BOM DIA, FRANÇOISE – Quando a vi
pela primeira vez estava saltitante com a edição exitosa de Bonjour Tristesse, tanto que passou a esconder-se sob o nome
de Sagan, uma personagem principesca de Proust, para não envergonhar seu pai
(era que os escritores à época não gozavam de boa reputação, tratados sempre
por dissolutos). Teve uma fama meteórica e passou a viajar países e camas, até
parar nos braços do seu editor e com ele casar-se. Cortejada e celebrada por
ser rebelde, muitos a viam como uma Sartre de saias, transformando-se numa
estrela que se separou dois anos depois das núpcias para cair nos braços de um
modelo que lhe deu um filho. Essa era ela assinando o Manifesto pelo
direito à independência no auge da guerra da Argélia, para ser vítima em represália
de uma bomba da terrorista OAS. Outras
paixões emergiram e novamente se divorciou para colecionar amantes, fossem
homens ou mulheres, que idade tivessem. Após um acidente automobilístico, doses
intensivas de Palfium e álcool, lances ousados nas jogadas da roleta e o perigo
ao volante esportivo: O ópio é a maneira eficaz que conheço de levar com elegância
as trivialidades da vida... As paixões pelos relacionamentos, amigas
protetoras diante de escândalos de fraude fiscal e sonegação de impostos, afora
ser generosa a empréstimos jamais resgatados e a gastos ousados com luxos e
extravagâncias. A vida aos sobressaltos e desregrada pela rebeldia esfuziante, a
soberba de mansões suntuosas, carros destruídos e aos montes, noites
desafortunadas no jogo e na droga, os seus muitos vícios, a sua escrita em dia
com romances, peças teatrais, autobiografias, a fama, muito dinheiro e um lugar
de destaque na literatura francesa. Era sensível, inteligente, ativista de
esquerda e considerada a última existencialista: o que falta à nossa época é a gratuidade,
fazer algo por nada... Era como se procurasse um certo sorriso dentro
de um mês ou um ano, como as nuvens que passavam com o guardador de seus
amores. Era como a chamada das cicatrizes na alma e só queria um pouco de sol
na água fria. Era um perfil perdido na cama desfeita, a tempestade sem bonança,
cansada de guerra. Era a coleira e o sangue de aquarela, o cão vadio e uma tristeza
de passagem pelos quatros cantos do coração. Sofria de uma estranha solidão
interior e foi condenada por uso de cocaína, foi presa pelo fisco, ficou em
coma depois de um acidente, nada previsível e nenhum rumo, avessa às normas,
tratada por monstrinho encantador que se afundou em dívidas, doente e solitária:
um coágulo no pulmão levou-a sem despedida. Veja mais abaixo e mais aqui e
aqui.
DITOS &
DESDITOS - A única coisa que lamento é nunca ter tempo de ler todos
os livros que quero ler. O amor dura cerca de sete anos. Esse é o tempo
que leva para as células do corpo se substituirem totalmente.
O dinheiro pode não comprar felicidade, mas prefiro chorar num Jaguar do que
num ônibus. Pensamento da
escritora francesa Françoise
Sagan (Françoise Quoirez –
1935-2004), que no Seu livro Bonjour tristesse (Distribooks,
2010) expressou que: [...] Uma estranha
melancolia me invade, à qual hesito em dar o grave e belo nome de tristeza. A ideia de
tristeza sempre me atraiu, mas agora estou quase envergonhado do seu completo
egoísmo. Conheci o
tédio, o arrependimento e, ocasionalmente, o remorso, mas nunca a tristeza. Hoje ela me
envolve como uma teia de seda, enervante e macia, e me diferencia de todos os
outros. [...]
Diverti-me pensar que se pode dizer a verdade quando se
está bêbado e ninguém acreditará.
[...]. Noutro livro A Certain Smile (University of
Chicago Press, 2011), ela expressou que: [...] As perguntas
que eu gostaria de fazer às pessoas eram: ‘Você está apaixonado? O que você
está lendo? [...]. Já no livro Dans un mois, dans un na (Pocket, 2009), expressa que: [...] Ela disse que não o amava, e ele disse que isso não importava, e a pobreza
de suas palavras trouxe lágrimas aos seus olhos. [...] É sabido que o coração de todo homem está
determinado a ter uma filha. [...] Ela gostaria de
ser indispensável; isso é o que
toda mulher quer...
[...] A curiosidade é o começo da sabedoria [...].
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Eu realmente sinto que existem tantas
maneiras de amar quantas pessoas no mundo e quantos dias na vida dessas
pessoas. Ainda somos uma sociedade sexófoba, com medo das coisas erradas pelos
motivos errados. O verdadeiro objetivo da educação sexual é ensinar as pessoas
a terem uma relação saudável consigo mesmas e com os outros. Pensamento da médica, escritora e defensora
da saúde pública estadunidense, Mary Calderone (Mary Rose Steichen - 1904–1998).
O
ERÓTICO & O DOMÉSTICO –
[…] O amor assenta em dois pilares: entrega e autonomia. Nossa
necessidade de união existe juntamente com nossa necessidade de separação. […]
O amor gosta de saber tudo sobre você; o desejo
precisa de mistério. O amor gosta
da distância que existe entre eu e você, enquanto o desejo é energizado por ela. Se a
intimidade cresce através da repetição e da familiaridade, o erotismo é
entorpecido pela repetição. Ele prospera
no misterioso, no novo e no inesperado. Amar é ter; desejo é
querer. Uma expressão
de saudade, desejo requer indefinição contínua. Está menos
preocupado com onde já esteve do que apaixonado com onde ainda pode chegar. Mas muitas
vezes, à medida que os casais se acomodam no conforto do amor, eles deixam de
atiçar a chama do desejo. Esquecem-se
que o fogo precisa de ar.
[...] Para casais
eroticamente inteligentes, o amor é um recipiente que contém segurança e
aventura, e o compromisso oferece um dos grandes luxos da vida: o tempo. O casamento
não é o fim do romance, é o começo. Eles sabem que
têm anos para aprofundar a sua ligação, para experimentar, para regredir e até
para falhar. Eles veem seu
relacionamento como algo vivo e contínuo, e não como um fato consumado. É uma história
que eles estão escrevendo juntos, com muitos capítulos, e nenhum dos parceiros
sabe como isso vai terminar. Sempre há um
lugar para onde eles ainda não foram, sempre há algo sobre o outro ainda a ser
descoberto. […] Hoje,
recorremos a uma pessoa para fornecer o que uma aldeia inteira já fez: uma
sensação de base, significado e continuidade. Ao mesmo
tempo, esperamos que nossos relacionamentos de compromisso sejam românticos e
também emocional e sexualmente gratificantes. É de admirar
que tantos relacionamentos desmoronem sob o peso de tudo isso?
[...]. Trechos extraídos da obra Mating in Captivity: Reconciling the Erotic
and the Domestic (Harper, 2006), da psicoterapeuta belga Esther Perel,
ao defender que: O orgasmo é a menor parte da sexualidade. A qualidade da sua vida depende, em última análise, da qualidade dos seus
relacionamentos, que são basicamente um reflexo do seu senso de decência, da
sua capacidade de pensar nos outros, da sua generosidade. O
problema surge quando a monogamia já não é uma expressão livre de lealdade, mas
uma forma de obediência forçada.
MULHERES
ARTISTAS - [...] as mulheres devem conceber-se como
potencialmente, se não realmente, sujeitos iguais, e devem estar dispostas a
encarar os factos da sua situação de frente, sem autopiedade ou desculpas; ao mesmo
tempo, devem encarar a sua situação com aquele elevado grau de compromisso
emocional e intelectual necessário para criar um mundo em que a igualdade de
realização será não só possível, mas activamente encorajada pelas instituições
sociais. [...] Aqueles
que têm privilégios inevitavelmente apegam-se a eles e mantêm-se firmes, por
mais marginal que seja a vantagem envolvida, até que se curvem a um poder
superior de um tipo ou de outro. [...]. Trechos
extraídos da obra Women
Artists (Thames & Hudson, 2015), da historiadora
e professora estadunidense Linda Nochlin (1931-2017). Veja mais aqui.
ZULEIKA, ABRE
OS OLHOS - [...] O coração é a fonte dos sentimentos, não
da razão. [...] Zuleikha abre os olhos. O sol está
forte, cegando-a e cortando-lhe a cabeça em pedaços. O vago
contorno das árvores ao seu redor tremula numa dança cintilante de raios de
sol. – Você não está se sentindo bem? Yusuf está
inclinado na direção dela, olhando para seu rosto. – Você não
quer que eu vá? Os olhos de Herson são enormes e verde-escuros: são os olhos
dela. Os próprios olhos de Zulaikha estão olhando para ela do rosto do filho. Ela balança a
cabeça e o puxa ainda mais para dentro da floresta. [...] Eles
enterram os mortos ao longo dos trilhos em uma cova comum. Eles mesmos cavam
com pás de madeira, com os rifles dos guardas da escolta apontados para eles.
Às vezes, eles não têm tempo suficiente para terminar de cavar sepulturas ou
cobrir adequadamente os cadáveres com brita antes da ordem “Para o trem!”
estrondos. Os corpos são deixados ao ar livre, na esperança de que pessoas
gentis apareçam no próximo trem especial e espalhem algo sobre eles. Eles
próprios sempre espalham alguma coisa quando o trem deles passa perto de
sepulturas abertas como essa.
[...] Não estou feliz, nem uma palavra. Mas é bom. [...]. Trechos extraídos da obra Zuleikha Opens Her Eyes (Oneworld, 2015), da escritora e roteirista russa Guzel
Yajina.
QUATRO POEMAS -
FUMAÇA - As tardes me
afogam \ E para mim iluminam. \ Eu acendo meu sol \ E sua clareza me domina. \ Persigo
os ventos \ Para que apaguem meu fogo \ E me reduzam \ A um corpo \ De fumaça. ENCOURAÇADO - Selo \ Meus navios \ Meus
navios de guerra \ No nariz das ondas \ E eu entro \ Na batalha do dilúvio. \ Eu
luto atrás das montanhas da morte \ Até que elas diminuam \ E eu ceda \ Ou eu
me desintegre, \ Corpo Queimado \ Pelo chicote \ Do vento. CRIAÇÃO - À
noite abandono toda a minha modéstia abro meu sol perco a cabeça sou vítima de
um ardor louco encho de ondas como um mar em seu fluxo mais viril \ Minhas
tempestades se desencadeiam e crescem \ Minha luz dói sou um clarão um raio que
corre atrás das nuvens eu brilho como a luz divina insisto no erro \ Dono da
criação sento-me no trono e no peito de uma estrela consumo minha loucura e
minhas artes acima de todas as minhas extensões e até nos meus espaços mais
recônditos ruge o rei da selva. \ Meu leão ruge de amor pela estrela vermelha
que cruza os horizontes. MARIAM - Oh você que me pega nesta noite chuvosa
como se eu fosse uma cereja rachada pendurada em um galho molhado \ Você que
anda entre meus galhos. Poemas da escritora, acadêmica e feminista marroquina
Malika El Assimi.
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