sábado, maio 02, 2015

ARISTÓTELES, DONNE, BUÑUEL, IBSEN, DAREL, SADE, BOSCH, ANTONIO NÓBREGA & MARILENE ALAGIA.

Imagem: O jardim das delícias (The Garden of Earthly Delights, Museu do Prado, Madrid), do pintor e gravador holandês Hieronymus Bosch (1450-1516)

Curtindo Lunário Perpétuo (2002), do artista e músico pernambucano Antonio Carlos Nóbrega.

ÉTICA A NICÔMACO - No Dia Nacional da Ética nada mais apropriado que uma leitura à obra Ética a Nicômaco (Martin Claret, 2012), do filósofo grego Aristóteles, no qual o autor investiga o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em conta a situação concreta do homem, um ser que está acima do animal, mas que não pode ser definido apenas pela pura razão. Neste meio-termo se colocará o que se deve entender especificamente por virtude. Da obra destaco os seguintes trechos: Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem. Mas observa-se entre os fins uma certa diferença: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades que os produzem. Onde existem fins distintos das ações, são eles por natureza mais excelentes do que estas. Ora, como são muitas as ações, artes e ciências, muitos são também os seus fins: o fim da arte médica é a saúde, o da construção naval é um navio, o da estratégia é a vitória e o da economia é a riqueza. Mas quando tais artes se subordinam a uma única faculdade — assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos cavalos se incluem na arte da equitação, e esta, juntamente com todas as ações militares, na estratégia, há outras artes que também se incluem em terceiras —, em todas elas os fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados, porque estes últimos são procurados a bem dos primeiros. Não faz diferença que os fins das ações sejam as próprias atividades ou algo distinto destas, como ocorre com as ciências que acabamos de mencionar. [...] A julgar pela vida que os homens levam em geral, a maioria deles, e os homens de tipo mais vulgar, parecem (não sem um certo fundamento) identificar o bem ou a felicidade com o prazer, e por isso amam a vida dos gozos. Pode-se dizer, com efeito, que existem três tipos principais de vida: a que acabamos de mencionar, a vida política e a contemplativa. A grande maioria dos homens se mostram em tudo iguais a escravos, preferindo uma vida bestial, mas encontram certa justificação para pensar assim no fato de muitas pessoas altamente colocadas partilharem os gostos de Sardanapalo [...] Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de regra, gera-se. e cresce graças ao ensino — por isso requer experiência e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome por uma pequena modificação da palavra (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra. [...] Numa palavra: as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso, pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos, porquanto da sua diferença se pode aquilatar a diferença de caracteres. E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos habituemos desta ou daquela maneira. Tem, pelo contrário, imensa importância, ou melhor: tudo depende disso. [...] O mesmo acontece com a temperança, a coragem e as outras virtudes, pois o homem que a tudo teme e de tudo foge, não fazendo frente a nada, torna-se um covarde, e o homem que não teme absolutamente nada, mas vai ao encontro de todos os perigos, torna-se temerário; e, analogamente, o que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum torna-se intemperante, enquanto o que evita todos os prazeres, como fazem os rústicos, se torna de certo modo insensível. [...] A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais justo, é, porém, um extremo. [...] Após estudar essas coisas teremos uma perspectiva mais ampla, dentro da qual talvez possamos distinguir qual é a melhor constituição, como deve ser ordenada cada uma e que leis e costumes lhe convém utilizar a fim de ser a melhor possível. Veja mais aqui.

SONETOS DE MEDITAÇÃO – O livro Sonetos de Meditação (Philobiblion, 1985) do poeta metafísico inglês John Donne (1572-1631) reúne seus sonetos divididos em duas partes Coroa de Sonetos e Sonetos Sacros, em edição bilíngue. O autor alcançou sua notabilidade por sua linguagem vibrante, metáfora engenhosa e pela expressão de um estilo realista e sensual que incluía sonetos, poesias amorosas, poemas religiosos, epigramas, elegias, canções, sermões e sátiras. Anunciação é o primeiro dos seus sonetos destacados: A salvação de quem a deseja está perto; / quem anda pelas terras que este mundo comporta, / quem não pode pecar – e os pecados suporta, / quem não pode morrer – e a morte é seu fim certo, / deixa, Virgem fiel, que Todos se acaentem / na prisão de teu ventre; e lá, embora não / possam pecar, e nem lhes dês a carne, vão / tê-la, para que a força da morte experimentem. / Nem criado era o tempo nas esferas, Senhora, / e estavas já na ideia de Deus, teu Filho, e Irmão; / Ele, a quem concebeste, te concebera, e agora, / Criadora do Criador, de teu Pai és mãe, / luz na treva, enclausuras em pequeno guardado / a imensidade toda no ventre abençoado. Natal é o segundo dos seus destacados sonetos: A imensidade toda no ventre abençoado, / Agora deixa o ventre, bem amada clausura / onde, por seu querer, se fez uma criatura / fragílima, e eis no mundo nosso Deus encarnado. / Mas, oh! Para ti, e ele, não há no albergue um pouso? / Na manhedoura estava, e vindo do Oriente, / estrela e magos põem a família ao corrente / do decreto de Herodes, general invejoso. / Minha alma, que teus olhos de fé por ele passes: / Ele enche o espaço todo, e não tem um abrigo? / Não era alta piedade dele para contigo / que lhe fosse preciso que dele te apiedasses? / Beija-o, e com ele foge para o Egito, vai, parte / com sua doce mãe, que a imensa dor reparte. Veja mais aqui.

CASA DE BONECAS – O revolucionário drama em três atos Casa de bonecas (1878 - Veredas, 2007), do dramaturgo do Realismo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), é uma tragédia em que o autor questiona as convenções sociais do casamento retratando a hipocrisia e convencionalismos da sociedade do final do século XIX, causando muitas polêmicas, censura e grande repercussão entre feministas. Da obra destaco o seguinte trecho: [...] HELMER Está tudo acabado! Você nunca mais vai pensar em mim, Nora? NORA Vou pensar muitas vezes em você, é claro, e nos meus filhos, e na casa. HELMER Posso lhe escrever, Nora? NORA Não! Nunca. Proibo-o de fazer isso. HELMER Ah, mas decerto posso lhe enviar algo. NORA Nada, nada. HELMER Ajudá-la, se você precisar. NORA Não, já lhe disse. Não aceito nada de estranhos. HELMER Nora... nunca passarei de um estranho para você? NORA (segurando a maleta) Ah! Torvald, para isso seria preciso o maior dos milagres. HELMER E qual seria o maior dos milagres? NORA Seria preciso transformarmo-nos os dois a tal ponto... Ah, Torvald! Já não mais acredito em milagres. HELMER Eu, porém, quero crer neles. Diga. Deveriamos nos transformar a tal ponto que... NORA ...que a nossa união se transformasse num verdadeiro casamento. Adeus. (Sai pela porta da saleta) HELMER (caindo numa cadeira junto à porta e cobrindo o rosto com as mãos) Nora! Nora! (Ergue a cabeça e olha em tomo de si) Está vazia, ela não está mais aqui! (Com um vislumbre de esperança) "O maior dos milagres!" Ouve-se, vindo de baixo, o bater do portão. Veja mais aqui.

JUSTINE: AS DESGRAÇAS DA VIRTUDE – O clássico da literatura erótica Justine: as desgraças da virtude (Justine ou les Malheurs de la vertu), é uma das inesquecíveis obras do escritor francês Donatien-Alphonse-François, mais conhecido como Marquês de Sade (1840-1814), que conta a história de duas damas que se tornam vítimas da bancarrota de seus familiares e se tornam passageiras à mercê da vida. Trago esse trecho inicial da obra: A senhora condessa de Lorsange era uma dessas sacerdotisas de Vênus cuja fortuna é obra de uma figura encantadora, de muito comportamento mau e de muita trapaça, e cujos títulos, por mais pomposos que sejam, não se encontram nos arquivos de Cítera, forjados pela impertinência que lhes dá forma e mantidos pela tola incredulidade de quem os dá. Morena, muito viva, de belo corpo, olhos negros e dotados de uma expressão prodigiosa, muito espírito e, sobretudo, aquela incredulidade da moda que, dando mais chiste às paixões, faz procurar com muito mais cuidado hoje a mulher em quem julgamos encontrá-lo. Filha de grande comerciante da Rue Saint-Honoré, foi criada com uma irmã três anos mais nova que ela, num dos melhores conventos de Paris onde, até os quinze anos, nenhum conselho, mestre, bom livro ou talento lhe foi recusado. Nessa época fatal para a virtude de uma jovem, tudo lhe faltou num único dia. Uma terrível bancarrota atingiu seu pai, precipitando-o numa situação tão cruel que tudo o que pôde fazer para escapar à sorte mais sinistra foi fugir imediatamente para a Inglaterra, deixando as filhas com sua mulher que morreu de tristeza oito dias após a partida do marido. Um ou dois parentes que restavam deliberaram sobre o que se faria com as moças. O que cabia a cada uma eram cerca de cem escudos e eles decidiram abrir-lhes as portas, dar-lhes o que lhes era de direito e torná-las senhoras dos seus próprios atos. A senhora de Lorsange, que então chamava-se Juliette e cujo caráter e espírito estavam apenas quase formados de modo que, aos trinta anos, sua idade quando da história que vamos contar, pareceu impressionar-se apenas com o prazer de estar livre, sem refletir, por instante sequer, nos cruéis reveses que lhes rompiam os grilhões. Quanto à Justine, sua irmã, que apenas completava doze anos, dotada de um caráter sombrio e melancólico e de uma ternura e de uma sensibilidade surpreendentes, tendo em lugar da arte e da finura de sua irmã apenas uma ingenuidade, uma candura, uma boa fé que a fariam cair em muitas armadilhas, esta sentiu todo o horror da sua posição. O rosto desta jovem era totalmente diferente do da Juliette; o que se via de artifício, de astúcia, de coquetismo nos traços de uma, admirava-se o pudor, a delicadeza e a timidez na outra. Um ar de virgem, de grandes olhos azuis cheios de interesse, uma pele resplandecente, um corpo fino leve, um tom de voz tocante, a mais bela alma e o caráter mais doce, dentes de marfim e belos cabelos louros, este o esboço rápido de uma jovem encantadora, cujas graças ingênuas e traços delicados são de um estilo fino e delicado demais para não escapar ao pincel que gostaria de reproduzi-los. As duas receberam um prazo de vinte e quatro horas para saírem do convento, deixando os cuidados de se proverem dos seus cem escudos como bem quisessem. Juliette, encantada com a idéia de ser dona de si mesma, quis por instantes enxugar as lágrimas de Justine, mas vendo que nada conseguia, pôs-se a resmungar em vez de consolá-la, dizendo-lhe que ela era uma besta, e que com a idade e o corpo que tinham, não havia porque seguir o exemplo das jovens que morriam de fome. E falou da filha de um vizinho seu, que fugira da casa paterna e agora era faustosamente sustentada por um fazendeiro e tinha sua carruagem para passear em Paris. Justine sentiu-se horrorizada com esse exemplo pernicioso e disse que preferia morrer a segui-lo e recusou-se decididamente a aceitar morar com a irmã tão logo a viu decidida a seguir um tipo de vida abominável mas que Juliette elogiava. [...] Veja mais aqui e aqui.

EU E MINHA MANEIRA DE SER – A poeta gaúcha de Bagé Marilene Alagia Azevedo, edita o blog Eu e Minha Maneira de Ser e reúne também seus poemas no Recanto das Letras. Da sua lavra destaco Solidão: É o corpo / É a alma / É o grito... / É o coração aflito / Febre / Que queima / O interior / Luxuria / Que nas veias tem / Que grita! / Já muito além / Fazendo ouvir / Ao longe / Chamando por seu amor / Em desespero continuo / Incendiando o ser / Fogo que faz nascer / Gemidos de prazer e dor / Em busca do seu amor / Para poder ir dormir / Desejos que faz sentir / No toque firme das mãos / Gemidos do coração / Madrugadas solidão. Também merece destaque o seu Inexplicável: Explicar/ O inexplicável / Entre o êxtase / E o gozo! / Os sonhadores / êxtases / Os normais / Gozo... / Onde as vezes repouso / Depois do extase profundo/  Onde a alma vagueia / Na silhueta amada / Onde o gozo não nota / Extasiado não está! / Gozo não perde chão / Gozo sabe o que faz / Gozo tem sensações / Gozo... Pouca emoção / Ah! O gozo! / Gozo de ti / Gozo de mim / Pobres criaturas / Sem vida nenhuma / Apenas gozar! / Prefiro o êxtase / O que embriaga / Que arraza e acalma / Atira ao espaço / Navega nos braços / Em todos os espaços / Habita-o num todo / repousa no torso / Depois de saciar / Mas como explicar? / De as vezes precisa / Misturar / êxtase e gozo / Para se completar. / Inexplicável sentir / Transportar / Silhueta tão sua / Lhe deixa prostrada / Sem nunca tocar. Veja mais aqui.

O ANJO EXTERMINADOR – O filme O anjo exterminador (1962) dirigido pelo cineasta espanhol naturalizado mexicano Luis Buñuel (1900-1983), é baseado na peça Los náufragos, do escritor espanhol José Bergamin (1895-1983) e traz as influencias surrealistas que incidiram sobre a obra do autor, na historia de um grupo de burgueses criticando a superficialidade e o baixo nível intelectual e moral do mundo triste dessas pessoas, numa cena em que personagens ricamente esbanjadores se vêem trancafiados numa das salas de uma mansão após um jantar formal, tornados reféns de grades e portas imaginárias, numa postura de idiotia humana. Por isso, sou um assíduo apreciador da obra desse grande cineasta que desde a minha adolescência, tem se delineado por toda minha existência. Não posso, em nenhum momento menor que seja, deixar de aplaudir a grandiosidade de sua obra. Salve, Buñuel! Veja mais aqui , aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
Imagem do artista plástico pernambucano Darel Valença Lins.
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