TODO
DIA É DIA DA MULHER: DERLUZA, SAÚDE NA JUSTIÇA - Naquele dia Derluza estava apressada para
retornar ao trabalho, depois dos pagamentos efetuados numa instituição bancária,
quando sentiu-se mal. Como estava próxima de um hospital, logo deu entrada na
emergência exibindo o cartão do seu plano de saúde. A médica que lhe atendeu
procurou identificar logo resolver o seu problema, encaminhando-a para um
consultório clínico dentro da instituição hospitalar. Atendeu, examinou e diagnosticou
anemia, hipertensão e baixa taxa de ferro. Depois de uma consulta à
administração pelo interfone, a médica encaminhou-a para uma enfermaria. Ela
perguntou: - Por que uma enfermaria se eu possuo plano de saúde? A médica,
acompanhada de uma enfermeira, já estava aplicando soro no braço esquerdo e
sangue no braço direito. Com a insistente indagação de Derluza, a médica
quebrou o silêncio: - Seu plano não autorizou um apartamento. Mas primeiro
vamos cuidar para que se sinta melhor e colher material para realização de
exames. Ela acomodou-se bem na maca e ali ficou pensando na vida e no que
estava se passando com ela. Adormeceu e só acordou quando a médica lhe
perguntou: - Está melhor? Sim, respondeu. Então pode ir pra casa. Aguardaremos
os exames. – Não posso ir trabalhar? Melhor descansar, vá pra casa. Amanhã
teremos o resultado dos exames para ver o diagnóstico completo. No dia
seguinte, nem deu tempo de Derluza acordar direito, sentiu-se mail, ligou para a
médica e já se encaminhou logo pro hospital. Na enfermaria, novo soro e sangue,
nova bateria de exames. Melhorou no final da manhã e, novamente, retornou aos
seus aposentos, dormindo o dia todo sob efeito de medicamentos. Nem amanhecia
direito quando o mal-estar atacou-lhe, removida para a enfermaria. Insistiu em
saber se o plano de saúde havia autorizado ou não, e a médica, novamente,
repetiu o resultado de sempre: não autorizou. Então como plano possuía um hospital
de médio porte na cidade, ela resolveu, então, depois de se sentir melhor,
seguir pra lá, ao invés de ir pra casa, deu entrada na documentação e foi
alojada num apartamento. Não tinha mais que ficar numa enfermaria. Agora tinha
privacidade, televisão e a presença de familiares e amigos para acompanha-la. Foi
aí que o resultado dos exames chegou: leucemia mieloidal. Constatou-se que o hospital
do plano não possuía estrutura para o tratamento. E aventou-se a possibilidade
dela ser removida para uma instituição de suporte. Começou-se, então, a
negociação para transferência. Um dia, dois, cinco, dez dias e nada. A médica
que acompanhava foi taxativa: - Ou remove, ou ela morre aqui. Como a administração
do hospital e do plano não davam as caras, impetrou-se uma ação judicial. Como
ela era funcionária do Tribunal de Justiça e afilhada de uma desembargadora, foi
rapidamente atendida a liminar que foi acatada pelo Juiz de plantão,
determinando a transferência sob a multa diária de hum mil reais. Dia seguinte,
uma quinta, feriado. Na sexta o oficial de justiça intimou o gerente do
hospital, ninguém da diretoria estava presente. Veio o final de semana e
nenhuma providência havia sido tomada por que a diretoria não havia autorizado
nem a transferência nem o orçamento da outra entidade hospitalar, estavam em
negociações e só na segunda feira, haveria resultado para tal. Era domingo, Derluza
falece. Nem deu tempo para que a justiça fosse feita. (Luiz Alberto Machado).
Veja mais:
SAÚDE NO BRASIL
PICADINHO
Imagem: Reclining nude, do pintor espanhol Sebastian Llobet Ribas (1887-1975).
Curtindo o álbum Fernanda Canaud
interpreta Radamés Gnattali, (Biscoito Fino, 2006), da pianista e
compositora Fernanda Chaves Canaud.
EPÍGRAFE
- Omnia
vincit Amir; et nos cedamus Amori, verso recolhido
das Églogas, do poeta romano clássico Públio Virgílio Maro (70aC-10aC), significando: O amor tudo vence; cedamos ao amor. Veja mais aqui.
A MULHER ROMANA – No
livro O sexo na história (Francisco Alves, 1983) da historiadora e
escritora britânica Reay Tannahill (1929-2007), encontro a respeito da
mulher romana na Antiguidade, que: [...] Até
o final do primeiro século a.C., um marido tinha o direito legal de matar a
esposa no ato, caso ela fosse apanhada em flagrante adultério. Em certas
circunstâncias, ela podia ser condenada à morte, mesmo se não apanhada em
flagrante. Se a mulher bebia mais que um mínimo de vinho, isto era encarado
como uma indicação de lassidão moral e sexual, podendo o marido divorciar-se
dela por tal motivo. A conduta perversa e repugnante também fornecia
fundamentos para o divorcio, da mesma forma que a infertilidade. [...]. Registra,
ainda, a autora que quanto ao direito de matar a esposa quando de adultério,
essa permissão foi perpetuada em alguns países europeus, notavelmente na
França, até o século XX. O crime passional não era apenas uma defesa legalmente
reconhecida, mas a qual os jurados frequentemente se dispunham a aceitar, mesmo
quando praticada por mulheres. De forma idêntica no Brasil por todo século XX,
em que os réus de crimes passionais eram absolvidos, até o advento da Lei Maria
da Penha, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Veja mais aqui, aqui e aqui.
JARDIM
MORTO – No livro Prosa viva/ideário coligido (J. Aguilar, 1975), do poeta e dramaturgo espanhol Federico
García Lorca (1898-1936), encontro a narrativa Jardim morto: Cai chuvosa a manhã sobre o jardim... No
final duma ladeira lamosa e junto de uma cruz, verde e negra de umidade, está a
porta de madeira carcomida que dá entrada ao recinto abandonado. Mais a frente
há uma ponte de pedra cinzenta e na distância brumosa, uma montanha nevada. No
fundo do vale e entre penhas corre o rio manso cantarolando sua velha canção.
Em um nicho negro que há junto da porta, dois velhos com capas rasgadas aquecem-se
ao lume de uns tições mal acesos... O interior do recinto é angustiante e
desolado. A chuva acentua mais esta impressão. Escorrega-se com facilidade. No
chão, há grandes troncos mortos... As paredes, altas e amareladas, estão
cruzadas de gretas enormes, pelas quais saem lagartixas que passeiam formando
com seus corpos, arabescos indecifráveis. No fundo há um resto de claustro, com
heras e flores secas, com as colunas inclinadas. Nas fendas das pedras
desmoronadas há flores amarelas cheias de gotas de chuva; no chão há charcos de
umidade entre as ervas... Não restam mais do que as altas paredes onde houve
claustros soberbos que viram procissões com custódias de ouro entre a magnífica
seriedade dos tapetes... Uma coluna ruiu sobre a fonte, e ao celebrar suas
bodas de pedra, o musgo amoroso cobriu-as com seus finos mantos. Pelos vazios
de um capitel horizontal assomam ervas miúdas de verde luminoso. As plantas se
abraçam umas com outras, a hera cobre as velhas colunas que ainda se tem em pé,
a água que transborda da fonte lambe o solo de pedra que há em seu redor e
depois se entrega à terra, que a bebe com repugnância... A restante se perde
por um buraco negro, que a bebe com avidez. Há cortinas pesadas de teias de
aranha, as samambaias cobrem os bancos de pedra... Se ouve um contínuo
gotejar..., é a água que chora as tristezas de nosso jardim. Nada há de novo no
recinto..., até a água é sempre a mesma... penetra pelo solo e volta a sair
pelo rosto do adorno da fonte. Não se pode andar porque as trepadeiras se emaranham
nos pés..., é como se o gênio oculto do jardim, quisesse reter algo vivo entre
tanta desolação e morte... Atrás do resto de claustro há um jazigo. Os
sepulcros desapareceram.., só entre a penumbra e as teias de aranha, umas
letras borradas falam uma inscrição em latim... Não se distinguem mais do que
duas palavras, uma que diz Requiescit e outra Mortuos... A chuva aumenta e cai
sobre o jardim produzindo ruído surdo e apagado... Umas folhas grandes
estremecem suavemente e entre elas assoma com sua cabeça achatada um grande
lagarto..., que sai correndo a esconder-se entre umas pedras. Deixa a cauda de
fora e depois se introduz de todo... As ervas que o peso do lagarto inclinou
voltam preguiçosamente a ocupar sua primitiva posição... Com o vento, todas as
flores amarelas tremem e se sacodem da água que tem entre suas pétalas... Há
caramujos pregados aos muros... O tempo foi desapiedado para com este jardim;
secou seus rosais e cinamomos e, em troca, deu vida a plantas traiçoeiras e mal
olentes... Não pára a chuva de cair. Veja mais aqui
e aqui.
MY HEART
IS SAKE FOR SOMEBODY… - Entre os
poemas do poeta britânico Robert Burns (1759-1796), destaco o poema My heart is sake
for somebody… numa tradição de Luiz Cardim: Trago
inquieto o coração / por alguém, que nem eu sei… / Quisera perder as noites / a
pensar em alguém, / por amor dalguém, / aí, por amor dalguém! / Ir-me por todo
esse mundo / por amor dalguém! / Santos ao amor fagueiros, / sorri docemente a
alguém! / Livrai-o de todo o p’rigo; / e dai-me esse alguém, / trazei-me esse
alguém / aí, trazei-me esse alguém! / Que eu… — que não farei eu / por amor
dalguém? Veja mais aqui.
FILOSOFIA
NA ALCOVA – Tive
oportunidade de assistir no ano de 2004, no Espaço dos Satyros, em São Paulo, à
montagem da peça teatral A Filosofia na
Alcova, texto e direção de Rodolfo Garcia Vásquez, baseado no romance Filosofia
na alcova (La Philosophia. dans le boudoir – Companhia das Letras,
1992), do escritor libertino francês Donatien Alphonse François de Sade, mais
conhecido como Marquês de Sade (1740-1814), contando a história da
conversão de um jovem às práticas da libertinagem, o que inclui todos os tipos
de práticas sexuais. O bacanal é conduzido por nobres decadentes e pretende ter
um sentido ideológico e filosófico, já que durante o sexo os personagens falam
também de religião, política e direito. O destaque da peça vai para a atriz Valquíria Vieira. Veja mais aqui e
aqui.
NOTRE
MUSIQUE – O filme Notre
musique (Nossa música, 2004), dirigido pelo cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, é dividido em três partes
ou reinos, que remetem à obra Divina comédia, de Dante Alighieri, o inferno, o purgatório e o paraíso. No inferno
são apresentadas imagens de guerras oriundas tanto de documentários quanto de
filmes de ficção: aviões, tanques e navios, explosões, execuções, populações em
fuga, campos e cidades devastados por bombas lançadas indiscriminadamente.
Imagens silenciosas, quatro frases, quatro peças musicais. No Purgatório, na
cidade de Sarajevo contemporânea, personagens reais e imaginárias, com uma visita
à ponte de Mostar enquanto ela é reconstruída representando a passagem da culpa
ao perdão. No Paraíso, uma jovem mulher, que foi vista no Purgatório, e que
encontra paz à beira de água, numa pequena praia guardada por fuzileiros navais
norte-americanos. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do cartunista, dramaturgo, roteirista e ilustrador estadunidense Jules
Ralph Feiffer. Veja mais aqui.
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à atriz Edna
Martins Cardoso & Chilica Contadora de Histórias.