista Katawixi.
VALER SEM UMA NEM
DUAS, TODAS... - Daqui prali é quase nada: há sempre a
sensação de que a colheita já passou do ponto. Mesmo assim aposto no
imprevisível: ainda não achei a peça que falta no quebra-cabeça, olvidando da ampulheta
no relógio que perdi. Sei de antemão: o que passou pegou atalho pro futuro – cada
passante com a sua própria Caverna de Platão, coisa de quem estupora misturado no indevido. Estou pronto pro
improviso, mas sei: há sempre o risco da queda. Ah, vou no tinindo, afinal quem
não proseia, antes de chegar já se foi. Há quem vá no acordo ou não, e dessa
passa pra outra, às vezes pra pior. Enquanto isso atento ao que disse Carolyn Janice Cherry: A ignorância matou o gato; a curiosidade foi
enquadrada!... É perfeitamente normal escrever lixo - desde que você edite de
maneira brilhante... Rio-me de quase tudo. E, apesar da manhã ensolarada,
a correria dos que vão ou chegam parece mais a vida se acabando antes do tempo e pisoteando os que
ficaram pelo caminho. Adivinho itinerário, ovelha desgarrada e o desassossego. Escapo de dementadores, afinal já me
dizia Rebecca West: A conversa é uma ilusão. Há
apenas monólogos que se cruzam... Você deve sempre acreditar que a vida é tão
extraordinária quanto as músicas dizem. Confesso: ao
meu redor tudo é tão inextricável quanto impreciso, enteléquia arruinada e o
inevitável. Salutar ouvir Camilla Läckberg feito epitalâmio: Seria mais fácil não se importar, ir com a maré e se preocupar com um dia de
cada vez... Nunca se deve considerar uma coisa como certa se for apenas quase
certa... Porque se você não se permitir amar, você correrá o risco de perder tudo... A vida é sempre um mistério pendular, tempespaço entre dizeres e
falácias. Mas digo: se a
verdade for uma mulher nua e crua eu quero, senão prefiro uma mentira bem
contada. Do contrário, lá vou eu como quem veio da Nebulosa do Anel
para a galáxia do Sombreiro: um caminho para ir sozinho. E aos que perduram
digo: até mais ver.
UM POEMA: A VIDA NÃO VIVIDA
Imagem: Acervo ArtLAM
Um palco ao ar livre, madrugada, \ Todos os
movimentos seguem o ritmo, uma coreografia fixa, os bailarinos dançam balé \ Um
homem segura um relógio, no final tudo o que ouvimos é o tique-taque do relógio
\ (uma transição dos movimentos coreografados da dançarina para o simples
tique-taque do relógio) \ Eu pedi para uma nova era começar \ Aqui entre nós \ Relâmpagos
(se mostra) \ Você pode escolher um conhecimento para levar com você \ Apenas
um \ Você pode escolher como achar melhor, a liberdade é sua, mas se as
limitações são o que você deseja eles estão disponíveis \ (Dê corda no relógio)
\ O que vai morrer vira começo, deixe tudo \ Minhas memórias? Sim, eles também. \ Lembrar não será
possível. \ Você morre. Todos nós morremos \ Bem desse
jeito? Sim, de certa forma, de certa forma não \ Você não poderá escolher quando
\ Mas isso vai acontecer \ O que você sabe sobre a nova era? \ Você tem
experiência. \ O que você vê na sua frente. \ Não
adianta ter medo. \ Bom, bom, isso mesmo \ Cumprimente o novo com confiança,
seja justo \ Quem é você, aquele que vai nos explicar tudo? \ Nunca, sem tais
pensamentos, mude a melodia e ouça o que é quase inaudível \ E ainda assim
cresce \ Os mortos: cresce, cresce, cresce \ Levante-se quando eu falo com você
\ Você é um homem violento? \ Eu tenho ideias, pensamentos. \ Qual, se posso
perguntar? \ Como você governa sem violência? \ Tudo depende de você acreditar
em mim, em cada palavra minha \ Não pense nem por um momento que vou te revelar
algo sobre mim \ Os mortos: Sobre mim, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu \ O homem que
falou de uma nova era anda com o relógio fora do palco \ Lá vão eles, todos
tolos \ Eles não vão voltar, estamos sozinhos aqui, estamos livres, e ainda
assim não \ Eu não entendo nada, agora diga o que você quer dizer \ A vida
passou, não vai voltar \ Agora todos devem se curar \ Já estamos mortos? \ O
murmúrio dos mortos está por trás dele, embaixo dele, murmure livremente \ Quantos,
dois ou três, cinquenta, cem mil, setecentos mil e trinta? \ Vá em frente,
apenas deite-se ali. \ Ele aponta para os mortos, seu murmúrio \ Seu sono será
sem sonhos \ Eu amo meus sonhos \ Então fique aí, aí você poderá sonhar \ É tão
fácil assim, mas algumas palavras, ele ri \ Tudo começa de novo. \ Isaque, Ismael, o
sacrifício e o deserto \ O murmúrio dos mortos: Isaque, Ismael, o sacrifício \ Trovões,
relâmpagos, em seu clarão vemos o balé dos dançarinos \ Todos observam enquanto
dançam, cada um em sua mente, pensamentos, se pudéssemos ouvi-los \ Aplausos \ Apenas
olhe Isaque e Ismael se abraçam e riem \ Isaac: Veja o balé. \ Eles estão dançando
Ismael: Me encanta ver isso, me encanta \ Isaac: Então você está seguro, só os
seguros podem se deliciar assistindo a dança \ Ismael: Talvez \ Eles riem \ O
homem do relógio entra. \ O Homem: O tempo está passando. \ Não se esqueça. \ Isaac:
Nos encontramos e já devemos nos separar \ Ismael: Assim está escrito \ Ismael
dá um beijo de despedida em seu irmão, deve ir imediatamente \ Sentiremos falta
um do outro? \ Através dos milênios \ Até a próxima. \ Isaque e Ismael caem nos
braços um do outro \ Assista ao balé novamente \ O balé novamente em plena luz
do dia \ Ismael: O que vê-los dançar faz com você? \ Isaac: Isso me faz doer \ Isaac:
Verdadeiramente, estou sofrendo, estou sofrendo \ Ismael: Esse é o anseio pela
vida não vivida \ Uma eternidade depois \ Bem cumprido \ Isaque \ Ismael \ Ouça
isso, não poupe detalhes, eles sussurram um para o outro, \ a paisagem de seus
pensamentos é projetada atrás deles. \ Um pássaro voa pela paisagem e cai
diante de Isaque e Ismael. \ É a morte, o condor, o orgulhoso emissário da
morte. \ É apenas um pássaro. \ Um pássaro você diz, se fosse uma pomba já
estaríamos comemorando, mas o condor, com asas para carregá-lo do inferno e
voltar \ Tão rápido em separar pensamentos, \ Ismael, meu irmão \ O que você
está pensando? \ Os prados pelos quais passei quando criança. \ Pensamentos, esperança
talvez tão simples quanto isso \ Sim, esperança e saudade \ Aqueles que vivem
muito. \ Só eles? \ Sim. \ Só eles.
Poema da escritora sueca Linda Bostrom Knausgard.
RAINHA
DESTE REINO - [...] Vale a pena lutar pela liberdade; vale a pena pagar um preço alto por isso, porque morrer pela liberdade é
deixar esta vida em um tumulto de glória que destrói nossas fraquezas passadas
e nos torna um com os heróis. [...]. Trecho extraído da obra Queen of This Realm (Fawcett, 1986), da escritora Jean Plaidy, pseudônimo da
escritora britânica Eleanor
Hibbert (1906-1993), autora de frases lapidares tais como: Como os amantes podem ser estúpidos! Mas se não fossem, não haveria
história... Um país ganha mais com um ano de paz do que com dez anos de guerra... Veja mais aqui.
BRAINTRUST: O QUE A NEUROCIÊNCIA NOS DIZ SOBRE A
MORALIDADE - [...] A ciência é o grande antídoto
para o veneno do entusiasmo e da superstição. [...]. Trecho extraído da obra Braintrust:
What Neuroscience Tells Us about Morality (Princeton
University Press, 2012), da filósofa canadense Patricia Smith
Churchland, que noutra de suas obras, Conscience: The Origins of Moral
Intuition (W. W. Norton & Company, 2019)
expressa que: [...] A certeza é inimiga do conhecimento. [...] Em geral,
aqueles que se anunciam como tendo um julgamento moral superior ou um acesso
único à verdade moral precisam ser olhados com desconfiança. Não é raro que haja
grandes vantagens – em dinheiro, sexo, poder e auto-estima – em estabelecer-se
como uma autoridade moral. O resto de nós pode ser facilmente
explorado quando concordamos com essas afirmações oficiais. Muitos golpistas se
proclamam gurus morais, dispostos a dizer ao resto de nós como nossa
consciência deve se comportar. Eles podem parecer
autoritários porque são especialmente carismáticos ou especialmente espirituais
ou especialmente firmes em suas convicções. [...] É tentador acreditar que
a nossa consciência pode ser aproveitada para transmitir verdades morais
universais e que, enquanto prestarmos atenção à nossa consciência, a nossa
escolha será de fato a escolha moralmente correta. O facto desconfortável
que tem de ser levado em conta, no entanto, é este: as pessoas conscienciosas
divergem frequentemente sobre o que a sua consciência lhes ordena fazer e,
portanto, diferem nas suas [...] A convicção sincera não é, infelizmente,
uma garantia de decência moral. [...] Posso ansiar pela certeza, mas
tenho que viver fazendo o melhor que posso. [...] A própria ciência não
julga valores morais. Quando todos os fatos disponíveis
estiverem disponíveis, ainda poderemos enfrentar as perguntas “O que devemos
fazer? [...] A certeza sobre a postura moral de alguém pode ser reconfortante,
mas tende a nos alertar para os danos que estamos prestes a causar. [...] Viver
em comunidade normalmente aumenta as chances de sobrevivência e prosperidade. Podemos compartilhar
comida e nos aconchegar contra o frio; podemos nos organizar
para atacar as presas ou para nos defendermos uns dos outros contra invasores. [...] Se a nossa
sociabilidade motiva o cuidado com os outros, também é verdade que somos dados
ao ódio. Nós, humanos, regularmente temos prazer em odiar aqueles que consideramos
estranhos. Tendemos a achar o ódio energizante. [...] O primeiro e
mais básico ponto evolutivo é que os principais alvos e beneficiários da
sociabilidade são os descendentes. Por que? Porque os bebês
mamíferos são imaturos ao nascer e certamente morrerão sem cuidados. As tartarugas bebés,
depois de eclodirem dos ovos, imediatamente escavam para sair da areia, descem
para a água e começam a procurar comida. Nenhum pai está por
perto, nem é necessário [...] Por mais confuso que seja, o melhor
conselho talvez seja permitir-se uma ampla experiência de vida e exposição à
condição humana em toda a sua beleza e horror. Faça o seu melhor, mas
mesmo assim você cometerá erros [...] Se eu fosse uma criatura
solitária como uma salamandra, nada disso me incomodaria. Eu não teria conflitos
morais, nem consciência social. Eu alimentaria,
acasalaria e botaria meus ovos. Eu não me preocuparia
com outras salamandras, nem mesmo com aquelas que eclodem dos meus próprios
ovos. Eu cuidaria de minhas próprias necessidades e não me importaria nem um
pouco com os outros. Mas sou um mamífero e, como outros
mamíferos, tenho um cérebro social. Estou programado para me
preocupar, especialmente com aqueles a quem estou apegado. [...]. Veja mais aqui
e aqui.
PERNAMBUCO POPULAR
O dom de comover lhe pertence, pois seu toque esbarra na emoção do outro...
Extraído da obra Pernambuco popular: um toque de mestre (Relicário
Produções, 2005), de Raul Lody, fotografia de Fred Jordão e Roberta
Guimarães, reunindo a obra de Ana das Carrancas, J. Borges, Mestre Salú,
entre outros grandes mestres da arte popular de Pernambuco. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.