GERDA SORRI NO
MEU CORAÇÃO... - Aquela pequena sorridente, uma judia charmosa e bela tão corajosa
era Gerta de Stuttgart: uma pequena ruiva com seu sorriso cativante e modos para
lá de confiantes. Oriunda de uma família judia que foi pra Leipzig, logo foi presa
por distribuir material antinazista: colava
cartazes de propaganda comunista nas paredes, sob o manto da escuridão. Ao ser
libertada, ela usou um passaporte falso para viajar por terra até Paris, onde
foi cuidada por uma rede comunista. La pequeña rubia teve que deixar
sua casa e nunca mais voltou. Adotou o nome Taro – homenagem à Tarō Okamoto e Greta Garbo – e suas fotos passaram
a resplandecer no Ce Soir já contrariavam a propaganda nacionalista. Foi
enfrentar o fascismo com viagens à Espanha para documentar combates: tinha um
fascínio e empatia pelo sofrimento do povo espanhol. Foi ali que começou a
desenvolver um estilo próprio de fotografar, construía sua carreira
recusando-se ao casamento. Deveria retornar à França, mas não: estava lá na
linha de frente da guerra, a brutalidade da Guerra Civil Espanhola: bombas caíam
do céu e aviões metralhavam o solo e ela desejava tirar as fotos mais dramáticas
que pudesse, razão pela qual se colocava sempre em risco, situações altamente
perigosas. Fugia das perseguições e lutava para conseguir trabalho. Tirava o
maior proveito de si mesma: um agudo sentimento de exílio no seu radicalismo. Autorreinventava-se
com imprudência e bravura na carreira pelas linhas de batalha, movida por uma
mistura de humanidade e compromisso político, uma compreensão astuta. Numas férias
curtas dançou o Dia da
Bastilha nas ruas abaixo do Sacré Coeur, traçando planos pro futuro. Regressou
sozinha à Espanha desafiando a
proibição de jornalistas viajarem para o front. Tudo era possível: amar,
se arriscar, viver. Contava apenas com 26 anos, capturava a carnificina escondida nas
trincheiras enfrentando uma batalha perigosa e, num retiro em Brunete, a guerra
a consumiu: um tanque a esmagou e ela não deveria estar lá. A heroína sucumbiu,
a anarquista se calou, a pioneira partiu. As suas fotos deste dia foram todas
perdidas e ela quase esquecida, suas conquistas foram desvanecidas. Os negativos
da cronista visual da guerra esquecidos por muito tempo na Mala Mexicana. Veja
mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Sinto-me confiante em mim mesma. Eu me comporto
com equilíbrio, sem medo... Quando você
pensa em todas as pessoas boas que nós dois conhecemos que foram mortas mesmo
em uma ofensiva, você tem uma sensação absurda de que de alguma forma é injusto
ainda estar vivo. Tenho fotos fantásticas, tenho champanhe, vamos dar uma festa.
Eles cuidaram da minha
câmera?... Últimas palavras
da fotógrafa, jornalista e anarquista alemã Gerda Taro (Gerta Pohorylle –
1910-1037), a primeira mulher fotojornalista a morrer enquanto fazia cobertura
de guerra. Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Amar é
estar engajado, é trabalhar, é estar interessado, é criar. Se amo algo eu faço,
e se não amo, não faço. Acho que esta é a escolha mais importante que qualquer
um de nós pode fazer na vida, na arte, na história: fazer aquilo que amamos. Se
você ama, é importante. Se você ama isso, enquanto faz isso, você é uma
verdadeira expressão de si mesmo, de seu tempo e de sua história. Você é
autêntico. Se você não ama isso, você trai não apenas a si mesmo, mas também a
sua história, a sua cultura, a sua posição na sociedade. Sinto que as regras
são feitas para serem quebradas, principalmente na arte! Prefiro a desordem
criativa a regras rígidas. O importante não é que você tenha uma derrota, mas
como você reage a ela. Sempre existe a possibilidade de transformar uma derrota
em outra coisa, algo novo, algo forte. Todas as boas histórias, todas as
pessoas que lembramos são aquelas que fazem isso, que fazem vitórias com seus
fracassos. Porque as vitórias não ensinam nada. As vitórias não são úteis.
Muitas vezes são perigosos. Quando você pode usar palavrões em todas as
situações com todos, isso é uma grande libertação. Pensamento da cineasta
italiana Lina Wertmüller (Arcangela Felice Assunta Wertmüller von
Elgg Spanol von Braucich - 1928- 2021),
diretora de filmes como Peperoni ripieni e pesci in faccia (2004), Ferdinando
e Carolina (1999), Ninfa plebea (1996), Io speriamo che me la
cavo (1992), In una notte di chiaro di luna (1989), Imago urbis
(1987), entre tantos outros. Veja mais aqui.
CARTOGRAFIA - [...] Por um segundo, quase fiquei com ciúmes das nuvens. Por que ele
estava olhando para elas como uma fuga quando eu estava bem aqui ao lado dele?
[...] A definição dela de romance era intimidade
distraída, a maneira como a mão de outra pessoa se desvia para o seu prato de
comida.
Eu respondi: não, isso é apenas amizade; romance é
sempre saber exatamente onde estão as mãos dessa outra pessoa. Ela sorriu e
disse, houve um tempo em que eu também pensava assim. Mas no cerne
do romance está o conhecimento de que essas mãos podem vagar para outro lugar,
mas de alguma forma, por sorte, destino ou tateando às cegas, elas encontrarão
um caminho de volta para você, e talvez você seja inteligente o suficiente para
ser grato por tudo o que ainda é possível, apesar de suas próprias fraquezas -
e as dele [...] Você
tem essa habilidade de encontrar beleza em lugares estranhos.
[...] Eles adoram você porque acham que você
oferece sua amizade e não pede nada em troca. Mas isso não é
verdade-' Ele respirou fundo. 'Você pede
alguma coisa. Você pede que
nunca esperemos que você precise de nós.
[...].
Trechos extraídos da obra Kartography (Harper Paperbacks, 2004), da escritora
paquistanesa Kamila
Shamsie, que no livro Broken Verses (Harper Paperbacks, 2005),
expressa que: [...] Não há mistério
algum-- essa é a beleza disso. Somos
inteiramente explicáveis um ao outro, e ainda assim ficamos. Que
milagre é esse.
[...]. No livro Salt and Saffron (Bloomsbury, 2001), ela traz: [...] Que horror é aquela manhã quando você acorda e seu primeiro pensamento não
é sobre a pessoa que foi embora. É quando você
sabe, eu nunca vou morrer de um coração partido [...] Decisões. Onde, o quê,
por quê. Não consigo
lidar com elas. Então, estou
prolongando a indecisão com o ensino superior. [...]. Por fim, no livro Burnt Shadows (Bloomsbury, 2009),
ela expressa que: [...] Tantas coisas que você
promete a si mesmo que não vai se acostumar, e então se acostuma. [...], como também é autora da frase: Deveríamos
ter histórias em comum, eu me peguei pensando. Deveríamos ter
histórias, e piadas que ninguém entende, e memórias que sabemos que
permanecerão vivas porque nenhum de nós deixará o outro esquecer.
DOIS POEMAS - SEGURANDO
ROSA - O corpo não
deseja ficar desimpedido. \ O braço quer que a criança se afaste \ da panela
fervendo. Sinto falta: da sua fúria \ estridente como paramilitares juniores, \
das suas queixas extravagantes, do seu sono sem fundo. \ Sinto principalmente
falta de seus pequenos corpos, \ doces como sorvetes de verão, como frutas
silvestres. \ Podemos nos separar do mar e viver. \ É como superar uma gagueira
ou um carrapato. \ Ao ensinar diariamente novos hábitos ao corpo, \ os planetas
são persuadidos a sair de órbita. \ Em segundos tudo está desfeito. Segurar
Rosa \ em um hotel em Dublin é dormir \ em uma casa na praia e acordar \ com o
mesmo som. A doca magnética \ da criança ao quadril, da terra à lua, tempo
roubado. O RETRATO - Eu
não fui sempre assim. Aprendi \ a compostura da maneira mais difícil. Essas não
eram cores \ que eu usava até que ele me vestisse. Eu sou a favor do monótono. \
Não é semelhança, é mais minha mãe ou uma irmã. \ Ele alongou meu rosto. Ele me
pintou antes, \ linhas tensas e nítidas, meu rosto cortado como uma jóia \ Em
um triângulo rígido, um brilho inquieto de índigo, \ vermelhão. Quando ele
descobriu a tela, senti \ como quando me peguei no espelho \ e era o rosto
dela. O estranho é que eles nunca se conheceram. \ Está nos ossos, disse ele,
como uma doença. \ Somos a casa um do outro agora e me abraçamos a noite toda. \
Existem vidas piores. Ele me chama de companheiro \ de sua alma. Claro que ele
trai modelos, \ mas um dos consolos da idade é um casamento sólido. \ Ele traça
o entalhe abaixo da minha garganta com o polegar. \ Ele diz que é um V quase
perfeito. Embora \ eu saiba que não é, algo ainda se agita entre meus quadris. \
Quando ele me pinta, vejo uma mancha ali, como um hematoma, \ como se ele
quisesse deixar sua marca, uma resistência \ ao artifício. Ele deixa o fundo
escuro \ para os nossos segredos. Eu o amo bastante. Ele fica. Poemas da poeta irlandesa Mary
O'Malley, autora de obras tais como: A Consideration of Silk (Salmon
Poetry Galway, 1990), Where the Rocks Float (Salmon, Galway, 19930, The
Knife in the Wave (Salmon Co.Clare, 1997), Asylum Road (Salmon
Publishing, 2001), The Boning Hall (Carcanet Press, 2002), A Perfect
V (Carcanet Press, 20060 e Valparaiso (Carcanet Press, 2012).
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