OS QUINZE ANOS
DE CLARINHA – Imagem: arte do artista plástico e
visual estadunidense Jim Peters.- Dois
dias antes de debutar, Clarinha gritou por mim. Estacionei o veículo e ela veio
às pressas com aquele seu pujante jeito de ser: blusinha de alças segurando os
seios quase pulando fora e à mostra num decote acentuado, sainha curtinha
cobrindo o estritamente necessário e deixando à mostra um par de coxas para lá
de estonteantes e volumosas, uma juventude num rosto de riso nos olhos vivos e lindos
de morrer. Depois de amanhã é meu aniversário, não se esqueça! Jamais poderia
esquecer, nem que quisesse. Ao chegar à emissora, corri logo pra agenda e com
letras garrafais, no dia marcado, inscrevi: aniversário de Clarinha. Envolvi-me
nos afazeres e só, no dia seguinte, já de noite, lá vinha Clarinha tão bela
quanto nunca, sempre com suas blusinhas de alças decotadas, sainhas minúsculas
e recheio apetitoso esborrando das vestes. Para, para! Sim? Ah, me leva pra
algum lugar, vai! Disse-me apressada já abrindo a porta e sentando ao meu lado
no interior do automóvel. A surpresa de sua invasão não me impediu de uma
olhadela na sainha dobrada ao quadril com o movimento das coxas, sem calcinha,
e o decote dos seios fartos sem sutiã à mostra nos bicos dos seios empinados
estufando na blusinha. Acelerei e engatei primeira pra segunda, segui a esmo
rua afora. Seu aniversário é amanhã, né, Clarinha? É. A tácita resposta me deu
a impressão de que não estava bem. Algum problema? Não, quero que me leve daqui
pra algum lugar, só nós dois. Um restaurante? Não. Um barzinho? Não. Pra onde?
Um motel! Não posso, você é menor de idade. Dê seu jeito, quero ir prum motel,
me leve. Não posso. Tem de poder, eu quero. Aproveitei a aproximação de um
posto de gasolina e estacionei: Não posso levá-la prum motel, você é menor de
idade e seus pais são meus amigos. Tem que me levar, eu quero. Não posso. Eu
quero o meu presente. Ah, seu presente eu ainda vou comprar amanhã. Quero hoje e
agora. Não posso, o comércio já está fechado a esta hora da noite. Não precisa
comprar, basta me dar. O que você quer? Quero um filho seu. Não posso,
Clarinha, sou casado, você tem quatorze anos, é menor de idade, e seus pais são
meus amigos. Eu quero meu presente agora: um filho seu! Não, Clarinha. Você não
sente atração por mim? Não. Você não acha que eu mereço uma peiada e embuchar
de você? Clarinha, eu tenho trinta e cinco anos, sou casado, tenho filhos. Eu
quero um filho seu! Não é assim, Clarinha, sou casado, tenho responsabilidades,
seus pais não me perdoarão. Ah, eu quero um filho seu, sou apaixonada por você
desde minha infância, sonho com você, tenho sonhos e gozos com você todas as
noites, me contorço na cama com você e me toco e gozo diversas vezes sonhando
ser possuída por você, me dê esse presente, vá! Não, Clarinha, não é assim. De repente
ela me agarrou, lágrimas nas faces e me beijou a boca com seu hálito de rosa dos
campos, seu corpo de sedução das mil e uma noites de prazer, seus seios fartos
enchendo as minhas mãos, seu sexo túrgido e nu todo se esfregando ao meu que
foi retirado à força por suas mãos ágeis enveredando braguilha adentro e
enrijecido pelo toque de seus dedos hábeis, apontado pra direção dos seus
múltiplos prazeres e eu sufocado por seus beijos em meus lábios, faces, tronco
aberto da camisa, até alcançar meu sexo sobejado pela saliva abundante de sua
boca gulosa e quente, delirando ávida em me abocanhar até me provocar ereção enlouquecedora,
não, Clarinha, não, mais ela felava e me arriava as calças para esfregar sua
vagina em minhas pernas, ronronando louca e me apertando forte e me engolindo trêmula
e traquina para que eu estertorasse o sacrifício de segurar o gozo enquanto ela
atiçava labareda incendiárias com sua língua inquieta na boca faminta, não
Clarinha, e me sugou e bebeu todo meu gozo como quem tivesse roubado o manjar
escondido. Não, Clarinha. Não, nada, agora tenho você, se não me quer dar um
filho, darei pro primeiro que cruzar e você vai ver, vou me vingar de você com
o primeiro que me aparecer. Abriu a porta do carro e saiu correndo sem que eu
pudesse alcançá-la. Tomou um táxi e sumiu. Segui adiante, fiz o retorno na via
e fui direto em direção pra casa dela. Vi quando o táxi estacionou em frente a
sua residência. Ela desceu e desapareceu lá pra adentro. Eu estava
desconcertado, fui pra casa com ela perseguindo meus pensamentos. Nem consegui
ir pra cama, deitei no sofá e logo dormi sonhando com as peripécias de
Clarinha. O dia amanheceu e acordei com o telefone, atendi: Hoje é meu
aniversário, não falte! Eu me levantei pro ritual de todas as manhãs e fui
trabalhar. A cada hora o telefone: Hoje é meu aniversário, não esqueça! O dia
pela tarde, noite entrante e o telefone insistente. Fui. Lá chegando, poucas pessoas,
festa simples, os pais me recepcionaram alegremente, dei graças ao rever o
poeta há anos que não tinha notícia, foi a minha salvação. Logo ela apareceu
linda como sempre, deu-me um chauzinho de escárnio e puxou o poeta a um canto,
conversaram e muito. Fui surpreendido pelos pais delas, conversamos, mais um
pouco anunciei que ia embora. Não me deixaram, havia uma surpresa no ar,
aguardei. Foi quando Clarinha anunciou o seu presente: o seu casamento com o
poeta. Como? Ele vinte e cinco anos mais velho que ela, como pode? Os pais tão
surpresos como eu, nada entendiam. O poeta no meio da saia justa deixou
entender que se tratava de um arroubo dela, mas que era do seu agrado e desejo.
Formalmente pediu a mão dela em casamento aos pais e me convidou para padrinho.
No meio do mal-estar, depois de muito se olharem, não houve outra alternativa:
todos aceitaram, não pude recusar. Seis meses depois reencontro Clarinha
grávida de mãos dadas com o marido e um convite para que eu fosse o padrinho do
bebê. Não deu tempo nem responder, Clarinha abraçou-me sussurrando: Você não me
quis, mas esse filho é seu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais s com o compositor alemão Carl
Orff e a sua cantata Carmina
Burana & Streetsong; a violinista britânica Chloë Hanslip
interpretando Mozart, Cinema Paradiso de Ennio Morricone & Fantasy de Franz
Waxman; o pianista Nelson
Freire interpretando obras de
Villa-Lobos & Debussy In Recital; e da
pianista e maestro japonesa Mitsuko Uchida interpretando estudo de
Debussy & concerto de Beethoven. Para conferir é só ligar o som e
curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando se
cultiva até o máximo os princípios de sua natureza e assim se procura
exercitá-los segundo o princípio de reciprocidade, não se está longe do
caminho. Não façais aos outros aquilo que não quereis que vos façam. [...].
Trecho do Elogio da vida na dourada mediania: a doutina do meio, extraída da
obra O pensamento vivo de Confúcio (Martins,
1967), reunindo os quatro livros clássicos e os cinco livros sagrados do
filósofo chinês Confúcio (551 a.C. - 479 a.C). Veja mais aqui e aqui.
ESCRAVIDÃO & ABOLIÇÃO - Grande é o
coração, pura e sublime é a alma de um povo humanitário, que se revolta
indignado contra a praga maldita chamada escravidão. Ontem, esta palavra horrenda,
abominável e ignominiosa, esta degradante e tremenda maldição se ostenta cheia
de caprichos sobre as cabeças uns míseros infelizes, que viviam espalhados em
todo o Brasul. Hoje, porém, a providencia divina tem protegido a causa destes
desgraçados. [...] Tudo caminha e a
liberdade não pode estacionar. Por ventura não são os escravos os nossos
irmãos, e por que haveremos de consolar as suas aflições, quebrando os ferros
tremendos em que se acham agrilhoados? Ah! É duro viverem estes míseros
escravos, sem luz, sem amo, sem proteção, submergidos nas trevas profundíssimas
da ignorância, chorando amargamente a sua desgraça dos seus filhinhos. Avante democratas
e abolicionista. Avante republicanos corajosos. A estrada do processo é muito
lnga, caminhai e será completo o vosso triunfo, uma vez que pelejais em prol de
uma causa santa, de uma missão honrosa e sublime, que é arrancar das mãos
impuras e sanguinolentas dos escravocratas o punhal e o chicote com que
retalham as carnes de seus próprios irmãos. Texto da abolicionista Ignez de Almeida Pessoa (Penumbras,
1892), extraído da obra Suaves amazonas:
mulheres e abolição da escravatura no Nordeste (UFPE, 1999), organizado por
Luzilá Gonçalves Ferreira, Ivia Alves, Nancy Rita Fontes, Luciana Salgues, Iris
Vasconcelos e Silvana Vieira de Souza. Veja mais aqui, aqui e aqui.
BELÉM DE MARIA – O território do município era encravado ao de Bonito e
teve sua divisão administrativa ocorrida no ano de 1933, quando o distrito
criado por Lei municipal de 18 de setembro de 1930, passando a ser distrito de
Catende, desmembrado de Palmares e Bonito. Belem de Maria foi constituído em município
autônomo pela Lei estadual 3340, de 31 de dezembro de 1958, com território
desmembrado dos municípios de Catende e São Joaquim do Monte, sendo instalado
em 03 de maio de 1962. Administrativamente é formado pelos distritos sede e
Batateira, anualmente no dia 31 de zembro comemora a sua emancipação política,
em conformidade com a Enciclopedia dos municípios do interior de Pernambuco
(FIAM/DI, 1986). Veja mais aqui.
MULHERES NO MUNDO - [...] o sujeito
ideológico elabora um discurso que evidencia os papeis sociais desempenhos pelo
homem e pela mulher, delimitando os valores e os comportamentos de cada um, os
quais refletem valores e comportamentos nutridos em nossa sociedade. Apesar de
muitas concepções de mundo terem sido modificadas e hoje nos deparamos com
novos conceitos veiculados pelos meios de comunicação de um modo geral, ainda é
prodominante a ideologia machista que define a mulher como um “ser doméstico”,
que vive em prol da casa, dos filhos e do marido, isentando-se de uma vida
cultural que é exterior ao domicilio familiar, porque todas as personagens
femininas e adultas [...] são donas
de casa ou são empregadas domésticas (com uma única exceção – a professora), e
se apresentam, na grande maioria das histórias, usando avental, lenço e
instrumentos de trabalho; em contrapartida, raramente aparecem se divertindo e
nunca exercem qualquer atividade esportiva, cultural ou intelectual. [...].
Trecho do texto No discurso da história
em quadrinho: uma revelação do preconceito no estereotipo da figura feminina,
de Rosemary Evaristo Barbosa,
extraído da obra Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora
(Ideia/Universitária, 2005), organizado por Nadilza Martins de Barros Moreira e
Liane Schneider. Veja mais aqui.
CLARINHA DE ARNALDO TOBIAS
CAPÍTULO 1 – Acompanhei
a sua roupa crescendo no varal. Do meu quintal eu assistia a esse espetáculo
sob o sol e ventos. A anágua azul e a calcinha de rendas e flores bordando
setembro e a primavera. Do seu quintal ela olhando para mim com a indiferença
de ontem. A menina crescendo não sabia que eu escrevia poemas para ela e os
guardava dentro de livros com pétalas de rosas vermelhas. CAPÍTULO 2 – A menina
se fez moça e a roupa diminuiu no espço do corpo. A blusina curta mostrando o
umbigo vertical com a covinha. Não vi mais anáguas azuis no varal. A sainha ou
o vestido no meio das coxas róseas. Clarinha já tinha abolido o sutiã e o
decote desceu oferecendo pretensamente o vértice dos seios. Um dia a surpresa
foi tamanha que me invadiu o peito. Fui convidado de palavra para o seu
aniversário de quinze anos. Senti o seu hálito tão perto que me subiu um calor
no rosto e ela deve ter notado a minha emoção tímida. Prometi ir à festa e fu
comprar uma camisa de cetim e um sapato social. Na festa (sem champanhe e de
poucas pessoas). Clarinha confessou sua paixão por mim desde os nove anos. A paixão
cegava os sonhos e desejos perturbáveis. O pecado consentido. Disse: Mas Clarinha,
eu tenho exatamente quarenta anos. Vinte e cinco mais da sua idade. Disse-lhe:
Para mim você é jovem e tão latente como o sol nascente. Respondeu-me com
metáfora. CAPÍTULO 3 – Quando nos casamos no mesmo ano (sem véu e grinalda) a
festa foi simples como a festa dos seus quinze anos. Clarinha não acompanhou
minha idade avançando. Depois de quinze anos, ela ficou a balzaquiana mais bela
do mundo e eu sessentão acometido de fortes dores na uretra. Tive de um dia
submeter-me a uma inadiável cirurgia (que me impediu de fazer um filho em
Clarinha) na impotencialidade sexual. Então o urologista arrancou-me a castanha
da próstata deixando lá no fundo um carncer me matando de sofrimentos. Clarinha
escusando-se dos meus tratos e asseios. Esquencendo o meu remédio na farmácia. Hoje
a acompanho com resignação e tristeza vendo-a ter filhos com o jardinero. Pago muito
bem ao rapaz para ele trazer rosas vermelhas e fazer Clarinha feliz.
Satisfeita.
Conto do
escritor Arnaldo Tobias (1939-2002),
extraído da Panorâmica do conto em Pernambuco (Escrituras, 2007), organziado
por Antonio Campos e Cyl Gallindo. (Imagem: arte do artista plástico e visual estadunidense Jim Peters). Veja mais aqui.
Veja mais:
&
A ARTE DE JIM
PETERS
A arte do
artista plástico e visual estadunidense Jim
Peters.