CRÔNICA
DE AMOR POR ELA: ENTREGA (Imagem:
Arte/vídeo de Meimei Corrêa) - Dê-me a sua mão nessa rua que eu sigo errante sem
bagagem para não ter que voltar pelas armadilhas da vida imediata. Sigo errando
do mundo e de tudo na correnteza turbulenta dos meus dias, como um pequeno deus
que teve que destruir o céu para poder viver, superando charcos e atoleiros pra
renascer por mangues de céus primevos. Dê-me a sua mão porque sigo só na minha
transitoriedade que dá à minha finitude o esplendor da eternidade, ninguém por
perto e de olhos abertos vejo que todos passam sem aceno ou cortesia. Enquanto vêm,
eu vou com meu eterno exílio, como se estivesse sempre do lado de fora, só e
incomunicável com meu coração de pássaro que bate asas persistentes por terras
estrangeiras, para romper com o dique da minha solidão onde o efêmero faz festa
e sou pouco. Dê-me a sua mão porque vou consumido pelo fogo do amor, sobrevivendo
às paisagens da destruição com seus escombros e com a dor asfixiada de ver-me
quase morto com minhas cicatrizes abertas pelas pistas erradas que trafeguei
por engano a vida inteira. Dê-me a sua mão porque nela a revelação do que me
aguardam os dias de amanhã, porque em mim tudo é desordem na vagueza temerosa
de cair no vazio, porque na boca do tempo eu devoro o espaço como se meus
sonhos invernais estivessem aqui e agora entre os automóveis que passam, entre
os prédios imóveis, entre o barulho da cidade indômita, entre a indiferença dos
transeuntes. Dê-me a sua mão por que nela está a noção daquilo que distante
jamais se aproximará e para que eu não mais tenha que me desiludir de nada, me
trazendo o essencial na elucidação do mundo pela força do amor na minha vida
anêmica com o silêncio das palavras. Dê-me as suas mãos e vamos porque o amor
desde sempre vingará na vida pra reinar em nossos corações. (Luiz Alberto
Machado. Veja a canção aqui e mais aqui)
CONFIRA MAIS CRÔNICA DE AMOR POR ELA:
PICADINHO
Imagem: Study of a standing female nude, do artista plástico inglês William Etty (1787-1849). Veja mais
aqui.
Curtind: Vivaldi: The Four
Seasons (Deutsche Grammophon, 1999), do compositor italiano no Barroco tardio Antonio Vivaldi
(1679-1741), com a violinista Anne-Sophie Mutter, regência Riccardo Zandonai & Orchestra
Trondheim Soloists. Veja mais aqui.
EPÍGRAFE
– Ter escrito algo que te
deixa como um fuzil disparado, que ainda vibra e fumega, ter te esvaziado por
inteiro de ti mesmo, pois não só descarregaste o que sabes de ti mesmo, como
também do que suspeitas ou supões, bem como de teus estremecimentos, teus
fantasmas, tua vida inconsciente, e tê-lo feito com fadiga e tensão sustentada,
com cautela constante, tremores, descobrimentos repentinos e fracassos, tê-lo
feito de modo que toda a vida se concentrasse nesse determinado ponto, e
advertir que tudo isso é como se não existisse se não o acolhe e lhe dá calor
um signo humano, uma palavra, uma presença; e morrer de frio, falar no deserto,
estar sozinho, noite e dia, como um morto. Recolhido do escritor
italiano Cesare Pavese (1908-1950), registrado
no livro O escritor e seus
fantasmas (Companhia das Letras, 2003), livro
O escritor e seus fantasmas(Companhia
das Letras, 2003), o escritor e artista plástico argentino Ernesto Sábato
(1911-2011). Veja mais aqui e aqui.
MINIMA
MORALIA – O livro Minima moralia (Edições 70, 2001), a mais
famosa obra do filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão Theodor Adorno (1903-1969), traz
reflexões acerca da atomização do individuo quando a delicadeza dá lugar às
relações utilitárias, abordando sobre a mentira, a cólera, a adesão partidária,
o genocídio, a alienação do homem, entre outros assuntos. Da obra destaco o
trecho: [...] Peixe na água.
- Desde que o amplo aparelho de distribuição da indústria altamente concentrada
substitui a esfera da circulação, inicia esta uma estranha pós-existência.
Enquanto para as profissões intermediárias se desvanece a base econômica, a vida
privada de incontáveis pessoas transforma-se na dos agentes e intermediários,
mais ainda, o âmbito do privado é totalmente engolido por uma misteriosa atividade
que apresenta todos os rasgos da atividade comercial sem que nela haja, em
rigor, algo para comercializar. Os angustiados, desde o desempregado até ao proeminente
que, no instante seguinte, pode atrair a cólera daqueles cujo investimento ele representa,
crêem que só pela empatia, pela dedicação, pela disponibilidade, graças a
truques e à perfídia do poder executivo, olhado como onipresente, se podem
fazer recomendar pelas suas qualidades de comerciantes, e depressa deixa de
haver relação alguma que não tenha posto a sua mira em relações, e impulso algum
que não se tenha submetido a uma censura prévia, não vá ele desviar-se do
aceite. O conceito das relações, uma categoria da mediação e da circulação,
nunca deu bons resultados na genuína esfera da circulação, no mercado, mas em
hierarquias fechadas, monopolistas. A sociedade inteira torna-se assim
hierárquica, as relações turvas infiltram-se onde quer que exista ainda a
aparência de liberdade. A irracionalidade do sistema dificilmente se expressa
melhor no destino económico do indivíduo do que na sua psicologia parasitária. [...]. Veja mais aqui e aqui.
O
PASSADO – No livro Se um viajante numa noite de inverno (Companhia das Letras, 1999), do escritor
italiano Ítalo Calvino (1923-1985), destaco o trecho: [...] O passado é como uma tênia, cada vez mais
longa, que carrego enrolada dentro de mim e que não perde seus anéis, por mais
que eu me esforce para esvaziar as tripas em todos os banheiros, à inglesa e à
turca, nas fedorentas privadas das prisões, nos penicos dos hospitais, nas
latrinas dos acampamentos ou, simplemente, nas moitas, olhando bem para que
dali não salte uma cobra, como ocorreu certa vez na Venezuela. Não é possível
trocar o passado, como não é possível trocar de noite, pois, por mais
passaportes que eu tenha conseguido, com nomes dos quais nem sequer me recordo,
todo mundo sempre me chamou Ruedi, o Suiço: aonde quer que eu fosse, como quer
que me apresentasse, havia sempre alguém que sabia quem eu era e o que fizera,
mesmo com as mudanças de aparência trazidas pelo decorrer dos anos,
especialmente desde que meu crânio se tornou calvo e amarelo com um grape-fruit
– isso aconteceu na epidemia de tifo a bordo do Stjärna, quando, em função do
carregamento que levávamos, não podíamos nos aproximar da costa nem tampouco
pedir socorro pelo rádio. A conclusão a quem todas essas histórias é que a vida
de toda pessoa é única, uniforme e compacta como um cobertor enfeltrado cujos
fios não podem ser separados [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
SONETO
DA INICIAÇÃO – Recolho
do livro Cântico (José Olympio, 1949),
do premiadíssimo escritor e ensaísta alagoano Ledo Ivo (1924-2012), o seu Soneto da iniciação: Para este instante, trazes o clamor /
natural com que o corpo enfim desperta. / Em grito e pranto e lágrimas e dor /
és cristal, e eu clarão que te penetra. / De tua solidão emerge o amor / em
clara e silenciosa descoberta / e sem usar as mãos eu colho a flor / que me
lembra uma concha meio aberta. / Chorando de alegria, eu me aprofundo / no
amplo rio nupcial de tuas pernas / como se houvesse descoberto o mundo. / Sem
pecado e sem morte, que existamos / e nossas vidas sejam sempre eternas. / Sendo
mortais, a isto é que aspiramos. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Ó
ABRE ALAS – Tive
oportunidade de assistir em 1999, no Teatro Alfa Real, em São Paulo, à peça
teatral Ó abre alas, da dramaturga
luso-brasileira Maria Adelaide Amaral,
uma adaptação do livro de Edinha Diniz durante as homenagens do sesquicentenário
da compositora e maestrina Chiquinha
Gonzaga (1847-1935), com destaque para a atuação da atriz de teatro, cinema
e televisão Rosamaria Murtinho. Simplesmente
espetacular, digno de aplausos de pé. Veja mais aqui, aqui e aqui.
ROCCO
E SEUS IRMÃOS – O drama Rocco
e Seus Irmãos (Rocco i suoi
fratelli, 1960), dirigido pelo cineasta italiano Luchino Visconti (106-1976) e trilha sonora de Nino Rota, é baseado
em episódio do romance Il ponte della Ghisolfa, de Giovanni Testori,
narrando a história de dois irmãos que são filhos de uma viúva e que mudam de
cidade, um deles se tornando boxeador e se envolvendo com uma prostituta. Esse belíssimo
filme conta com o destaque da atriz francesa de cinema e teatro Annie
Girardot (1931-2011). Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do multifacetado artista plástico
e português Julião Sarmento.
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à contadora
de histórias Marize Sarmento &
Grupo Carochinha – Maceió.
TODO
DIA É DIA DA MULHER