quinta-feira, janeiro 01, 2015

AMINA EL BAKOURI, COLLEEN HOOVER, WISŁAWA SZYMBORSKA, SONITA ALIZADEH & LITERÓTICA

 


PROFANAÇÃO (Ou: o gosto perene da primeira vez) - Prólogo: descortinando os mistérios – a revelação. (Ao som de Qualquer coisa a haver com o paraíso, Mílton Nascimento & Flávio Venturini, Ângelus). À hora do Ângelus, ela espera. Ungida e provocante no trâmite das horas. Emborcada de Mandel: a nudez do corpo esguio à meia luz (Isso: lenço na cabeça, terço entre os lábios, crucifixo nas mãos). A espera na noite: uma alma desnuda no oratório. Apenas duas velas num castiçal e uma esperança fincada alumiando a pele acetinada que aguça o meu desejo de ontens. (Formoso perfil de Vasti – lindeza de Leonor Watling na cena de Almodóvar. Fervorosa fé de Rute, orações exaltadas de Ester: o olhar na crença e mãos sobre a Bíblia). Resignadas orações: escapulário e hozanas imaculadas lavando culpas, dores e passado. Não se dá conta na réstia da obscenidade do meu beijo ateu: a profanação de véspera, partícipe do ritual. Ela contrita, resignada; eu, danação. Atração de opostos, conflitos redundam. Mas convergem, porque de mim: bem-aventurado o que goza porque dele é o reino parais(s)o. Estribilho: a hóstia & comunhão – a carne do sal da terra. (Ao som de Um anjo, Egberto Gismoti, Zig Zag) Flagro o instante e a pele acetinada aguça o desejo de ontens: tudo candura dela e perversidade de mim (seu sangue, meu vinho). E o meu olhar insolente na aura destrancada: um anjo caído. Meu corpo e a salvação pro que é, foi e será: um feito deus sem criação, sem éden, sem nada. Misérias de ser encanto de mulher. Pela angelical candura sou atraído até me perder nas linhas da palma de sua mão (um convite ao turbilhão atávico de suas reencarnações). Nela, juro que me perco a bel prazer. E numa tentação advena alcançando seus dedos, um carinho na graça manual. Tomo seu pulso e logo seus braços, seios, ombros, faces, tudo é magia pura como irrevelável segredo desvelado. E vou me perder mais ao roçar-lhe a boca com o anular: respiração e espasmos. Rezas, suspiros e pálpebras cerradas. (Revirando os olhos, mordendo os lábios, lambendo meu dedo). E mais me perdendo me encontro com sua voz sussurrada a tomar meu nome ofegante de rei adorado. Manhosa de sangue quente no bico da chaleira fervendo. Dengosa revel aos caprichos das minhas investidas certeiras. E faz de conta que alheia num truque sagaz quando cheiro seus cabelos em desalinho nos olhos – grandes olhos inocentes e fugazes - até o pescoço num beijo que lambe o ombro e dá na mandíbula pra expirar devagar por trás das orelhas, até sentir-lhe a pele eriçada no seu corpo clareira e eu ébrio com o aroma exalado. E se contorce serpente irresistível e desfalece se esfregando ao meu toque. E se submete e subjugo: nossa liturgia profana. E envolvo a cintura até os seios de mil ternuras e cravo-lhe os dentes na carne, encosto o meu membro ativo ao que rebola com ar de menina dengosa, ah, minha doce pessoínha exalando uma aura de zis infâncias da adulteza alada. Fica minha e inteira e toda e de suas costas imantadas emerge de bruços toda eletricidade atrativa do convite irrecusável: o cálice do paraíso no gozo da carne, a glória da vida eterna que equivale a se afogar no redemoinho de nossas mais indecentes poses íntimas. Refrão: a marca aguda na memória da pele (Ao som de Naávu Javassarê, Edson Natale & Carmina Juarez, Lavoro). Ah, ela nua é linda, um anjo destamaínho: no meu tope. A pele e o desejo. Iluminou-se de mim agarrada às cortinas do templo irreal. Sabia: meu café da manhã, almoço e janta. Era ela. (A cruz entre os dentes na vulva. A saliva reluz meu cetro como hóstia dessacralizada). Ah, minha estóica de peitinhos miúdos, franzina e sedutora, safada e minha, me aproprio de seu corpo louvando todas as suas maravilhas: não existem asas nos flancos, só o hálito de sangue, sexo e prazer. (A beleza que vem de dentro). E eis que suspira esfolada com voz rouca safada, se derretendo inebriante sob o seu garanhão puro-sangue - a pressão do meu membro contra a sua pele translúcida de válvula aberta, fantasias delirantes no delta inexplorado. (O lenço à boca para sufocar suspiros maiores às alturas de um forno que não há como escapar). Apoio-me em seu dorso para salpicar sua fonte de areia movediça. E se acende o gozo que se faz luz no meu prazer. Só noite e gemidos – o bramir das ondas da tesão. Epílogo: a glória altissonante na satisfação do amor (Romance de Minervina, romance nordestino procedente do séc. XIX, recriado por Antonio José Madureira para Orquestra Armorial, Do Romance ao Galope Nordestino) Descalça e nua, faz de mim seu refúgio: carinha de anjo e olhos nas estrelas, aquele molho de prazer. Ri como quem habita o céu depois do batismo, crisma e beatificação – riso de sol no mar -, depois dos gemidos e salmos. Depois do gozo na noite interminável. Resta espremida exausta quase encolhida nos meus braços: apascentada fera que cavalgou delícias franziu semblante e se esgoelou inteira a se deleitar com as minhas investidas pelos terraços, salas e oitões. E pendendo sobre mim no impulso do afeto, vou retesado arrimo e aprumo. Nada dito: só o flagra do triunfo. E exulta meu nome cantando louvores. E eu feliz e grato, retomo o repasto. Um gozo renovado. Revolvidas entranhas e trevas da noite, chega a se aninhar até dormir em mim com todas as bênçãos e misericórdias para todos os sacrifícios. (Para a felicidade, todo prazer é doloroso). E, de mão beijada, se espalha toda sob o bombardeio das carícias a dar conta de tudo que é vida entre nós. E em paz deita como num repouso seguro, agora e para sempre dentro de mim, amem. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Há muito sofrimento e injustiça no mundo, e também há muita esperança. Quando você dá um passo à frente e começa a falar sobre o que vê e o que deseja mudar, pode começar a viver nessa esperança em vez de no desespero. Quando a minha mãe me disse que tinham de me vender, não consegui respirar; Eu não conseguia falar. Quando fui vendida para casamento, era difícil ver um futuro para mim. Uma boa menina no Afeganistão deveria ficar calada, não deveria falar sobre o seu futuro, deveria ouvir a sua família, ser como uma boneca para que todos possam brincar com ela. Vi meus amigos sendo espancados porque disseram não ao casamento infantil. Há um grande poder em falar a sua verdade e defender algo importante. Não houve desistência. Tentando e tentando. É disso que eu sou... Pensamento da rapper e ativista afegã Sonita Alizadeh, autora do vídeo Noivas para venda.

 

ALGUÉM FALOU: Sou antiquada e acho que ler livros é o passatempo mais glorioso que a humanidade já inventou. A alegria de escrever. O poder de preservar. Vingança de uma mão mortal... Pensamento da da escritora polonesa e Prêmio Nobel de Literatura de 1996, Wisława Szymborska (1923-2012). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

BATEU - [...] Não leve a vida muito a sério. Dê um soco na cara quando ele precisar de um bom golpe. Ria disso [...] Há três perguntas às quais toda mulher deveria ser capaz de responder sim antes de se comprometer com um homem. Se você responder não a qualquer uma das três perguntas, corra como o diabo. [...] Ele trata você com respeito em todos os momentos? Essa é a primeira pergunta. A segunda pergunta é: se ele for exatamente a mesma pessoa daqui a vinte anos que é hoje, você ainda gostaria de se casar com ele? E, finalmente, ele inspirar para ser uma pessoa melhor? Você encontra alguém que pode responder sim a todas as três, então você encontrou um bom homem [...] Questionar tudo. Seu amor, sua religião, sua paixão. Se você não tiver perguntas, nunca encontrará respostas. [...]. Trechos extraídos da obra Slammed (Atria, 2012), da escritora estadunindense Colleen Hoover.

 

ELOGIO VISIONÁRIO (fragmento) - não sou objeto de desejo seu... \ As lâminas da minha alma \ Estão sobrecarregadas com racemos de luz. \ Manchadas com a escuridão misteriosa do brilho das palavras \ Minhas mãos confiscam meus dias \ brilhando com tinta \ que escorre dolorosamente opaca \ no seio dos sonhos... \ Horrorizado, bebo nas alturas \ Cujas bênçãos do orvalho marinho me cercam \ Com votos de nada \ E cabras selvagens de brancura... \ As fibras do céu testemunham \ Da minha desobediência \ E do meu desligamento do pecado da revelação original... \ Da dor que se esconde \ Atrás do sol branco \ E do minarete musical da fala. Poema da escritora e professora marroquina Amina el Bakouri, autora da obra Ra’ian Ya’tika Lmadih (2002) e que também se expressa: A jornada da escrita é uma narrativa paralela à jornada da vida... A poesia é um sentimento; nunca foi prerrogativa de um povo, raça ou nação. É uma plenitude, um brilho, um fogo abrasador. Se a poesia morrer, o que resta?... O artista hoje precisa contribuir para a amarga realidade com uma medida de imaginação criativa, algo belo mesmo que seja simples. Nos dias que virão, procurar o que é simples na vida seria como procurar um milagre.

 

SACADOUTRAS

 


Imagem: D´Ou Vennons-Nous? Qui-Sommes-Nous? Ou allons-Nous? (De Onde Viemos? Que Somos? Para Onde Vamos? - O ciclo da vida e a trajetória humana), Óleo sobre tela, Taiti - 1897, do pintor do pós-impressionismo francês Paul Gauguin (1848-1903). Veja mais aqui e aqui.

Ouvindo: L´Acte préalable (Preparation to the final Mystery), do compositor russo Alexander Scriabin (1872--1915), com a Deutsches Symphonie-Orchester Berlin & St Peterburg Chamber Choir

PARA QUÊ AS RIQUEZAS? – Respondendo a essa indagação, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) assevera: “Todas as riquezas do mundo, ainda mesmo nas mãos de um homem inteiramente devotado à ideia do progresso, jamais trarão o menor desenvolvimento moral para a humanidade. Somente seres humanos excepcionais e irrepreensíveis suscitam idéias generosas e ações elevadas. Mas o dinheiro polui tudo e degrada sem piedade a pessoa humana. Não posso comparar a generosidade de um Moisés, de um Jesus ou de um Gandhi com a generosidade de uma Fundação Carnegie qualquer”. (Albert Einstein, Como vejo o mundo). Veja mais aquiaqui, aqui e aqui

A PAZ DE KRISHNAMURTI – Como hoje é o Dia Internacional da Paz, nada melhor que as palavras de reflexão do filosofo, escritor e educador indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986): [...] necessitamos de paz. A paz e a liberdade são uma necessidade absoluta, porque nada pode florescer, funcionar plena e completamente, a não ser na paz, e a paz não é possível sem a liberdade. Há milhões de anos que vivemos em conflito, não só interiormente, mas também exteriormente. Nos últimos cinco mil e quinhentos anos travaram-se catorze mil e tantas guerras – quase três guerras em cada ano, durante a história escrita do homem – e aceitamos tal maneira de viver, aceitamos a guerra como norma da vida. Mas, nada pode funcionar ou florescer no ódio, na confusão, no conflito. Como entes humanos, temos de encontrar uma diferente maneira de viver – de viver neste mundo sem conflito interior. Então, esse sentimento interior de paz poderá expressar-se, em ação, na sociedade. Cumpre, portanto, a cada um averiguar por si próprio se, vivendo em relação com o mundo, como ente humano, é capaz de encontrar aquela paz – não uma paz imaginária, mítica ou mística, fantástica; se é capaz de viver sem nenhuma espécie de conflito interior e de ser totalmente livre, não imaginariamente livre, num certo mundo místico, porem realmente livre, interiormente – pois então esse estado se expressará exteriormente, em todas as suas relações. Eis as duas questões principais. Cumpre-nos descobrir se o homem – vós e eu- tem possibilidade de viver e atuar neste mundo de maneira diferente, sem conflito de espécie alguma, tornando-se, assim, capaz de criar uma estrutura social não baseada na violência. Neste país pregou-se a não violência durante trinta, quarenta anos, ou mais, e todos vós aceitastes esse ideal da não violência, e incessantemente repetíveis essas frase. Durante milhares de anos vos disseram que não deveis matar. De repente, da noite para o dia, tudo isso desapareceu. Isso é um fato, e não uma opinião minha. E é bem estranhável que não hajam aparecido indivíduos capazes de dizer: Não quero matar – e dispostos a enfrentar as consequências. Tudo isso – isto é, viver verbalmente, aceitar facilmente ideais e com igual facilidade abandoná-los – denota uma mente sem nenhuma seriedade, nenhuma gravidade, uma mente leviana e não uma mente interessada a sério nos problemas mundiais. Um dos principais problemas do mundo é a guerra – não importa se ofensiva ou defensiva. Enquanto existirem Estados soberanos, nacionalidades separadas, governos separados, com seus exércitos, fronteiras, nacionalismos, tem de haver guerra. Serão sempre inevitáveis as guerras, enquanto o homem estiver vivendo entre as fronteiras de uma ideologia. Enquanto o homem existir dentro dos limites do nacionalismo, dentro dos limites religiosos ou dos limites dos dogmas – cristão, hinduísta, budista ou maometano – haverá guerras. Porque esses dogmas, essas nacionalidades, essas religiões separam os homens. E, escutando o que está dizendo, naturalmente direis: Que posso eu, como ente humano, fazer quando minha pátria me chama às armas? Tendes de ir para a luta, inevitavelmente. Isso faz parte desta estrutura social, econômica e política. Mas, dessa maneira não se resolve problema algum. Como já disse, houve nos últimos cinco mil e tantos anos quase três guerras em cada ano. Urge, pois, encontrarmos uma diferente maneira de viver – não no céu, porém sobre a terra – uma diferente norma de comportamento, um valor diferente. E isso não será possível se não compreender o problema da paz, que é também o problema da liberdade. Por conseguinte, a primeira necessidade é de descobrirmos se é possível a cada um de nós, nas suas relações – no lar, no trabalho, em todos os setores da vida – acabar com o conflito. Isso não significa isolar-se, tornar-se monge, refugiar-se num certo recesso da imaginação, da fantasia; significa, sim, viver neste mundo com compreensão do conflito. Porque, enquanto houver conflito de alguma espécie, nossa mente, nosso coração, nosso cérebro, não poderão funcionar com o máximo de eficiência. Só podem funcionar a pleno quando não há atrito, quando há clareza. E só há clareza quando a mente, que é o todo – o organismo físico, as células cerebrais – quando essa totalidade que se chama mente se encontra num estado de não conflito, funcionando sem atrito algum; só então pode haver paz. (Jiddu Krishnamurti, A mutação da mente). Veja mais aqui e aqui.

DIA INTERNACIONAL DA PAZ



REFERÊNCIAS
EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
KRISHNAMURTI, Jiddu. Viagem por um mar desconhecido. Rio de Janeiro: Três, 1973.


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