TARDE – Entre os Cem sonetos de amor (L&PM, 2013), do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), encontrei o poema Tarde – LXVI, na
tradução de Carlos Nejar: Não te quero
senão porque te quero / e de querer-te a não querer-te chego / e de esperar-te
quando não te espero / passa meu coração do frio ao fogo. / Te quero só porque
a ti te quero, / te odeio sem-fim, e odiando-te rogo, / e a medida de meu amor
viageiro / é não ver-te e amar-te como um cego. / Talvez consumirá a luz de
janeiro / seu raio cruel, meu coração inteiro, / roubando-me a chave do
sossego. / Nesta história só eu morro / e morrerei de amor porque te quero, /
porque te quero, amor a sangue e fogo. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Imagem: Nude, da pintora modernista russa Zinaida Evgenievna Serebriakova (1884-1967)
Ouvindo o álbum Biophilia (Universal Music, 2011) da premiada cantora, compositora, atriz e instrumentista islandesa Björk.
UMA MULHER POR CEM CABEÇAS
DE GADO – Imagem: Femme agenouillée, do desenhista franco-belga René Follet. - Entre as
narrativas das maravilhas do conto africano, organizada por Fernando Correia da
Silva (Cultrix, 1962), encontram-se os relatos do Reino dos Homens, dos quais destaco Uma mulher por cem cabeças de gado, na tradução de Maria Adelaide
Baptista Nunes: Havia uma vez um homem e
uma mulher. Viveram muito tempo no país de Pata e tiveram um filho. Toda sua
riqueza consistia em cem cabeças de gado. Além destas, não tinham um único
vitelo; não tinham nada mais além daqueles animais. Com o passar do tempo, o filho
cresceu e tornou-se um rapazinho e, quando o rapaz tinha quinze anos, o pai
morreu. Alguns anos depois morreu a mãe. Assim o rapazinho herdou de ambos os
pais: herdou as cem cabeças de gado que eles lhe haviam deixado. Ficou em casa
e observou o período de luto pelos pais. Acabado o luto, sentiu necessidade de
procurar mulher. [...] o pai
respondeu-lhe, dizendo: - Ouvi as tuas palavras, mas desejo que aquele que quer
casar com minha filha, me dê cem cabeças de gado como resgate da esposa. Se ele
me der este resgate, eu lhe darei minha filha como mulher. [...] O rapaz baixou a cabeça e meditou, e quando
a ergueu de novo, disse: - Não importa, vai dizer-lhe que aceito. Irei buscar
as cem cabeças de gado e dar-lhas-ei. [...] O jovem saiu então, e sua ocupação passou a ser esta: saía todos os
dias e ordenhava as vacas dos outros para receber em troca algo de comer, para
ele e para a mulher. E todos os dias fazia a mesma coisa. [...] o marido da mulher não suspeitava qual o
projeto do desconhecido, aquilo que ele queria na realidade. Então conversaram
entre si: o pai da mulher, o marido da mulher e aquela ímpia criatura que
queria perturbar a paz da casa do jovem, os três homens estavam sentados no
átrio. Dentro a mulher pôs a carne no prato e levou-a para o átrio. Assim que o
marido se levantou para oferecer a carne a mulher disse: - Vamos, comam, seus
idiotas, que são todos três. Então começou o pai dizendo: - Pois bem, por que
motivo sou um idiota? A filha respondeu-lhe dizendo: - Por favor, pai, come
primeiro. Depois te direi por que és estúpido. Mas o pai disse: - Não, não
quero comer; antes tens de me dizer por que sou estúpido. Depois comerei. Então
a filha disse: - Meu pai, tu trocaste uma coisa cara por uma barata. O pai
disse: - O que é que eu dei muito barato? Ela disse: - Aquilo que deste por
preço demasiadamente barato, fui eu. Ele disse: - Por quê? Ela disse: - Pai,
além de mim não tinhas outras filhas, nem outros filhos, e vendeste-me por cem
cabeças de gado, embora tu tivesses seis mil canecas de gado. Achaste que cem
cabeças de gado valiam mais do que eu. Eis por que te disse: Cedeste uma coisa
de valor por uma barata. O pai disse: - Tens razão, minha filha, fui um
estúpido. Então levantou-se o marido e disse: - E agora, por favor, diz-me qual
foi a minha estupidez. A mulher disse-lhe: - Tu foste ainda mais estúpido. Ele
disse: - Por quê? Ela disse: - Tu herdaste dos teus pais cem cabeças de gado;
não herdaste mais um vitelo. E pegaste em todas e as deste para casares comigo,
deste todas as tuas cem cabeças de gado; no entanto, na tua cidade há tantas
mulheres que tu poderias ter comprado só por dez ou vinte cabeças de gado. Mas
tu nem as olhaste. Pelo contrario, vieste e casaste comigo, entregando todo o
teu rebanho. E agora não tens nada, nem tampouco algo para nós comermos e te
tornaste o servo dos outros. Vais ordenhar as vacas dos outros, para arranjares
alguma coisa para comer. E, se tivesse ficado com metade do teu rebanho e com a
outra metade tivesse comprado uma mulher, terias ficado com algo para comer.
Aqui está, portanto, a tua estupidez, meu querido marido. Então o grande patife
perguntou: - E em que consiste a minha estupidez? Podes dizer-me? Imediatamente
a mulher se levantou e disse: - Tu és ainda mais louco que os outros. E ele
perguntou: - Por quê? Ela respondeu dizendo: - Tu querias obter somente com um
quarto de boi o que foi comprado com cem cabeças de gado. E então, não és um
louco? Ele ergueu-se de um salto e fugiu o mais rapidamente que pode. O pai da
mulher ficou com eles dois dias. No terceiro diz fez os preparativos para a
partida e voltou para casa. Quando chegou em casa, separou dos rebanhos as cem
cabeças de gado que recebera do genro e enviou-lhas. Juntamente com aquelas
mandou-lhe mais duzentas. Assim sua filha pôde viver ricamente com o marido por
muitos anos. Veja mais aqui.
UMA OUTRA CENA – O livro Uma outra cena: teatro radical, poética da artevida (Polis, 1983),
de Teixeira Coelho, aborda temáticas
como a gênese e meta do programa para teatro diverso, CPCs, estética do dever,
o começo da virada, poesias aithesis catarses, projeto de Artaud, passagens de
Glauber & Oficina e Macunaíma, a matéria: símbolos, ícones e apercepção; a
cena do imaginário, a função simbólica, o cogito do teatror, o sentido do
cogito, o teatro que vê, passagens: Artaud & Grotowski & Oficina, el
teatro tiene siempre uma luz que permita ver las palavras, a palavra-muleta, a
palavra da sociologia, as ideias claras, fora de cena, Fernando Peixoto, uma
questão escandalosa: o labirinto nacional e mil culturas, realismo, espaço da
insônia, o efeito VP, passagens de Brecht e Pirandello, poética privilegiada, a
cena do sujeito, a máscara da estação ao percurso, a cena do agora, a montagem
da cena, metáforas, subversões da cena, a sombra da cena eutópica, Apolo,
Dionisio, palavras-olhos, palavras-mãos, o jogo do antimovimento, Bob Wilson,
cena lírica, a música no fosso, Intermezzo, o Brasil padece de uma
incompetência cósmica, além do Jocus, mito e rito, teatro sagrado e teatro
poético, a cena do espaço, espaços homogêneos e heterogêneos, espaço de
percepção, espaço de presentação, fora do teatro, a sagração da cena, o ator
santo, o lugar forte, ocularidade do espaço simbólico, identidade e
homogeneidade, Squat Theatre, Living Thetre, Thétre du Soleil, La Mama, o
espaço anafórico, cena-produto, cena-produção, espaço percebido, espaço vivido,
a cena do pré-sentido, a cena do tempo, teatro e linguagem, a prosa e a poesia,
a construção do tempo, o tempo vertical, tempo de duração, a identidade
impertinente, a cena restrita, cena em construção fora do circuito, o duplo da
vida, falar de si, prazer e corpo, a censura, a forma interna, utopia da
matéria, o conteúdo político, a cena do lógico, não ao teatro de reprodução,
cena de perigo, entre outros assuntos. Veja mais aqui e aqui.
...E MIGUEL FUGIU COM O
VENTO – No livro Aço e nada (Design, 2007), do escritor
catarinense Rubens da Cunha, destaco
a narrativa ...E Miguel fugiu com o vento: Era
bem de manhã. De repente, Miguel saiu correndo de casa, sem abotoar a camisa ou
amarrar os cadarços. Perguntado sobre o que estava fazendo, respondeu: - Vou-me
embora de carona com o vento, não volto mais. Abismados, pais, irmãos, vizinhos
ficaram especulando o porquê dessa fuga repentina e justamente com o vento.
“Tanta estada, tanto chão seguro”, murmurou a mãe, “e esse menino vai por aí,
agarrado ao vento!”. O pai fez um gesto de reprovação, mas em segredo invejou o
filho. Baixou a cabeça, fechou os olhos para não denunciar a contenteza. “Meu
filho arranjou um jeito meio espetaculoso de ir embora, mas foi, é isso que
importa, ele foi”. Os vizinhos admiraram-se da coragem de Miguel. O vento
sempre fora volúvel, pouco confiável. Já tinha prometido a muitos uma carona e
descumprido a promessa. Todos ali sabiam do caso de Arnaldo, uma crueldade
ímpar: o vento o levou até certa altura e depois o largou. Arnaldo caiu sobre
uns pinheiros. Aleijou-se, o pobre. Miguel que já ia longe feito pandorga sem
fio, deixou uma curiosidade em todos que o viram fugir: qual parte da vida
prometeu ao vento para ser levado embora? De todos, quem ficou mais perplexa
foi Francisca, vizinha e prometida de Miguel. Na tarde anterior ela tinha
recebido juras de amor e durante toda a noite sonhou com véus e grinaldas.
Acordou com o falatório embaixo de sua janela. Todos apontavam o céu. Francisca
percebeu apenas um ponto preto, “É Miguel! É Miguel, que fugiu com o vento!”,
gritavam. O mundo de Francisca desabou. E o amor prometido? E o casamento
antevisto? Miguel tinha esquecido a promessa. Francisca voltou para cama
dizendo jamais se levantar de novo. Até onde se sabe, nunca traiu a palavra. Lá
do alto, Miguel avistava todos, cada vez menores. Sabia o preço que pagaria: a
memória-lâmina na cabeça, o coração doido por mentir à Francisca. Sentiria
falta das benesses da mãe, do silêncio respeitoso do pai, das folias com os
irmãos, no entanto, ali não poderia ficar. Aquele chão gadunhando seus pés,
aquela vida cercada de olhares, aqueles limites. Poderia ir oficialmente,
dizendo: “Adeus, eu vou para outras terras, pois eu nasci com a mancha, aqui
não posso ficar”. Se fizesse isso, haveria sempre a possibilidade de refazer o
caminho para casa com a espinha dobrada. Miguel não arriscou. Empunhando uma
coragem não se sabe de onde, ele agarrou o vento e desmanchou-se céu afora.
Veja mais aqui e aqui.
PAIXÃO PELA VIDA – O filme Modigliani: a paixão pela vida (2004), dirigido por Mick Davis e
música de Guy Farley, conta a história do artista plástico e escultor italiano Amedeo Clemente Modigliani (1884-1920),
no período compreendido entre 1918-1919, na Paris do pós-guerra, iniciando com
a cena da personagem Jeanne, o grande amor do artista, inquirindo: Você sabe
o que é o amor? Amor de verdade? Você já amou tanto que se condenou à
eternidade no Inferno. Eu amei. E ele mergulhado na bebida com todos os goles do abandono, desamparo,
solidão: A luta travada
com a morte é dada através dos mesmos gestos contidamente torturados e não
obstantes cheios de força. Poético,
belíssimo, o filme transcorre com o convívio de todas as dores e o amor de
Jeanne Hébuterne. Destaque para o papel desempenhado pela atriz francesa Elsa
Zylberstein. Veja mais
aqui e aqui.
Veja mais sobre:
Dois quentes & um fervendo, a poesia de James Joyce, A música viva
de Koellreutter & Carlos
Kater, a pintura de Jan Sluijters, a arte de Karel
Appel, a música de Brahms & Giorgia Tomassi aqui.
E mais:
Exercício de admiração de Emil Cioran,
Abril despedaçado de Ismail Kadaré, o teatro de Meyerhold, a arte de Fridha
Khalo, a música de Badi Assad, a pintura de Karel Appel, o cinema de Carla
Camurati & Marieta Severo, Carlota Joaquina & Clube Caiubi de
Compositores aqui.
Doro na Caixa do Fecamepa aqui.
Constitucionalização do direito penal aqui.
Literatura Infantil, a poesia de Hermann Hesse, o teatro de
Constantin Stanislavski, Leviatã de Thomas Hobbes, o cinema de Krzysztof
Kieslowski & Juliette Binoche, a música de Tom Jobim & Lee Ritenour,
Tiquê: a deusa da fortuna, a arte de Bette Davis, a pintura de Jean-Honoré
Fragonard & Alexey Tarasovich Markov aqui.
O lado fatal de Lya Luft, a literatura de
Marcia Tiburi, Afrodite & o julgamento de Páris, a música de Diana Kral, o
teatro de Cacilda Becker & José Celso Martinez Corrêa, o cinema de
Krzysztof Kieslowski & Julie Delpys, a arte de Jeanne Hébuterne, a pintura
de Débora Arango & Enrique Simonet aqui.
A salvação bidiônica depois da bronca, o pensamento de István Mészarós, Mal de
amores de Ángeles Mastretta, Horror econômico de Viviane Forrester, A gaia
ciência de Friedrich Nietzsche, a pintura de Auguste Chabaud,
a música de Tatjana Vassiljeva, a arte de Lia
Chaia & Wesley Duke Lee aqui.
Colocando os pingos nos iiiiis, A teoria da viagem de Michel Onfray,
Discurso & argumentação de Débora Massmann, A gaia ciência de Friedrich
Nietzsche, Neurofilosofia & Neurociência, a música de Natalia Gutman, a
poesia de Viviane Mosé, a fotografia de Cris Bierrenbach, a arte de Mira
Schendel, Conversa de bar & filho não reconhece pai & Quando se pensa
que está abafando, das duas, uma: ou contraria ou se expõe ao ridículo. Cadê o
simancol, meu aqui.
A gente tem é que fazer, nunca esperar
que façam por nós, O
enigma do artista de Ernest Kris & Otto Kurz, Os catadores de conchas de
Rosamunde Pilcher, As viagens de Marco Polo, A gaia ciência de Friedrich
Nietzsche, Respeito aos idosos, a música de Silke Avenhaus, a arte de Beth
Moyses & Antonio Saura, Os passos desembaraçados nos emaranhados caminhos
& Quando os ventos sopram a favor, tudo fica mais fácil aqui.
Que coisa! Quando eu ia, todos já
voltavam, a poesia
de Sylvia Plath, Estruturas sociais da economia de Pierre Bourdieu, Rede e
movimentos sociais de Maria Ceci Misoczky, Gravidez na adolescência de Laura
Maria Pedrosa de Almeida, A gaia ciência de Friedrich Nietzsche, a música de Coeur de Pirate, a arte de Luciah Lopez, O feitiço do amor
& Quando algo der errado, não adianta chilique: cada um aprende mesmo é com
suas escolhas aqui.
No reino da competição todo mundo tem de
ser super-homem – o ser humano não é nada, As causas da pobreza de Simon Schwatzman, A crise da
educação de Hannah Arendt, a literatura de Abraham B.
Yehoshua, Aprender e suportar o equivoco de Clemencia Baraldi, A gaia ciência
de Friedrich Nietzsche, A primeira paixão de Ximênia, a música de Ernesto
Nazareth & Maria Teresa Madeira, a pintura de Arturo Souto & Mikalojus Konstantinas Ciurlionis aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Beatrice Brown
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.