O AMOR VENCE A
MORTE - Era
ela linda e mais que isso: Edith nasceu
durante a festa do Yom Kippur. Também era Theresa, a caçula de onze irmãos. Era órfã de pai e
amparada pela devotada mãe quando perdeu a fé ainda jovem. E me viu flagrá-la
com seus olhos socráticos. Na verdade, vi-a passar polonesa pela rua Michaelisstraße,
ali perto morava. Dos seus olhos emanavam a coragem e força materna, um exemplo
ideal. Persegui seus passos e ela correspondia aos meus olhares com um sorriso
angelical de olhos vivos. Durou pouco porque ela abandonou a escola por causa
de uma crise de fé e viajou para a casa da irmã em Hamburgo. Tempos depois
reaparecera para minha felicidade. E retomou os estudos para ser brilhantemente
foi reconhecida pelo empenho e aptidão. Estudávamos história e alemão quando ela se interessou por
filosofia, movida pelas tragédias da guerra primeira. Inquieta e mesmo sem o consentimento
materno, ela fez-se auxiliar de enfermagem voluntariamente, na Cruz Vermelha, e
atuou num hospital austríaco para cuidar de enfermos de doenças contagiosas. Depois
serviu no front, num hospital militar. Cruzamo-nos mais uma vez e soube que
havia se tornado professora suplente, enquanto se doutorava com temática sobre o problema da empatia. Não podia
deixar passar em branco e estudamos fenomenologia com Husserl, enquanto reivindicava
professoras na universidade, sem conseguir emprego. Desiludiu-se com a política
e chorou ao meu ombro. Uma nova e dolorosa crise interior fê-la buscar
do Livro da Vida, enquanto lecionava no liceu para moças e no instituto para
formação de professoras. Escreveu para publicação do seu estudo sobre "Uma
investigação sobre o Estado", enquanto tentava uma cátedra universitária
sem sucesso, até conseguir a docência no Instituto Alemão de Pedagogia
Científica. E me fiz sua filosofia e nos amamos pela
teologia nos delírios dos desejos mais exaltados. Sua boca aos beijos confessava
os anseios aristotélicos mais ousados, e me abrigava em seus seios judeus,
enquanto seus quadris pitagóricos remexiam como se Hypatia cedesse difusa a si
própria ao movimento planetário em torno da minha volúpia solar. E sua vagina
sáfica devorou-me o pênis inchado por seus beijos e lambidas e carícias zis,
para que antecipadamente a canonizasse com meu sexo bruto na revelação da sua
nudez angelical, como se buscasse deus e nele fez-se santa puta a abrigar sua
alma. Mas o mundo lhe era amargo e tornou-se freira carmelita descalça no
monastério de Colônia com a ascensão nazista, sendo proibida de ocupar cargos
públicos. Foi para o Carmelo da Holanda quando passou a sofrer represálias e
nem deu tempo que dissesse adeus. Morreram a mãe e o mestre, afora a violenta
Noite dos Cristais. Deu-se guerra segunda e seus familiares emigraram ou foram deportados.
Ela uma "doctor veritatis" foi,
por fim, capturada pela Gestapo e, como se fosse de vez para o seu povo, foi dizimada
pelo veneno de uma câmara de gás, num campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.
Ela fez-se em mim e comigo ficou para sempre. Veja mais abaixo e mais aqui,
aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Todo o meu
trabalho gira em torno do lugar, do tempo, do espaço interior versus espaço
exterior, da orientação no espaço (muitas vezes, de alguma forma, designada
astronómicamente) e de outros aspectos relacionados com as percepções: a luz, o
espaço, o enquadramento, o foco. Desde 1969, a minha principal preocupação tem
sido realizar esculturas em paisagens ou espaços urbanos abertos, utilizando
materiais como pedra, betão, tijolo e aço. Embora por vezes espaços interiores
(salas inteiras) sejam utilizados como locações, os lugares, tanto interiores
como exteriores, são parte integrante das esculturas, das ideias para os
trabalhos que se desenvolvem a partir da minha relação com esses locais. Os
meus filmes, os meus videoteipes e o meu livro, também concebidos num quadro perceptivo,
são geralmente evocações de paisagens ou deslocamentos de lugares. Indicações
do espaço (através de imagens de rastreamento, panorâmicas, tomadas aéreas e
tomadas de caminhada) e aspectos da natureza (padrões criados pela luz solar,
nuvens de poeira, reflexos na água) são capturados visualmente e transportados
para outros lugares através do filme ao longo do tempo, enquanto o a psicologia
do lugar é revelada por meio de vozes, sons ou músicas locais nas trilhas
sonoras ou no texto que as acompanha.
Declaração da artista estadunidense Nancy Holt (1938-2014) para Video
Data Bank, em 1988.
ALGUÉM FALOU: O mundo não
precisa do que as mulheres têm, precisa do que as mulheres são. E quando chega
a noite, e você olha para trás, para o dia, e vê como tudo foi fragmentado, e
quanto você planejou que foi desfeito, e todas as razões pelas quais você tem
para ficar envergonhado e envergonhado: apenas aceite tudo exatamente como é...
A alma da mulher é constituída como um abrigo onde outras almas podem se
desdobrar. A alma da mulher deve ser expansiva e aberta a todos os seres
humanos, deve estar tranquila para que nenhuma pequena chama fraca seja apagada
pelos ventos tempestuosos; quente para não entorpecer os botões frágeis...
vazio de si mesmo, para que nele haja espaço a vida estranha; finalmente, dona
de si e também do seu corpo, para que a pessoa inteira esteja prontamente à
disposição de qualquer chamado. A mulher procura naturalmente abraçar aquilo
que é vivo, pessoal e completo. Valorizar, guardar, proteger, nutrir e promover
o crescimento é o seu anseio materno natural. Cada mulher que vive à luz da
eternidade pode cumprir a sua vocação, seja no casamento, numa ordem religiosa
ou numa profissão mundana. Não aceite como amor nada que carece de verdade. Aqueles
que permanecerem em silêncio são responsáveis. Pensamento da filósofa judia
alemã Edith
Stein (Edith
Theresa Hedwig Stein, 1891-1942).
DOKKŌDŌ - […] O fato é que o mundo não se importa com você ou comigo, com nossas
esperanças, nossos desejos ou nossos sonhos. E o mundo de
sonhos, esperanças e desejos que se constrói entre nossos ouvidos não é
necessariamente um reflexo do que realmente está acontecendo ao nosso redor. [...] Sinto-me confiante
nesta suposição porque entre mim e os meus alunos de longa data, muitas vezes
acontecem coisas que parecem telepatia, mas é mais verdadeiramente uma relação
que atingiu uma maturidade onde as palavras não são necessárias para uma
comunicação plena. Um rápido aceno na direção de algum equipamento na sala e o
aluno que está lá há anos entenderá que isso significa: “Vá buscar isso”. A
afirmação tácita nessa pergunta é presumida a partir do contexto da lição. Não
preciso dizer exatamente qual equipamento levar, porque eles já sabem o que
estou pedindo. Eles existem há tempo suficiente para serem capazes de somar
dois mais dois. Para um iniciante pode parecer um superpoder, mas é apenas
relacionamento. Poderíamos e deveríamos assumir que o mesmo se aplica aqui. Nem
todos os detalhes precisavam ser explicados. [...] quando você aceita as coisas como elas são, isso permite que você entre na
realidade. O véu de
fantasia com o qual a maioria de nós nos protege é rasgado em pedaços e podemos
lidar com as coisas como elas realmente são, boas, más ou indiferentes. O fato é que o
mundo não se importa com você ou comigo, com nossas esperanças, nossos desejos
ou nossos sonhos. E o mundo de
sonhos, esperanças e desejos que se constrói entre nossos ouvidos não é
necessariamente um reflexo do que realmente está acontecendo ao nosso redor. [...] Se você está
angustiado por alguma coisa externa, a dor não se deve às coisas em si, mas à
sua avaliação delas. [...]. Trechos extraídos
da obra Dokkōdō - The
Way of Walking Alone: Half Crazy, Half Genius—Finding Modern Meaning in the
Sword Saint’s Last Words (Stickman,
2015), do guerreiro lendário, escritor, samurai e espadachim japonês Miyamoto
Musashi (Benosuke, Shinmen Musashi No Kami Fujiwara No Genshin
– 1584-1645), também conhecido pelo nome budista Niten Dōraku e Shinmen Takezō
na cultura popular.
ORAÇÃO PÓS-GUERRA - o futuro começou \ com longos meses \ minados
no tempo, \ só resta o amanhã, \ preferimos estar livres de \ preocupações
enquanto as horas \ correm, passada a \ inércia das coisas \ vamos cantar,
esperar, implorar, \ que nem tudo vai assim rápido \ e a paz para sempre \ está
ancorada? \ poupe-nos da destruição \ e da desgraça permanentes, buscando \ o
que nosso coração deseja, \ lembremo-nos humildemente \ de que nem um único dia
na terra \ retorna \ para nenhum de nós. Poema da poeta e tradutora holandesa Hannie Rouweler,
autora da obra Raindrops on the Water (1988).
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