RESPEITE O SANTO
– Zé-Corninho andava inheto,
irreconhecível. Empanzinado de beber à farta, lamentava sua sorte pela má
escolha. Que é que há, homem? A mulher é só desculpa na hora do bem-bom. Quando
não é dor de cabeça, é mal-estar, coisa ruim, quebranto, coisa inventada dos
pantins de mulher que não quer cumprir com a obrigação do casório. Antes era um
fogo no rabo, uma quentura na bacorinha, vixe! Tempos bons, chega eu ia doido
voando pra casa só pensando nas traquinagens. Não há nada melhor que uma mulher
fogosa, da gente se derreter todo depois de tocar fogo numa peiada bem dada.
Oxente, coisa mais maior de grande. Três anos nessa pisada: no quarto, na sala,
debaixo da mesa, pelos cantos, na pia, na lavanderia, atrepado num pé de pau, plantando
bananeira, de costa, de banda, de todo jeito, ô presepada boa, não há nada
melhor que uma safadeza passando dos limites. Assim, com uma animação nostálgica,
evocava os tempos bons em que ela, tipuda e jeitosa, se enroscava toda nas
loucuras de satisfazer seu macho com competência e dedicação. Agora não, tudo
cada dia mais longe, mais cansado. Adular de todo jeito não adiantava nada, só
um beijo chocho, aquela coisa aguada, chega dá vontade de desistir de tudo e
partir pra outra. Mas como sou persistente, chego junto, marco presença, sapeco
cutucada da macheza e ela nem nem. Deu de dizer que se dedicava ao santo da
devoção pra gente melhorar de vida. Concordei, ora, dois, três dias depois, eu
lá no calcanhar pra ver se ela dava sinal de vida: Respeite o santo, homem! Quando
eu me aprumava naquelas carnes gostosas: Hoje não que iniciei uma novena. Dez dias
depois, eu fungando no cangote dela: Hoje não que eu me confessei ontem pra
hoje ganhar a bênção. Uma semana nisso e eu em cima, encarcando aquelas saliências
carnosas que sempre foram meu prazer e ela com a saída de que o santo exigia
dela abstinência sexual. Como? Isso mesmo! Você faz a promessa e eu que pago o
castigo? Quer ou não quer melhorar de vida? Claro que quero, mas qualquer
coisinha de aconchego uma vez na vida, ajuda no jejum. Ah, hoje não, estou com
uns desarranjos nas partes pudendas de danar. Não precisa se mexer, nem fazer
nada, é só dar uma brechinha nas coxas, um fiapinho de nada, eu vou lá, tuf
tuf, você está liberada da função. Assim o santo castiga! Ai meu santo
devotado, essa mulher complica demais. E toda noite ela sai perfumada,
arrumada, toda emperiquitada, reboladeira, apetitosa e dizendo que vai rezar
pro santo! Eu curtindo aperto, morrendo na mão, imaginando coisas e coisas.
Ainda ontem mesmo ela saiu com um batom vermelho vivo nos beiços, toda pintada
dos pés às cabeça, decotada, penteada, cheirosa, acochada de mostrar os
possuídos todos espremidos de quase soltar fora, salto alto, embecada e
frochosa, vixe quanta provocação! Mulher quando quer endoida um homem, viu? E eu
que sou de carne e osso não escapo: morro lascado de tesão e aperreio. E ela: Vou
pra missa rezar pela gente. Ah, mas quando ela voltar... quando ela voltar...
jurei pra mim mesmo que de hoje não passa: Vou pegá-la de quatro, aquela vaca.
Desejava possuí-la como quisesse, era sua, todinha sua, afinal. Ah se vou. Lá vinha
ela, tarde da noite. Quando aprumei o bote, ela foi logo: Nem venha com essa
cara de tarado que estou morta de cansada! Pelo amor de Deus, mulher! Pode ir
guardando esse mondrongo horroroso pra lá que hoje não tem nem com milagre do
céu, estou morta, vou dormir. E não adiantava eu rogar por todos os santos nem
por padroeiro que fosse, ela não cedia e eu morria na mão, com o juízo torto e
a secura na carne. Estou a ponto de endoidar, não consigo mais trabalhar, não
consigo fazer mais nada, só essa danada me fazendo subir pelas paredes, triscar
fogo pelos cantos. Na maior agitação da minha doidice, lá vinha ela toda
reboculosa: Vou pra missa. Aquietei e apenas disse: Está certo. Deixei a danada
sair, lá se foi toda faceira rebolando um charme que me deixava a ponto de
comer merda e rasgar dinheiro. Deixei ela distanciar e quando ia lá longe, dei
por mim: Vou atrás dela. E fui. Andei que só a má notícia, cheguei à igreja e
ela não estava. Cadê-la? Pra onde foi? Que terá acontecido? Aí quando venho de
volta pra casa, já desencantado da vida, dei de cara no ponto do ônibus com ela
agarrada num sujeito, aos beijos e de língua, pode? Ah, esfreguei bem olhos,
não acreditei no que estava vendo, é ela, isso mesmo, é ela. E o cara que está
pendurado no pescoço dela, deixe ver... filho da puta... é o cobrador do
ônibus. Isso mesmo, vou pegá-los no flagra. Quando resolvi atravessar a rua,
nem deram conta da minha presença, fui atrapalhado pelo ônibus que parou pra
pegar os passageiros. Esperei ele sair e quando procurei por eles o lugar mais
limpo. Olhei pro ônibus, lá estavam lá, dentro dele, agarrados, se beijando. Puta
que pariu! Nem pra flagrar aqueles porras eu sirvo. E agora? Não volto mais pra
casa. Aliás, a casa é minha, boto ela pra correr, humilhada, jogando tudo dela
na rua pra todo mundo saber. Melhor não. Ah, já sei, vou lá, dou uns tapas no
cara pra mostrar que sou muito macho e para ele aprender a não mexer com mulher
direita; depois, pego ela pelo pinguelo e dou-lhe uma pisa de peia pra ela
aprender a não fazer pouco de homem da minha qualidade. Eita! Isso mesmo.
Peraí. Não sei pra onde foram, nem sei onde o cabra safado mora. Só sei que vou
dar uma pisa nos dois, isso mesmo, nos dois, boto ele pra correr e depois fodo
ela todinha só pra mostrar quem é que manda! É isso. Ou melhor, não vou fazer
nada disso, vou é acabar com tudo. É melhor. Mas aí eu sou o burro, ela que tem
que pagar por tudo, ela e aquele metido a besta. Bem, não sei mesmo o que
fazer, resolvi tomar uma, estou bicado, melhor se estivesse estibado pra ir
buscar aquela safada de volta, mas estou liso, sem um tostão furado no bolso. Até
a meota vou deixar no prego, vai ter zoada, mas vou. Sei não, não sei mais o
que fazer, eu só queria ser feliz até o fim dos seus dias, só isso. Não deu. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com o
compositor, pianista e maestro russo Igor Stravinsky (1882-1971): Rite
orf Spring & Symphonis of Winds; da pianista portuguesa naturalizada
brasileira, Maria João Pires: Concerto para piano nº 17 de Mozart &
Sonata nº 32, op. 111, de Beethoven; do compositor, professor e regente João
Guilherme Ripper: Canntiga e Desafio & Jogos Sinfônicos; e da pianista
argentina Martha Angerich: Concerto nº 1 in E minor, op. 11, de Chopin
& Concerto nº 3 de Rachmaninoff. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A mente
tem muito pouca chance de ser livre; não está apta a ponderar, a sentir, a
descobrir, pois as religiões organizadas pelo mundo afora, com suas crenças
dogmáticas pelo mundo afora, mutilaram nosso pensamento; as superstições e
tradições enclausuraram e condicionaram a mente. São hindus, cristãos,
muçulmanos ou pertencem a alguma outra crença organizada que lhes impuseram
desde a infância e, desse modo, vivem dentro desse limitado círculo, maior ou
menor. [...] Como pode ser livre o
homem que leva quarenta anos numa profissão? Olhem o que acontece com o médico.
Depois de sete anos ou coisa assim na universidade, pelo resto da vida será um
clínico geral ou um especialista e acabará escravo da profissão. Naturalmente
que sua margem de liberdade é muito pequena. E o mesmo acontece com os
políticos, os reformadores sociais e as pessoas idealistas que perseguem um
objetivo na vida. [...] Nossas mentes
são simples máquinas. Aprendemos uma profissão e, para todo o sempre,
tornamo-nos escravos dela. [...]. Trecho extraído da obra Sobre a liberdade
(Cultrix, 1991), do filósofo, escritor e educador indiano Jiddu
Krishnamurti (1895-1986). Veja mais aqui.
UM MITO JIVARRO – [...] Os Jivaro
contam em um de seus mitos que o Sol e a Lua, que eram humanos, viviam antigamente
na Terra e dividiam a mesma casa e a mesma mulher. Ela se chamava Aoho, isto é,
Engole-vento, e gostava do abraço quente do Sol, mas tinha medo do contato com
Lua, cujo corpo era muito frio. Sol resolveu fazer ironias sobre essa
diferença. Lua, humilhado, subiu para o céu agarrando-se a um cipó, e ao mesmo
tempo soprou sobre Sol, eclipsando-o. quando os dois maridos desapareceram.
Aoho se sentiu abandonada. Tentou seguir Lua até o céu, levando um cesto cheio
da argila que as mulheres usam para fazer cerâmica. Lua percebeu, e para se ver
livre dela de uma vez por todas cortou o cipó que unia os dois mundos. A mulher
caiu com o seu cesto, a argila se espalhou sobre a Terra, e hoje pode ser
encontrada em vários lugares. Aoho se tranmsformou no pássaro que tem o seu
nome, e a cada lua cheia, pode-se ouvir o seu lamento, chorando pelo marido que
a abandonou. Mais tarde, o Sol também subiu para o céu, usando um outro cipó.
Mas, mesmo lá no alto, a Lua continua a fugir dele, os dois nunca caminham
juntos e não podem se reconciliar. Por isso o Sol só pode ser visto de doa, e a
Lua de noite. [...]. Trecho da obra A
oleira ciumenta (Brasiliense, 1986), do antropólogo belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Veja mais aqui.
O MUNDO DA FICÇÃO - Toda obra de
ficção encerra dentro de si uma estrutura social. Pois a estrutura da ação
romanesca é, de qualquer modo, uma estrutura de convivência: a estrutura das
relações interpessoais dos personagens. E essa estrutura é necessariamente
social [...] o mundo da ficção é organizado
por personagens e situações; em segundo lugar, pelas normas representadas
através de crenças, valores, atitudes e sentimentos. Mas são precisamente os
valores, as crenças, os sentimentos e as atitudes, todos estes espelhando a
ordem normativa, que tendem à coerência sem a qual a estrutura social da ficção
não existiria. O universo social da obra de ficção tende a ser um universo
siclamente organizado, por mais caótica ou fantástica que se nos apresenta
trama de situações. [...]. Trecho de A
sociedade real da ficção: uma definição sociológica do romance e da obra de
ficção em geral, extraído da obra A
realidade social da ficção (FJN/Massangana, 2005), do sociólogo Sebastião Vila Nova.
RIACHÃO DO GAMA, CACHOEIRINHA – Em 1863, Cachoeirinha era um povoado na freguesia de
São Bento, onde desemboca o riachão do Gama, afluente do Una. Sua denominação
se deve à existência de uma pequena cachoeira a aproximadamente 700m da cidade.
O distrito foi criado no dia 12 de maio de 1874 e aos 22 de novembro de 1892,
em reunião do Conselho Municipal de São bento, foi discutida e aprovada a lei
de divisão do Municipio em dois distritos: o sede e o povoado de Cachoeirinha.
A Lei estadual 3309, de 17 de dezembro de 1958, criou o município de
Cachoeirinha, desmembrando-se do de São Bento do Una. Sua instalação ocorreu em
1º de março de 1962. Administrativamente, o município é formado pelo
distrito-sede e pelo distrito de Cabanas. Anualmente, no dia 21 de novembro,
comemora a sua emancipação política, em conformidade com a Enciclopedia dos
Municipios do Interior de Pernambuco (FIAM/DI, 1986). Veja mais aqui.
POEMA DE ROSELI NASCIMENTO
Dois corpos
(em chamas)
Fez-se a nudez
Ávidos
À
Vida
Em um mergulho
Solar
Poema da poeta Roseli
Nascimento (Cadernos Negros, 1992). Veja mais aqui.
Veja mais:
A poesia de Torquato Neto aqui.
A literatura de Imre Kertész aqui.
&
A ARTE ERNST
FUCHS
A arte do pintor
austríaco Ernst Fuchs (1930-2015).