DIÁRIO DE QUARENTENA – UMA: AUTORRETRATO –
ENTRE O ERMO E O QUE SOBROU DE MIM – Daquelas indagações pictóricas do Gauguin nenhuma esqueci, nada
irrespondível. Sigo por elas e delas me faço existir. No meio do caminho ouvi Kafka: De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve
ser alcançado. Da lição, a fruta ao alcance da mão, perfume na brisa, gosto
do apetite. Sou eterno regresso, reaprendendo. Do que fiz aos ouvidos moucos,
se era para inglês ver, já sabia: para baixo tudo ajuda. No íngreme aclive, sempre
só. Panta Rhei!
DUAS: PANO DE AMOSTRA - Neste tempo de nenhuns e aloprados, um pé
atrás nunca é demais ou inseguro. Mesmo aos bons ventos, escondem-se xis
hostilidades. Se precaver pé aqui e ali, dá para não se perder enchendo a rua
de pernas. Como tudo que vai parece que vem ou ao contrário, não sei, no banco
da praça ouço os versos de Sophia deMello Breyner: Espera / O peso dos
meus gestos. / E dormem mil gestos nos meus dedos. Enquanto o mundo gira e
todos correm, aqui dentro o espanto é que me faz existir.
TRÊS: MAIS VALE UM TOMA QUE DOIS TE DAREI - O poema rara avis dita o que sou de mestiço com as máscaras de cafuzos e
mamelucos, que confundem os incrédulos e procuradores com seus umbigos
superiores. Não sou mais nem menos de todos daqui, nem comungo com racistas o tanto
de injustiça que sei de cor e todos estão carecas de saber: aqui tudo é de
cabeça pra baixo. Valho-me de Nabokov:
Nossa existência não é mais que um curto
circuito de luz entre duas eternidades de escuridão. Ao homem livre não faz
falta um deus. Alter ego, sigo às arengas e mangações com meus trocentos heterônimos,
como se um dia jamais fosse igual a outro, pelo menos. Até segunda. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: Eu
preciso dizer o que sinto e penso de alguma forma - é um alívio! Mas o esforço
está ficando maior que o alívio. Morte? Por que toda essa confusão com a morte?
Use sua imaginação, tente visualizar um mundo sem morte! A morte é a condição
essencial para a vida, não um mal. Pensamento da escritora e humanista
estadunidense Charlotte Perkins Gilman
(1860-1935), que era utopista feminista radical eautora desse belíssimo poema Um obstáculo: Eu estava subindo um caminho de montanha / Com muitas
coisas para fazer, / Assuntos importantes para mim, / e para outras pessoas que
eu tive que assistir, / Quando me deparei com um preconceito / Que nem a
paisagem permitiu ver. / Meu trabalho urgente não podia esperar, / Meu caminho
claro viu, / Meu tempo e força eram limitados, / Um enorme fardo foi trazido; /
E esse imenso preconceito lá / Sentando meu passo impedido. / Eu falei muito
educado com ele, / Dado seu tamanho exemplar, / Eu pedi para ele se mexer um
pouco / E deixe-me passar. / Ele sorriu, mas mexa-se! / Ele nem tentou. / Então
eu raciocinei calmamente, / Com o bruto colossal: / Eu não tinha tempo - apenas
uma maneira - / Nas montanhas faz frio de inverno. / Eu me expliquei como
Salomão. / Ele está sentado lá como um bobo da corte. / Então eu fiquei com
raiva, / e eu dancei e uivei e cuspi. / E eu bati e venci ele / Até que eles me
machucem; / Ele estava tão bravo quanto eu, / Mas ele ainda estava sentado lá.
/ E então eu implorei de joelhos; / Eu ainda estaria de joelhos / Se sim, eu
esperava mudar / Essa massa teimosa. / Assim como convidar o mercado para
deixar La Boquería! / Sentei-me diante dele, impotente, / Enquanto a dor me
invadiu. / Brumas rapidamente cobriram a montanha, / Lentamente, o sol estava
se pondo. / Quando uma inspiração repentina veio, / quão repentina seria uma
brisa. / Peguei meu chapéu, peguei minha bengala, / Meu pacote apertado / Eu me
aproximei daquele ser odioso / com um ar distraído, / E eu passei por isso / Como
se nunca tivesse existido! Entre as suas obras estão, entre outras, o autobiográfico
O papel de parede amarelo (The Yellow Wallpaper, 1892), afora suas
luta com a teoria da reforma darwinista e argumentos sobre as contribuições das
mulheres à civilização, ao longo da história, numa cultura androcêntrica, razão
pela qual publicou Women and Economics:
A mulher ideal não recebeu apenas um
papel social que a trancou em sua casa, mas também era esperado que ela assim
gostasse e fosse alegre, sorridente e bem-humorada.
A POESIA DE NIKKI GIOVANNI
POEMA
DA MULHER: sabe,
minha vida inteira / está presa / à infelicidade / é meu pai preparando o
café-da-manhã / e eu engordando feito uma porca / ou não ter comida / alguma e
meu pai provando / sua incompetência / de novo / eu gostaria de saber como eu
me sentiria / sendo livre / é ter um emprego / eles não te deixarão trabalhar /
ou sem emprego algum / me castrando / (sim, isso acontece às mulheres também) /
é ser um objeto sexual se você é bonita / e sem amor / ou ter amor e não sexo
se você é gorda / pra trás mulher negra gorda seja uma mãe / avó coisa forte
mas não mulher / mulher para diversão mulher romântica necessitada de amor / caçadora
de homem comedora de pau sugadora de suor / necessitada de foda mulher
necessitada de amor / é um buraco no seu sapato / e comprar um vestido para sua
irmãzinha / e ela te dizer que você não deveria / quando você sabe / muito que
bem que você não deveria / mas sorrisos são somente algo que damos / para
assistentes sociais bem vestidas / não umas para as outras / somente sorrisos
de eu sei / seu jogo irmã / o que não é realmente / um sorriso / alegria é
encontrar uma barata grávida / e esmagá-la / não encontrar ninguém para se
apoiar / deixa sai volta não vire / eu em você cachorro negro / como você ousa se importar / comigo / você
não tem bom senso / pois eu sou nenhuma merda e você deve ser menos / que isso
para se importar / é uma casa imunda / com a melancia de ontem / e as lágrimas
de segunda / pois moças de verdade / não sabem como limpar / é a devastação
intelectual / de todo mundo / evitar compromisso emocional / “sim querida eu
teria casado com ele / mas ele não tinha diploma” / é pernas tortas e de minissaia / usar perucas pintadas de
loiro cicatriz da mamãe / nascida morta meu desprezo sua puta / calcanhar
rachado unhas quebradas pó / na minha cara / de quem a vida está presa / à
infelicidade / pois é a única coisa / de verdade / que / eu / conheço.
MULHER:
ela
queria ser um pedaço / de grama no meio do campo / mas ele não concordava / em
ser um dente-de-leão / ela queria ser um canário cantando / através das folhas
/ mas ele se recusou a ser / sua árvore / ela teceu a si própria numa rede
e procurando por um lugar de descanso / se voltou a ele / mas ele ficou parado / rejeitando ser sua quina / ela tentou ser um livro / mas ele não a lia / ela se transformou num bulbo / mas ele não a deixava crescer / ela decidiu se tornar / uma mulher / e apesar de ele ainda recusar / a ser um homem / ela decidiu que estava tudo / bem.
e procurando por um lugar de descanso / se voltou a ele / mas ele ficou parado / rejeitando ser sua quina / ela tentou ser um livro / mas ele não a lia / ela se transformou num bulbo / mas ele não a deixava crescer / ela decidiu se tornar / uma mulher / e apesar de ele ainda recusar / a ser um homem / ela decidiu que estava tudo / bem.
ESCOLHAS: se eu não posso fazer / o que eu quero fazer / então o meu trabalho é
não / fazer o que eu não quero / fazer / não é a mesma coisa / mas é o melhor
que eu posso / fazer / se eu não posso ter / o que eu quero então / meu
trabalho é querer / o que eu já tenho / e ficar satisfeita / que pelo menos / há
algo a mais para querer / já que eu não posso ir / para onde eu preciso / ir então
eu devo ir / para onde os sinais apontam / mesmo sempre entendendo / que
movimentos paralelos / não são laterais / quando eu não posso expressar / o que
eu realmente sinto / eu pratico sentir / o que eu consigo expressar / e nada
disso é igual / eu sei / mas é por isso que a humanidade / é a única entre os
mamíferos / que aprende a chorar.
NIKKI GIOVANNI - Poemas da escritora, editora, educadora e ativista
estadunidense Nikki Giovanni, que
integrou o Black Arts Movement, tornando-se por isso a Poeta da Revolução Negra.
Atualmente é professora titular
no Virginia Tech e autora de obras como Black Feeling, Black Talk (1967),
Black Judgement (1968), Re: Creation (1970), Black Feeling,
Black Talk/ Black Judgement (1970), My House (1972), The Women
and The Men (1975), Cotton Candy on a Rainy Day (1978), Woman
(1978), Those Who Ride The Night Winds (1983), Knoxville, Tennessee
(1994), The Selected Poems of Nikki Giovanni (1996), Love Poems
(1997), Blues: For All the Changes (1999), Quilting the Black-Eyed
Pea: Poems and Not Quite Poems (2002), The Prosaic Soul of Nikki
Giovanni (2003), The Collected Poetry of Nikki Giovanni: 1968-1998
(2003), Acolytes (2007), Bicycles: Love Poems (2009), 100 Best
African American Poems (2010), Chasing Utopia: A Hybrid (2013), entre outros. Veja mais aqui.
A ARTE ELKE
KRYSTUFEK
Se eu
pintar alguma imagem sangrenta, você acha que eu trabalho? Abra seus olhos, porra!
ELKE KRYSTUFEK – A arte da artista conceitual austríaca Elke Krystufek que
trabalha com uma variedade de mídias, incluindo pintura, escultura, vídeo e arte
performática. Veja mais aqui, aqui & aqui.
&
A ARTE DE MARCELO D’SALETE
A arte
do quadrinista, ilustrador e professor Marcelo D'Salete, autor das
graphic novels Noite Luz (2008),
Encruzilhada (2011), Cumbe (2014) e Angola Janga (2017). Veja mais aqui.
PERNAMBUCULTURARTES
A arte da premiada quadrinista Roberta
Cirne, que é formada em Artes Plásticas, autora de diversas
obras em parceria com vários artistas e editora do Sombras do Recife.
&
A música do violoncelista
Antônio Meneses aqui.
Homens e
caranguejos, de Paulo de
Andrade aqui.
Dicionário
dos sonhos e outras histórias de cordel, do poeta e xilogravurista
J. Borges aqui.
Porto Solidão, de Genesio Cavalcanti aqui.
Música
de rua, do poeta José
Terra Correia aqui.
Lampioa & Zé Bunito aqui.
&