ANA & A
ARTE INTERROMPIDA – De Havana para a casa de praia de Varadero foi
a sua infância. Aos doze anos o exílio Peter Pan num orfanato dos Estados
Unidos - um êxodo forçado clandestino pro orfanato de Dubuquet: Lá eu era um ser erótico (o mito da latina ardente),
agressivo e de certa forma diabólico. Isso criou em mim uma atitude muito
rebelde. Desterrada, a arte foi a sua salvação em Iowa. O abalo com o estupro e
assassinato de uma sua colega, motivou performar com corpo coberto por sangue: Rape Scene - uma homenagem para Sara Ann Otten: uma festa em que ela debruçou-se imóvel sobre
a mesa da cozinha, com as mãos amarradas e as calças arriadas, coberta por
sangue. Depois Untitled (People Looking at Blood, Moffitt) e como as pessoas
viam uma poça de sangue na calçada. Todos indagavam quem seria aquela corajosa jovem
estudante cubana: estava muito à frente do seu tempo. Ao sair da faculdade, sem
dinheiro nem contatos, foi tentar a sorte em New York depois de ter sido vítima
de extremas experiências racistas e xenófobas. Sua arte pioneira e original na
transcendência e singularidade experimental foi formada pelo dialeto pessoal na
busca pela conexão com um passado não vivido, a ancestralidade. Integrou a A.I.R Gallery (Artists in Residence) – ampliando
as experiências de imigrante excluída, desqualificada, hipersexualizada e à procura
pelo pertencimento em um país avesso ao diverso: A população branca dos
Estados Unidos, diversa, mas de origem europeia básica, exterminou a
civilização indígena e deixou de lado as culturas negras e não-brancas para
criar uma cultura homogênea dominada pelos homens acima da divergência interna...
Como mulheres não brancas, nossas lutas são duplas... O contentamento
com a carreira em andamento, pois havia se apaixonado, casou-se, sua arte
crescia e o relacionamento se deteriorava. Demitiu-se diante de um
desentendimento. Vídeos, fotografias, landart, bodyart, a recuperação do elo terra-corpo,
a conexão e o envolvimento da escala humana no não-lugar e um corpo almejando
abrigo imolando seus ícones: Tendo
sido arrancada da minha terra natal durante a adolescência, estou oprimida pela
sensação de ter sido expulsa do útero. Minha arte é a forma em que restabeleço
os laços que me conectam ao universo... A transmutação e a transitoriedade
levavam ao fascínio e assombro do seu labirinto expurgando, restaurando e
perlaborando a sua experiência no mundo. Sentia-se arrancada do seu chão,
expulsa do ventre, buscando restabelecer os laços que a uniam ao universo, por
meio da sua geopolítica ecosófica e feminista. Foi pra cidade-ruína do Pueblo
Viejo – Árvore Velha e seguiu para as tumbas e cavernas nas pedras vulcânicas de
Yagul, em Oaxaca, México, para conceber a Silueta Series. Quando se decidiu pelo divórcio, despencou pela
janela do 34º de um prédio em Greenwich Village. Ela tinha pânico de altura e muitas evidências e
versões contraditórias. A sua arte e liberdade foram atacadas, interrompidas,
excluída da história pelo protocolo do silêncio. Veja mais abaixo e mais aqui e
aqui.
DITOS &
DESDITOS - Minha arte é a forma como restabeleço os laços que me unem ao universo.
Minha arte é fundamentada na crença de uma energia
universal que atravessa tudo: do inseto ao homem, do homem ao espectro, do
espectro à planta, da planta à galáxia. Minhas obras
são as veias de irrigação desse fluido universal. Por elas
ascendem a seiva ancestral, as crenças originais, as acumulações primordiais,
os pensamentos inconscientes que animam o mundo. Pensamento da pintora, escultora, performer e
vídeo artista cubana Ana Mendieta (1948–1985). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Quantos seres sou eu para buscar sempre do
outro ser que me habita as realidades das contradições? Quantas alegrias e
dores meu corpo se abrindo como uma gigantesca couve-flor ofereceu ao outro ser
que está secreto dentro de meu eu? Dentro de minha barriga mora um pássaro,
dentro do meu peito, um leão. Este passeia pra lá e pra cá incessantemente. A
ave grasna, esperneia e é sacrificada. O ovo continua a envolvê-la, como
mortalha, mas já é o começo do outro pássaro que nasce imediatamente após a
morte. Nem chega a haver intervalo. É o festim da vida e da morte entrelaçadas... Pássaros e leões nos habitam, são
nosso corpo-bicho... Pensamento da pintora e escultora Lygia Clark (1920-1988).
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
NADA - [...] Quem poderá compreender os mil fios que unem as almas dos homens e o
alcance das suas palavras? [...] Parece-me que não adianta correr se temos que seguir sempre o mesmo caminho
fechado da nossa personalidade. Alguns seres
nascem para viver, outros para trabalhar e outros para olhar a vida. Tive um papel
pequeno e mesquinho como espectador. Impossível
sair disso. Impossível me
libertar. Uma angústia
tremenda era a única coisa real para mim naqueles momentos
[...] Não procuro gentileza nem mesmo bons modos nas
pessoas..., embora acredite que estes últimos sejam essenciais para conviver
com eles. Gosto de
pessoas que veem a vida com olhos diferentes dos outros, que consideram as
coisas de forma diferente da maioria... Talvez isso aconteça comigo porque
sempre convivi com seres muito normais e satisfeitos consigo mesmos... [...] Talvez o sentido da vida para uma mulher
consista apenas em ser descoberta assim, olhada de uma forma que a faça
sentir-se radiante de luz.[...]. Trechos extraídos da
obra Nada (Alfaguara, 2008),
da escritora espanhola Carmen Laforet (1921-2004).
TRES POEMAS – POEMA - A
poesia é nossa velha cúmplice. \ Tudo o que cometemos, cometemos com ela. AREIA
- Tive um amante que me mandou a areia da cidade em que morava. E sempre me \ perguntei
sobre o vento daquele lugar\ É bem comportado ou louco É permanente?\ céu? O
que\ tirou do chão\ Tínhamos cidades que partilhávamos Então\ o vento era
mestre, eu era novato\ Ele soprou e passou com pressa\ A areia encheu meus
olhos. A PRÓXIMA VEZ - Quando as coisas não acontecem do seu jeito\ Você está
passando pela próxima vez\ Uma estrela cai no mundo\ De repente a terra treme\ Crianças
com olhos mortos\ Esperando o sol que não nasce Tanta neve e vento\ nas
montanhas O narciso esquecido Até florescer. Poema da escritora turca Gülten Akın Cankoçak (1933- 2015).
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