PROFANAÇÃO (Ou: o gosto perene da primeira vez)
- Prólogo: descortinando os mistérios – a
revelação. (Ao som de Qualquer
coisa a haver com o paraíso, Mílton Nascimento & Flávio Venturini, Ângelus).
À hora do Ângelus, ela espera. Ungida e provocante no trâmite das horas.
Emborcada de Mandel: a nudez do corpo esguio à meia luz (Isso: lenço na cabeça,
terço entre os lábios, crucifixo nas mãos). A espera na noite: uma alma desnuda
no oratório. Apenas duas velas num castiçal e uma esperança fincada alumiando a
pele acetinada que aguça o meu desejo de ontens. (Formoso perfil de Vasti –
lindeza de Leonor Watling na cena de Almodóvar. Fervorosa fé de Rute, orações
exaltadas de Ester: o olhar na crença e mãos sobre a Bíblia). Resignadas
orações: escapulário e hozanas imaculadas lavando culpas, dores e passado. Não
se dá conta na réstia da obscenidade do meu beijo ateu: a profanação de
véspera, partícipe do ritual. Ela contrita, resignada; eu, danação. Atração de
opostos, conflitos redundam. Mas convergem, porque de mim: bem-aventurado o que
goza porque dele é o reino parais(s)o. Estribilho:
a hóstia & comunhão – a carne do sal da terra. (Ao som de Um anjo, Egberto Gismoti, Zig Zag) Flagro
o instante e a pele acetinada aguça o desejo de ontens: tudo candura dela e
perversidade de mim (seu sangue, meu vinho). E o meu olhar insolente na aura
destrancada: um anjo caído. Meu corpo e a salvação pro que é, foi e será: um
feito deus sem criação, sem éden, sem nada. Misérias de ser encanto de mulher. Pela
angelical candura sou atraído até me perder nas linhas da palma de sua mão (um
convite ao turbilhão atávico de suas reencarnações). Nela, juro que me perco a
bel prazer. E numa tentação advena alcançando seus dedos, um carinho na graça
manual. Tomo seu pulso e logo seus braços, seios, ombros, faces, tudo é magia
pura como irrevelável segredo desvelado. E vou me perder mais ao roçar-lhe a
boca com o anular: respiração e espasmos. Rezas, suspiros e pálpebras cerradas.
(Revirando os olhos, mordendo os lábios, lambendo meu dedo). E mais me perdendo
me encontro com sua voz sussurrada a tomar meu nome ofegante de rei adorado.
Manhosa de sangue quente no bico da chaleira fervendo. Dengosa revel aos
caprichos das minhas investidas certeiras. E faz de conta que alheia num truque
sagaz quando cheiro seus cabelos em desalinho nos olhos – grandes olhos
inocentes e fugazes - até o pescoço num beijo que lambe o ombro e dá na
mandíbula pra expirar devagar por trás das orelhas, até sentir-lhe a pele
eriçada no seu corpo clareira e eu ébrio com o aroma exalado. E se contorce
serpente irresistível e desfalece se esfregando ao meu toque. E se submete e
subjugo: nossa liturgia profana. E envolvo a cintura até os seios de mil
ternuras e cravo-lhe os dentes na carne, encosto o meu membro ativo ao que
rebola com ar de menina dengosa, ah, minha doce pessoínha exalando uma aura de
zis infâncias da adulteza alada. Fica minha e inteira e toda e de suas costas
imantadas emerge de bruços toda eletricidade atrativa do convite irrecusável: o
cálice do paraíso no gozo da carne, a glória da vida eterna que equivale a se
afogar no redemoinho de nossas mais indecentes poses íntimas. Refrão: a marca aguda na memória da pele (Ao
som de Naávu Javassarê, Edson Natale & Carmina
Juarez, Lavoro). Ah, ela nua é linda, um anjo destamaínho: no meu
tope. A pele e o desejo. Iluminou-se de mim agarrada às cortinas do templo irreal.
Sabia: meu café da manhã, almoço e janta. Era ela. (A cruz entre os dentes na
vulva. A saliva reluz meu cetro como hóstia dessacralizada). Ah, minha estóica
de peitinhos miúdos, franzina e sedutora, safada e minha, me aproprio de seu
corpo louvando todas as suas maravilhas: não existem asas nos flancos, só o
hálito de sangue, sexo e prazer. (A beleza que vem de dentro). E eis que
suspira esfolada com voz rouca safada, se derretendo inebriante sob o seu
garanhão puro-sangue - a pressão do meu membro contra a sua pele translúcida de
válvula aberta, fantasias delirantes no delta inexplorado. (O lenço à boca para
sufocar suspiros maiores às alturas de um forno que não há como escapar). Apoio-me
em seu dorso para salpicar sua fonte de areia movediça. E se acende o gozo que
se faz luz no meu prazer. Só noite e gemidos – o bramir das ondas da tesão. Epílogo: a glória altissonante na satisfação do
amor (Romance de Minervina, romance
nordestino procedente do séc. XIX, recriado por Antonio José Madureira para
Orquestra Armorial, Do Romance ao Galope Nordestino) Descalça e
nua, faz de mim seu refúgio: carinha de anjo e olhos nas estrelas, aquele molho
de prazer. Ri como quem habita o céu depois do batismo, crisma e beatificação –
riso de sol no mar -, depois dos gemidos e salmos. Depois do gozo na noite
interminável. Resta espremida exausta quase encolhida nos meus braços:
apascentada fera que cavalgou delícias franziu semblante e se esgoelou inteira
a se deleitar com as minhas investidas pelos terraços, salas e oitões. E
pendendo sobre mim no impulso do afeto, vou retesado arrimo e aprumo. Nada
dito: só o flagra do triunfo. E exulta meu nome cantando louvores. E eu feliz e
grato, retomo o repasto. Um gozo renovado. Revolvidas entranhas e trevas da
noite, chega a se aninhar até dormir em mim com todas as bênçãos e
misericórdias para todos os sacrifícios. (Para a felicidade, todo prazer é
doloroso). E, de mão beijada, se espalha toda sob o bombardeio das carícias a
dar conta de tudo que é vida entre nós. E em paz deita como num repouso seguro,
agora e para sempre dentro de mim, amem. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Há muito sofrimento e
injustiça no mundo, e também há muita esperança. Quando você dá um passo à frente e começa
a falar sobre o que vê e o que deseja mudar, pode começar a viver nessa
esperança em vez de no desespero. Quando a minha mãe me
disse que tinham de me vender, não consegui respirar; Eu não conseguia falar. Quando
fui vendida para casamento, era difícil ver um futuro para mim.
Uma boa menina no Afeganistão deveria ficar calada, não deveria falar sobre o
seu futuro, deveria ouvir a sua família, ser como uma boneca para que todos
possam brincar com ela. Vi meus amigos sendo espancados
porque disseram não ao casamento infantil. Há um grande
poder em falar a sua verdade e defender algo importante. Não
houve desistência. Tentando e tentando. É disso que eu sou...
Pensamento da rapper e ativista afegã Sonita Alizadeh, autora
do vídeo Noivas para venda.
ALGUÉM FALOU: Sou antiquada e acho que ler livros é o
passatempo mais glorioso que a humanidade já inventou. A
alegria de escrever. O
poder de preservar. Vingança
de uma mão mortal... Pensamento da da escritora polonesa e
Prêmio Nobel de Literatura de 1996, Wisława Szymborska (1923-2012). Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
BATEU - [...] Não leve a vida muito a sério. Dê um soco na cara quando ele precisar de
um bom golpe. Ria disso [...] Há três
perguntas às quais toda mulher deveria ser capaz de responder sim antes de se
comprometer com um homem. Se você responder não a qualquer uma das
três perguntas, corra como o diabo. [...] Ele trata
você com respeito em todos os momentos? Essa é a primeira pergunta. A segunda
pergunta é: se ele for exatamente a mesma pessoa daqui a vinte anos que é hoje,
você ainda gostaria de se casar com ele? E, finalmente, ele inspirar para ser uma pessoa melhor? Você
encontra alguém que pode responder sim a todas as três, então você encontrou um
bom homem [...] Questionar tudo. Seu amor, sua religião, sua paixão. Se você não tiver perguntas, nunca
encontrará respostas. [...]. Trechos extraídos da
obra Slammed (Atria, 2012), da
escritora estadunindense Colleen Hoover.
ELOGIO VISIONÁRIO (fragmento) - não sou objeto de
desejo seu... \ As lâminas da minha alma \ Estão sobrecarregadas com racemos de
luz. \ Manchadas com a escuridão misteriosa do brilho das palavras \ Minhas
mãos confiscam meus dias \ brilhando com tinta \ que escorre dolorosamente
opaca \ no seio dos sonhos... \ Horrorizado, bebo nas alturas \ Cujas bênçãos
do orvalho marinho me cercam \ Com votos de nada \ E cabras selvagens de
brancura... \ As fibras do céu testemunham \ Da minha desobediência \ E do meu
desligamento do pecado da revelação original... \ Da dor que se esconde \ Atrás
do sol branco \ E do minarete musical da fala. Poema da escritora e
professora marroquina Amina el Bakouri, autora da obra Ra’ian Ya’tika Lmadih (2002) e que também se expressa: A jornada da
escrita é uma narrativa paralela à jornada da vida... A poesia é um sentimento;
nunca foi prerrogativa de um povo, raça ou nação. É uma plenitude, um brilho,
um fogo abrasador. Se a poesia morrer, o que resta?... O artista
hoje precisa contribuir para a amarga realidade com uma medida de imaginação
criativa, algo belo mesmo que seja simples. Nos dias que virão, procurar o que
é simples na vida seria como procurar um milagre.
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