
DITOS & DESDITOS
Quanto melhor me conheço, mais perdida
fico... Com o passar dos anos, percebo que minha mãe, quando falava da vida da
mulher e dizia coisas que me irritavam, no fundo tinha sempre razão. Dizia que
uma mulher não deve nunca ter tempo, não deve jamais ficar ociosa, porque do
contrário logo começa a pensar no amor... Sei que minhas reações aos fatos que
escrevo em detalhes me levam a me conhecer mais intimamente a cada dia...
Pensamento da escritora e dramaturga
ítalo-cubana
Alba
de Céspedes
(Alba Carla Lauritai de Céspedes y Bertini – 1911-1977). Veja mais aqui &
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O ANEL DE GIGES & A REPÚBLICA DE PLATÃO
[...] A
permissão a que me refiro seria especialmente significativa se eles recebessem
o poder que teve outrora, segundo se conta, o antepassado de Giges, o Lídio.
Este homem era pastor a serviço do rei que naquela época governava a Lídia.
Cedo dia, durante uma violenta tempestade acompanhada de um terremoto, o solo
fendeu-se e formou-se um precipício perto do lugar onde o seu rebanho pastava.
Tomado de assombro, desceu ao fundo do abismo e, entre outras maravilhas que a
lenda enumera, viu um cavalo de bronze oco, cheio de pequenas aberturas;
debruçando-se para o interior, viu um cadáver que parecia maior do que o de um
homem e que tinha na mão um anel de ouro, de que se apoderou; depois partiu sem
levar mais nada. Com esse anel no dedo, foi assistir à assembleia habitual dos
pastores, que se realizava todos os meses, para informar ao rei o estado dos
seus rebanhos. Tendo ocupado o seu lugar no meio dos outros, virou sem querer o
engaste do anel para o interior da mão; imediatamente se tomou invisível aos
seus vizinhos, que falaram dele como se não se encontrasse ali. Assustado,
apalpou novamente o anel, virou o engaste para fora e tomou-se visível.
Tendo-se apercebido disso, repetiu a experiência, para ver se o anel tinha
realmente esse poder; reproduziu-se o mesmo prodígio: virando o engaste para
dentro, tomava-se invisível; para fora, visível. Assim que teve a certeza,
conseguiu juntar-se aos mensageiros que iriam ter com o rei. Chegando ao
palácio, seduziu a rainha, conspirou com ela a morte do rei, matou-o e obteve
assim o poder. Se existissem dois anéis desta natureza e o justo recebesse um,
o injusto outro, é provável que nenhum fosse de caráter tão firme para
perseverar na justiça e para ter a coragem de não se apoderar dos bens de
outrem, sendo que poderia tirar sem receio o que quisesse da ágora,
introduzir-se nas casas para se unir a quem lhe agradasse, matar uns, romper os
grilhões a outros e fazer o que lhe aprouvesse, tornando-se igual a um deus
entre os homens. Agindo assim, nada o diferenciaria do mau: ambos tenderiam
para o mesmo fim. E citar-se-ia isso como uma grande prova de que ninguém é
justo por vontade própria, mas por obrigação, não sendo a justiça um bem
individual, visto que aquele que se julga capaz de cometer a injustiça
comete-a. Com efeito, todo homem pensa que a injustiça é individualmente mais
proveitosa que a justiça, e pensa isto com razão, segundo os partidários desta
doutrina. Pois, se alguém recebesse a permissão de que falei e jamais quisesse
cometer a injustiça nem tocar no bem de outrem, pareceria o mais infeliz dos
homens e o mais insensato àqueles que soubessem da sua conduta; em presença uns
dos outros, elogiá-lo-iam, mas para se enganarem mutuamente e por causa do medo
de se tomarem vítimas da injustiça. Eis o que eu tinha a dizer sobre este
assunto. [...]
Trecho
extraído de A República, do filósofo
e matemático grego Platão (428/427 Atenas – 349/347 a.C.). Veja mais
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O HOMEM INVISÍVEL, DE WELLS
[...] Todos
os homens, por mais educados que sejam, conservam algumas intuições
supersticiosas. [...] Sozinho — é
maravilhoso o quão pouco um homem pode fazer sozinho! Roubar um pouco, machucar
um pouco, e pronto. [...] Eu me debrucei sobre as coisas que um homem
considera desejáveis. Sem dúvida, a invisibilidade tornou possível obtê-las,
mas tornou impossível apreciá-las quando as obtivemos [...] Fazer tal
coisa seria transcender a magia. E eu contemplei, sem a sombra de dúvidas, uma
visão magnífica de tudo o que a invisibilidade pode significar para um homem —
o mistério, o poder, a liberdade. Não vi desvantagens. Basta pensar! E eu, um
manifestante miserável, miserável e confinado, ensinando tolos em uma faculdade
provinciana, poderia de repente me tornar — isto. [...] Eu me senti
incrivelmente confiante — não é particularmente agradável lembrar que eu era um
idiota [...] Ideias grandiosas e estranhas que transcendem a experiência
muitas vezes têm menos efeito sobre homens e mulheres do que considerações
menores e mais tangíveis. [...] Ambição — de que adianta ter um lugar de
destaque quando você não pode aparecer lá? De que adianta amar uma mulher
quando seu nome precisa ser Dalila? [...] Há coisas extraordinárias nos
livros [...] Desperdicei forças, tempo, oportunidades. Sozinho — é
maravilhoso o quão pouco um homem pode fazer sozinho! Roubar um pouco, machucar
um pouco, e aí está o fim [...] Ele era certamente um homem intensamente
egoísta e insensível, mas a visão de sua vítima, sua primeira vítima,
ensanguentada e lamentável a seus pés, pode ter liberado uma fonte de remorso
há muito reprimida que por um tempo pode ter inundado qualquer plano de ação
que ele tivesse arquitetado. [...].
Trechos extraídos da obra The Invisible Man (Dover, 1992), do escritor britânico
H.G. Wells (Herbert George Wells – 1866-1946).
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
GARABOMBO, DE SCORZA
[...] Distintíssimo Capitão: Meu Cápi: O senhor é justo,
honrado e nunca aceita presentes [...].Por que é que não está preso o presidente da
Corte Suprema? Há julgamentos no Peru que duram 400 anos. Há comunidades que
reclamam suas terras há um século. Quem liga para elas? Por que não está preso
o juiz Montenegro? E, sobretudo, por que o senhor não está preso? Guarda
Cabrera: o senhor não é sequer um homem inferior, é um vegetal superior. [...]
sua cara se gretou, ele ficou vesgo, as faces caíram, os dentes recuperaram
seu musgo. [...] A chuva desbotou o terno novo azul, manchou a camisa,
avariou sua pele. [...] Perdeu-se capengando [...] - Se Garabombo
dirigir a sublevação [...] Se o invisível reunir o povo, Huachos
concorda [...] Por que morremos? Acaso roubamos? Abusamos de alguém?
Mentimos? [...] Outrora
havia sido transparente para as autoridades, hoje seria invisível para todos os
homens! [...] O erro de sua ignorância seria a arma de sua lucidez.
Chinche acreditara durante anos que ele era invisível. [...] Essa força
venceria o desânimo! Seria invisível! [...].
Trechos
extraídos da obra Garabombo,
o invisível (Civilização
Brasileira, 1975), do escritor romancista peruano Manuel Scorza (1928-1983), descrevendo o
combate entre o Peru e os sobreviventes de uma revolta camponesa andina, num
humorado testemunho de mitos e fantasias, denunciando o que os historiadores
não registraram do terror e da atrocidade do combate. O protagonista é um líder
da utopia como potencial revolucionário que convence o povoado a reagir contra
as adversidades, no qual o malogro da revolva torna-se uma promessa da morte
por renascimentos numa quarta-feira de cinzas. Veja mais aqui, aqui, aqui,
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