CRÔNICA
DE AMOR POR ELA: O CULTO DA ROSA (Imagem:
Vídeo/Arte de Meimei Corrêa) - Era
uma vez e o tempo presente nos prazeres tardios, ah minha alma da vida
inventando horizontes, rainha das flores de Safo se desmanchando em doçura nua
com seu buquê de açucena na pele quente que semeia a beleza e acode a minha
alegria. Era uma vez, duas vezes com todo encantamento da sua nudez que enche a
maré de suspiros apertados e eu sentinela viro o inseto que leva o grão de
pólen como o pombo com as águas de céu e inferno para ser o adepto mais fiel do
seu coração beija-flor. Era uma vez, duas, três vezes e ela nua bole e eu mexo
o flagrante anímico de Deus, tiro o doce e deixo o leite na herbácea perene,
deusa dos meus sonhos, perfume mais fino que possa existir no teor mais
metafísico dessa imanência. Ah e dela sinto o mais leve olor ao alcançar o
gineceu de beleza incomparável, de variedade trepadora na instalação do etéreo
emanar na manhã e divina de jardim perfumado de desejo. É ela que me leva pelo
aroma da de Sharom, a santificada por Salomão no Cântico dos Cânticos. É ela
que possui a realeza da de Hélios e a das sessenta pétalas dos jardins de Midas
que figuraram nas armas dos heróis da guerra de Tróia. É ela que vem de sobra e
fartura no meu verso aprumado com as que desapareceram dos jardins suspensos da
Babilônia, como a das águas que Vênus embalsamou o corpo de Aquiles, como a que
coroou o soldado romano depois da queda de Cartago. É ela nua que vaza e faz
paga como quem deve com toda a essência da que é Príncipe Negro, o negro que é
vermelho bem escuro. É ela destinatária de tudo que vem se aninhar em mim com o
cheiro da santa de Viterbo, como a que fora proibida pelo pai de dar esmolas
aos pobres. É ela nua radiante que me retém com o incenso da Chá, Sinensis, a
mais antiga oriunda da China, como a Azimutal Sideral que auxiliou a navegar o
Índico sob as estrelas de distâncias polares no rumo do horizonte. É ela que me
detém com jeito atrevida e nua como a seiva da dos gregos, nos rumos da Torre
dos Ventos, chamada Rhodon, ou como a Rústica de Giulio Cesare Cortese; ou como
a que o lapidário inspirado homenageia a Holanda ou Antuérpia pra encher os
olhos do polidor de diamantes. Ela que vem nua e linda como a Mística, como a
santificada de Isabel, como a Santa-Maria, como a da chuva do Vaticano, como a
das meninas recém-nascidas. Ela que vem nua e linda com todas as honras de
rainha para que eu, Tagore inflamado, saiba: "passando de folhas para flores porque começaram a amar...". É
ela nua e linda que vem se aninhar em mim com o orvalho da do Ouro do Papa
Gregório II; como a da Rainha Josefina, como a das pedras no quintal, como a
que o rodólogo, exímio amante, multiplica com sua dedicação. É ela que nua e
linda a varar as noites no nosso proscênio de gestos fartos, com toda a sedução
da Azul utópica, como a de Hildesheim, de mil anos, como a da guerra de York e
Lancaster, como de Joaquim Fontes que está comigo. É ela que vem no olho do
furacão acontecendo nos meus dias como a Gallica, de propriedades medicinais;
como a de Malherbe, como a dos tesouros da moura encantada que não desmente o
que promete nem retoma o que dá. É ela que me oferece toda safra de algodão dos
seus mimos com a graciosidade da Malvácea Aurora em sua metamorfose durante
todo o dia até sabê-la Amor-de-Homem. É ela inquieta e nua que não cessa nem
sacia a enchente do meu gozo com toda a maravilha da Brinco-de-Rainha, como a
Malva, como a Super-Star, como a do monte dos Alpes, como a Altéia que me cura
com seu amor e ainda me farta a fome, a Geléia Rosela, a Caruru Azedo. É ela
que acontece na peleja e me detém no truque de toda formosura da de Lima, a
primeira santa nativa do continente americano, simples deidade peruana. É ela
com toda teimosia de carnaval na manhã clara que me enfeitiça como a de Bokor e
a jovem princesa apaixonada pelo oficial japonês no extinto cinema cambojano. É
ela que me embriaga como a da cachaça com erva doce, canela em pau, cravo e
calda grossa de açúcar: a do Sol. É ela que me seduz como a dos ventos do
lirismo erótico da poetisa uruguaia Juana Hernandez de Ibarbourou, a Juana de
América. É ela que me deixa ao deus-dará como a de Yeats, o homem que sonhava
com o país das fadas e escrevia versos para quando ficar velho. É ela que se
enrosca roçando a minha pele como a acetinada de Engandi, nos versos que
viraram estudos psicozoológicos do guatemalteco Arévalo Martinez. É ela a de
Cem Folhas do poeta galego Ramon Cabanillas, a da Cruz do poeta russo Blok, a
de Luxemburg com o sonho abatido à bala. É ela a do Povo de Drummond, a de
Raoom, a rosa rosa, todas numa só que é uma só: a rosa é ela. (Luiz Alberto
Machado. Veja o clipe do poema aqui, mais aqui e aqui).
CONFIRA MAIS CRÔNICA DE AMOR POR ELA:
PICADINHO
Imagem: Nu, do artista plástico Washington
Maguetas.
Curtindo o álbum duplo O som de Almeida Prado (Unirio, 2000),
reunindo a obra do compositor e pianista José Antônio Rezende de Almeida
Prado (1943-2010). Veja mais aqui.
EPÍGRAFE
– Ninguém
pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente não se
encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido
pela dialética – a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é
sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários. Pensamento recolhido do filósofo grego pré-socrático Heráclito de Êfeso, que viveu entre os VI e V séculos, solitário
desdenhoso e desprezador da azáfama vulgar, de caráter altivo, misantrópico e
melancólico, desprezando a plebe e recusando-se a intervir na política, contra
a religião, os poetas e filósofos do seu tempo. Veja mais aqui, aqui e aqui.
A EDUCAÇÃO – No
texto A filosofia da educação e o
problema da inovação em educação (Cortez, 1980), do filósofo e pedagogo Dermeval Saviani, encontro a sua reflexão expressa no
trecho: A concepção “humanista” moderna
abrange correntes tais como o Pragmatismo, Vitalismo, Historicismo,
Existencialismo e Fenomenologia. Diferentemente da concepção tradicional,
esboça-se uma visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade. Não
se trata mais de se encarar existência como mera atualização das
potencialidades contidas “a priori” e definitivamente na essência. Ao
contrário; a existência precede a essência. Já não há uma natureza humana ou,
dito de outra forma, a natureza humana é mutável, determinada pela existência.
Na visão tradicional dá-se um privilégio ao adulto, considerado o homem
acabado, completo, por oposição à criança, ser imaturo, incompleto. Daí que a
educação se centra no educador, no intelecto, no conhecimento. Na visão
moderna, sendo o homem considerado completo desde o nascimento e inacabado até
morrer, o adulto não pode se constituir em modelo. Daí que a educação passa a
centrar-se na criança (no educando), na vida, na atividade. Admite-se a
existência de formas descontinuas de educação. E isso em dois sentidos: num
primeiro sentido (mais amplo) na medida em que, em vez de se considerar a
educação como um processo continuado, obedecendo a esquemas pré-definidos,
seguindo uma ordem lógica, considera-se que a educação segue o lógico; num
segundo sentido (mais restrito e especificamente existencialista), na medida em
que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros, passageiros,
instantâneos. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DAS MIL E UMA NOITES – O Livro das mil e uma noites
(Globo, 2005), traduzido por Mamede Mustafa Jarouche, é uma coleção de
histórias e contos populares oriunda do Oriente Médio e do sul da Ásia,
compiladas em língua árabe a partir do século IX, incluindo o folclore indiano,
árabe e persa. Na obra encontro o seguinte trecho: [...] depois que o irmão saiu para a caçada, ele ficou no palácio: olhando
pela janela e pensava na esposa e no que ela fizera contra ele; suspirou
profundamente, o semblante dominado pela tristeza. Enquanto ele, assim absorto
em seus pensamentos e aflições, ora contemplava o céu, ora percorria o jardim
com olhar merencório, eis que a porta secreta do palácio de seu irmão se abriu,
dela saindo sua cunhada: entre vinte criadas, dez brancas e dez negras, ela se
requebrava como uma gazela de olhos vivos [...] Assentaram-se sob o palácio, arrancaram as roupas e eis que se
transforam em dez escravos negros e dez criadas, embora todos vestissem roupas
femininas: os dez agarraram as dez, enquanto a cunhada gritava: “Masud! Ó
Masud!”; então um escravo negro pulou de cima de uma árvore ao chão e
imediatamente achegou-se a ela; abriu-lhe as pernas, penetrou entre suas coxas
e caiu por cima dela. Assim ficaram até o meio dia: os dez sobre as dez e Masud
montado na senhora. Quando se satisfizeram e terminaram o serviço, foram todos
se lavar; os dez escravos negros vestiram trajes femininos e misturaram-se às
dez moças, tornando-se, aos olhos de que os visse, um grupo de vinte criadas.
Quanto a Masud, ele pulou o muro do jardim e arrepiou caminho. As vinte
escravas, com a senhora no meio delas, caminharam até chegar à porta secreta do
palácio, pela qual, entraram, trancando-a por dentro e indo cada qual cuidar da
sua vida. [...]. Veja mais aqui.
FIGURA DE DANÇA – No
livro Poesia (Hucitec/EdUnB, 1983), do poeta, músico e crítico literário estadunidense Ezra Pound (1885-1972), organizado por Augusto de Campos, encontro o belo poema Figura de
dança: De olhos escuros, / ó mulher de
meus sonhos, / de sândalo e marfim, / não há nenhuma igual entre as dançarinas,
/ nenhuma com pés rápidos. / Não te encontrarei nas tendas / na escuridão
amortecida. / Não te encontraria junto à nascente / entre as mulheres com seus
cântaros. / Como um renovo sob a cortiça são teus braços; / tua face é como um
rio com luzes. / Alvas como a amêndoa são tuas espáduas; / como amêndoas
recentes desnudadas da casca. / Não te defendem com eunucos / nem como barras
de cobre. / Ouro-turquesa e prata estão no lugar do teu repouso. / Uma escura
veste, com fios de outro em frisos / colheste ao teu redor, / Ó Nathat-Ikanae,
“Árvore-ao-pé-do´rio”. / Como um regato entre o junco são tuas mãos sobre mim;
/ teus dedos uma gélida corrente. / Tuas servas são tão alvas como seixos. /
Ah! Sua música ao teu redor. / Não há nenhuma igual entre as dançarinas, /
nenhuma com pés rápidos. Veja mais aqui, aqui e aqui.
A CLEÓPATRA DE ALFIERI – Depois de uma dilacerante desilusão amorosa, o poeta e dramaturgo
italiano Vittorio Alfrieri
(1749-1803), passa por uma série crise existencial, de que se liberta como
autor de uma peça trágica em cinco atos, Cleopatra (1775), quando também se
dedica à literatura. A partir de então ele passa a ser representativo de toda a
conflituosa expressão intelectual da nobreza europeia decadente, ante os
primeiros sinais da revolução burguesa. Como poeta, soube temperar a paixão com
disciplina clássica, notabilizando-se especial no soneto, que são de fisionomia
própria e caráter marcadamente confessional. Mas é como autor dramático que ele
vai revelar a natureza agitada e contraditória de seu talento, comunicando um
conteúdo patriótico e libertário, uma moral que, sem exagero, se pode chamar
severa. Republicano um tanto assustado com a marcha das multidões, e
aristocrata orgulhoso em busca de uma ilimitada liberdade pessoal, escreveu
dezessete tragédias, entre as quais se destacam Virginia (1777), Mirra (1784),
Merope (1782), Agamennone (1776), Oreste (1777) e Saul (1782). Veja mais aqui.
OSCAR E LUCINDA – O drama e romance Oscar and
Lucinda (Uma história de amor, 1997), dirigido por Gilian Armstrong e
baseado no romance homônimo de Peter Carey, conta a história ocorrida na
Austrália do século XIX, quando um pastor anglicano que é jogador impulsivo
encontra a sua alma gêmea, uma herdeira de imensa fortuna e também viciada em
jogo. Ambos, sonhadores e apaixonados, não se encaixam nos moldes da moral
vitoriana da época e farão uma aposta que mudará suas vidas para sempre. O destaque
fica por conta da interpretação da premiada atriz australiana Cate Blanchett. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do fotógrafo estadunidense Alfred Cheney Johnston [1885-1971]
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à cantora Myrna Araújo.
TODO
DIA É DIA DA MULHER