quarta-feira, abril 29, 2015

TRÊS POEMAS & A DANÇA REVELOU O AMOR...

Fiery Dance - Dance Painting, do artista plástico russo Andrew Atroshenko

TRÊS POEMAS & A DANÇA REVELOU O AMOR...


PAS DE DEUX
 
Deutsche Operam Rhein Ballet Calendar, by Klaus Kampert

No palco do meu coração sedento jamais houvera tamanha fascinação, jamais houvera, porque algo mais infrene se fizera aroma de seiva na noite fria de agosto: a presença resplendente do seu corpo de mulher.

Ah, jamais houvera tão irresistível: à meia luz seu jeito maçã desolada, cabeça pendida no ombro da solidão. Na horagá, a minha chegada de sempre: a captura. E franze o rosto, cerra as pálpebras, morde os lábios e estremece suplicante a suspirar o magnetismo do coração que palpita na sintonia que nos impele um ao outro. Nada a deter e o amor embala na rede dos devaneios quando nos píncaros da sedução se insinua num écarté para me provocar com requisições de gracejos acariciantes, a me insultar no entalhe pujante de costas com o pé na barra a dar-me todos os regalos de um ensaio fotográfico particular, ali exclusivo estourando meus sentidos.

Ah jamais houvera e nossos corpos fremem de desejos e já me precipito envolvê-la para o embalo íntimo de um atittude libidinoso, colados um no outro a inalar o incenso dos nossos laços de sentimentos transpassados. Mas judia de mim a rodopiar com seu magnetismo. Rodopia incólume na noite enquanto eu afio os dentes. E rodopia mais o seu bailado sem fim, até que possessa, de repente, me leva ao nocaute num grand decárt sobre meu corpo.

Ah, Cinderela exata do meu tope, Loba certa do meu querer. E eu sou todo delírio nessa festa que jamais houvera. E na agonia dos quereres imponho poder nas minhas mãos que se acercam de sua feição, alisam seu rosto, se apossam de sua feitura para arrancá-la ao beijo, nos enroscando na dança. E aos solavancos murmuramos arrastados pelo tapete de pétalas no assoalho da pulsação vital, atrás da porta, das cortinas, esgotando calcinados nosso parque de diversão que traz o repique dos sinos no júbilo, crepitando a nossa fogueira de ímpeto selvagem nas alturas das suas nuvens para chover meu amor, na invasão da sua selva com todos os segredos de entrega e felicidade.

Ah jamais houvera e ofegantes usufruímos a vida e com ela nossos turbilhões mais que enlouquecidos derrubando colunas, grilhões, capitéis, pedestais, leis e limites, até alcançar o podium do grand finale a nos fartar embriagados da sidra dos nossos corpos desforrados.

Ah, jamais houvera pas de deux como devaneio do amor na noite fria de agosto, jamais houvera.

BOLERO
 
Deutsche Operam Rhein Ballet Calendar, by Klaus-Kampert

À meia luz, mão na mão, passo a passo. E a pele lua de algodão pousa leve como um pássaro levitando nos meus braços agudos.

São dois passos lá demovendo todas as nuvens do meu sexo. Dois passos cá, uivando nua, possuída de vida que não troca nada de si por nada desse mundo, só a girar embalada pelo ensaio que se faz chama na fúria íntima e se alastra fogo vivo em nossa alma.

Pro mundo é noite calma, enquanto em nossa carne a terra cresce ruidosa, desembestada, ciclone rompendo a órbita de todos os ventos que revolvem as entranhas nos campos magnéticos da celebração dos quadris.

A dança e o perfume me recolhem insepulto de ontem na noite, capturado pela teia que arde e retorce nosso lençol de nada e eu como um deus sacudindo a vida pelas labaredas da boca, pelas chamas do ventre à medida do coração.

A cada enleio sua manha enreda e desvencilha e torna a enredar, infindável urdidura na taça do meu sexo. E se adoça com os meus venenos até acender em sua mão lépida efervescente e a fazer de mim lascivamente eletrizado até sentir-lhe a boca do útero e tudo adensa e cresce rodopiante mundo, enquanto sou Ravel extasiado e você bolero nas minhas veias até transbordar nossas emoções avassaladoras.

A dança e o corpo nu inteirinho colado ao meu, fincado no salão do amor, inundando tudo, corpo saqueado no apelo do bolero e dançamos, rodeamos, rodopiamos, mão na sua e na cintura, o salão, o corpo inteiro e a noite inteira danças intensas até o último portal do prazer: começaria tudo outra vez.

CIRANDA
 
Early Spring, do artista plástico Ton Dubbeldam.

Sim, foi você singela e nua quem veio do fundo dos oceanos para redimir meu abandono, veraneando a minha vida enquanto eu estava na beira da praia ouvindo as pancadas das águas do mar.

Foi exatamente com a sua súbita aparição que meus devaneios revividos puderam entoar o enleio pelos estribilhos de cirandeira, sua mão na minha mão, de braços dados e na cadência da zabumba, tarol, saxofone, gingando descalços nas areias do mar.

Foi quando pude ter a noção de que seria encurralado por seu domínio e por seu feitiço solaçoso, me iniciando em seus mistérios no tamanho cósmico da nossa entrega na beira do mar.

Foi, portanto, a minha oportunidade de ser feliz.

Foi e meu coração cresceu de amor e exagerou na dose dos versos mais audaciosos, até saber-me cantor dos quereres que nos anima a alma.

E cantei o amor porque essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na ilha de Itamaracá.

Sim, é o fogo do seu corpo que revitaliza o meu, é a candura da sua alma que restabelece a minha, é a grandeza do seu amor que me faz ser seu.

Black sugar, do artista plástico Jeremy Mann.


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