quinta-feira, novembro 09, 2017

KRISHNAMURTI, LÉVI-STRAUSS, ROSELI NASCIMENTO, ERNST FUCHS, SEBASTIÃO VILA NOVA & CACHOEIRINHA

RESPEITE O SANTO – Zé-Corninho andava inheto, irreconhecível. Empanzinado de beber à farta, lamentava sua sorte pela má escolha. Que é que há, homem? A mulher é só desculpa na hora do bem-bom. Quando não é dor de cabeça, é mal-estar, coisa ruim, quebranto, coisa inventada dos pantins de mulher que não quer cumprir com a obrigação do casório. Antes era um fogo no rabo, uma quentura na bacorinha, vixe! Tempos bons, chega eu ia doido voando pra casa só pensando nas traquinagens. Não há nada melhor que uma mulher fogosa, da gente se derreter todo depois de tocar fogo numa peiada bem dada. Oxente, coisa mais maior de grande. Três anos nessa pisada: no quarto, na sala, debaixo da mesa, pelos cantos, na pia, na lavanderia, atrepado num pé de pau, plantando bananeira, de costa, de banda, de todo jeito, ô presepada boa, não há nada melhor que uma safadeza passando dos limites. Assim, com uma animação nostálgica, evocava os tempos bons em que ela, tipuda e jeitosa, se enroscava toda nas loucuras de satisfazer seu macho com competência e dedicação. Agora não, tudo cada dia mais longe, mais cansado. Adular de todo jeito não adiantava nada, só um beijo chocho, aquela coisa aguada, chega dá vontade de desistir de tudo e partir pra outra. Mas como sou persistente, chego junto, marco presença, sapeco cutucada da macheza e ela nem nem. Deu de dizer que se dedicava ao santo da devoção pra gente melhorar de vida. Concordei, ora, dois, três dias depois, eu lá no calcanhar pra ver se ela dava sinal de vida: Respeite o santo, homem! Quando eu me aprumava naquelas carnes gostosas: Hoje não que iniciei uma novena. Dez dias depois, eu fungando no cangote dela: Hoje não que eu me confessei ontem pra hoje ganhar a bênção. Uma semana nisso e eu em cima, encarcando aquelas saliências carnosas que sempre foram meu prazer e ela com a saída de que o santo exigia dela abstinência sexual. Como? Isso mesmo! Você faz a promessa e eu que pago o castigo? Quer ou não quer melhorar de vida? Claro que quero, mas qualquer coisinha de aconchego uma vez na vida, ajuda no jejum. Ah, hoje não, estou com uns desarranjos nas partes pudendas de danar. Não precisa se mexer, nem fazer nada, é só dar uma brechinha nas coxas, um fiapinho de nada, eu vou lá, tuf tuf, você está liberada da função. Assim o santo castiga! Ai meu santo devotado, essa mulher complica demais. E toda noite ela sai perfumada, arrumada, toda emperiquitada, reboladeira, apetitosa e dizendo que vai rezar pro santo! Eu curtindo aperto, morrendo na mão, imaginando coisas e coisas. Ainda ontem mesmo ela saiu com um batom vermelho vivo nos beiços, toda pintada dos pés às cabeça, decotada, penteada, cheirosa, acochada de mostrar os possuídos todos espremidos de quase soltar fora, salto alto, embecada e frochosa, vixe quanta provocação! Mulher quando quer endoida um homem, viu? E eu que sou de carne e osso não escapo: morro lascado de tesão e aperreio. E ela: Vou pra missa rezar pela gente. Ah, mas quando ela voltar... quando ela voltar... jurei pra mim mesmo que de hoje não passa: Vou pegá-la de quatro, aquela vaca. Desejava possuí-la como quisesse, era sua, todinha sua, afinal. Ah se vou. Lá vinha ela, tarde da noite. Quando aprumei o bote, ela foi logo: Nem venha com essa cara de tarado que estou morta de cansada! Pelo amor de Deus, mulher! Pode ir guardando esse mondrongo horroroso pra lá que hoje não tem nem com milagre do céu, estou morta, vou dormir. E não adiantava eu rogar por todos os santos nem por padroeiro que fosse, ela não cedia e eu morria na mão, com o juízo torto e a secura na carne. Estou a ponto de endoidar, não consigo mais trabalhar, não consigo fazer mais nada, só essa danada me fazendo subir pelas paredes, triscar fogo pelos cantos. Na maior agitação da minha doidice, lá vinha ela toda reboculosa: Vou pra missa. Aquietei e apenas disse: Está certo. Deixei a danada sair, lá se foi toda faceira rebolando um charme que me deixava a ponto de comer merda e rasgar dinheiro. Deixei ela distanciar e quando ia lá longe, dei por mim: Vou atrás dela. E fui. Andei que só a má notícia, cheguei à igreja e ela não estava. Cadê-la? Pra onde foi? Que terá acontecido? Aí quando venho de volta pra casa, já desencantado da vida, dei de cara no ponto do ônibus com ela agarrada num sujeito, aos beijos e de língua, pode? Ah, esfreguei bem olhos, não acreditei no que estava vendo, é ela, isso mesmo, é ela. E o cara que está pendurado no pescoço dela, deixe ver... filho da puta... é o cobrador do ônibus. Isso mesmo, vou pegá-los no flagra. Quando resolvi atravessar a rua, nem deram conta da minha presença, fui atrapalhado pelo ônibus que parou pra pegar os passageiros. Esperei ele sair e quando procurei por eles o lugar mais limpo. Olhei pro ônibus, lá estavam lá, dentro dele, agarrados, se beijando. Puta que pariu! Nem pra flagrar aqueles porras eu sirvo. E agora? Não volto mais pra casa. Aliás, a casa é minha, boto ela pra correr, humilhada, jogando tudo dela na rua pra todo mundo saber. Melhor não. Ah, já sei, vou lá, dou uns tapas no cara pra mostrar que sou muito macho e para ele aprender a não mexer com mulher direita; depois, pego ela pelo pinguelo e dou-lhe uma pisa de peia pra ela aprender a não fazer pouco de homem da minha qualidade. Eita! Isso mesmo. Peraí. Não sei pra onde foram, nem sei onde o cabra safado mora. Só sei que vou dar uma pisa nos dois, isso mesmo, nos dois, boto ele pra correr e depois fodo ela todinha só pra mostrar quem é que manda! É isso. Ou melhor, não vou fazer nada disso, vou é acabar com tudo. É melhor. Mas aí eu sou o burro, ela que tem que pagar por tudo, ela e aquele metido a besta. Bem, não sei mesmo o que fazer, resolvi tomar uma, estou bicado, melhor se estivesse estibado pra ir buscar aquela safada de volta, mas estou liso, sem um tostão furado no bolso. Até a meota vou deixar no prego, vai ter zoada, mas vou. Sei não, não sei mais o que fazer, eu só queria ser feliz até o fim dos seus dias, só isso. Não deu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com o compositor, pianista e maestro russo Igor Stravinsky (1882-1971): Rite orf Spring & Symphonis of Winds; da pianista portuguesa naturalizada brasileira, Maria João Pires: Concerto para piano nº 17 de Mozart & Sonata nº 32, op. 111, de Beethoven; do compositor, professor e regente João Guilherme Ripper: Canntiga e Desafio & Jogos Sinfônicos; e da pianista argentina Martha Angerich: Concerto nº 1 in E minor, op. 11, de Chopin & Concerto nº 3 de Rachmaninoff. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] A mente tem muito pouca chance de ser livre; não está apta a ponderar, a sentir, a descobrir, pois as religiões organizadas pelo mundo afora, com suas crenças dogmáticas pelo mundo afora, mutilaram nosso pensamento; as superstições e tradições enclausuraram e condicionaram a mente. São hindus, cristãos, muçulmanos ou pertencem a alguma outra crença organizada que lhes impuseram desde a infância e, desse modo, vivem dentro desse limitado círculo, maior ou menor. [...] Como pode ser livre o homem que leva quarenta anos numa profissão? Olhem o que acontece com o médico. Depois de sete anos ou coisa assim na universidade, pelo resto da vida será um clínico geral ou um especialista e acabará escravo da profissão. Naturalmente que sua margem de liberdade é muito pequena. E o mesmo acontece com os políticos, os reformadores sociais e as pessoas idealistas que perseguem um objetivo na vida. [...] Nossas mentes são simples máquinas. Aprendemos uma profissão e, para todo o sempre, tornamo-nos escravos dela. [...]. Trecho extraído da obra Sobre a liberdade (Cultrix, 1991), do filósofo, escritor e educador indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Veja mais aqui.

UM MITO JIVARRO – [...] Os Jivaro contam em um de seus mitos que o Sol e a Lua, que eram humanos, viviam antigamente na Terra e dividiam a mesma casa e a mesma mulher. Ela se chamava Aoho, isto é, Engole-vento, e gostava do abraço quente do Sol, mas tinha medo do contato com Lua, cujo corpo era muito frio. Sol resolveu fazer ironias sobre essa diferença. Lua, humilhado, subiu para o céu agarrando-se a um cipó, e ao mesmo tempo soprou sobre Sol, eclipsando-o. quando os dois maridos desapareceram. Aoho se sentiu abandonada. Tentou seguir Lua até o céu, levando um cesto cheio da argila que as mulheres usam para fazer cerâmica. Lua percebeu, e para se ver livre dela de uma vez por todas cortou o cipó que unia os dois mundos. A mulher caiu com o seu cesto, a argila se espalhou sobre a Terra, e hoje pode ser encontrada em vários lugares. Aoho se tranmsformou no pássaro que tem o seu nome, e a cada lua cheia, pode-se ouvir o seu lamento, chorando pelo marido que a abandonou. Mais tarde, o Sol também subiu para o céu, usando um outro cipó. Mas, mesmo lá no alto, a Lua continua a fugir dele, os dois nunca caminham juntos e não podem se reconciliar. Por isso o Sol só pode ser visto de doa, e a Lua de noite. [...]. Trecho da obra A oleira ciumenta (Brasiliense, 1986), do antropólogo belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Veja mais aqui.

O MUNDO DA FICÇÃO - Toda obra de ficção encerra dentro de si uma estrutura social. Pois a estrutura da ação romanesca é, de qualquer modo, uma estrutura de convivência: a estrutura das relações interpessoais dos personagens. E essa estrutura é necessariamente social [...] o mundo da ficção é organizado por personagens e situações; em segundo lugar, pelas normas representadas através de crenças, valores, atitudes e sentimentos. Mas são precisamente os valores, as crenças, os sentimentos e as atitudes, todos estes espelhando a ordem normativa, que tendem à coerência sem a qual a estrutura social da ficção não existiria. O universo social da obra de ficção tende a ser um universo siclamente organizado, por mais caótica ou fantástica que se nos apresenta trama de situações. [...]. Trecho de A sociedade real da ficção: uma definição sociológica do romance e da obra de ficção em geral, extraído da obra A realidade social da ficção (FJN/Massangana, 2005), do sociólogo Sebastião Vila Nova.

RIACHÃO DO GAMA, CACHOEIRINHA – Em 1863, Cachoeirinha era um povoado na freguesia de São Bento, onde desemboca o riachão do Gama, afluente do Una. Sua denominação se deve à existência de uma pequena cachoeira a aproximadamente 700m da cidade. O distrito foi criado no dia 12 de maio de 1874 e aos 22 de novembro de 1892, em reunião do Conselho Municipal de São bento, foi discutida e aprovada a lei de divisão do Municipio em dois distritos: o sede e o povoado de Cachoeirinha. A Lei estadual 3309, de 17 de dezembro de 1958, criou o município de Cachoeirinha, desmembrando-se do de São Bento do Una. Sua instalação ocorreu em 1º de março de 1962. Administrativamente, o município é formado pelo distrito-sede e pelo distrito de Cabanas. Anualmente, no dia 21 de novembro, comemora a sua emancipação política, em conformidade com a Enciclopedia dos Municipios do Interior de Pernambuco (FIAM/DI, 1986). Veja mais aqui.

POEMA DE ROSELI NASCIMENTO
Dois corpos
(em chamas)
Fez-se a nudez
Ávidos
À
Vida
Em um mergulho
Solar
Poema da poeta Roseli Nascimento (Cadernos Negros, 1992). Veja mais aqui.

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A ARTE ERNST FUCHS
A arte do pintor austríaco Ernst Fuchs (1930-2015).
 

PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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