segunda-feira, janeiro 19, 2015

BETINA GONZÁLEZ, CLARIBEL ALEGRÍA, CLÉMENTINE FAÏK-NZUJI, BAKHTIN, BENJAMIN & YVONNE DE CARLO

 


UMA VEZ, YVONNE... – O sonho da mãe que fugira adolescente para se tornar dançarina, malogrou. E do Canadá uma ingênua sonhadora reduziu-se a vendedora apaixonando-se por um charmoso golpista insensível, o seu pai que, ao descobrir a sua gravidez a enxotou de casa. Aos três anos de idade era Peggy ainda criança quando o pai desapareceu de vez. A mãe então regressou à casa dos pais com um sonho a tiracolo - a filha seria uma estrela de balé e seria a sua redenção: Margaret Yvonne Peggy. Os avós religiosos incutiram-lhe uma educação rígida. E foi a escola o seu refúgio: destacava-se nos eventos com sua graça e voz. Por conta disso ansiou tornar-se atriz famosa e respeitada. Levada por seus sonhos a mãe mudou-se para Los Angeles e lá, enquanto trabalhava de garçonete, a filha estudava balé. E aos 17 anos, a pequena Peggy já crescida, abandonou a escola e tornou-se Yvonne, ganhadora de um concurso de beleza na Califórnia – a Miss Venice Beach. Daí conseguiu um papel mínimo em Havard Here I Come. Foi para as telas em westerns e com a eclosão da segunda grande guerra entretia com sua dança as tropas, até conseguir um papel em Route to Morocco. Depois participou de Por Quem os Sinos Dobram, logo em seguida, Salomé. O sucesso bateu-lhe à porta com Frontier Gal, Slave Girl e Lawless and Soulless. Tornou-se uma estrela e foi A Noiva do Pirata, A Águia Deserta, Hotel Sahara, Pescadores de São Francisco, Capitão Furacão, The Keys to Paradise, Sea Devils, foi a esposa de Moisés n’Os Dez Mandamentos e My Sin Was Being Born. Passou a ser confundida com a grande estrela Dorothy Lamour e, enquanto sua carreira decolava, encontrou não só homens dispostos a pagar para vê-la dançar, como ricaços sangue azul a disputavam. Quantos amantes e, mesmo assim, o destino parecia-lhe miserável. Amou e casou-se, teve dois filhos. Chega a ser considerada A Mulher Mais Bonita do Mundo, a ponto de inspirar Rimsky-Korsakov e Wagner. Para quem já fora a bela Scheherazade, ela confundia seus detratores com hábeis atuações cômicas, esbanjando beleza e talento. Veio Real Man e o cuidado com o marido enfermo. Foi a vez de Família Munsters e ela já era a adorável mãe vampira Lily para sempre. Chegou a vez do divórcio e o brilho na Broadway com Follies. E foi impetuosa em Tânger e acolhedora em Gibraltar, foi sensual artista de café caribenho em Flame of the Islands, foi tanto beldade sulista como Maria Madalena, afora ter sido uma atraente viúva governanta que causou ciúmes até na esposa de John Wayne e superava a velhice com a magnitude de cantar Can that Boy Fox-Trot e I'm Still Here: Estou quase terminando minhas memórias...Yvonne: An Autobiography... Premiada voltou a atuar no cinema e na televisão e interpretar a Lily Munster e mais de 100 filmes nos costados. Morre o seu filho caçula, ela sofre um derrame e vai para uma casa de repouso para virar uma lenda: Yvonne De Carlo! Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Acho que tenho uma vida dupla e confesso que estou feliz com ambos. Gostei de fazer comédias porque o riso é universal e acredito que é importante levar alegria à vida das pessoas. Descobri que tinha a capacidade de fazer comédia. Meu timing foi realmente inato. Nunca me senti glamorosa, ainda não me sinto. Nunca me senti uma beldade e particularmente não acho que o seja. Sempre acreditei em ser verdadeiro consigo mesmo. É importante manter os pés no chão e lembrar seus valores. Capacite sua mente em qualquer lugar, a qualquer hora. É importante valorizar as pequenas coisas da vida, porque são elas que lhe trazem a verdadeira felicidade. Não tenho medo de envelhecer. A idade traz sabedoria e experiência, e isso não tem preço. Pensamento da atriz canadense Yvonne De Carlo (Margaret Yvonne Middleton – 1922-2007).

 

ALGUÉM FALOU: É importante estar satisfeito com os próprios dons, porque o que alguém faz bem para si mesmo pode servir aos outros de uma forma ou de outra. Nenhum ser humano pode começar a sua vida fora de si mesmo. É suspeito ver alguém negligenciando sua casa para fazer trabalhos de caridade. Quando escrevo algo que me satisfaça espero que meu vizinho ou meus amigos queiram ler, e é assim que acontece. Pensamento da escritora congolesa Clémentine Faïk-Nzuji Madiya.

 

GÊNEROS DO DISCURSO – [...] Todo estilo está indissoluvelmente ligado ao enunciado e às formas típicas de enunciado, ou seja, aos gêneros do discurso. Todo enunciado oral, e escrito, primário e secundário e também, em qualquer campo de comunicação discursiva_ é individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual [...] Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação, em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso [...]. Trechos extraídos da obra Estética da criação verbal (Martins Fontes, 2003), do filósofo e pensador russo teórico da cultura e das artes Mikhail Bakhtin (1895-1975). Veja mais aqui.

 

NARRADOR – [...] Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo [...]. Trecho extraído da obra O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (Brasiliense, 1992), do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940). Veja mais aqui.

 

ARTE MENOR - [...] Tudo passou a ser uma questão de saber ou não saber, à medida que o roteiro foi substituído por uma cascata de improvisações. Cortes de cabelo, dietas, músicas gravadas nas rádios, os ritmos desobedientes do meu corpo, o avental por cima da túnica, a praça vazia, as minas nos peitos nas revistas, o rímel contrabandeado apesar da mãe, a ginástica na frente da televisão, Mazinger e o Hardy Rapazes, o Papa visto através de um pequeno dispositivo de papelão com um espelhinho na ponta, a multidão aquecida por volumes de papa evangelizadora. Sombra azul clara até as sobrancelhas, ausculta de virilhas, sutiãs para sapatos de verniz, hinos de TV como Sancor mas pior, a praça cheia, mais Hardy Boys, tateando, os primeiros assaltos com Coca Cola, saias lisas, comunicações de milhares de figuras , minas de tanga, praça cheia, americano best-seller, minissaias, escudos, beijo e matança de pintinhos, meias de náilon para tiaras, fim dos Trigêmeos de Ouro, pichações silenciadas, domingos eternos da juventude. As instruções sonâmbulas dos meus professores, mais minas em bolas, bandeirinhas, preto e branco, mais instruções, procedimentos, azul claro e branco, DNI, mais papéis, menos papéis, fuga no século 23, anéis de plástico para anéis de ouro, professores isso nos mostrou – como se em vez de uma cartilha de defesa civil estivessem seguindo um manual de demonologia – como qualquer tipo de perigo poderia ser evitado se alguém conseguisse ficar sob o batente de uma porta. [...] A escola nunca foi importante para papai. Mamãe nos plantou e transplantou seguindo o ritmo de seus diagnósticos e convicções, enquanto ele permaneceu em seu universo privado e inacessível, onde suas filhas entravam de vez em quando como pequenos motivos de um quadro maior que só ele conhecia. Sempre deixei essas decisões nas mãos de minha mãe, que travava guerras incompreensíveis com os padres e freiras nas escolas, alimentava ressentimentos com pais e professores dos quais éramos exilados para um novo círculo de estranhos. Longe de serem traumáticas, estas migrações escolares foram para mim como pequenas excursões nas quais logo aprendi o valor do anonimato; Gostei de me sentir distante das brincadeiras das outras meninas, sabendo que era transitória naquele lugar. Conhecer os ritmos e formas de outras escolas me fez sentir superior, além das brigas e medos particulares que tanto poderiam preocupar os outros. Senti que o verdadeiro perigo era não conhecer o roteiro ou não executá-lo com eloquência suficiente. Com uma arrogância protectora que por vezes se manifestava como isolamento e outras vezes como momentos esporádicos de liderança, surpreendi os meus professores com a minha capacidade de adaptação e de fazer novos amigos quando para mim eles eram na verdade como bonequinhas recortadas em papel: perfeitos no seu mundo . circular, todos iguais, todos descartáveis. [...]. Trechos extraídos da obra Arte Menor/ Through My Father's Art (Alfaguara, 2007), da escritora argentina Betina González, que na sua obra Las poseídas (‎Tusquets, 2013), expressa que: [...] As coisas tendem a quebrar, a se separar, a se dissociar naturalmente. Nada do que fazemos tem outra função senão acelerar esse processo. São muito raros os casos em que ocorre o contrário – qualquer aproximação, qualquer intimidade carrega consigo a semente potencialmente destrutiva do amor. A depravação absoluta não está reservada aos demônios. A deprevação absoluta é a aceitação daquela verdade que o rodeia com sua rara beleza. Não é necessário compreender mais do que essa lei para entrar sem problemas na música do mundo e na sua constante negação da vida. [...]. Ela também é autora de obras como Jogos de praia (Clarín-Alfaguara, 2008), El amor é uma catástrofe natural (Tusquets, 2014) e América alucinada (Tusquets, 2013).

 

FLORES DO VULCÃO - Quatorze vulcões surgem \ no meu país lembrado, \ no meu país mítico. \ Quatorze vulcões de folhagem e pedra \ onde estranhas nuvens seguram \ o guincho de um pássaro sem lar. \ Quem disse que meu país era verde? \ É mais vermelho, mais cinza, mais violento: \ ruge Izalco, ceifando mais vidas. \ O eterno Chacmol coleta sangue, \ os órfãos cinzentos, \ o vulcão cuspindo lava brilhante \ e o guerrilheiro\ morto e os mil rostos traídos, \ as crianças que observam \ para contar. \ Nenhum reino nos restou. \ Um por um, eles caíram \ por todas as Américas. \ O aço ressoou nos palácios, \ nas ruas, \ nas florestas \ e os centauros saquearam o templo. \O ouro desapareceu e continua \ desaparecendo nos navios yanquis, \ o café dourado misturado com sangue. \ O padre foge gritando \ no meio da noite, \ chama seus seguidores \ e eles abrem o   peito do guerrilheiro\ para oferecer ao Chac \ seu coração fumegante. \ Em Izalco ninguém acredita \ que Tlaloc esteja morto, \ apesar da televisão, \ das geladeiras, \ dos Toyotas. \ O ciclo está se fechando, \ estranho o silêncio do vulcão \ desde a última vez que respirou. \ A América Central tremeu, \ Manágua ruiu. \ Na Guatemala, a terra afundou. \ O furacão Fifi arrasou Honduras. \ Dizem que os ianques o rejeitaram, \ que ele estava se movendo em direção à Flórida \ e o forçaram a recuar. \ O café dourado é descarregado \ em Nova York, onde \ é torrado, moído \ e dado um preço. \ Siete de Junio \ noche fatal \ bailando el tango \ la capital.\ Dos terraços sombreados\ O vulcão de San Salvador sobe. \ Mansões de dois andares \ protegidas por muros de \quatro metros de altura \ sobem pelos seus flancos, \ cada uma com grades e jardins, \ rosas da Inglaterra \ e araucárias anãs, \ pinheiros uruguaios. \ Mais acima, na cratera \ dentro das paredes da cratera \ vivem famílias camponesas \ que cultivam flores que \ os seus filhos podem vender. \ O ciclo está se fechando, \ as flores de Cuscatlecan \ prosperam nas cinzas vulcânicas, \ crescem fortes, altas, brilhantes. \ Os filhos do vulcão \ descem como lava \ com seus buquês de flores, \ como raízes serpenteiam \ como rios o ciclo se fecha. \ Os donos de casas de dois andares \ protegidas dos ladrões por muros \ espiam das suas varandas \ e vêem as ondas vermelhas descendo \ e afogam os seus medos em whisky. \ São apenas crianças em farrapos \ com flores do vulcão, \ com Jacintos e Pascuas e Mulatas\ mas a onda está aumentando, \ o Chacmol de hoje ainda quer sangue, \ o ciclo está se fechando, \ Tlaloc não está morto. Poema da escritora nicaraguense Claribel Alegría (1924-2018). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

SACADOUTRAS

 

A CARTA ROUBADA – O conto A carta roubada, do escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1840) é tema de um dos capítulos dos Escritos do psicanalista Jacques Lacan. A história narra a engenhosa ação de personagens na reconquista de uma carta roubada, assinalando o mistério que “[...] é a posse da carta, e não qualquer emprego da mesma, que lhe confere poder. Se ele a usar, o poder se dissipa”. A arte de Poe nesse conto é extremamente potencializada, quando ele coloca na voz de um dos personagens que: “[...] Quando quero saber até que ponto alguém é inteligente, estúpido, bom ou mau, ou quais são os seus pensamentos no momento, modelo a expressão de meu rosto, tão exatamente quanto possível, de acordo com a expressão da referida pessoa e, depois, espero para ver quais os sentimentos ou pensamentos que surgem em meu cérebro ou em meu coração, para combinar ou corresponder à expressão [...]”. Mais adiante encontramos: “[...] O mundo material contém muitas analogias estritas com o imaterial e, desse modo, um certo matiz de verdade foi dado ao dogma retórico, a fim de que a metáfora, ou síntese, pudesse dar vigor a um argumento, bem como embelezar uma descrição”. Um primor de arte. Confira mais aqui, aquiaqui.

Imagem: The Large Bathers (Les Grandes baigneuses), do pintor francês Paul Cézanne (1839-1906). Veja mais aqui.

Ouvindo: o Concerto nº 3, C major, op. 26, de Sergei Prokofiev, com a pianista brasileira Magda Tagliaferro (1893-1986) e L´Orchestre National  del´RTF, com direção de Francesco Mander. Veja mais aqui.


NARA: A ETERNA MUSA DA BOSSA NOVA – A cantora e musa da Bossa Nova, Nara Leão (1942-1989) apareceu para mim com aquela vozinha linda cantando A Banda, de Chico Buarque, num dos festivais. Aquele rostinho lindo tocando um violão sobre as pernas bem torneadas me seduzia a ponto de virar fã de carteirinha e não deixar de ouvi-la noitedia na vitrola cada um dos seus LPs, do primeiro disco até o memorável My foolish hear. Guardo na lembrança o maravilhoso talento dessa artista e minha eterna homenagem. Veja mais aqui.


JANIS: A FOTO DA PAIXÃO – Estava eu saindo da infância pra adolescência quando vi essa foto da cantora norte-americana Janis Joplin (1943-1970): eu me apaixonei por ela na hora. Primeiro a foto da rainha do Rock and Roll; depois que foi a música e o seu jeito de cantar que me cativaram com blues, soul e muito rock. Era um tempo da gente manifestar nosso desejo de paz, amor e muita porralouquice. Já era tarde e, parodiando Cazuza, a minha heroína havia morrido de overdose. Só me restava curtir a sua foto e a sua voz. Minhas homenagens sempre. Veja mais aqui.
E como todo dia é dia da mulher, a minha homenagem diária pra ela com a Fashion Rio, do Miguel Paiva.


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