UMA VEZ, YVONNE... – O sonho
da mãe que fugira adolescente para se tornar dançarina, malogrou. E do Canadá uma
ingênua sonhadora reduziu-se a vendedora apaixonando-se por um charmoso
golpista insensível, o seu pai que, ao descobrir a sua gravidez a enxotou de
casa. Aos três anos de idade era Peggy ainda criança quando o pai desapareceu
de vez. A mãe então regressou à casa dos pais com um sonho a tiracolo - a filha
seria uma estrela de balé e seria a sua redenção: Margaret Yvonne Peggy. Os avós
religiosos incutiram-lhe uma educação rígida. E foi a escola o seu refúgio:
destacava-se nos eventos com sua graça e voz. Por conta disso ansiou tornar-se
atriz famosa e respeitada. Levada por seus sonhos a mãe mudou-se para Los Angeles
e lá, enquanto trabalhava de garçonete, a filha estudava balé. E aos 17 anos, a
pequena Peggy já crescida, abandonou a escola e tornou-se Yvonne, ganhadora de
um concurso de beleza na Califórnia – a Miss Venice Beach. Daí conseguiu um
papel mínimo em Havard Here I Come. Foi para as telas em westerns e com
a eclosão da segunda grande guerra entretia com sua dança as tropas, até
conseguir um papel em Route to Morocco. Depois participou de Por Quem
os Sinos Dobram, logo em seguida, Salomé. O sucesso bateu-lhe à
porta com Frontier Gal, Slave Girl e Lawless and Soulless.
Tornou-se uma estrela e foi A Noiva do Pirata, A Águia Deserta,
Hotel
Sahara, Pescadores de São Francisco, Capitão Furacão, The Keys to
Paradise, Sea Devils, foi a esposa de Moisés n’Os Dez
Mandamentos e My Sin Was Being Born. Passou a ser
confundida com a grande estrela Dorothy Lamour e, enquanto sua carreira decolava,
encontrou não só homens dispostos a pagar para vê-la dançar, como ricaços
sangue azul a disputavam. Quantos amantes e, mesmo assim, o destino parecia-lhe
miserável. Amou e casou-se, teve dois filhos. Chega a ser considerada A Mulher
Mais Bonita do Mundo, a ponto de inspirar Rimsky-Korsakov e Wagner. Para quem já
fora a bela Scheherazade, ela confundia seus detratores com hábeis atuações
cômicas, esbanjando beleza e talento. Veio Real Man e o cuidado com
o marido enfermo. Foi a vez de Família Munsters e ela já era
a adorável mãe vampira Lily para sempre. Chegou a vez do divórcio e o brilho na
Broadway com Follies. E foi impetuosa em Tânger e acolhedora em
Gibraltar, foi sensual artista de café caribenho em Flame of the Islands,
foi tanto beldade sulista como Maria Madalena, afora ter sido uma atraente
viúva governanta que causou ciúmes até na esposa de John Wayne e superava a
velhice com a magnitude de cantar Can that Boy Fox-Trot e I'm Still
Here: Estou quase terminando minhas memórias...Yvonne: An
Autobiography... Premiada voltou a atuar no cinema e na televisão e
interpretar a Lily Munster e mais de 100 filmes nos costados. Morre o seu filho
caçula, ela sofre um derrame e vai para uma casa de repouso para virar uma
lenda: Yvonne De Carlo! Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Acho que tenho uma vida dupla e confesso que estou feliz com
ambos. Gostei de fazer comédias porque o riso é universal e acredito que é
importante levar alegria à vida das pessoas. Descobri que tinha a capacidade de
fazer comédia. Meu timing foi realmente inato. Nunca me senti glamorosa, ainda
não me sinto. Nunca me senti uma beldade e particularmente não acho que o seja.
Sempre acreditei em ser verdadeiro consigo mesmo. É importante manter os pés no
chão e lembrar seus valores. Capacite sua mente em qualquer lugar, a qualquer
hora. É importante valorizar as pequenas coisas da vida, porque são elas que
lhe trazem a verdadeira felicidade. Não tenho medo de envelhecer. A idade traz
sabedoria e experiência, e isso não tem preço. Pensamento da atriz
canadense Yvonne De Carlo (Margaret Yvonne Middleton – 1922-2007).
ALGUÉM FALOU: É
importante estar satisfeito com os próprios dons, porque o que alguém faz bem
para si mesmo pode servir aos outros de uma forma ou de outra. Nenhum ser
humano pode começar a sua vida fora de si mesmo. É suspeito ver alguém
negligenciando sua casa para fazer trabalhos de caridade. Quando escrevo algo
que me satisfaça espero que meu vizinho ou meus amigos queiram ler, e é assim
que acontece. Pensamento da escritora congolesa Clémentine
Faïk-Nzuji Madiya.
GÊNEROS DO
DISCURSO – [...] Todo estilo está indissoluvelmente ligado ao enunciado e às
formas típicas de enunciado, ou seja, aos gêneros do discurso. Todo enunciado
oral, e escrito, primário e secundário e também, em qualquer campo de comunicação
discursiva_ é individual e por isso pode refletir a individualidade do falante
(ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual [...] Quanto
melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais
plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é
possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação
singular da comunicação, em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre
projeto de discurso [...]. Trechos extraídos da obra Estética da criação
verbal (Martins Fontes, 2003), do filósofo e pensador russo teórico da
cultura e das artes Mikhail Bakhtin (1895-1975). Veja mais aqui.
NARRADOR – [...] Quem
pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que
escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo
como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo [...]. Trecho
extraído da obra O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura (Brasiliense, 1992), do filósofo alemão Walter Benjamin
(1892-1940). Veja mais aqui.
ARTE MENOR - [...] Tudo passou a ser uma questão de saber ou não
saber, à medida que o roteiro foi substituído por uma cascata de improvisações. Cortes de cabelo, dietas, músicas gravadas nas rádios, os
ritmos desobedientes do meu corpo, o avental por cima da túnica, a praça vazia,
as minas nos peitos nas revistas, o rímel contrabandeado apesar da mãe, a
ginástica na frente da televisão, Mazinger e o Hardy Rapazes, o Papa visto através
de um pequeno dispositivo de papelão com um espelhinho na ponta, a multidão
aquecida por volumes de papa evangelizadora. Sombra azul clara até as sobrancelhas, ausculta de
virilhas, sutiãs para sapatos de verniz, hinos de TV como Sancor mas pior, a
praça cheia, mais Hardy Boys, tateando, os primeiros assaltos com Coca Cola,
saias lisas, comunicações de milhares de figuras , minas de tanga, praça cheia,
americano best-seller, minissaias, escudos, beijo e matança de pintinhos, meias
de náilon para tiaras, fim dos Trigêmeos de Ouro, pichações silenciadas,
domingos eternos da juventude. As instruções sonâmbulas dos meus professores, mais minas
em bolas, bandeirinhas, preto e branco, mais instruções, procedimentos, azul
claro e branco, DNI, mais papéis, menos papéis, fuga no século 23, anéis de
plástico para anéis de ouro, professores isso nos mostrou – como se em vez de
uma cartilha de defesa civil estivessem seguindo um manual de demonologia –
como qualquer tipo de perigo poderia ser evitado se alguém conseguisse ficar
sob o batente de uma porta. [...] A escola nunca foi importante para papai. Mamãe nos plantou e transplantou seguindo o ritmo de seus
diagnósticos e convicções, enquanto ele permaneceu em seu universo privado e
inacessível, onde suas filhas entravam de vez em quando como pequenos motivos
de um quadro maior que só ele conhecia. Sempre deixei essas decisões nas mãos de minha mãe, que
travava guerras incompreensíveis com os padres e freiras nas escolas,
alimentava ressentimentos com pais e professores dos quais éramos exilados para
um novo círculo de estranhos. Longe
de serem traumáticas, estas migrações escolares foram para mim como pequenas
excursões nas quais logo aprendi o valor do anonimato; Gostei de me sentir distante das brincadeiras das outras
meninas, sabendo que era transitória naquele lugar. Conhecer os ritmos e formas de outras escolas me fez
sentir superior, além das brigas e medos particulares que tanto poderiam
preocupar os outros. Senti que o verdadeiro perigo era não conhecer o roteiro
ou não executá-lo com eloquência suficiente. Com uma arrogância protectora que por vezes se
manifestava como isolamento e outras vezes como momentos esporádicos de
liderança, surpreendi os meus professores com a minha capacidade de adaptação e
de fazer novos amigos quando para mim eles eram na verdade como bonequinhas
recortadas em papel: perfeitos no seu mundo . circular, todos iguais, todos
descartáveis. [...]. Trechos extraídos da obra Arte Menor/ Through My Father's Art (Alfaguara, 2007), da escritora argentina Betina González, que na sua
obra Las poseídas (Tusquets, 2013), expressa que: [...] As coisas tendem a quebrar, a se separar, a se dissociar
naturalmente. Nada do que fazemos tem outra função senão acelerar esse
processo. São muito raros os casos em que ocorre o contrário –
qualquer aproximação, qualquer intimidade carrega consigo a semente
potencialmente destrutiva do amor. A depravação absoluta não está reservada aos demônios. A deprevação absoluta é a aceitação daquela verdade que o
rodeia com sua rara beleza. Não é necessário compreender mais do que essa lei para
entrar sem problemas na música do mundo e na sua constante negação da vida. [...]. Ela também é autora
de obras como Jogos de praia (Clarín-Alfaguara, 2008), El
amor é uma catástrofe natural (Tusquets, 2014) e América alucinada (Tusquets,
2013).
FLORES DO VULCÃO - Quatorze vulcões surgem \ no meu país lembrado, \ no
meu país mítico. \ Quatorze vulcões de folhagem e pedra \ onde estranhas nuvens
seguram \ o guincho de um pássaro sem lar. \ Quem disse que meu país era verde?
\ É mais vermelho, mais cinza, mais violento: \ ruge Izalco, ceifando mais
vidas. \ O eterno Chacmol coleta sangue, \ os órfãos cinzentos, \ o vulcão
cuspindo lava brilhante \ e o guerrilheiro\ morto e os mil rostos traídos, \ as
crianças que observam \ para contar. \ Nenhum reino nos restou. \ Um por um,
eles caíram \ por todas as Américas. \ O aço ressoou nos palácios, \ nas ruas, \
nas florestas \ e os centauros saquearam o templo. \O ouro desapareceu e
continua \ desaparecendo nos navios yanquis, \ o café dourado misturado com sangue.
\ O padre foge gritando \ no meio da noite, \ chama seus seguidores \ e eles
abrem o peito do guerrilheiro\ para oferecer ao Chac \ seu coração
fumegante. \ Em Izalco ninguém acredita \ que Tlaloc esteja morto, \ apesar da
televisão, \ das geladeiras, \ dos Toyotas. \ O ciclo está se fechando, \ estranho
o silêncio do vulcão \ desde a última vez que respirou. \ A América Central
tremeu, \ Manágua ruiu. \ Na Guatemala, a terra afundou. \ O furacão Fifi
arrasou Honduras. \ Dizem que os ianques o rejeitaram, \ que ele estava se
movendo em direção à Flórida \ e o forçaram a recuar. \ O café dourado é
descarregado \ em Nova York, onde \ é torrado, moído \ e dado um preço. \ Siete
de Junio \ noche fatal \ bailando el tango \ la capital.\ Dos terraços
sombreados\ O vulcão de San Salvador sobe. \ Mansões de dois andares \ protegidas
por muros de \quatro metros de altura \ sobem pelos seus flancos, \ cada uma
com grades e jardins, \ rosas da Inglaterra \ e araucárias anãs, \ pinheiros
uruguaios. \ Mais acima, na cratera \ dentro das paredes da cratera \ vivem
famílias camponesas \ que cultivam flores que \ os seus filhos podem vender. \ O
ciclo está se fechando, \ as flores de Cuscatlecan \ prosperam nas cinzas
vulcânicas, \ crescem fortes, altas, brilhantes. \ Os filhos do vulcão \ descem
como lava \ com seus buquês de flores, \ como raízes serpenteiam \ como rios o
ciclo se fecha. \ Os donos de casas de dois andares \ protegidas dos ladrões
por muros \ espiam das suas varandas \ e vêem as ondas vermelhas descendo \ e
afogam os seus medos em whisky. \ São apenas crianças em farrapos \ com flores
do vulcão, \ com Jacintos e Pascuas e Mulatas\ mas a onda está aumentando, \ o
Chacmol de hoje ainda quer sangue, \ o ciclo está se fechando, \ Tlaloc não
está morto. Poema da escritora nicaraguense Claribel
Alegría (1924-2018). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
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